Desde que tive contato com a moderna literatura de crescimento econômico na EPGE no início da década de 1990 fiquei fascinado pelo tema, em particular com os motivos que fazem com que alguns países fiquem ricos e outros não. Meus dois primeiros trabalhos publicados, ambos em co-autoria com meu orientador de mestrado Pedro Ferreira, foram sobre crescimento. O primeiro tratava da dinâmica da renda per-capita dos estados brasileiros e fazia testes econométricos para avaliar a existência de um processo de convergência entre os estados (link aqui). O segundo era uma resenha da literatura com foco nos então novos modelos onde a presença de rendimentos crescentes e concorrência imperfeita forneciam a base teórica para explicar crescimento sustentado (link aqui). Fui para Universidade da Pensilvânia com o objetivo de seguir nesta linha de pesquisa, as coisa não correram como eu tinha planejado mas tive a oportunidade de estudar crescimento com os professores Michele Boldrim e Boyan Jovanovic e tive a sorte de conviver com o professor Stephen Parente. Destes cursos e das conversas com o Parente tive contato com modelos que tentavam explicar o subdesenvolvimento, fiz uma resenha de alguns destes modelos em texto para o IPEA (link aqui) que depois virou um capítulo de um livro sobre financiamento do crescimento no Brasil.
De volta para o Brasil me dediquei a aplicar estas teorias para explicar o comportamento da economia brasileira na segunda metade do século XX, este é um período marcado por duas etapas bem diferentes. A primeira etapa vai até 1980 e é caracterizada por altas taxas de crescimento. Entre 1950 e 1980 a economia brasileira foi uma das que mais cresceu no mundo. A segunda etapa vai de meados da década de 1990 até os dias de hoje e é caracterizada por baixas taxas de crescimento. O período de 1980 até meados da década de 1990 é um período de transição marcado pelo colapso do modelo de crescimento da primeira etapa. Me chamou atenção que a quase totalidade da literatura que tenta explicar a economia brasileira deste período ignora solenemente a literatura de crescimento econômico que é ensinada e discutida nas principais escolas de economia do mundo. Particularmente ignora tanto Solow (prêmio Nobel por sua contribuição ao crescimento econômico) quando os modelos de crescimento endógeno que apareceram com força na virada da década de 1980 para década de 1990 como contraponto ao Modelo de Solow, recentemente tive a satisfação de participar de um livro que visa completar esta lacuna (link aqui).
Com o propósito de entender a economia brasileira a partir da literatura de crescimento comecei olhando para o capital e para a produtividade no Brasil, boa parte das conclusões que obtive com este esforço estão em um livro sobre as grandes depressões do século XX (link aqui) editado pelo Timothy Kehoe e pelo Edward Prescott cujo o capítulo sobre o Brasil foi escrito por um time formado pela Mirta Bugarin, Victor Gomes, Arilton Teixeira e este que vos escreve. Neste texto concluímos que o Modelo de Solow com poupança endógena, também chamando Modelo Neoclássico, explica bem a economia brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Depois eu e os outros participantes do time avançamos com a agenda de pesquisa tratando de outros períodos e aspectos não explicados pelo modelo de Solow, o capítulo do livro a que me referi no final do parágrafo anterior faz um resumo das conclusões destas pesquisas. Até aqui vai minha pesquisa publicada, mas a parte não publicada é o que me incomoda no momento.
Por que a economia brasileira parou de crescer na década de 1980? Pelo que escrevi acima minha resposta é que foi por conta da produtividade ter parado de crescer na primeira metade da década de 1970. Ocorre que esta resposta remete a uma segunda pergunta: por que a produtividade parou de crescer na primeira metade da década de 1970? Aí está o detalhe diabólico. A resposta imediata é que a produtividade parou de crescer no mundo todo neste período, existem várias explicações para este fenômeno, a que mais gosto aponta a revolução de tecnologia da informação como responsável pela estagnação da produtividade. Tal estagnação seria típica dos primeiros anos de grandes revoluções tecnológicas. É uma resposta tentadora, mas tem um problema. No resto do mundo a produtividade voltou a crescer nas décadas de 1980 e 1990, o que é consistente com a idéia de revolução tecnológica, mas no Brasil a produtividade não só não cresceu como caiu na década de 1980 e mesmo o crescimento a partir da segunda metade da década de 1990 foi modesto. Sendo assim a explicação para o resto do mundo não parece se aplicar para o Brasil.
O que teria acontecido? Se eu soubesse a resposta teria a chave para a retomada do crescimento do Brasil e talvez da América Latina, estaria batendo na porta de meus amigos e conhecidos no governo até que eles me escutassem. Se eu tivesse pelo menos um argumento bem articulado escreveria um livro e/ou um artigo científico sobre o tema, dado o tamanho e a relevância do problema eu estaria causando um forte impacto na academia. Como não tenho nada disso me limito a colocar minhas reflexões aqui no blog na esperança que alguém faça bom uso delas e consiga o que ainda não consegui fazer.
Minha primeira reflexão é que o crescimento da produtividade no Brasil entre as décadas de 1950 e 1970 não foi causado por um processo de inovação tecnológica, nem mesmo de uma adoção ousada de tecnologias relevantes. O crescimento da produtividade ocorreu pela transferência de fatores (capital e trabalho) empregados em tecnologias de baixíssima produtividade para tecnologias de maior produtividade. Uma lógica semelhante a descrita por Arthur Lewis e que acredito que também explique muito do que acontece atualmente na China. Claro que temos que pensar em termos dinâmicos com ganhos de produtividade significativos no setor dinâmico e algum ganho de produtividade no setor tradicional. Ao fim deste processo de transferência de fatores os ganhos de produtividade teriam de vir de inovação ou de adoção de tecnologia de fronteira.
Porém para ocorrer inovação ou adoção de tecnologias de fronteira é preciso que existam algumas características. Não sei fazer uma lista extensiva destas características, mas posso listar pelo menos duas que não foram atendidas. A primeira é a existência de mão de obra qualificada, o dito capital humano, sem isto os custos de invocação ficam gigantescos. O Brasil e América Latina nunca deram a devida atenção ao capital humano e por isto não atendiam uma condição necessária, porém não suficiente, para esta segunda etapa do crescimento. A segunda, que eu considero mais importante, é a existência de incentivos adequados. É difícil dizer quais são os incentivos corretos, mas é fácil reconhecer os incentivos errados e os corretos quando nos vemos defronte uma determinada estrutura de icentivos.
A nossa estrutura de icentivos me parece claramente errada. Uma sociedade com uma estrutura burocrática absurdamente complexa e um dos piores ambientes de negócios do mundo já teria motivos suficientes para desestimular potencias empreendedores, mas é pior. As principais universidades brasileiras funcionam como grandes repartições públicas incapazes de se conectar com o mercado, para complicar ainda mais estas universidades são gratuitas e atraem os melhores estudantes tornando muito difícil o desenvolvimento de universidades privadas de excelência. Desta forma um dos canais de inovação está simplesmente desconectado no Brasil. Mas a coisa fica ainda pior. O governo brasileiro é quase um monopolista dos meios de financiamento do investimento. Os bancos públicos tem condições de oferecer crédito barato financiado pelo Tesouro e com isto capturam o mercado e de quebra desestimulam a captação de recursos nas bolsas de valores. Sobra ao empreendedor recorrer a financiamento público, este financiamento é dificultado pela burocracia inerente ao setor público e pelos objetivos políticos dos governantes de plantão. O excesso de burocracia afasta o pequeno empresário com uma idéia genial, fossem Bill Gates e Steve Jobs brasileiros provavelmente a Microsoft é a Apple teriam morrido nas mãos das exigências de algum burocrata. O uso político inibe o grande empresário disposto a adotar uma tecnologia que destrua mercados consolidados. Quais as chances de um empresário brasileiro conseguir um financiamento do BNDES para adotar uma tecnologia que destrua o mercado de frigoríficos?
O resumo de minas reflexões é que nunca tivemos instituições favoráveis à inovação. Nosso ganhos de produtividade e nosso crescimento só foram possíveis enquanto foi possível obter estes ganhos por meio de tecnologias favoráveis aos donos do poder. Para futuro estaremos condenados ao crescimento medíocre das últimas décadas a menos que consigamos mudar a estrutura de incentivos. Isto é possível? Não sei dizer. Neste momento minhas reflexões encontraram complemento nas reflexões de, ora quem diria, Olavo de Carvalho e seu conceito de que os muito ricos atuam contra o mercado pois sabem que o mesmo mercado que os tornou muito ricos pode destruir suas fortunas no presente ou em gerações vindouras. Este post já está grande o suficiente, melhor explorar esta possível complementaridade em outro momento.