sábado, 27 de fevereiro de 2016

É tempo de falar do PAC e da promessa não cumprida de acelerar o crescimento.

Em 2007 foi lançado o PAC (link aqui). Para muitos seria um programa capaz de estimular o investimento e fazer com que o Brasil passasse a crescer mais. Por meio do programa o governo faria grandes investimentos em áreas estratégicas e esse investimento do governo impulsionaria investimentos privados. O aumento do investimento seria motor do crescimento e isso justificava o pomposo nome do programa, um nome que não fazia referência ao investimento propriamente dito, mas ao crescimento que tal investimento traria, afinal era o Programa de Aceleração do Crescimento.

As condições eram favoráveis à empreitada. Depois de muito esforço a inflação parecia finalmente controlada, o golpe final parecia ter sido dado em 2003, no governo Lula, quando o Banco Central presidido por Henrique Meirelles não tremeu para elevar a taxa de juros mesmo com a dívida bruta acima de 70% do PIB (de acordo com os dados do FMI em 2003 a dívida pública era 73,7% do PIB). Na época a Selic subiu para 26,5% em fevereiro de 2003 e ficou nesse valor até junho de 2003, o resultado, como era de se esperar, foi que a inflação cedeu e a taxa de juros começou a cair. Em janeiro de 2007 a Selic estava em 13% e caindo, no final de 2007 estava em 11,25%. A economia estava crescendo, depois de uma freada em 2003, ano de ajuste fiscal e combate à inflação, a economia voltou a crescer, em 2006 cresceu 4%. Faltava apenas o investimento para completar o quadro propício para um processo de crescimento de longo prazo, na verdade faltava a produtividade, mas naquela época falar em produtividade era mal visto.

Em um quadro assim era querer demais que alguém não pensasse que se faltava alguma coisa cabia ao governo providenciar. Como bem apontou Bruno Garschagen no livro “Pare de acreditar no governo - Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado” (link aqui) temos uma fé inabalável na capacidade do governo resolver nossos problemas, é bem verdade que não somos os únicos a ter tal característica que a cada dia é mais comum pelo mundo, mas o fato de não ser uma característica exclusivamente nossa não anula o fato que é uma característica nossa. Reconheço que a situação em 2006-07 era um convite à nossa fé no governo.

A resistência ao PAC foi quase nula. Elogiaram o programa líderes empresariais como Paulo Skaf, então presidente da FIESP, Armando Monteiro, então presidente da CNI, Rogério Golfarb, então presidente da Anfavea (link aqui). Mesmo Armínio Fraga, um dos melhores economistas em atividade no Brasil e nome ligado à oposição, preferiu sair pela tangente do que apontar os problemas do PAC (link aqui). Eu nunca me iludi com o PAC, já na época me pareceu que o programa era consequência do bom cenário econômico e não a causa de um cenário melhor ainda, também na época alertei que sem cuidar da eficiência um programa de investimento público poderia ser inócuo (link aqui).

Pois bem, quase dez anos e uma das maiores crises de nossa história depois já é oportuno olhar para os efeitos do PAC. A figura abaixo mostra a taxa de investimento entre 1995 e 2015, é fácil ver que a partir de 2006 ocorreu uma inflexão na taxa de investimento. Se foi devida ao PAC ou a saúde da economia é outra questão, mas sou generoso e dou de barato que o PAC teve um papel relevante no aumento da taxa de investimento. Afinal se um governo grande como o nosso começa a investir é de se esperar que o investimento aumente, principalmente quando o investimento é em áreas onde o investimento privado é quase proibido. A segunda fase do PAC, iniciada em 2011, parece não ter tido tanto sucesso (ou seria sorte?) com a taxa de investimento. De 2011 para cá a taxa de investimento caiu e voltou ao patamar de 18%, não muito diferente do que era na época em que o Banco Central se importava com a inflação e mantinha a Selic em torno de 20% ao ano. Assim como não é possível creditar a aumento da taxa de investimento a partir de 2007 ao PAC também não é possível culpar a segunda fase do PAC pela queda na taxa de investimento após 2011. Se no primeiro caso a saúde da economia pode ter levado ao aumento do investimento no segundo caso os erros em série de política econômica cometidos por Dilma e seus economistas podem ter ajudado muito na queda da taxa de investimento.



Mas não falemos apenas de investimento, afinal estamos tratando do Programa de Aceleração do Crescimento e não de um programa de aceleração do investimento. A figura abaixo mostra a taxa de crescimento entre 1995 e 2015, a queda brusca em 2009 foi resultado da crise internacional e pode ser ignorada, o que é importante reparar é que o aumento do crescimento que se seguiu ao PAC não se manteve nem mesmo no médio prazo. Por que isso pé importante? Porque mostra que um aumento da taxa de investimento por si não leva ao crescimento de longo prazo. Todo mundo não sabe disso? Se soubesse não teriam chamado um programa de investimento de Programa de Aceleração do Crescimento. A verdade é que o governo apostou no investimento como motor do crescimento de longo prazo... e errou. Pior, errou como nosso dinheiro e errou em algo que pelo menos desde da década de 50 é conhecido e que já deu o Nobel para Robert Solow: o crescimento de longo prazo depende da produtividade. Claro que alguém pode falar que é tudo culpa da crise internacional e que sem o PAC estaríamos ainda piores do que estamos, é um direito, cada um fala o que quer, mas, se a esta altura o sujeito ainda acredita que nossos problemas são frutos de uma crise internacional então o melhor a fazer é concordar e mudar de assunto.



Se algum governo quiser fazer um Programa de Aceleração do Crescimento deveria colocar a produtividade no centro das atenções. Ocorre que governos não sabem como estimular produtividade, pior, quase tudo que um governo pode fazer para ajudar empresários amigos, financiadores de campanha e ganhar apoio de sindicatos e outros movimentos organizados é ruim para a produtividade, embora possa ser bom para o investimento. Não é então por acaso que governos pelo mundo, particularmente governo que estimulam o compadrio, colocam o investimento no lugar que deveria ser ocupado pela produtividade. Estimular investimento pode ser compatível com ganhar votos e financiamento, estimular produtividade costuma levar a perda de votos e financiamento, pelo menos no curto prazo. Para tomar medidas que permitam o aumento da produtividade é preciso um estadista, para estimular investimento basta um populista ávido por aplausos e verbas fáceis.


Isso quer dizer que o PAC é culpado por nosso não crescimento? Não. Isso apenas quer dizer que o PAC não entregou o que prometeu.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Política Monetária, Inflação e a Macroeconomia do lado da Oferta

Pelo que tenho visto no debate econômico local foi formado um quase consenso a respeito da recessão e do combate à inflação. Grosso modo o consenso diz que como já estamos em recessão um aperto da política monetária teria pouco ou nenhum efeito na inflação. A lógica é que se a estagnação do PIB em 2014, a queda em 2015 e a possível queda em 2016 não foram suficientes para impedir o aumento de preços não vai ser um aumento da taxa de juros que fará o serviço. Embora lógica seja intuitiva ela não é tão simples de ser justificada e, mais importante, está longe de representar um consenso entre os macroeconomistas de mais destaque no mundo. Para entender os problemas com essa lógica é preciso falar da macroeconomia pela ótica da oferta.

Como assim ótica da oferta? Grosso modo a ótica da oferta considera que o PIB de uma economia é determinado pelas forças de oferta, qual sejam: capital, trabalho, terra e tecnologia, naturalmente existem refinamentos e é possível considerar outros fatores, mas aqui tentarei ser o mais simples possível. Por outro lado, a ótica da demanda enxerga que o PIB é determinado pelos componentes da demanda agregada: consumo, investimento, gasto do governo (não incluídas as transferências) e exportações líquidas (exportações menos importações), assim como no caso do lado da oferta existem refinamentos que serão ignorados em nome da simplicidade. Da contabilidade nacional sabemos que o PIB medido pelo lado da oferta é idêntico ao PIB medido pelo lado da demanda, sendo esta identidade a base para a equação mais fundamental da macroeconomia que é PIB = Consumo + Investimento + Gasto do Governo + Exportações – Importações, ou ainda, Y = C + I + G + X - M. Em resumo podemos de maneira bem simplificada dizer que a turma da oferta entende que dado Y define-se os componentes do lado direito da equação, já a turma da demanda entende que os componentes do lado direito determinam Y.

A diferença não é pequena. Um economista do lado da demanda pode entender que um aumento do gasto público leva a um aumento do PIB exatamente por acreditar que o lado direito determina o lado esquerdo, de fato qualquer um que tenha feito um curso de introdução à economia estudou o modelo do multiplicador keynesiano onde um aumento do gasto do governo leva a um aumento ainda maior na renda. Para um economista da turma da oferta um aumento em um dos componentes da demanda, digamos no gasto público, será compensado por uma redução em outro, por exemplo, no investimento. A diferença entre a turma da oferta e a turma da demanda é o ponto de partida para a maior parte das polêmicas em relação a quais políticas macroeconômicas devem ser seguidas em um determinado contexto, o combate à inflação não é uma exceção.

Estritamente falando o pessoal da demanda tem uma certa dificuldade em explicar inflação, a leitura básica do modelo padrão de demanda não considera inflação, nesta leitura a inflação apenas ocorreria em uma situação onde a economia está restrita pelo lado da oferta, o que, segundo o próprio Keynes, é uma situação possível, mas rara. Ilustração desse problema é a versão do modelo IS-LM na maioria dos manuais de macroeconomia. Nela o modelo básico de análise keynesiana ensinado na formação de um economista (peço desculpas aos amigos pós-keynesianos, mas é) é construído com a hipótese que o nível geral de preços é fixo e a advertência que o modelo só funciona quando a economia não está restrita pela oferta. Matematicamente não é tão difícil colocar em um modelo IS-LM um mecanismo de ajuste dos preços, conceitualmente a tarefa é mais árdua. Nada do que estou escrevendo é novo ou provocação aos keynesianos, a maioria dos macroeconomistas do lado da demanda sabe disso e não por acaso existe um significativo esforço para explicar inflação com modelos do lado da demanda.

Do lado da oferta a abordagem para inflação é completamente diferente. Como o produto é determinado pelo equilíbrio no mercado de fatores (capital, trabalho e terra) e pela tecnologia disponível a política monetária afeta apenas as variáveis nominais, ou seja, a política monetária não afeta o produto real, apenas o nível de preços. Antes de seguir em frente é válido registrar que é possível fazer modelos pelo lado da oferta onde a política monetária afeta o produto real, porém não pode ser usada de forma consistente para esse fim. Da mesma forma é possível encontrar economistas do lado da oferta argumentando que a política monetária pode causar crises, vide as explicações de Friedman e Lucas para a Grande Depressão, mas novamente não é algo que ocorra de forma regular.

Se a política monetária não reduz preços por meio de uma recessão como ela reduz preços? Por meio do próprio mercado monetário. Se o governo retira moeda da economia a moeda fica mais valiosa e, portanto, os preços caem. Lógica similar acontece quando o BC aumenta juros, o aumento dos juros faz com que mais pessoas troquem moeda por títulos e isso reduz a quantidade de moeda no mercado levando a uma redução nos preços. Ficou confuso? Eu explico. Se existe menos moeda em circulação pela lei da oferta e da demanda é de se esperar que o preço da moeda aumente, porém, o preço da moeda está estampado na nota e não pode variar, uma nota de cem reais não vai valer cento e cinco reais ou noventa e cinco reais a depender da política monetária. Como então o preço da moeda aumenta? Pela redução no preço das outras coisas. Se com cinco reais eu compro um sanduiche e um refrigerante então posso dizer que cinco reais valem um sanduiche e um refrigerante. Se no futuro com os mesmos cinco reais eu só conseguir comprar um refrigerante então a moeda passou a valer menos, ocorreu inflação, por outro lado, se no futuro eu consigo comprar um sanduiche e dois refrigerantes então a moeda passou a valer mais, ocorreu deflação. Naturalmente a comparação com um ou poucos produtos é arriscada, é possível que o refrigerante tenha ficado mais caro, talvez por alguma lei de desincentivo ao consumo de açúcar, e não a moeda tenha ficado mais barata. Por isso é comum medir o valor da moeda por uma cesta de bens e serviços, um aumento generalizado nos preços da cesta significa que o valor da moeda é que caiu.

O post não pretende ser uma defesa da macroeconomia do lado da oferta nem uma crítica ao pessoal do lado da demanda, longe disso. Não que eu fique neutro nesta história, eu tenho lado, embora desconfiado sou da turma da oferta, mas apenas porque não quero polemizar aqui a respeito de quem está certo. Não é difícil encontrar evidências empíricas que corroboram ou refutam implicações de cada lado, eu poderia facilmente citar as que me convém, na melhor das hipóteses conseguiria que alguém citasse as outras. Ademais a chamada nova síntese neoclássica-keynesiana meio que concilia as duas visões dizendo que o pessoal da demanda está certo no curto prazo e o da oferta está certo no longo prazo, o que diminui muito a graça de implicar com o outro lado, mesmo ninguém sabendo muito bem quanto tempo dura o curto prazo... O objetivo do post é registrar que a política monetária pode, pelo menos em tese, combater a inflação sem depender de criar ou aprofundar uma recessão. Sim, quase me esqueço, não apenas a turma da oferta existe como é bem representada no pensamento econômico, para listar apenas os que receberam o Nobel nas últimas vinte edições a turma conta com Lucas, Prescott, Kydland e Sargent, ou seja, praticamente todos os macroeconomistas que ganharam o Nobel nas duas últimas décadas são associados a modelos do lado da oferta.