terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Porcos e espantalhos ou Ille qui male ludit ad palaestram lusoriam non est invitandus

Começo informando ao leitor que não estou em guerra com todo e qualquer economista que se autodenomine heterodoxo, pelo contrário, tenho vários amigos e colegas que se autodenominam heterodoxos, participei de eventos promovidos pela AKB, já fui convidado para participar do Seminário de Economia Mineira em Diamantina, convite que aceitei com muita satisfação e definitivamente não me arrependi de ter aceito, e, quando fui secretário adjunto da ANPEC foi por convite de uma economista pós-keynesiana que foi eleita secretária executiva. Em várias oportunidades trabalhei junto com economistas autodenominados heterodoxos em fóruns, reuniões e encontros. Nas situações onde eu representava a UnB e o assunto em debate envolvia interesses comuns a grandes departamentos em universidades públicas me entendi várias vezes com a turma da UFRJ, UNICAMP e UFMG. Nada disso me impede de ser um duro crítico do desenvolvimentismo, que é uma mistura de estruturalismo e pós-keynesianismo com pitadas de outras heterodoxias a depender do autor, e crítico da maior parte do pensamento heterodoxo. Eu separo pessoas de ideias e não estou nem um pouco preocupado se meu interlocutor faz ou não a mesma separação.

Dito isso, passo para o assunto do post que é a reação de um grupo de economistas a um texto do Alexandre Schwartsman publicado originalmente na Folha de São Paulo (link aqui). O motivo para reação foi que no texto alguns economistas heterodoxos bem conhecidos de todos são apresentados como animais de fazenda, a forma da reação foi uma nota de repúdio enviada a Folha de São Paulo (link aqui). Na sequência vieram um texto do Carlos Eduardo Gonçalves no Estadão (link aqui), uma resposta do Belluzo (link aqui), um texto do Mansueto Almeida (link aqui), uma petição pública em apoio a Alexandre Schwartsman que eu assinei tão logo soube da existência (link aqui), um outro texto do Mansueto (link aqui), um outro texto do Carlos Eduardo (link aqui) e um texto no Economista X (link aqui). Além destes textos tratando diretamente do tema encontrei mais dois textos que fazem referência ao texto original do Alexandre Schwartsman e/ou a resposta de Belluzo, ambos favoráveis a tese original do Schwartsman. O primeiro do Rodrigo Peñaloza (link aqui) argumenta que crises costumam ter responsáveis e que o riso é uma forma válida de contrapor um argumento, o segundo, do Marcos Lisboa e do Carlos Eduardo (link aqui), argumenta que os economistas heterodoxos que criaram e implementaram a Nova Matriz Econômica são os responsáveis pela crise. Se pulei algum texto peço desculpas, estes foram os que li e consegui lembrar, e, creio eu, permitem ao leitor interessado ter uma ideia do que está acontecendo.

Conhecida minha não beligerância com todo e qualquer heterodoxo que passe no meu caminho e a polêmica em que vou me envolver passo ao ponto especifico que quero fazer nesse post. Economistas heterodoxos me parecem ter dificuldades em apresentar as próprias teses sem fazer referência a economistas ortodoxos. Por exemplo, eu, o Victor Gomes e o Adolfo Sachsida temos um texto bastante citado onde aplicamos o modelo básico de ciclos reais de negócios para a economia brasileira (link aqui), nem o modelo e nem a análise são apresentados como contraponto a teoria keynesiana ou a qualquer outra teoria. Claro que fizemos a revisão de literatura, mas a revisão não tratou de temas sem relação direta com o nosso tema e tanto o modelo como a a análise possuem vida própria, é perfeitamente possível ler o artigo pulando trechos de forma a ler apenas o modelo e a análise. O mesmo não acontece com vários textos “heterodoxos” que leio, geralmente teses ou dissertações que sou convidado a participar da banca. De fato, em quase todas as bancas "heterodoxas" que participei sugeri ao autor que dedicasse menos tempo a falar de autores ditos ortodoxos que não são relevantes para o modelo da tese e mais tempo ao modelo e/ou na análise proposta na tese.

Qual o problema de usar tempo falando dos “ortodoxos” em uma tese “heterodoxa”, poderia perguntar o leitor, não é bom mostrar o contraponto, continuaria perguntando o leitor. O problema é que os tais ortodoxos descritos como contraponto via de regra não existem ou, se existe, não representam o pensamento ortodoxo, talvez pelo fato que não existe um pensamento ortodoxo que possa ser apresentado como contraponto. A verdade é que, ao contrário da heterodoxia que são várias e cada uma segue um determinado paradigma, a ortodoxia é ampla e admite conflitos até mesmo entre paradigmas. A escola austríaca é uma heterodoxia que tem determinados paradigmas que identificam os seguidores de tal escola, o mesmo vale para os pós-keynesianos ou neo-schumpterianos ou qualquer outra heterodoxia. No lado ortodoxo a coisa é mais complicada, um economista novo-keynesiano, por exemplo o Mankiw, tem uma abordagem para moeda e política monetária muito diferente da de um economista de Chicago, por exemplo o Lucas, e mais ainda da abordagem do pessoal de ciclos reais, por exemplo o Prescott. Sendo assim como dizer que “ortodoxos defendem que moeda é neutra”, frase comum em monografias de alunos com pretensões heterodoxas. Mankiw é um economista heterodoxo? Quando dizem que “ortodoxos acreditam que em mercados perfeitamente competitivos” estão mandando para heterodoxia toda a literatura de organização industrial? Por aí vai... ao criar a “visão ortodoxa” que servirá de contraponto para sua tese o que o jovem economista heterodoxo está criando é um espantalho. Aí começa o perigo.

Se fica entendido que o espantalho é apenas um recurso para apresentar onde o modelo rompe com o que o autor considera ortodoxia então temos apenas uma forma pouco elaborada de apresentar um argumento. Porém, se o espantalho começa a ganhar vida e se transforma em interlocutor, começamos a tomar um caminho perigoso, tão mais perigoso quanto mais intenso e mais próximo da política for o debate com o espantalho. No limite o economista que estudou em algumas das melhores escolas do Brasil e/ou do exterior, que fez provas e infinitas listas de exercício (os malditos homeworks até hoje me assombram) sobre informação imperfeita, informação incompleta, escolha envolvendo risco, incerteza, falhas de mercado, modelos de competição imperfeita e etc é reduzido a um sujeito que não consegue pensar o mundo que não dentro do paradigma de mercados perfeitamente competitivos com previsão perfeita. A hipótese que o sujeito possa usar o modelo ciente das limitações do mesmo é abandonada em prol da hipótese que o sujeito é algum tipo de idiota, um débil mental, uma pessoa sem senso de realidade ou mesmo alguém com más intenções.

É claro que nem todos os heterodoxos caem na tentação de entrar em debates cada vez mais aguerridos com espantalhos, se os que conheço formarem uma amostra representativa eu diria que maioria não cai nesta tentação, mas, infelizmente, a grande maioria dos heterodoxos costuma ter uma postura leniente com os que duelam até a morte do espantalho. Um duelo estranho onde toda vez o espantalho morre apenas para retornar maior e mais temível para o próximo embate. Para ficar no exemplo do segundo texto do Carlos Eduardo, não lembro da reação indignada dos que ficaram indignados com o Alexandre Schwartsman quando Maria da Conceição Tavares chamou Marcos Lisboa de débil mental, aqui pouco importa que Marcos Lisboa tenha minha admiração desde a época que era o melhor aluno em um tempo e um lugar onde eu estava entre os piores, se é para ficar melindrado com ataques pessoais é preciso que a indignação apareça com ataques a qualquer pessoa, se não for assim a indignação não é exatamente com o ataque pessoal e sim com o alvo do ataque pessoal. Que fique claro, eu não fico indignado com ataques pessoais em abstrato e, portanto, não me sinto obrigado a mostrar indignação com a ataques pessoais a quem quer que seja. Sou da turma que acredita que ninguém tem o direito de não ser ofendido.

A questão não vem de hoje, lembro que uma vez perguntaram ao Simonsen porque ele não debatia com certos economistas heterodoxos, naquela época Simonsen era chamado de ortodoxo pelos heterodoxos, e ele respondeu que tais debates costumavam chegar a um ponto onde a única resposta possível seria xingar de volta. Ocorre que de uns tempos para cá os que aceitavam calados encarnar espantalhos resolveram revidar de fato, não apenas na imaginação de seus criadores, e a reação não foi a esperada pelos criadores. Alguns economistas ditos ortodoxos começaram a mostrar que não correspondiam a descrição feitas pelos “heterodoxos”, apareceram blogs e colunas de jornais com economistas mostrando que dominam e podem aplicar um gigantesco conjunto de modelos teóricos e técnicas de análise empírica. Como enquadrar a turma que estuda pobreza e que todo ano inunda os encontros de economia com avaliações positivas do bolsa família no espantalho? Como enquadrar a turma de organização industrial, inclusive os que estão ou estiveram no CAD, no espantalho? Como enquadrar o pessoal de teoria da decisão no espantalho? Como enquadrar o pessoal da economia comportamental no espantalho? Como enquadrar no espantalho aquela turma que manda bem na econometria e alimenta debates importantes como a questão racial, a questão de gênero e a questão do porte de armas?

A medida que estes economistas foram aparecendo e ganhando espaço a figura do espantalho foi tomando uma forma clara de espantalho e os que brigavam com tais espantalhos foram caindo no ridículo. Alguns recuaram e largaram mão dos espantalhos outros se tornaram mais agressivos com seus espantalhos. Daí começou um outro tipo de resposta, os economistas que deveriam estar encarnados nos espantalhos não mais se contentaram a mostrar que não eram espantalhos como resolveram “xingar de volta”. Neste ponto Alexandre Schwartsman, que eu considero um economista keynesiano, tomou um papel de destaque, o estilo agressivo ofende alguns, principalmente os que estão acostumados a aplausos, mas não é nada que justifique a perseguição que já fizeram a continuam fazendo a Schwartsman. Muitos dos que acusam Alexandre Schwartsman usam o mesmo estilo agressivo para referir a seus “oponentes” ou são lenientes com que usa. Não consigo ver a tal nota de repúdio como diferente da reação daqueles acostumados a estar do lado dos que batem ao perceberem que o amigo que mais fala grosso tomou uma porrada em público e, pior, não conseguiu revidar, a resposta ao primeiro texto onde aparece o Dr. Belleza foi triste. Eu ia terminar o texto fazendo referência a turma do porco e dizendo “quem não sabe brincar, não desce para o play”, mas graças ao Rodrigo Penãloza vou poder usar a estratégia de terminar o texto em latim para que pensem que eu sou inteligente independente de qualquer bobagem que eu tenha dito, lá vai: ille qui male ludit ad palaestram lusoriam non est invitandus.



domingo, 20 de dezembro de 2015

Anotações a respeito do desenvolvimentismo e da chegada de Nelson Barbosa à Fazenda

A chegada de Nelson Barbosa ao Ministério da Fazenda foi acompanhada de uma série de comentários receosos com uma expansão do gasto no que seria a volta da Nova Matriz Econômica. A lógica que justifica o receio é que sendo Nelson Barbosa um economista keynesiano ele acredita que qualquer expansão do gasto público em qualquer tempo e lugar leva a um crescimento do PIB, ocorre que não é assim que pensam todos os keynesianos e isso não deixa de ser verdade se consideramos apenas os keynesianos chamados de heteredoxos. Caso não acredite em mim leia o que disse José Oreiro (link aqui), presidente da Associação Keynesiana Brasileira:

Não necessariamente. No modelo keynesiano simplificado dos livro-textos introdutórios de macroeconomia é verdade que uma contração fiscal leva a uma queda do nível de atividade econômica e emprego. Mas a realidade é mais complexa do que isso...”

É bem verdade que alguns economistas keynesianos (para não cansar o leitor vou usar o termo keynesiano para me referir ao keynesianos heterodoxos, grosso modo pós-keynesianos, não é um bom termo posto que o pensamento de origem keynesiana mais difundido na academia americana, os chamados novos-keynesianos, é visto como ortodoxo no Brasil) fazem um serviço a economistas liberais como eu ao dar vida a um espantalho que pede expansão fiscal mesmo no atual estado da economia brasileira, mas isso é tema para outra conversa, o que importa aqui é que nem todos os keynesianos estão contra o ajuste fiscal e, até onde eu tenha conhecimento, Nelson Barbosa está entre os que querem o ajuste fiscal. É claro que a origem keynesiana do pensamento de Nelson Barbosa fez com que no passado ele se recusasse a ver o problema fiscal que estava se formando, de fato Barbosa chegou ao extremo mal gosto de chamar de terrorista os economistas que, como eu, alertavam para o problema fiscal (link aqui), mas, mesmo tendo sido classificado como terrorista, não o devolverei o favor e digo que hoje não tenho motivos para não acreditar na sinceridade de Barbosa quando afirma que quer continuar com o ajuste fiscal. Só não sei se as ideias de Barbosa são compatíveis com o ajuste fiscal.

O que vale para Barbosa vale para a Nova Matriz Econômica, a perda do controle fiscal que ocorreu na vigência da Nova Matriz foi muito mais um efeito do que um desejo. O grande problema da Nova Matriz não está no lado fiscal, está na filosofia intervencionista que coloca o governo como o grande ator do processo de crescimento. Como já disseram outros economistas não fosse a queda da receita o problema fiscal seria bem menor, ocorre que a queda da receita não foi punição divina nem algo do tipo, também não foi consequência de choques externos como querem os economistas governistas, se não acredita explique porque outros países exportadores de commodities não estão com uma crise tão grande como a brasileira. A crise atual está relacionada a uma série de intervenções que podiam até ser bem-intencionadas, o noticiário da Operação Lava Jato torna quase impossível acreditar nas boas intenções das intervenções, mas tiveram consequências desastrosas. O problema da economia brasileira se deu no nível micro e foi para o nível macro, não o contrário.

Antes de seguir para origem de nossos problemas econômicos vou tratar com mais cuidado do lado macro e tentar desfazer alguns mitos relativos aos últimos anos. O primeiro e talvez mais persistente mito é que o governo Lula teve um modelo de crescimento baseado em consumo e que isso sacrificou o investimento (tratei do assunto aqui). A figura abaixo mostra a taxa de investimento no Brasil entre 1995 e 2013, os dados dessa figura e de todas as outras são das contas nacionais ano de referência 2000. Repare que não existe uma tendência de queda da taxa de investimento, pelo contrário, se fizermos uma tendência linear, linha verde, ela será crescente, se fizermos uma média móvel de dois períodos a queda só vai aparecer no final, quando a crise já era (quase) inevitável.




A verdade é que os desenvolvimentistas se preocupam com investimento, de fato elevar a taxa de investimento é uma das prioridades da agenda econômica do desenvolvimentismo, tão prioritário que os desenvolvimentistas em peso apoiaram as ações do BNDES para estimular o investimento. Na lógica desenvolvimentista o investimento induzido pelo governo de plantão é bom porque direciona os recursos para as atividades certas, via de regra a indústria, e também é bom porque estimula a demanda agregada. Não precisa de muito tempo de conversa com um desenvolvimentista para que ele comece a defender os gastos em investimento, nada muito diferente do que se encontra em nove de cada dez análises feitas por jornalistas econômicos, o que não é uma surpresa pois nove de cada dez jornalistas econômicos conversam quase que exclusivamente com desenvolvimentistas, alguns talvez não assumidos.

Quem me acompanha sabe que não sou simpático a tese que o governo deve priorizar gasto em investimento no lugar de gasto corrente, primeiro porque gasto de investimento hoje é gasto corrente amanhã, hospitais sem médicos e escolas sem professores não me parecem algo desejável, segundo porque a chance de o governo direcionar o investimento para o lugar errado é altíssima, tratarei da questão mais à frente. Naturalmente a maioria dos jornalistas econômicos com quem converso ficam espantados quando falo o que acabei de escrever, mais uma vez a razão é simples: jornalistas econômicos não estão acostumados a conversar com economistas liberais do tipo que não acredita no governo como principal indutor de crescimento, lamento, mas a parte final não foi redundante, se não acreditar no que digo busque na internet para ver quantos “economistas liberais” cedo ou tarde acabam defendendo “o papel estratégico do governo para estimular o investimento”.

Outra questão que tem de ser desmistificada é a explosão do gasto público. De fato, os governos petistas inverteram a tendência de queda do gasto como proporção do PIB, a figura abaixo ilustra bem isso. Percebam que a tendência linear para todo o período é crescente e que a tendência com média móvel se torna crescente a partir de 2004, caso o leitor esteja estranhando os números lembre que estou trabalhando com os dados das Contas Nacionais, ou seja, o gasto público é apenas o gasto em consumo, não considera as transferências (e.g. bolsa família) nem o investimento do governo.




A figura deixa claro que houve um aumento do gasto público no petismo, mas a magnitude do aumento pode não ser tão grande quanto sugerido pela figura. Se consideramos o período como um todo o gasto foi de 21,04% para 21,97% do PIB, se considerarmos apenas o período dos governos petistas o gasto foi de 20,57%, último ano de FHC, para 21,97% do PIB, último ano da amostra. A figura abaixo repete a figura acima, porém mudei a escala do gráfico para começar do zero, igual ao do investimento, repare que tudo fica bem menos impressionante desta forma. Note que não estou dizendo que um aumento no gasto de 1,5% em relação ao PIB em 10 anos não é um problema, pelo contrário, apenas estou dizendo que tal aumento não justifica que estejamos na maior crise de nossa história recente.




Dois últimos pontos relativos à macroeconomia devem ser tratados antes de seguirmos adiante. O primeiro diz respeito ao câmbio e o segundo diz respeito aos juros. Desenvolvimentistas costumam pregar que o governo deve agir para desvalorizar o câmbio e reduzir os juros, alguns desenvolvimentistas dizem que economistas ortodoxos e/ou liberais (não são a mesma coisa, mas não vou tratar da diferença hoje) defendem juros altos e câmbio valorizado. Não é verdade, economistas liberais e/ou ortodoxos via de regra acreditam que juros e câmbio são preços e, por isso, não podem e não devem ser definidos de acordo com as conveniências do governo ou de quem quer que seja. A razão dos desenvolvimentistas para pedir desvalorização do câmbio está relacionada a fixação desenvolvimentista por estimular a indústria, um câmbio desvalorizado compensaria desvantagens competitivas da indústria local e seria uma forma eficiente de proteção à indústria, em particular o câmbio desvalorizado reduziria o salário real em moeda forte. Aqui existe controvérsia entre os desenvolvimentistas, uns defendem que se o câmbio estiver no lugar certo pode ser praticamente a única forma de proteção à indústria, outros acreditam que o câmbio desvalorizado deve conviver com tarifas e outras barreiras à importação. Não sei dizer onde Nelson Barbosa se enquadra hoje, porém imagino que brutal desvalorização do real tenha acalmado o nervosismo desenvolvimentista com o câmbio. Aqui existe uma suprema ironia que não posso deixar de registrar, se José Serra, um desenvolvimentista, estiver certo, acredito que ele está errado, e vier a ser Ministro da Fazenda em um eventual governo de Michel Temer irá colher os frutos da desvalorização cambial administrada por Dilma.

Se o câmbio já desvalorizado não deve ser motivo de preocupação para o novo Ministro da Fazenda o mesmo não pode ser dito dos juros. Apesar da taxa de juros real, em tese a que é relevante para o investimento, estar em níveis baixos para os padrões da economia brasileira pós estabilização, vários desenvolvimentistas pedem a redução da taxa de juros (tratei do assunto aqui). O problema é que a inflação já passa de 10% e a conversa que é efeito da desvalorização e do ajuste dos preços administrados não resiste a uma olhada no IPCA desagregado, a inflação está generalizada. Um elemento crucial para entender a inflação alta e persistente que nos aflige são as expectativas dos agentes, a verdade é que o Banco Central perdeu a credibilidade e isso faz com que todos ignorem a meta de inflação na hora de reajustar seus preços, exemplo evidente disso é que os próprios técnicos do Banco Central não aceitam reajustar seus salários em 4,5% que é o centro da meta, nem o BC acredita no BC! Em um cenário onde o Banco central precisa recuperar credibilidade abaixar a taxa de juros pode ser desastroso, de fato, creio que apenas um aumento significativo da taxa de juros pode ter alguma chance de permitir ao BC começar um processo para reconquistar a confiança da sociedade.

Até aqui vimos que não houve uma tendência longa de queda da taxa de investimento, a história do crescimento via consumo é um mito. Houve um aumento, mas não exatamente uma explosão do gasto público. O câmbio já está devidamente desvalorizado e mesmo a taxa de juros, o último vilão dos desenvolvimentistas e do jornalismo econômico, não está alta se comparada em termos reais com nossa história pós-estabilização. Se não existe nenhum grande problema na macroeconomia como estamos em uma crise tão grande? A resposta, como eu já tinha dito, está na microeconomia.

O ativismo do governo no investimento pode gerar vários problemas na economia (alguns colegas acreditam que pode gerar coisas boas, vários destes colegas possuem blogs e/ou escrevem em grandes jornais, não vou usar meu espaço e cansar meus leitores para dizer o que eles já disseram) um deles é a locação errada do investimento. Em uma economia de mercado as decisões de investimento são tomadas por vários agentes que conhecem bem as dificuldades e os ganhos do setor onde investem, se não conhecem ou por qualquer outra razão decidem de forma errada o problema está limitado a quem fez o investimento errado. Quando o governo toma a frente do investimento a coisa muda de figura, o uso de recursos públicos ou a pressão direta do governo leva vários investidores a embarcar na mesma canoa, se a canoa virar afundam todos. A coisa fica pior, ao contrário do empreendedor privado que busca maximizar lucro o governo busca vários objetivos diferentes e algumas vezes conflitantes. A variedade e os conflitos de objetivos se refletem nos setores escolhidos para receber investimento.

Tome o exemplo do pré-sal, até lá por 2005 o Brasil despontava como líder de uma tecnologia alternativa de combustíveis aparentemente menos nocivos ao meio ambiente e que não eram de origem fóssil, sim, estou falando do álcool. O governo Lula tentou tomar encampar o projeto e teve até rusgas com nossos vizinhos bolivarianos quando Chávez chegou a afirmar que a expansão do álcool afetaria a produção de alimentos (link aqui). Não sei dizer se a aposta no álcool daria certo, o que sei é que de uma hora para outra o governo esqueceu do álcool e foi buscar a salvação de nossa economia no petróleo do pré-sal. Um petróleo em águas profundas e que, pelo menos fora do Brasil, é considerado caro.

Uma série de investimentos acompanhou a aventura do pré-sal. Os estados do Nordeste que receberiam refinarias começaram a se preparar para um novo mundo, cursos universitários e empresas foram criadas pensando na indústria do Petróleo. Houve uma tensão entre os estados da federação por conta da divisão dos royalties do pré-sal, alianças políticas foram desfeitas e construídas para garantir uma fatia maior do bolo. A indústria naval, velho fetiche desenvolvimentista, passou a ser dirigida ao pré-sal. Complexos petroquímicos foram criados e/ou expandidos. Os ganhos da Petrobras com os preços altos do petróleo já eram uma festa, com o pré-sal entraríamos no paraíso. Porém o mundo é cruel, uma guinada no preço do petróleo e o sonho virou pesadelo. Quem investiu não teve o retorno desejado e ainda perdeu ativos (financiados pelo BNDES, é claro), quem fez cursos para trabalhar nas refinarias que nunca ficarão prontas perdeu tempo e dinheiro, quem largou casa e emprego para trabalhar nas novas indústrias está desempregado e sem lar, a lista de dramas e fracassos é grande, mas não pode ser vista nas análises macroeconômicas, pelo contrário, o macroeconomista fica perplexo ao ver que a alta do investimento não se tornou crescimento do PIB sem perceber que o investimento que causou a alta foi um investimento errado e mesmo ruim.

As grandes obras não terminadas são outro exemplo de como o direcionamento do investimento contribui para a construção da crise que vivemos. O que poderia ter sido feito com todo o dinheiro usado na transposição do São Francisco? Com Belo Monte? Com a ferrovia norte-sul? Quantas empresas nasceram e morreram pensando nas obras que nunca ficam prontas e, se ficarem, não vão entregar o que prometeram. Não entendo do assunto, mas já vi muita gente dizer que quando a transposição do São Francisco ficar pronta, se ficar, talvez não tenha mais água para ser transposta.

Quer outro exemplo? Tome a menina dos olhos da intervenção petista na educação superior: o REUNI (link aqui). A expansão das universidades federais gerou um fluxo de despesas correntes que está colocando as principais universidades federais do Brasil em situação de quase falência (link aqui e aqui). Reitores passam o dia a barganhar por mais recursos para pagar limpeza, segurança e outras despesas diretamente ligadas a expansão das universidades que dirigem. Alguns dos cursos criados não encontram professores, o leitor pode imaginar o quão difícil é contratar um médico, um engenheiro ou mesmo um economista para ser professor de dedicação exclusiva em uma cidade pobre no interior do país, outros cursos têm dificuldades de encontrar alunos. Em um país com baixa taxa de investimento e escassez de capital humano o custo do REUNI pode ser maior que o de algumas obras não acabadas.

Creio que o leitor já pegou meu argumento, porém pode estar se perguntando o que Nelson Barbosa tem com isso. Tudo, digo eu. Nelson Barbosa foi o mentor de várias destas intervenções e não foi por acaso, intervenções do tipo estão no cerne do receituário desenvolvimentista para nossos problemas. Dilma concorda com as ideias de Nelson Barbosa e se o colocou na Fazenda é porque quer que tais ideias voltem a guiar a política econômica. É exatamente aí que está o perigo de Nelson Barbosa. A questão fiscal pode até aparecer, especialmente se for caso Barbosa aumentar o investimento público, mas não será o maior problema. A inflação deve crescer se Barbosa convencer o BC a reduzir juros, será um problema sério, mas não será nosso o maior problema. O grande problema é que o governo vai mobilizar uma gigantesca quantidade de recursos para que tipos como Odebrecht, Bumlai, Eike Batista, Ricardo Pessoa e André Esteves ditem os rumos de nosso desenvolvimento. Isso não tem como dar certo.




quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Que dia!

Que dia...

O voto de Fachin mostra aos desconfiados, como este que vos escreve, que a militância petista não se sobrepôs a análise do jurista. Parei para pensar qual teria sido minha reação se Fachin tivesse concordado com as teses do governo, provavelmente cometeria uma injustiça. Registro pessoal: todo cuidado é pouco.

Por outro lado o voto de Fachin mostra, ou deveria mostrar, de forma clara que os defensores do impeachment não são golpista. Espero que um dia os que acusaram os que defendem o impeachment de golpistas reconheçam que cometeram uma injustiça.

O PGR pediu que Cunha seja afastado da presidência da Câmara e do cargo de deputado, é difícil não concordar com a decisão do PGR. A decisão se junta a outras decisões que desmontam o discurso petista que a justiça e o MP só agem contra o PT. Por outro lado fica um certo mal estar com fato que Renan Calheiros parece estar blindado.

Eduardo Azeredo foi condenado a 20 anos de prisão, mais uma evidência que justiça não escolhe partido.

O Brasil perdeu o grau de investimento em mais uma agência. É uma velha notícia nova, o rebaixamento do Brasil era conhecimento comum, se existia alguma dúvida era a respeito da data. O rebaixamento é um atestado do fracasso da política econômica, especialmente do ministro da Fazenda.

O FED aumentou a taxa de juros, outra velha notícia nova que já estava precificada. Fica o alerta para o Brasil que o tempo para fazer ajustes está cada vez mais curto.

A redução da meta de superávit primário é notícia de ontem, mas teve efeito hoje. Por um lado pode sinalizar mais realismo por parte do governo, por outro lado pode sinalizar que o governo chutou o balde. No primeiro caso não é uma má notícia, no segundo caso é uma notícia desastrosa. Em qualquer caso Levy está cada vez mais inviável.

A justiça suspendeu o WhatsApp por 48h, precisamos encontrar uma maneira de tornar nossas instituições menos hostis aos negócios.

Maduro, o tirano de Caracas, decidiu botar para funcionar um legislativo paralelo como resposta a derrota do governo nas eleições legislativas na Venezuela. Nada de novo, apenas um tirano sendo tirano, espero que não consiga.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Juros, ora os juros!

O fracasso dos planos que buscaram combater a inflação via controle de preços de certa forma ensinaram a sociedade brasileira a respeito dos riscos do governo tentar determinar os preços dos diversos bens e serviços existentes na economia. Hoje dificilmente um presidente conseguiria a popularidade obtida por Sarney com um plano econômico no estilo do Plano Cruzado, pode ser excesso de otimismo meu, mas não consigo imaginar a classe média tentando fechar supermercados com botons de fiscal da Dilma. É verdade que algumas tentativas de controlar preços continuam até hoje, um caso famoso foi o controle de preços dos combustíveis, mas é feito de forma meio envergonhada e sem muito alarde.

Hoje o brasileiro bem informado médio sabe (?) que se um preço está alto não será por meio de um decreto presidencial que o preço será reduzido. Dificilmente um político será eleito prometendo abaixar o preço do pão ou da carne, talvez seja eleito prometendo ônibus de graça, mas ainda assim será bastante questionado. O famoso esquete dos trapalhões onde Mussum (link aqui) se revolta com o governo ao descobrir que o preço da pinga vai subir é tão uma piada dos anos 80 como são tantas outras piadas da trupe inaceitáveis para os padrões politicamente corretos de hoje. Sei que posso está pecando por excesso de otimismo, um pecado que detesto cometer, mas de certa forma acredito no que estou dizendo.

Curiosamente dois preços foram excluídos da compreensão que preços não são determinados pela vontade do governo: o câmbio e os juros. Assim como Mussum acreditava que o preço da pinga era uma decisão do governo vários brasileiros bem informados parecem acreditar que a taxa de juros é uma decisão do governo. Que se o governo quiser a taxa de juros brasileira pode cair para próximo de zero, alguns ainda acreditam que tal queda só terá efeitos positivos e só não acontece porque o governo teme os poderosos e malvados rentistas. Nada mais longe da verdade. A taxa de juros como qualquer outro preço é determinada por uma série de relações complexas (vão pegar no meu pé, mas vou deixar o termo) que torna praticamente impossível calcular qual é a taxa certa, da mesma forma as mudanças na taxa de juros, como em qualquer outro preço, causam efeitos complexos (olha o termo aí de novo) que dificilmente podem ser capturados por um modelo econômico. Ninguém tratou do assunto melhor que Hayek, para os interessados recomendo a leitura do clássico The use of knowledge in society, link aqui.

Sendo assim o que fazer? Uma resposta seria não fazer nada, o governo deixa o mercado operar livremente para determinar a taxa de juros, a resposta ficaria completa se o governo também abrisse mão do monopólio da moeda deixando de ser o guardião da estabilidade de preços. Tenho vários amigos que se dariam satisfeitos com esta reposta e diriam que qualquer outra resposta seria um flerte com o socialismo. Respeito os que pensam assim, talvez até os inveje um pouco, mas meu excesso de pragmatismo me impede de aceitar tal resposta. Não sou bom de pensar em mundos ideais, penso no mundo que temos e neste mundo o governo tem o monopólio da emissão de moeda e é um player gigantesco no mercado de fundos emprestáveis. Sendo assim o governo pode influenciar, não determinar, a taxa de juros e via de regra quando o governo pode fazer algo o governo fará. Sendo assim é preciso algum critério para decidir se o governo vai tentar influenciar a taxa de juros para cima ou para baixo.

Estou entre os que acreditam que o critério é a inflação. Se a inflação está na alta o governo, via Banco Central, age para elevar a taxa de juros, se a inflação está baixa o governo, também via banco Central, age para reduzir a taxa de juros. Repare que disse “age para”, não foi por acaso, não raro o governo age para conseguir uma coisa e consegue outra. Um exemplo recente ocorreu quando o governo Dilma decidiu que ia tomar várias medidas coordenadas para reduzir a taxa de juros, até conseguiu por um tempo, mas depois a taxa de juros voltou a subir e acabou maior do que estava antes do esforço do governo, tratei do assunto aqui no blog (link aqui)

É claro que o aumento da taxa de juros trará efeitos ruins para alguns agentes econômicos, em particular os que demandam fundos emprestáveis, ou sejam, os que pegam dinheiro emprestado. Talvez por conta disso e de uma certa rejeição moral a quem recebe juros, Shylock sempre será o bandido, seja tão difícil aceitar juros como um preço determinado pelo mercado e tão fácil pensar nos juros como resultado da vontade política de um governo pervertido, perceba que não estou afirmando que o governo não é pervertido. Dois dos tais efeitos nocivos são citados toda vez que falo que os juros devem subir: o custo da dívida e o efeito sobre o crescimento.

O argumento para o primeiro efeito é simples e direto: a dívida paga a Selic, logo se a Selic aumenta o governo paga mais juros. Alguns vão além e calculam o quanto custa um aumento de um ponto percentual na Selic. Lembra quando falei que os efeitos de uma variação de preços são complicados de prever? A figura abaixo ilustra meu ponto. Em azul e no eixo da esquerda está o quanto governo paga de juros, em laranja e no eixo da direita está a taxa Selic. Reparam que a o aumento explosivo do pagamento de juros não é acompanhado por um aumento semelhante da Selic? Como pode ser? Magia? Trapaça dos rentistas? Nada disso, apenas os outros fatores que não são tão óbvios, mas que aparecem vez por outra para complicar nossas vidas e nossas análises. Agora vou partir para provocação e dizer que parte do aumento nos juros nominais pagos decorrem da resistência em aumentar a Selic! Como assim? Na verdade, parte deste aumento decorre das operações de swap cambiais que o BC fez para impedir a desvalorização do real e impedir que tal desvalorização levasse a uma disparada da inflação. Um aumento dos juros tanto ajudaria a valorizar o real quanto ajudaria a impedir o crescimento da inflação, ao não aumentar os juros o BC partiu para os swaps e deu no que deu, outra parte vem do fato que alguns títulos são indexados à inflação, sendo assim mesmo com a Selic constante o pagamento de juros pode subir simplesmente por conta do efeito da inflação. Complicado né? É sim, preços são uma desgraça! Por isso reforço o dito da sabedoria popular: se não quer pagar juros, não pegue dinheiro emprestado. Se alguém quiser acabar com a “farra do rentistas que vivem de emprestar dinheiro para o Tesouro” o caminho é propor um plano de ajuste fiscal para em vinte anos acabar com a dívida pública, caso alguém resolva fazer a proposta terá meu elogio, minha simpatia e, se for de interesse, minha ajuda.




O segundo efeito é mais complicado, até que ponto a política monetária afeta o investimento e a taxa de crescimento a curto, médio e longo prazo é assunto de debate entre os economistas. Em sua versão mais comum o argumento é que o aumento da Selic leva a um aumento da taxa de juros real de forma que há uma redução na taxa de investimento e de crescimento. Curiosamente o argumento ignora o efeito dos juros sobre a taxa de poupança, vindo de um keynesiano ignorar tal efeito pode ser aceitável, muito mais difícil é entender como a relação entre poupança e juros pode ser ignorada por economistas que renegam a tradição keynesiana. Para um economista neoclássico como o autor do blog uma redução forçada da taxa de juros vai reduzir a oferta de fundos emprestáveis (poupança) e aumentar a demanda por fundos emprestáveis (investimento), como oferta e demanda não estrão em equilíbrio a quantidade de recursos emprestados, ou seja, o investimento de fato, será determinado pelo que for menor, no caso a poupança. A lógica acima é modificada no caso de uma economia aberta, não vou entrar na questão, creio que os possíveis efeitos de um desequilíbrio já são visíveis para o leitor. Se a redução dos juros vier acompanhada de um aumento na taxa de expansão da oferta de moeda, normalmente é o caso, então além do desequilíbrio no mercado de fundos emprestáveis haverá aumento da inflação.

A figura abaixo mostra a taxa de juros real acumulada em doze meses para o Brasil desde meados da década de 1970. Para taxa de juros usei a Over/Selic e para deflacionar usei o IGP, não fiz taxa esperada, ou seja, deflacionei a taxa de cada mês pela inflação do mês, não é a melhor forma, mas foi a mais fácil e creio que não compromete a análise. Peço que o leitor atente para o longo período de taxas de juros reais negativas lá pelo começo da década de 1980. Teria tal período levado a um ciclo de crescimento? Não vou responder, apenas lembro ao paciente leitor que a década de 1980 é chamada de década perdida. A verdade é que na sequência do período de juros reais negativos tivemos uma grande depressão e um aumento descontrolado da inflação. Estou dizendo que o desastre da década de 1980 pode ser explicado pela política monetária? Não, longe disso, estou dizendo que a política monetária não evitou o desastre a ainda contribui para o aumento da inflação.



Entre meados da década de 1980 e o começo da década de 1990 tivemos outros períodos de juros reais negativos, aqui a análise é dificultada pela inflação gigantesca e pela sequência de choques heterodoxos que atingiram a economia, de congelamento de preços a restruturação da dívida tudo foi tentado no período e nada teve sucesso. Repare agora no longo período de taxas reais positivas que tomou a década de 1990. O que aconteceu nesta década? A estabilização da economia, a retomada do crescimento com taxas modestas, porém maiores que as da década anterior, a redução da miséria e a melhora no IDH de praticamente todos os municípios brasileiros. Estou dizendo que foi a política monetária que fez isso? Novamente não, mas não impediu que isso acontecesse e ainda ajudou a manter a estabilidade de preços. Em 2002 durante a crise do final do governo FHC a taxa de juros reais voltou a ser negativa, por coincidência ou não foi o período que a inflação saiu de controle, porém houve uma mudança de governo e o novo governo, presidido por Lula, elevou as taxas de juros e retomou o controle da inflação. Segue um novo longo período de taxas reais positivas, a única interrupção ocorre em 2008, o ano da Crise Financeira. Mais uma vez as taxas positivas vigentes nos governos Lula não impediram o crescimento da economia nem a melhora nas condições de vida da população.

O governo Dilma toma posse prometendo reduzir juros, estimular o investimento e recuperar a indústria, a promessa é que Dilma faria o governo do PIBão. Depois de uma apertada na política monetária no começo do mandato, qualquer semelhança entre a queda dos juros em 2002 e 2010 não é mera coincidência, Dilma começou a cumprir a promessa de reduzir os juros, como esperado a inflação subiu e o governo foi forçado a aumentar novamente os juros, porém em uma magnitude menor que nos governos de FHC e Lula. Como o gráfico deixa claro Dilma cumpriu a promessa de reduzir os juros, é visível que os juros reais no governo Dilma foram menores que nos governos anteriores. Infelizmente o cumprimento da promessa de reduzir os juros não levou aos outros resultados prometidos, pelo contrário, a taxa de investimento caiu e estamos em uma crise que ameaça a se tornar nossa maior crise do pós-guerra. A crise atual é culpa da política monetária? Não, mais uma vez não, mas é fato que a redução dos juros não impediu a crise e ainda ajudou no descontrole da inflação.

A história e os números estão aí para quem quiser fazer sua própria leitura, aqui no post eu fiz minha leitura. Tomando por base minha leitura a conclusão é que o Banco Central deve elevar os juros e só baixar quando a inflação voltar para patamares razoáveis, se dependesse de mim, o patamar razoável seria abaixo de 3% ao ano, mas me conformo com os 4,5% definidos como centro da meta.



domingo, 22 de novembro de 2015

Qual (ou quem) foi nossa desgraça?

Nesta semana chamou atenção uma notícia dizendo que das doze maiores economias do mundo apenas o Brasil estará em recessão no próximo ano (link aqui). Inspirado na notícia resolvi checar quantos países vão encolher este ano e quantos vão encolher mais que o Brasil, para isso usei a base de dados do FMI. Na base constam o crescimento previsto para 2015 de 188 países, o único dado não disponível é o da Síria por motivos óbvios. De posse dos dados podemos avaliar se crescimento negativo é um padrão esperado para 2015, figura abaixo mostra a taxa de crescimento de todos os países da base de dados, em verde estão as taxas positivas e em laranja as taxas negativas. Repare que a grande maioria dos países terá crescimento positivo em 2015, o Brasil está com a minoria que terá crescimento negativo.



O resume em números da figura acima é que em 2015 os países do mundo vão crescer em média 2,47%, mais da metade dos países vão crescer acima de 2,88% e apenas 18 dos 188 países vão encolher. Uma dúvida natural que decorre da figura acima é saber quais os países nos acompanham no clube dos que vão encolher em 2015. A figura abaixo lista os países que vão encolher e mostra a taxa de crescimento de cada um deles. Note apenas 10 países de um total de 188 vão crescer menos que o Brasil em 2015.





Se o leitor prestar atenção no grupo de países que crescerão menos que o Brasil em 2015 vai reparar que lá estão a Bielorrússia, Ucrânia e Rússia, os dois últimos estiveram envolvidos em conflitos militares e o primeiro foi afetado diretamente por tal conflito tanto pela chegada de refugiados quanto pela queda no comércio com os países envolvidos, especialmente a Ucrânia (link aqui). O Sudão do Sul é um país novo que está em guerra civil (link aqui), o mesmo acontece com a Líbia que ainda não conseguiu se estabilizar após a queda de Muamar Khadafi (link aqui), ainda em conflito estão o Burundi (link aqui) e o Iémen (link aqui). A Guiné Equatorial, homenageada pela Beija Flor no carnaval deste ano, é vítima de uma das mais brutais e duradouras ditaduras da África, no quesito vítima de ditadura também está a Venezuela. Por fim temos Serra Leoa que foi atingida pelo surto de ebola (link aqui). Em resumo, todos os países que vão crescer menos que o Brasil em 2015 foram atingidos por eventos extremos. E nós? Qual desgraça nos atingiu? Melhor não responder...

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Taxa de Investimento no Brasil e no Mundo: Onde está o BNDES?

O Brasil tem um banco de desenvolvimento que está entre os maiores do mundo, até onde pude apurar só perde para o da China, para que o leitor tenha ideia do tamanho do BNDES basta ter em mente que o BNDES empresta por ano mais do que o Banco Mundial, um banco que financia investimento em praticamente todo o mundo (link aqui). Com um banco de desenvolvimento tão grande tendo como objetivo financiar o investimento no Brasil era de se esperar que a taxa de investimento no Brasil se destacasse da taxa de investimento de outros países. A guisa de exemplo a China, que possui o maior bando de desenvolvimento do mundo, também tem uma das maiores taxas de investimento do mundo.

Tendo isso em mente fui buscar nos dados do FMI a taxa de investimento entre 2011 e 2014, últimos cinco anos, de 170 países com dados disponíveis e calculei a média da taxa de investimento de cada país nos cinco anos selecionados, o objetivo de fazer a média de cinco anos é amenizar distorções causadas por um só ano que tenha sido muito bom ou muito ruim para o investimento. No que segue chamarei de taxa de investimento do país a média das taxas de investimento do país entre 2011 e 2014. Olhando os dados a presença do BNDES não se reflete em uma alta taxa de investimento no Brasil, pelo contrário, nossa taxa de investimento é inferior à média da taxa de investimento dos países da amostra. Enquanto a taxa de investimento média do mundo é de 24,03% e taxa de investimento mediana é de 22,76% a taxa de investimento do Brasil é de 20,1%, ou seja, não apenas estamos distantes da média como estamos na parte de baixo da amostra, dito de outra forma, mais da metade dos países do mundo tem taxa de investimento maior que a do Brasil.

A figura abaixo mostra a taxa de investimento dos diversos países do mundo e qual a proporção de países com cada taxa. Repare que nossa taxa de investimento, próxima ao 20 na figura, está junto da de vários países e não se destaca em relação à taxa de investimento de outros países, no contexto do gráfico se destacar seria ter uma taxa de investimento mais para direita. Alguém poderia argumentar que a taxa de investimento média-baixa do Brasil é explicada pela renda per capita brasileira que também é média baixa. Tal argumento teria dois problemas básicos: a relação entre taxa de investimento e PIB per capita não é significativa e a renda per capita do Brasil não é exatamente média baixa. Segundo os dados do FMI em 2014 nossa renda per capita foi de US$ 11.572,70, de fato estamos abaixo da média que é de US$ 14.370,80, porém nossa renda per capita está acima da mediana que é de US$ 6.230,60. De toda forma a presença do BNDES e principalmente o tamanho do BNDES deveria fazer com que nossa taxa de investimento fosse alta dada nossa renda per capita, não é o caso, para que o leitor tenha uma ideia a China tem uma renda per capita US$ 7.571,5 e uma taxa de investimento de 46,7%.


Certamente existem outros fatores além da presença de um banco de desenvolvimento gigantesco que explicam a alta taxa de investimento da China, porém alguém poderia defender a existência de tal banco de desenvolvimento apontando que o banco é um dos fatores que explicam a taxa de investimento chinesa. Aqui no Brasil tal argumento não se aplica pelo simples fato que não temos uma taxa de investimento alta. A figura abaixo mostra a relação entre PIB per capita e taxa de investimento, lembre-se que não se trata de uma relação significativa, o ponto laranja é o Brasil e o ponto verde é a China., repare que enquanto a China claramente se destaca pela alta taxa de investimento o Brasil está no meio de um aglomerado de países dos quais nenhum tem um banco comparável ao BNDES para chamar de seu.




Seria o caso de dizer que sem o BNDES nossa taxa de investimento fosse ainda menor? Talvez fatores culturais possam explicar a baixa taxa de investimento no Brasil e, assim sendo, o BNDES está de fato colaborando para elevar o investimento nacional. É difícil contrapor argumentos desse tipo, países sempre tem especificidades que podem ser usadas para justificar determinadas características. Governos fazem isso o tempo todo para justificar performances ruins comparadas ao resto do mundo, curiosamente os mesmos governos adoram comparar países quando as estatísticas parecem favoráveis. Deixemos os governos de lado e voltemos ao argumento original, uma maneira de abordar o problema é comparar com países semelhantes ao Brasil. No caso escolhi os países do grupo América Latina e Caribe da base de dados do FMI. Fazendo o gráfico entre taxa de investimento e PIB per capita apenas para esse grupo de países, continue lembrando que a relação não é significativa, vemos novamente que o Brasil não se destaca.




Como explicar que temos uma taxa de investimento mais para baixa quando temos um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo? O que está sendo feito com o dinheiro que o BNDES usa para financiar o investimento no país? Uma resposta tentadora seria apontar para corrupção, mas não seria uma boa resposta no sentido que deixaríamos sem explicação porque somos mais corruptos que outros países. Prefiro seguir o argumento que o BNDES está apenas substituindo o financiamento privado, tese que também é defendida pela OCDE (link aqui). O investidor pode pegar o dinheiro no mercado ou pode pegar o dinheiro no BNDES. Se pegar no mercado nacional vai pagar taxas de juros bem mais altas que a cobrada pelo BNDES que atualmente é 7% (link aqui), repare que a taxa cobrada pelo BNDES é menor do que a inflação prevista para 2015 e ligeiramente superior a inflação prevista (até agora) para 2016. Se pegar o dinheiro no exterior o investidor estará sujeito a riscos cambias. A escolha é fácil, as condições do BNDES são tão atrativas que fazem com que os investidores via de regra peguem o dinheiro no BNDES para financiar um investimento que, creio eu, seria realizado do mesmo modo se não houvesse BNDES. Claro que posso estar errado de forma que não haveria investimento sem o BNDES, nesse caso seria preciso explicar porque outros países conseguem investir tanto ou mais do que o Brasil sem ter um BNDES.

Seria o BNDES apenas inócuo? Não. A verdade é que o fato do BNDES emprestar dinheiro a 7% não quer dizer que o custo do dinheiro no Brasil é de 7%, a diferença entre o que o BNDES cobra dos felizes financiados e o custo do dinheiro acaba chegando no bolso dos pagadores de impostos. Muito da crise fiscal que estamos passando decorre das manobras contábeis que o governo usou para manter o esquema de financiamento barato tocado pelo BNDES. O problema do custo do dinheiro é o mais facilmente mensurável, mas não é o único nem o maior problema do BNDES. A existência de um banco gigantesco ofertando crédito barato torna praticamente impossível desenvolver um mercado de capitais no Brasil. Como um banco privado vai concorrer com um banco que empresta a juros negativos? Como desenvolver outras linhas de financiamento, inclusive o mercado de ações, com um gigante distribuindo dinheiro do pagador de impostos a juros de pai para filho?

Além do problema fiscal e de dificultar a desenvolvimento de outras alternativas para financiar o investimento o BNDES cria um sistema de incentivos onde ter acesso aos financiamentos do banco acaba sendo mais importante do que ter boas técnicas de gestão ou novas tecnologias. Suponha que dois empresários pretendem fazer uma siderúrgica, melhor, um frigorífico, em condições normais os dois buscarão financiamento que devem ter custos próximos um do outro (a respeito da equivalência das fontes de financiamento das empresas ver aqui), a competição se dará em conseguir produzir com a mesma qualidade e menor custo, ou seja, se sairá melhor quem for mais eficiente. Em um ambiente assim a eficiência é que determina quem se sairá melhor no mercado, o campeão será quem trabalha melhor. Considere agora que um dos empresários pode conseguir um financiamento muito mais barato do que o outro, chamemos o felizardo de empresário-amigo. Os juros baixos darão uma enorme vantagem ao empresário-amigo, isso é particularmente verdade em um país que tem juros altos como é o caso do Brasil, de forma que mesmo sendo menos eficiente o empresário-amigo pode se sair melhor no mercado. Empresários gostam de ganhar dinheiro e o caminho para ganhar dinheiro é o mercado, se o mercado premia o mais eficientes os empresários buscarão eficiência, mas se o mercado premia que tem acesso ao dinheiro do pagador de impostos os empresários buscarão a melhor forma de acesso a esse dinheiro.

Como todos sabemos o melhor caminho para ter acesso ao dinheiro do dito contribuinte é ter acesso aos políticos que controlam tal dinheiro. Assim no lugar de contratar engenheiros para desenvolver novas tecnologias e administradores para desenvolverem e implementarem novas técnicas de gestão os empresários vão financiar políticos. A coisa toda é tão explícita que empresários financiam políticos de partidos diferentes como forma de fazer um seguro contra os resultados das eleições, não importa quem ganhe o acesso está garantido. Que fique claro que não estou justificando a corrupção, longe disso, questões ligadas a caráter nunca podem ser menosprezadas quando o assunto é o comportamento humano. Estou dizendo que um ambiente onde os políticos definem quem ganha no mercado é propício a formar uma aliança entre políticos e empresários e que tal aliança tem efeitos desastrosos para o país. Digo ainda que instituições como BNDES são muito propicias a criar tal ambiente, não só o BNDES toda e qualquer instituição que permita ao governo definir os campeões do mercado traz o risco de criar a indesejável aliança entre políticos e empresários. Naturalmente a presença de uma ou mesmo um conjunto de instituições do tipo do BNDES também não implica necessariamente que a aliança entre governo e empresários-amigos existirá, tudo depende da existência de outras instituições e até mesmo da ação de certos indivíduos.

O que posso dizer é que no Brasil entre 2011 e 2014 as centenas de bilhões de reais que o BNDES usou para financiar o investimento de alguns empresários não parecem ter afetado a taxa de investimento de forma significativa. Também posso dizer que no Brasil a aliança entre governo e empresários-amigos existe e que ambos se beneficiam de tal aliança, se não acredita em mim me explique porque nossos empresários são tão generosos em doações eleitorais que curiosamente são destinadas a vários partidos e políticos que defendem ideias diferentes. Nesse sentido seria impossível terminar o post sem registrar que a (recriação) do modelo onde o governo define quem será o campeão do mercado foi o grande mal que os governos Lula e principalmente Dilma fizeram ao país, sem reverter tal modelo estamos condenados a um crescimento medíocre cheio de altos e baixos acompanho de crises fiscais, inflacionárias e/ou de balanço de pagamentos.




domingo, 25 de outubro de 2015

Inflação e Crescimento em 2015

Na semana passada comparei a dívida pública de diversos países para mostrar que considerando nosso PIB per capita a dívida pública brasileira é alta. Hoje vou aproveitar a base de dados da semana passada e comparar a inflação e o crescimento do Brasil com a inflação e o crescimento dos países da amostra. Para os que não lembram e estão com preguiça de checar o post anterior a amostra é composta pelos países da OCDE, pelos BRICS e por países selecionados da América Latina (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai), tirei a Venezuela para não distorcer os gráficos. Para fins de comparação entre grupos Chile e México, que pertencem a OCDE, foram considerados no grupo América Latina. A figura abaixo mostra a inflação e o crescimento previsto para 2015 pelo FMI para todos os países da amostra.




É possível perceber que a inflação brasileira é uma das mais altas da amostra, perde para Rússia (15,8%) e para Argentina (16,8%), e que nosso crescimento também é um dos menores da amostra, apenas a Rússia (-3,8%) está prevista para crescer menos que o Brasil em 2015. Não estamos mal em absoluto e bem em relação a outros países, estamos mal em termos absolutos e em termos relativos, sendo assim é difícil comprar a tese que nossa crise é consequência do que acontece no resto do mundo. Nenhum dos países da OCDE, incluídos Grécia e Itália, deve crescer menos que o Brasil em 2015, no grupo da América Latina, uma região famosa por conviver com altas taxas de inflação, apenas a Argentina tem inflação prevista para 2015 maior que o Brasil. A verdade é que ao abrir mão do controle da inflação para buscar mais crescimento o Brasil ficou sem crescimento e com muita inflação.

Outro ponto interessante, perdoem os amigos econometristas e estatísticos, é a inclinação negativa da reta de regressão. É claro que para afirmar alguma coisa com mais seriedade seria preciso uma amostra maior e técnicas mais sofisticadas de análise estatística, porém não posso deixar passar batido que a relação entre crescimento e inflação é negativa e significativa, ou seja, em 2015 os países da amostra que controlaram melhor a inflação vão crescer mais do que os que descuidaram da inflação.


segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A dívida pública no Brasil é alta!

Vez por outra esbarro em um argumento que diz que a dívida pública do Brasil é baixa porque países como Reino Unido, França e Estados Unidos possuem dívidas muito maiores em proporção ao PIB. É verdade, segundo as projeções do FMI os Estados Unidos vão terminar 2015 com uma dívida bruta equivalente a 105% do PIB, no Reino Unido será de 89% e na França de 97%, números pequenos se comparados aos 246% do Japão, porém grandes se comparados aos 66% do Brasil. É fato que existem países muito mais endividados que o Brasil, porém o argumento que por conta disso não temos problemas é, para dizer o mínimo, questionável. Em primeiro lugar existe um viés de seleção na escolha da amostra, a existência de países mais endividados que o Brasil não implica que nossa dívida esteja abaixo da média, mal comparando é como um sujeito que pesa 120 quilos argumentar que não está tão gordo porque existem pessoas que pesam mais do que ele. Outro ponto diz respeito às características dos países que estão com dívidas em proporção ao PIB maiores que a nossa, para manter o exemplo do peso é como se um gordo que pesa 120 quilos argumentasse que não está com problemas de peso porque existem atletas com mais de 120 quilos.

Para abordar as duas questões acima, a amostra de comparação e as características específicas de cada país, resolvi comparar a razão entre dívida bruta e PIB no Brasil e em uma amostra formada pelos países da OCDE, um grupo de países da América Latina (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela) e os países dos BRICS. Para efeito de separação dos grupos o México e o Chile, que são da OCDE e da América Latina, foram considerados como parte da América Latina e o Brasil foi retirado tanto da América Latina quanto dos BRICS. Os dados utilizados são as projeções do FMI para 2015 disponíveis no World Economic Outlook Database (link aqui).

Tomando a amostra completa a dívida brasileira não se destaca nem como muito alta nem como muito baixa, a média da razão entre dívida bruta e PIB na amostra é de 66% e no Brasil o valor é de 70% (69,9% para os que ficam nervosos com 70%), estamos acima da mediana (53%) porém abaixo do terceiro quartil (84%), ou seja, estamos na metade de cima da amostra, mas mais perto do meio do que da parte de cima. A figura abaixo mostra a relação entre dívida e PIB per capita para todos os países da amostra e ilustra a conclusão anterior, se consideramos a linha de regressão diríamos que o Brasil, ponto verde, está bem próximo à linha, ou seja, nossa dívida é só um pouco superior ao que seria esperado dado nosso PIB per capita.




A figura acima resolve o primeiro ponto, seleção da amostra, uma vez que mostra que em uma amostra muito maior que não foi escolhida a partir do endividamento o Brasil não se destaca como um país particularmente endividado. Porém, olhando a figura com mais cuidado, é possível ver um padrão preocupante relacionado à segunda questão, a que condiciona a relação entre dívida e PIB às características específicas de cada país. Na figura os pontos roxos (não fui quem escolhi as cores) representam os países da OCDE, o clube dos países ricos, é possível perceber que se o grupo de comparação do Brasil fosse a OCDE não faria muito sentido falar de um problema de dívida pública no Brasil, salvo de falássemos que muitos países da OCDE estão com problemas sérios de dívida pública, uma hipótese que eu não recomendo descartar, mas, de toda forma, estaríamos na média.

O problema é que nosso grupo de comparação não é a OCDE, não somos um país rico, somos um país de renda média ou emergente. Nosso PIB per capita de $ 8,8 mil nos deixa muito mais perto da América Latina, PIB per capita médio entre países de $8,1 mil, e dos BRICS, PIB per capita médio entre países de $ 6 mil, do que da OCDE, PIB per capita médio entre países de $ 36 mil; da mesma forma nossa inflação esperada de 8,85% nos deixa mais próximos dos 21% da América Latina, se tirarmos a Venezuela cai para 5,7%, e dos 6,8% dos BRICS do que dos 0,6% da OCDE. Olhando na figura acima é possível ver que o Brasil, bolinha verde, está mais alto do que todos os países da América Latina, bolinhas laranjas, e dos BRICS, bolinhas azuis, ou seja, se excluirmos os países da OCDE passamos a ser o país mais endividado da amostra. Se não está fácil de ver na figura acima repare na figura abaixo que reproduz a figura acima sem os países da OCDE.




Qual a conclusão? Comparando com um amplo grupo de países não estamos mal, porém comparando com países mais parecido conosco estamos muito mal. Dito outra forma: se fossemos ricos talvez nossa dívida não fosse um problema, mas, como não somos ricos, nossa dívida é um problema. Lembra do gordo no começo do post? Pois bem, os que falam que a dívida do Brasil não é alta agem como um gordo sedentário que vai a um concurso de fisiculturismo ou a uma luta de pesos pesados e ao ver o peso dos atletas conclui que não precisa emagrecer.



domingo, 11 de outubro de 2015

Sobre dominância fiscal, política monetária e a proposta de âncora cambial

Dominância fiscal passou a ser o tema central no debate sobre macroeconomia no Brasil. A discussão foi colocada por Monica de Bolle em uma série de entrevistas e textos curtos (exemplos aqui e aqui), alguns economistas, dentre os quais este que vos escreve, não se mostraram convencidos com o diagnóstico que a economia brasileira vive um período de dominância fiscal e, mais importante, com a proposta que o Banco Central deveria controlar a inflação por meio do câmbio e não por meio da elevação da taxa de juros. A questão da dominância fiscal é uma questão acadêmica que deverá gerar algumas pesquisas nos próximos anos da mesma forma que gerou no passado, porém a proposta de política econômica derivada do diagnóstico de dominância fiscal é assunto urgente que não pode esperar pelos debates acadêmicos. Neste post vou tentar explicar o que é dominância fiscal e comentar a proposta de retomar um regime de câmbio fixo ou de bandas cambiais para controlar a inflação. Para explicar dominância fiscal vou ter de fazer uma incursão no estranho mundo dos macroeconomistas, se o leitor não quer se arriscar a perder a fé nos debates sobre política econômica talvez seja prudente pular os próximos parágrafos e ir direto para a parte que falo da política econômica (sexto parágrafo).

Comecemos nossa descida ao mundo da macroeconomia imaginando uma economia que consiste em um sujeito isolado que tem acesso a um único bem que serve para consumir e investir, se você não se sentiu bem com esta possibilidade ainda é tempo de considerar o conselho no final a parágrafo anterior e pular para a parte de política econômica. Para ajudar a imaginar o exemplo o leitor pode pensar em Robson Crusoé ou Chuck Noland preso na ilha deserta e vivendo à base de milho, parte do milho ele come (consumo) e parte ele planta para a próxima colheita (investimento), como ele faz para plantar sem possuir sequer uma pá é assunto para outras conversas. Tudo que o pobre naufrago tem a decidir é o quanto da sua riqueza ele vai usar para atender sua satisfação (o milho que vai comer) e o quanto ele vai transferir para o futuro (o milho que vai plantar), quanto mais ele comer menos milho terá no futuro, todas as transações dele com ele mesmo (eu avisei!) são feitas e contabilizadas em grãos de milhos.

Suponha agora que nessa ilha chegou uma entidade chamada governo. Esta entidade cria um pedaço de papel pintado que é chamado de moeda, a tal moeda não serve nem para comer e nem para plantar, porém por alguma razão o naufrago aceita fazer transações (!!)com a tal moeda e expressar o valor do milho na tal moeda. No lugar de destinar tantos quilos de milho para consumo e outros tantos para investimento o naufrago agora diz que vai destinar tantas unidades de moeda para consumo e outras tantas para investimento. Para fazer tudo mais concreto suponha que a todo momento existem quatro vezes mais moedas do que quilos de milho, ou seja, se existirem dez quilos de milho então existem quarenta moedas, sendo assim é natural que um quilo de milhos valha quatro unidades de moeda (falar de natural em um mundo assim beira a loucura, mas eu alertei). Se em determinado ano o naufrago colhe cem quilos de milho, come sessenta quilos e planta quarenta quilos podemos dizer que o produto da economia foi de 400 unidades de moeda, o consumo foi de 240 unidades de moeda e o investimento foi de 160 unidades de moeda.

Agora que temos uma economia monetária passemos ao próximo passo. O governo pega dinheiro emprestado com o náufrago. Para manter o exemplo suponha que o náufrago produziu o equivalente a 400 unidades de moeda, consumiu 240 unidades moeda, investiu 100 unidades de moeda e emprestou 60 unidades de moeda ao governo. De forma alternativa poderíamos dizer que o náufrago colheu 100 quilos de milhos, comeu 60 quilos, plantou 25 quilos e emprestou 15 quilos ao governo. Notem que a diferença é na forma como os valores são expressos, ocorre que para chegar até a dominância fiscal forma importa, e muito. Na segunda forma, a dos quilos, também conhecida como forma real não há espaço para dominância fiscal, se as transações são todas realizadas e contabilizadas em quilos de milho o governo vai ter de arranjar um jeito de devolver os 15 quilos de milho, muito provavelmente taxando o coitado do náufrago. Na primeira forma, a das unidades monetárias, também conhecida como nominal existe uma alternativa a taxar o náufrago. Como o governo está devendo em unidade de moeda e o governo tem o poder de criar moeda então o governo pode criar 60 unidades de moeda e pagar pelo milho que tomou emprestado. Entretanto, ao fazer isso, o governo muda a relação entre unidades de moeda e quilos de milho, se antes tínhamos 100 quilos de milho e 400 unidades de moeda agora vamos ter os mesmos 100 quilos de milho, porém existirão 460 unidades de moeda. Como consequência o quilo de milho que custava 4 unidades de moeda passará a custar 4,60 unidades de moeda. Chegamos assim em uma das mais tradicionais teorias de inflação conhecida como Teoria Quantitativa da Moeda (TQM), segundo tal teoria o nível de preços é proporcional à quantidade de moeda existente e a inflação será dada pela variação na quantidade de moeda.

Para chegar na dominância fiscal temos de ir além, alguns diriam ficar aquém, da TQM. Suponha que o náufrago perceba que o governo não tem como pagar a dívida, talvez porque o governo fique envergonhado de cobrar impostos do náufrago ou talvez porque o náufrago tenha um arco melhor que o do governo, não importa. Sabendo que o governo não tem como conseguir milho para pagar a dívida o náufrago passa a considerar duas hipóteses: o governo vai dar um calote ou o governo vai fazer moeda para pagar a dívida. No nosso exemplo as duas hipóteses têm o mesmo final e o náufrago perde os 15 quilos de milho que emprestou para o governo. No mundo real não pagar a dívida costuma ter efeitos bem mais danosos do que imprimir moeda, sendo assim vamos supor que o náufrago acredita que o governo vai pagar a dívida imprimindo moeda. Como nosso herói é náufrago mais não é bobo ele faz a conta que fizemos acima e define o preço do quilo de milho como 4,60 unidades de moeda. Sendo assim mesmo que o governo não tivesse pretensão de emitir moeda, talvez por considerar o calote ou talvez por ter conseguido um arco melhor ou um rifle, ocorrerá o aumento de preços. Ao contrário do previsto na TQM onde o aumento de preços ocorre por conta da política monetária temos agora um caso onde o aumento de preços foi causado pela dívida pública, ou seja, pelo lado fiscal. Quando isso ocorre dizemos que a economia está em dominância fiscal. Como de costume quando o assunto é macroeconomia existem debates intenso a respeito da possibilidade prática e teórica de ocorrer casos onde o lado fiscal determine os preços, não vou entrar o debate, para o leitor interessado deixo dois textos avaliando a possibilidade de dominância fiscal no Brasil (link aqui e aqui) e dois textos criticando teoricamente a possibilidade da dívida pública determinar preços (link aqui e aqui).

Passemos agora à questão da política econômica. Em condições normais o combate à inflação é feito por meio da política monetária. Quando o governo entende que é o momento de reduzir a inflação o BC reduz o ritmo de crescimento da moeda, na prática isso equivale a vender títulos no mercado de forma que o BC entrega títulos e recolhe as moedas que recebeu em troca dos títulos. Para que as pessoas queiram títulos o BC deve tornar os títulos mais atrativos o que, via de regra, significa aumentar juros. Sendo assim a política monetária é feita por meio de juros, no lugar de aumentar e diminuir a taxa de crescimento da moeda os governos pelo mundo, Brasil inclusive, reduzem e aumentam alguma taxa de juros de referência. Isso tudo funciona muito bem na TQM e outras condições onde não exista dominância fiscal, na presença de dominância fiscal a coisa fica mais complicada. Quando o BC aumenta os juros a dívida também aumenta, se é a dívida que determina os preços então o aumento da dívida levará a um aumento dos preços. Em um certo sentido a dominância fiscal é uma sinuca de bico cujo a única saída é cortar gastos deforma a reduzir a dívida. O que acontece quando o governo não dá sinais que vai cortar gastos?

É nesse ponto que entra a proposta da Mônica de Bolle de usar o câmbio para controlar a inflação. Ao atrelar o real ao dólar o governo impediria o aumento excessivo dos preços em reais, como fixar o câmbio costuma ser perigoso a proposta é fixar bandas móveis para o câmbio, se funcionar a desvalorização aceita para o valor máximo do câmbio funcionaria como teto para inflação. Se o BC avisa que permitirá uma desvalorização de no máximo 5% em um ano então as pessoas podem aceitar reajustar seus preços em 5% ou até menos a depender das condições de mercado. Para controlar o valor do câmbio o BC faria uso das reservas que possui. Dois pontos devem ficar claros: a proposta coloca um teto e um piso no câmbio e, mais importante, a proposta não é igual a infame banda diagonal endógena, de fato existem bandas diagonais, mas, se bem entendi a proposta, as bandas são exógenas e isso faz toda a diferença.

Qual o problema com a proposta? No lado mais acadêmico não sou exatamente um fã da teoria fiscal dos preços, a ideia que a dívida pública determina preços, e sem tal teoria o argumento não se sustenta. Não é que eu afirme que não existe dominância fiscal ou que eu seja um monetarista radical, menos do que defender uma teoria nessa nova versão do debate entre monetaristas e fiscalistas (sei que estou provocando!) fico na posição de quem não confia em nenhuma das duas teorias. A verdade é que os modelos macroeconômicos não estão desenvolvidos o suficiente para explicar fenômenos monetários de forma confiável. O “modelo” que usei para explicar dominância fiscal não é tão diferente dos modelos usados por macroeconomistas na academia e em bancos centrais. Como confiar nas previsões sobre inflação feitas por um modelo onde moeda não faz sentido? Para os que se interessaram pelo o assunto recomendo um blog (link aqui) e um artigo introdutório (link aqui). Não vou negar que em termos práticos eu acabe ficando do lado dos que querem usar política monetária, porém meus motivos estão mais associados a uma certa prudência conservadora do que a adesão a determinada teoria.

Para além do lado acadêmico tenho preocupações práticas com a proposta. No post anterior argumentei que o uso de reservas na Rússia não conseguiu segurar desvalorização do rublo (link aqui). Por que acreditar que no Brasil seria diferente? Caso as reservas não segurem o câmbio podemos entrar no pior dos mundos, forçado a defender o câmbio o Banco Central terá de aumentar juros para atrair capitais e impedir que o câmbio passe do teto estipulado para a banda. A experiência dos anos 90 mostra que quando o BC está obrigado a defender o câmbio as elevações de juros podem ser mais abruptas e maiores do que as elevações de juros necessárias para controlar a inflação. A verdade é que qualquer política que não venha acompanhada de um ajuste fiscal de médio e longo prazo estará fadada ao fracasso, não que tal ajuste vá resolver todos os nossos problemas, quem acompanha o blog sabe que na minha avaliação os grandes problemas do Brasil não foram causados por questões fiscais, mas sem tal ajuste será impossível mesmo pensar na solução dos grandes problemas. Talvez a economia brasileira atual mude o sentido da frase de Keynes que no longo prazo estaremos todos mortos....





domingo, 4 de outubro de 2015

Câmbio, reservas e juros: mensagens da Rússia

Tenho visto alguns amigos defendendo que o BC venda as reservas para segurar o câmbio e de quebra ajudar no lado fiscal, na verdade a ordem pode mudar e o amigo vir a defender que o BC venda reservas para aliviar o lado fiscal e de quebra segurar o câmbio. O segundo argumento faz parte das medidas de populismo econômico tão conhecidas por estas bandas, pensei em escrever a respeito faz algumas semanas quando várias pessoas me questionaram sobre a venda de reservas para ajudar o esforço fiscal, acabei desistindo um pouco por falta de tempo, um pouco por preguiça e um tanto porque discutir ideias assim tende a ser contraproducente. De toda forma os que estão empolgados em vender reservas para abater dívidas podem procurar no Google a respeito do conflito entre Cristina Kirchner e Martín Redrado (link aqui), então presidente do BC argentino que não obedeceu a ordem de Kirchner para colocar reservas em um fundo destinado a ajudar na dívida pública.

O primeiro grupo, os que querem vender reservas para segurar o câmbio, tem uma proposta mais interessante. Longe de ser uma maneira de prolongar políticas populistas, vender reservas para segurar o câmbio é uma estratégia que pode ser justificada a depender das circunstâncias da economia e do tipo de política econômica. Em um regime de câmbio flutuante, como pelo menos em tese é o regime brasileiro, o Banco central não deve influenciar o câmbio e, portanto, não faz muito sentido falar de usar reservas para evitar desvalorização do câmbio. Porém, com provam os infames swaps cambiais, nosso regime só é flutuante em tese, na prática o Banco Central opera para influenciar o câmbio, sendo assim e considerando que os swaps além de caros definitivamente não foram capazes de segurar o câmbio, eu entendo que a tese de usar reservas no lugar de fazer operações de swaps, bem definidas como “bolsa banqueiros” por um colega que não vou dizer quem é porque ele trabalha no governo, é defensável. Que fique claro que dizer que uma proposta é defensável não quer dizer que eu apoie a proposta, apenas que eu entendo a lógica de quem apoia. Minha tese é que o BC deve deixar o câmbio flutuar e gerenciar as reservas considerando questões como liquidez, credibilidade e coisas do tipo. Outro motivo para olhar com cuidado o uso de reservas para segurar o câmbio é o recente flerte do presidente do BC com a tese (link aqui).

Quem acompanha o blog já deve ter percebido que gosto de olhar para o que acontece em outros países, não por acreditar que o acontece em outros países seja exatamente igual ao que pode acontecer por aqui, mas por crer que é sempre possível tirar lições das experiências alheias. Pensando assim convido o leito a olhar o que aconteceu na Rússia no último ano. A escolha da Rússia é porque a moeda deles, o rublo, disputa com o real o título de moeda que mais desvalorizou nos últimos doze meses. A figura abaixo mostra a taxa de câmbio entre dólar e rublo desde de dois de outubro de 2014.




Repare a forte desvalorização entre o final de novembro e meados de dezembro, infelizmente não consegui dados diários para o volume de reservas da Rússia, os dados mensais obtidos na página do Banco Central da Federação Russa (link aqui) não permitem ver a variação no período específico, tudo que sei é que em 31/10/14 as reservas eram $428 bilhões e em 31/12/2014 tinham caído para $385 bilhões, notícias da época mostram queda de mais de $10 bilhões por semana (link aqui e aqui). Tamanha queda nas reservas não foi capaz de evitar a desvalorização do rublo, na realidade a queda ocorrida em meados de janeiro facilmente visível na figura segue a elevação da taxa de juros de 10,5% para 17% feita no dia dezesseis de dezembro. Aqui o gráfico com dados diários pode ser enganoso, a queda acentuada seguida de uma subida pode dar impressão que nada aconteceu, mas a realidade não é bem assim, no dia dezessete de janeiro, um dia após a elevação dos juros, o câmbio pulou de 59 para 65 rublos, porém na sequencia o câmbio caiu até fechar o ano em 56 rublos por dólar, depois retomou o crescimento, mas só voltou para 65 rublos por dólar em vinte de janeiro. No final de janeiro, quando o Banco Central da Federação Russa reduziu a taxa de juros para 15% o câmbio estava em 68 rublos por dólar. Entre o dia dezessete de dezembro de 2014 e trinta de janeiro de 2015 o rublo desvalorizou 4%, até o aumento dos juros o rublo tinha desvalorizado 30% só em dezembro de 2014.

A figura abaixo mostra o câmbio e as reservas com frequência mensal, lembrem que não consegui encontrar as reservas da Rússia com frequência diária, o período mais longo permite enxergar melhor a dinâmica que descrevi no parágrafo acima. É possível observar que o câmbio para de crescer em janeiro após a elevação dos juros em dezembro, também é possível observar que o uso de reservas, bem ilustrado pela queda de quase $100 bilhões nas reservas entre setembro de 2014 e fevereiro de 2015, não foi capaz de conter a desvalorização do rublo. Por fim é possível observar como a reversão da política de juros foi acompanhada de novas desvalorização do rublo, ver tabela ao lado.




Como disse acima países nunca são iguais, mas não raro, mesmo sendo diferentes, compartilham experiências semelhantes que podem, embora não necessariamente, oferecer lições comuns. A figura abaixo (link aqui) mostra a evolução do real e do rublo nos últimos doze meses, o dólar australiano está na figura apenas como referência de moeda de uma país que também depende de commodities, em um ano tanto o rublo como o real desvalorizaram mais de 60%, em seis meses o real desvalorizou 25% e o rublo 16%. O fato de terem moedas com desvalorizações superiores a 15% em um ano faz com que Brasil e Rússia tenham os mesmos problemas e as mesmas soluções? Não. Há pouco tempo falei da Colômbia (linkaqui), em um ano o peso colombiano desvalorizou 50%, mas Colômbia e Brasil possuem problemas diferentes. 



Então para que serve analisar o caso da Rússia? No mínimo serve para aprendermos mais sobre economia, mas também pode servir para ter em mente que queimar reservas não necessariamente segura o câmbio e que em alguns casos o aumento dos juros é inevitável. Terminando registrando que não estou sugerindo um aumento dos juros para segurar o câmbio, longe disso, como falei acima defendo o regime de câmbio flutuante, ademais a inflação prevista para este ano próxima a 9,5% e a inflação prevista para o próxima ano em torno de 6% já são motivos suficientes para um BC que tenha compromisso com o combate à inflação elevar os juros.