Na origem do déficit público, da baixa qualificação da
mão-de-obra, dos desequilíbrios macroeconômicos, da péssima infraestrutura e do
excesso de burocracia está o capitalismo de compadres. Por capitalismo de
compadres me refiro a um arranjo onde grandes empresários aumentam suas
fortunas por conta de favores prestados pelos inquilinos do poder e, em troca,
financiam a campanhas políticas para que os inquilinos continuem no poder. Em
um capitalismo desse tipo leis eficientes, boa infraestrutura, mão-de-obra
qualificada e equilíbrio macroeconômico são úteis, até importantes, mas não são
essenciais. No capitalismo brasileiro o que é essencial, o que transforma
empreendimentos em grandes empresas, o que faz a diferença para chegar ao topo
é o acesso aos bastidores do poder.
O grande problema desse tipo de capitalismo é que ele não
incentiva ganhos de produtividade. Entre um engenheiro e um político as
empresas preferem investir no político. Por certo em todas as economias
capitalistas existe algum grau de compadrio, nem políticos e nem empresários
são santos ou abnegados e não costumam desperdiçar as oportunidades de alianças
mutuamente benéfica. O grau de compadrio vai depender da frequência com que
tais oportunidades aparecem e tal frequência depende do tamanho do estado. Aqui
aparece outro conceito delicado, quando falamos do tamanho do estado é útil
deixar claro em que dimensão estamos falando. Neste post estou me referindo à
dimensão em que o estado faz políticas para ajudar aos muito ricos, para dar
exemplos: não estou falando do Bolsa-Família ou de escolas públicas para
crianças, estou falando do BNDES.
Aliás a motivação deste post, e de tantos outros, é
exatamente o BNDES. Não os escândalos envolvendo o banco que apareceram nas
páginas policiais, destes falaremos em outras oportunidades, falo do que
apareceu nas páginas econômicas. Durante a semana a Revista Época divulgou que o
presidente Temer havia escalado Moreira Franco para encontrar um novo
presidente para o BNDES (link
aqui). Aparentemente o desejo de fazer tal
substituição decorreu das reclamações de empresários sobre queda do volume de
empréstimos do banco.
De fato, ocorreu uma queda significativa nos desembolsos do
BNDES, para ser justo a queda começou ainda no governo Dilma. Grande parte
desta queda foi porque o dinheiro fácil da União acabou, outra parte foi
porque, ao contrário de seu antecessor, Maria Sílvia Bastos, atual presidente
do BNDES, não faz parte do credo que prega que a melhor maneira de ajudar os
pobres é transferir dinheiro para os muito ricos. Por fim, o sucesso da
Operação Lava Jato em expor as entranhas do capitalismo de compadres no Brasil também merece crédito por parte de redução dos desembolsos do BNDES.
A figura abaixo mostra dados mensais de desembolsos do BNDES
entre janeiro de 2001 e março de 2017, os dados foram acumulados em doze meses
para limpar efeitos sazonais e outras irregularidades, a fonte é o BNDES (link
aqui). Os dados foram trazidos para valores de março de 2017 com o IGP-DI. Note que por volta de 2006 os desembolsos começam uma tendência de alta
que toma força na sequência da crise de 2008. Em 2011 parecia que ia começar o
ajuste, mas o governo recuou e retomou o ritmo de desembolsos acima dos R$ 200
bilhões a cada doze meses. Este aumento gigantesco dos desembolsos do BNDES foi
um dos elementos que permitiram ao governo brasileiro de chamar a crise de 2008
de “marolinha”, porém também foi um dos fatores que nos colocou na maior crise
registrada de nossa história.
O governo “bateu o motor” da economia. No processo o capitalismo
de compadres que sempre foi forte no Brasil ganhou ainda mais força. Impérios
empresariais foram construídos ou consolidados com esse aumento dos desembolsos
do BNDES e com outras políticas do governo. Nas canções ingênuas de alguns
desenvolvimentistas tais impérios dariam retorno em forma de crescimento da
economia e da arrecadação do governo criando um círculo virtuoso que nos
levaria ao desenvolvimento. No mundo de verdade, onde nem políticos nem
empresários são anjos, ganhou força uma aliança entre empresários e políticos
visando a manutenção da festa do dinheiro barato, dos mercados garantidos por
leis e das sociedades com empresas estatais. O mundo é bem pior que as canções,
já dizia Belchior, o retorno sonhado nunca veio, o dinheiro barato acabou e as
empresas que viviam dele ficaram inviáveis. O resultado foi a crise que estamos
vivendo. Se engana quem pensa que a Lava Jato causou a crise, tudo que a Lava
Jato fez foi mostrar as engrenagens que nos levaram à crise.
A figura abaixo mostra os desembolsos do BNDES por setor.
Lembram quando diziam que o setor de serviços era quem salvava o emprego? Parte
da razão para isso foi que na retomada dos desembolsos do BNDES por volta de
2012 foi esse o setor que passou a receber mais recursos do banco. Quando o
dinheiro acabou, ainda com Dilma, o ajuste teve de ser feito na marra, foi
assim que saímos de um quase pleno emprego para os mais de treze milhões de
desempregados. O pleno emprego era apenas uma canção, a vida, muito pior, teve
de pagar os custos do cenário armado para mostrar a canção.
Exatamente aí entra a suposta pressão pela saída de Maria
Sílvia Bastos da presidência do BNDES. Empresários e trabalhadores
organizados querem a volta do mundo de fantasia. Se o governo negar o desejo
desta turma, persistir na agenda de reformas e na busca do ajuste fiscal a
médio e longo prazo as empresas vão encontrar outros caminhos para crescer. Caminhos
mais tortuosos, porém mais consistentes. Não é um cenário de recuperação de
curto prazo, os frutos da política de Temer serão colhidos por outros
presidentes. Se o destino for realmente cruel podem ser colhidos pela mesma
turma que colheu os frutos das reformas da década de 1990 só para depois
renegar as reformar e nos colocar onde estamos.
Por outro lado, se Temer ceder aos que pedem a volta do “dinheiro
barato” bancado pelo pagador de impostos a economia pode se recuperar de forma
mais rápida. Temer saíra do governo como o presidente que nos tirou da crise,
talvez até eleja o sucessor que, a depender de aspectos conjunturais, pode ser ele
mesmo. O custo disso será o prolongamento da agonia de nossa economia e uma
crise ainda mais longa e/ou mais profunda nos próximos anos.
Para minha
surpresa, até agora Temer parece estar apostando no caminho longo e tortuoso, nunca
esperei isso do homem que foi fundamental para reconduzir Dilma ao Planalto em
2014. Muita água ainda vai rolar, muitas tentações e pressões virão, por
enquanto me contento com observar cada dia de uma vez. A notícia da Época dando
conta da possível saída da presidente do BNDES foi publicada no dia sete de
maio, no outro dia a Exame publicou que o governo tinha negado a notícia (link
aqui). Governo negar saída de autoridades é como presidente de clube de futebol
negar a saída do técnico, coisas que não se escrevem, mas enquanto escrevo sei
que ela ainda está por lá. Um dia de cada vez.