quinta-feira, 30 de maio de 2019

Contas Nacionais do primeiro trimestre de 2019: Qual destino nos espera?


Hoje o IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao primeiro trimestre de 2019 (link aqui). Na comparação com trimestre anterior houve uma queda no PIB de 0,2%, na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior houve um crescimento de 0,5%. O resultado liga o sinal de alerta em relação ao padrão de lenta recuperação que vinha sendo observado anteriormente e que pode ser substituído por um aprofundamento da crise.

Quem acompanha o blog sabe que considero a recuperação lenta o caminho mais seguro para que o Brasil volte a crescer sem esbarrar em novas crises no futuro próximo. A verdade é que durante quase uma década, mais ou menos de 2006 a 2014, o uso indiscriminado de políticas de estímulo induziu investimentos errados, ou seja, investimentos para produzir o que não era desejado e/ou para produzir de forma ineficiente o que era desejado. Sair da crise de forma consistente envolve depreciar o investimento errado que seria substituído por investimentos corretos, esse é um processo longo e penoso. Estímulos durante esse período de recuperação podem até gerar algum crescimento, mas na prática significa estimular o resultado de investimentos errados, ou seja, no longo prazo tais estímulos estariam agravando a crise.

A figura abaixo mostra a taxa de crescimento do PIB em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Na figura é possível observar que o processo de lenta recuperação iniciado em meados de 2016 começa a perder fôlego em meados de 2018 e agora parece estar dando lugar a um processo de aprofundamento da crise.




Se a reversão é um fenômeno temporário decorrente da retração do investimento devido a incertezas relativas ao processo de reformas, especificamente a reforma da previdência, ou é um fenômeno mais profundo o tempo dirá. A figura abaixo mostra a taxa de crescimento do consumo das famílias, consumo do governo e do investimento (FBPC). A redução na taxa de crescimento do investimento pode ser um argumento em favor da tese que o mercado está esperando a reforma para investir, por outro lado, pode sinalizar uma recuperação ainda mais lenta da economia nos próximos meses. Na comparação com o trimestre anterior a situação fica mais grave, com ajuste sazonal o investimento reduz em 1,7%.




Desde o começo do ano defendo a tese que uma reforma da previdência rápida, mesmo que tenhamos de discutir outra reforma em alguns anos, é mais recomendável que perder muito tempo buscando uma reforma mais robusta. A demora em aprovar a reforma pode contrair ainda mais o investimento e o consumo das famílias o que pode minar a popularidade do governo e dificultar a aprovação de qualquer reforma.

A decomposição setorial do PIB mostra que em relação ao mesmo trimestre do ano anterior ocorreu uma retração de 0,1% na agropecuária (seroe que representa cerca de 5,1% do PIB), uma retração de 1,1% na indústria (21,6% do PIB) e um crescimento de 1,2% nos serviços (73,3% do PIB). Na comparação com o trimestre anterior a retração na agropecuária foi de 0,5%, na indústria foi de 0,7% e o crescimento dos serviços foi de 0,2%. A figura abaixo mostra a taxa de crescimento do setor de serviços e do PIB, a redução do ritmo de crescimento dos serviços pode sinalizar para uma redução do ritmo de criação de empregos.




A próxima figura mostra o crescimento em setores da indústria. A forte queda na indústria extrativa no primeiro trimestre de 2019 ajuda a explicar o fraco desempenho da indústria, por outro lado, a queda na indústria de construção e na indústria de transformação mostra que os problemas na indústria de extração em grande parte associados à Vale não explicam sozinhos o problema na indústria.




Por ser particularmente sensível a política econômica e ao desempenho da economia a indústria de transformação merece ser analisada separadamente. A figura abaixo mostra o crescimento da indústria de transformação e do PIB. A queda na taxa de crescimento da indústria de transformação iniciada em 2018 parece ganhar força de forma que neste primeiro trimestre de 2019 a indústria de transformação volta a encolher. De forma isolada isso não seria um grande problema, no quadro geral ajuda a compor a ideia que a economia brasileira está parada esperando as reformas.



O quadro geral é de uma economia que está em ponto morto esperando para definir que caminho vai tomar. Se nos próximos meses forem aprovadas reformas que sinalizem para redução do problema fiscal, abertura da economia e melhora no ambiente de negócios é provável que os investimentos certos retornem e tragam de volta o processo de recuperação que está interrompido. Por outro lado, se as incertezas continuarem com agravamento do problema fiscal o investimento dificilmente retornará deixando o governo com a difícil escolha de permitir o aprofundamento da crise ou tentar estimular a economia agravando as distorções existentes e comprometendo ainda mais o lado fiscal. Como disse Paulo Guedes escapamos do destino da Venezuela, mas o destino da Argentina ainda é uma possibilidade (link aqui).

domingo, 19 de maio de 2019

Uma olhada no ranking da Times Higher Education de melhores universidades do mundo


Enquanto justificava o cortes, digo contingenciamentos, nos orçamentos das universidades federais o presidente Jair Bolosnaro afirmou que não temos universidades entre as 250 melhores do mundo (link aqui). Pelo ranking da Times Higher Education (link aqui) a afirmação é verdadeira, de fato a universidade melhor classificada é a USP que aparece na faixa de 250 a 300. A afirmação também não é exatamente uma novidade, embora não seja o único do tipo trata-se de um ranking bem conhecido. O que me causou alguma estranheza foi colocar a afirmação no meio das justificativas para o contingenciamento. Não me entendam mal, existem vários problemas sérios de gestão, de financiamento e de incentivos que precisam ser superados, exatamente por conhecer bem esses problemas e por ter uma ideia da distribuição das melhores universidades pelo mundo que vejo a colocação da USP como uma surpresa positiva e não como algo a ser criticado.

Não esperem encontrar aqui uma crítica ao contingenciamento, como disse várias vezes no FB eles são inevitáveis dada a situação fiscal do país. O que me deixou incomodado foi que o governo resolveu divulgar o contingenciamento como se fosse uma coisa desejável sem ter um diagnóstico do problemas das universidades e, mais grave ainda, sem ter um projeto para o ensino superior que, por exemplo, abrisse alternativas para que as universidades federais buscassem outras fontes de financiamento para compensar a verba do Tesouro. Nesse contexto afirmar que não temos uma universidade entre as 250 melhores pode ter sido apenas mais um resultado do governo não ter feito o dever de casa antes de mexer no vespeiro que é a educação. A verdade é que poucos países de renda média-alta, grupo onde o Banco Mundial classifica o Brasil, possuem universidades entre as 250 melhores do mundo.

A figura abaixo mostra em que países estão as 250 melhores universidades do mundo de acordo com o ranking da Times Higher Education. Apenas três países de renda média-alta aparecem na lista: China, com sete universidades, Rússia, com uma universidade, e África do Sul, com duas universidades. Dos vinte e oito países onde estão as 250 melhores universidades do mundo apenas um, África do Sul, possui um PIB per capita menor que o brasileiro. Das 250 universidades listadas apenas nove, duas na África do Sul e sete na China, ficam em países com PIB per capita menor que vinte mil dólares internacionais (segundo o FMI em 2018 o PIB per capita do Brasil em dólares internacionais foi de U$ 14.360). Nenhuma das 250 melhores universidades do mundo fica na América Latina.



É certo que seria muito bom o Brasil tivesse pelo menos uma universidade nessa lista, talvez uma grande reforma na educação superior se muito bem executada possa colocar uma de nossas universidades nessa lista, mas não estar em uma lista que é basicamente composta de países ricos não é exatamente um problema sério. O professor Marcelo Hermes Lima mostrou problemas muito mais pertinentes do que não aparecer no ranking das 250 melhores em uma série de textos que escreveu a respeito do impacto da pesquisa realizada no Brasil (ver, por exemplo, aqui e aqui).

Olhar o ranking para além das 250 melhores pode ser um exercício interessante. O degrau seguinte do ranking, 250 a 300, é onde aparece a USP. Entre as trezentas melhores o Brasil se junta a China, Rússia e África do Sul e forma o clube dos países de renda média-alta na lista. É isso mesmo, apenas quatro países de renda média-alta possuem pelo menos uma universidade entre as 300 melhores do mundo e o Brasil é um deles. A figura abaixo mostra a distribuição das 300 melhores universidades entre os diversos países.



Para o próximo exercício considerei as mil melhores universidades e selecionei as que estão em países de renda média-alta. Das mil melhores universidades do mundo 177 estão em países de renda média-alta, em primeiro lugar disparado aparece a China com 65 universidades, em segundo lugar o Irã com 21 universidades, em terceiro lugar a Rússia com 17, em quarto o Brasil com 15 e em quinto a Turquia com 12. Dos cinquenta e seis países de renda média-alta apenas 21 possuem universidades entre as mil melhores do mundo e destes o Brasil é o quarto país com maior número de universidades. A figura abaixo mostra a distribuição das mil melhores universidades localizadas em países de renda média-alta.




Um último ponto que quero registrar foi algo que me chamou atenção enquanto eu preparava os dados para esse post. Dentre as mil melhores universidades do mundo apenas cinquenta e cinco possuem mais de cinquenta mil alunos, destas a USP aparece na nona posição. Não sei como o número de aluno interfere na avaliação de uma universidade, mas o fato de dentre as cem melhores universidades do mundo apenas quatro contarem com mais de cinquenta mil alunos sugere que com mais alunos é mais difícil conseguir uma boa colocação no ranking. Se esse for o caso podemos nos encontrar diante de uma escolha complicada entre melhorar a classificação de nossas universidades ou ter mais alunos em nossas boas universidades. Não tenho uma resposta pronta, mas, a princípio, suspeito que a segunda opção seja melhor para a maioria dos brasileiros.