sexta-feira, 29 de maio de 2020

Contas Nacionais referentes ao primeiro trimestre de 2020: Assusta, mas foi é só o começo.


O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao primeiro trimestre de 2020 (link aqui), com isso podemos começar a vislumbrar o impacto da Covid-19 na economia brasileira. As medidas de isolamento começaram em meados de março, mas antes disso a economia já sentia os efeitos da pandemia por conta do mercado financeiro e de dificuldades em exportar e em importar. Apesar de relevantes, os problemas do primeiro trimestre são pequenos perto do que aconteceu em abril e maio e deve acontecer em junho. Mesmo com pouco efeito das políticas de isolamento o quadro ficou bem preocupante.

O primeiro de trimestre de 2020 inicia uma série de trimestres onde será impossível falar de PIB e de outros indicadores sem fazer referência a pandemia de Convid-19. A estratégia de recuperação lenta e consistente buscando reformas e tentando não perder o controle do lado fiscal foi comprometida. A necessidade de gastos do governo para equipar hospitais e manter a economia o mais fria possível comprometeu os esforços de ajuste fiscal dos últimos anos. A agenda de reformas, por mais importante e necessária que seja, vai inevitavelmente perder espaço para o desafio (talvez impossível) de proteger a renda das famílias e a viabilidade das empresas em um cenário de estímulos à redução da produção. Esse é um ponto que não pode nunca ser esquecido, ao contrário de outras crises onde as políticas para aquecer a economia ajudam a elevar a renda e viabilizar empresas no curto prazo (pelo menos em tese) nessa crise as políticas para manter pessoas em casa e empresas fechadas levam a perda de renda e inviabilizam empresas no curto prazo. Daí o caráter único do desafio econômico e a razão de políticas de demanda como redução de juros e aumento de gastos não parecerem capazes de entregar crescimento nem no curto prazo.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado a economia cresceu 0,9%, mas a última barra dá uma noção relativa do tamanho da queda de 1,5% neste primeiro trimestre. A maior queda continua sendo a do quarto trimestre de 2008 com a crise financeira iniciada nos EUA, 3,9%, seguida da queda no segundo trimestre de 2015 na série de quedas que se seguiram ao colapso da Nova Matriz Econômica, 2,1%, primeiro trimestre de 1998 com o colapso do regime de bandas de câmbio, 2,1%, primeiro trimestre de 2009 também com a crise financeira de 2008, 1,6%, e finalmente o primeiro trimestre de 2020 com queda de 1,5%.. Infelizmente é possível que neste trimestre estejamos vivendo uma queda maior que a do quarto trimestre de 2008.




Ao contrário de outros analistas que tentam entender como o bolo foi feito estudando a divisão do bolo, eu vou continuar insistido em começar a análise das contas nacionais pela produção, ou seja, pelo lado da oferta. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no primeiro trimestre de 2020 respondeu por 7,8% do valor agregado e 6,6% do PIB, cresceu 1,6% no período; o setor de  serviços, 72,4% do valor agregado e 61,7% do PIB, cresceu 0,9%; finalmente, a indústria, que responde por 19,9% do valor agregado e 16,9% do PIB, cresceu 0.7%. Mais uma vez os três grandes setores da economia mostraram crescimento, ainda que modesto. Na comparação com o trimestre anterior a agropecuária cresceu 0,6%, a indústria teve uma queda de 1,4% e nos serviços a queda foi 1,6%.




No acumulado de quatro trimestres a construção cresceu 1,7% e teve o melhor desempenho entre os setores da indústria, como esse é um setor que mesmo antes da pandemia recebeu estímulos do governo há um risco de crescimento artificial o que pode ser um problema mais na frente. A indústria de transformação cresceu 0.3%, o baixo crescimento ou mesmo queda da indústria de transformação é parte fundamental da arrumação da casa. Muito investimentos ruins foram realizados neste setor no período de 2006 a 2014, são empresas sem perspectivas, algumas criadas apenas para viabilizar corrupção, que devem quebrar de forma a liberar capital e trabalho para empresas produtivas que ainda serão criadas. A indústria extrativa teve crescimento de 0,7%. Na comparação com o trimestre anterior a construção de queda de 2,4%, a indústria extrativa teve queda de 3,2% e na indústria de transformação a queda foi de 1,4%. Os números mostram que no primeiro trimestre de 2020 a turma que mais faz barulho foi a que teve a menor queda dentre os grandes setores da indústria.




Nos serviços o maior crescimento novamente ficou por conta do setor de informação e comunicação que cresceu 3,4% no acumulado de quatro trimestres. As atividades imobiliárias também tiveram um bom desempeno com crescimento de 1,9%, vale aqui o alerta feito para construção. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social mostrou queda de 0,13%. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços.




Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O maior crescimento foi no investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, que cresceu 3% no acumulado em quatro trimestres reforçando a tendência iniciada no segundo trimestre de 2018. O crescimento do investimento acima do produto sem uma política agressiva de estímulos ou de investimentos públicos é um dos sinais do processo de recuperação sólido ainda que lento.
 O consumo das famílias cresceu 1,3% e o consumo do governo caiu 0,4%, ou seja, a fatia do bolo que vai para o governo caiu. As exportações caíram 2,7% e as importações subiram 2,9%. Na comparação com o trimestre anterior o investimento aumentou 3,1%, o consumo das famílias caiu 2%, o consumo do governo aumentou 0,2%, as exportações caíram 0,9% e as importações subiram 2,8%.




Os números das contas nacionais referentes ao acumulado de quatro trimestres reforçam que estávamos seguindo uma recuperação lenta, mas sólida. Os números comparando este trimestre com o anterior mostram que a recuperação foi interrompida (deve ficar pior no segundo trimestre). Na análise das contas do último trimestre de 2019 alertei que o coronavírus comprometeria o primeiro trimestre de 2020. Quando escrevi aquele post (link aqui) as políticas de isolamento ainda não estavam em vigor, de fato ainda havia a esperança do calor ou algum outro fator minimizar o impacto da doença por aqui. Agora que vimos que não fomos poupados, pelo contrário, o desafio para equipe econômica fica ainda mais complicado. Ao mesmo tempo que são necessárias medidas para minimizar os danos de uma economia com atividade reduzida, é necessário manter algum controle da política fiscal e não perder o horizonte da agenda de reformas.

Como se já não fosse difícil conciliar controle fiscal com a necessidade de gastar mais e a impossibilidade de aumentar receitas, como se já não fosse quase impossível manter o discurso das reformas diante de medidas mais urgentes que se impõem a cada semana a equipe econômica ainda vai ter de lidar com o aumento da pressão por políticas de estímulos decorrente da recessão e da incrível incapacidade de articulação política de Bolsonaro. O infame Plano Pró-Brasil é só uma amostra do que ainda pode aparecer nos próximos meses. Da minha parte continuo insistindo que qualquer plano no estilo do PAC que não seja precedido por profundas reformas nas regras de compras e contratações do setor público está fadado a repetir a triste história de euforia e crise que tantas vezes vivemos. Se não acredita em mim dá uma olhada nos escândalos nas compras de respiradores que se espalham pelo país, se aconteceu isso com equipamentos médicos no meio da crise de saúde imaginem o que vai acontecer com pontes e viadutos no pós-crise.



segunda-feira, 25 de maio de 2020

Efeitos da pandemia na arrecadação dos estados: comparação entre abril de 2020 e de 2019.


Uma das questões importantes no debate a respeito das ações do governo para amenizar os efeitos da pandemia de Covid-19 na economia é como a União deve agir para repor as receitas perdidas pelos estados. O tema foi motivo de debates entre políticos e economistas, com direito a uma proposta para lá de irresponsável da Câmara seguida por uma nova proposta do Senado que pediu como contrapartida que os estados não concedam aumentos de salário para servidores públicos até o final de 2021. Depois de algumas idas e vindas a respeito das contrapartidas, a proposta foi aprovada e está esperando pela manifestação do Presidente da República que avisou que vai vetar a lista de carreiras que podem receber aumento aprovada pelo Congresso.

No debate a respeito da ajuda aos estados é fundamental saber qual será a perda de arrecadação por conta da pandemia. Ainda não dá para saber, ainda não estamos no pico e não dá para estimar por quanto tempo as atividades econômicas ficarão reduzidas, com ou sem leis locais, por conta da doença. Entretanto os números de abril podem dar uma pista do que vai ocorrer, na maioria dos estados as medidas de isolamento começaram em março e, em algum grau, continuam até hoje. Desta forma o mês de abril foi o primeiro a ser todo comprometido pela pandemia.

Os dados utilizados são do Boletim de Arrecadação dos Tributos Estaduais do Confaz (link aqui). Serão utilizadas três medidas de arrecadação: o total arrecadado por todos os tributos estaduais, a arrecadação de ICMS e a arrecadação de ICMS do setor terciário incluindo energia elétrica e petróleo, combustível e lubrificantes); essas medidas estão disponíveis nos quadros 1, 4 e 5 do boletim. Por falta de dados para abril foram excluídos os estados do Amapá e Mato Grosso. Os dados foram deflacionados pelo IPCA.

Em comparação com abril de 2019 a queda na arrecadação total foi de 17,4%, com exceção de Rondônia, aumento de 3,2%, e Roraima, aumento de 9,5%, todos os estados tiveram queda de arrecadação. A maior queda ocorreu no Piauí, 43,7%, seguida da queda em Minas Gerais, 27,4%, e no Ceará, 27%. No Rio de Janeiro a queda de arrecadação foi de 8,7% e em São Paulo foi de 21,3%. A figura abaixo mostra a queda em cada estado e no DF.




Na soma dos estados da amostra e DF (todos com exceção do AP e MT) a arrecadação de ICMS caiu 15,3% em abril deste comparado ao do ano passado. No Pará a arrecadação de ICMS aumentou 6,1% e no Mato Grosso do Sul aumentou 2,9%, em todos os outros estados e no DF houve queda. Mais uma vez o Piauí lidera a perda de arrecadação, queda de 35,9%, seguido pelo Ceará, 25,9%, e Minas Gerais, 24%. No Rio de Janeiro a queda de arrecadação de ICMS foi de 16,9%% e em São Paulo foi de 15,4%. A figura abaixo mostra a queda em cada estado e no DF.




Considerando apenas o ICMS sobre setor terciário (incluindo energia elétrica bem como petróleo, combustível e lubrificantes) a queda da soma dos estados da amostra e DF foi de 12,3%. Mato Grosso do Sul, 3,3%, Pará, 2,4%, Maranhão, 0,4%, Roraima, 0,4%, e Espírito Santo, 0,1%, tiveram aumento real na arrecadação desse imposto. A maior queda ocorreu mais uma vez no Piauí, 37,3%, seguido por Santa Catarina, 24%, e Ceará, 23,2%. No Rio de Janeiro a queda de arrecadação desse subconjunto do ICMS foi de 19,9%% e em São Paulo foi de 11%. A figura abaixo mostra a queda em cada estado e no DF.




A queda na receita dos estados e DF foi significativa, mas, pelo menos em abril e com exceção do Piauí, foi menor que o 30% imaginados. É difícil fazer previsões no meio da pandemia, mas é possível que maio seja pior que abril. Se é verdade que alguns estados estão flexibilizando as medidas de isolamento também é verdade que há um aprofundamento da crise e que outros estados estão intensificando o isolamento.


domingo, 17 de maio de 2020

A ponta do iceberg: números do PIB referentes ao primeiro trimestre de 2020 em alguns países.


Os números referentes ao primeiro trimestre divulgados por vários países revelam o tamanho da crise que está por vir. A figura abaixo mostra a variação do PIB em relação ao período anterior para os países com dados disponíveis na base de dados da OCDE, o Brasil não aparece porque ainda não foram divulgados os números do primeiro trimestre de 2020. A maior queda aconteceu na China, uma das razões é que a China foi afetada antes dos outros países, na Europa a maior queda ocorreu na França. A queda média foi de 2,6% e a mediana foi de 1,9%. Os números assustam, para referência no primeiro trimestre de 2019 não houve queda do PIB em relação ao período anterior em nenhum dos países da figura, mas representam apenas a ponta do iceberg pois em vários países os meses de janeiro e fevereiro foram pouco afetados pela pandemia. Na Itália a quarentena foi imposta em nove de março.




Na comparação com o mesmo período do ano anterior, que é o primeiro trimestre de 2019, o quadro parece menos desolador, mas só parece. Um número significativo nesta comparação não significa “apenas” que o PIB encolheu durante a crise, significa que o encolhimento do PIB mais do que compensou o crescimento de 2019. Assim como na comparação com o trimestre anterior o destaque da China é influenciado pelo fato que a pandemia começou por lá.




As figuras acima nos mostram o começo da crise, no segundo trimestre o estrago certamente foi bem maior. É possível que as quedas nos produtos de vários países no segundo trimestre sejam maiores que a da China no primeiro trimestre, infelizmente Brasil não será exceção. A situação aqui fica agravada porque já estávamos em crise antes da pandemia começar e, ao contrário do que dizem algumas autoridades, não havia sinais de melhoras nos primeiros meses de 2020.


sábado, 9 de maio de 2020

Uma nota a respeito da (grande) desvalorização do real.


O Brasil tem um regime de câmbio flutuante e o Banco Central não tem compromisso com nenhuma taxa específica, ainda assim variações no câmbio, como em qualquer preço, têm efeitos na economia causando perdas e ganhos em grupos distintos de famílias e empresas. Isso não implica que o Banco Central deva impedir tais flutuações, mas acompanhar as variações no câmbio é importante para entender o que pode acontecer na economia após a pandemia.

Grosso modo os ganhadores com a desvalorização da moeda local, ou valorização da moeda externa, são os exportadores, que passam a receber mais reais por dólar exportado, e as empresas que concorrem com produtos importados, que são beneficiadas nem que temporariamente pelos preços mais altos dos concorrentes. Na outra ponta estão os que possuem renda em reais e compram produtos importados ou produtos cujo preço é sensível ao dólar, estão aí trabalhadores e pensionistas, empresas que precisam importar insumos ou máquinas e quem está endividado em dólares ou outras moedas estrangerias.

Um outro efeito da desvalorização do câmbio que costuma ser apontado por economistas desenvolvimentistas é o barateamento do custo da mão de obra do país em comparação com a mão de obra do exterior. Com esse efeito é possível que as empresas instaladas no país sejam beneficiadas não apenas pelo encarecimento dos produtos concorrentes importados como se tornem mais competitivas no exterior por enfrentarem custos mais baixos em comparação com as empresas instaladas em outros países. Isso torna ainda mais escandaloso o pedido de proteção de empresários nacionais mesmo diante de uma grande desvalorização do real.

Não vou entrar na questão dos efeitos do câmbio na competitividade da indústria, já fiz isso em outros lugares, apenas registro que acredito que esses efeitos são bem menores do que pensam meus colegas desenvolvimentistas e que podem até ir na direção contrária se o efeito sobre o custo de importar novas máquinas for muito significativo. O que quero ilustrar nesse post é que a desvalorização do real, para o bem o para o mal, foi grande, muito grande. A figura abaixo mostra a valorização do dólar em relação a moedas de diversos países ou regiões nos últimos trinta dias.




Em nove de abril o dólar custava R$ 5,11, na sexta-feira, oito de maio, estava em R$ 5,73, uma valorização de pouco mais de 12% frente ao real. Foi a maior valorização frente a moeda local em todas os países avaliados. A segunda maior valorização do dólar ocorreu na Turquia e foi 6,2%, quase metade da que ocorreu aqui.

Se considerarmos desde o começo do ano a maior valorização do dólar dentre os países selecionados também aconteceu por aqui e foi de 42,4%. Neste período o México ficou em segundo lugar com valorização de 25% do dólar e a Turquia, com 19,1%, ficou em terceiro.




Considerando os últimos seis meses a valorização do dólar também foi maior por aqui do que nos outros países da amostra. A ordem continua sendo Brasil, México e Turquia com valorizações de 38,2%, 23,7% e 22,8%, respectivamente.


O Brasil só perde a liderança quando o período é estendido para os últimos doze meses, nesse intervalo de tempo a maior valorização do dólar diante a moeda local ocorreu na Argentina. Se o amigo é daqueles que não gostam de perder para argentina nem quando o assunto é desvalorização da própria moeda talvez queira saber que perdemos por pouco, lá o dólar valorizou 48,7% e por aqui 45,2%, se as moeda dos dois países continuarem no mesmo ritmo das últimas semanas rapidinho passamos deles.



Piadas à parte a realidade é que a desvalorização do real diante ao dólar foi grande, se não ocorrer uma reversão a economia pós-pandemia terá uma dinâmica diferente da que vimos nos últimos anos. Caso Paulo Guedes (e os desenvolvimentistas) estiverem certos o combo “juros baixos e câmbio desvalorizado” pode ajudar no aumento do investimento e no fortalecimento da indústria de transformação instalada no país. Outra possibilidade, creio que mais provável, é que o crescimento não virá por conta dos juros baixos e do câmbio desvalorizado de forma que o Banco Central vai ter de escolher entre elevar juros ou aceitar uma inflação mais alta do que a dos últimos anos.


quinta-feira, 7 de maio de 2020

O isolamento no Brasil foi exagerado em comparação com o de outros países?

É difícil saber se o isolamento em um determinado país foi modesto ou exagerado, isso é verdade porque não sabemos qual é o nível de isolamento ótimo em cada país. Na falta do isolamento ideal uma alternativa é comparar o isolamento de um determinado país com o de outros países. Não é um exercício sem riscos, conceitualmente a comparação é perigosa porque é perfeitamente possível que o nível ideal de isolamento seja diferente entre os vários países, desta forma um país pode estar mais isolado que outros sem que isso implique em exagero no isolamento. Em termos de medida os riscos estão na escolha de variáveis e nas diferenças de mensuração em cada país.

Mesmo ciente dos riscos, resolvi comparar o isolamento no Brasil com o isolamento em outros países. Como medida de isolamento escolhi a variação do movimento em terminais de transportes em cada dia comparado com o período de referência para cada país, essa medida está disponível no Covid-19 Community Mobility Reports (link aqui). O período de referência é definido como a mediana do mesmo dia da semana no período entre três de janeiro e seis de março de 2020. Por exemplo, o índice do Brasil no dia quinze de abril, uma quarta-feira, é de -53, isso significa que naquele dia o movimento em terminais de transportes foi 53% menor que a mediana das quartas-feiras entre três de janeiro e seis de fevereiro de 2020.

O primeiro exercício consistiu em calcular o menor valor do índice para cada país, o período analisado vai de quinze de março a dois de maio, ou seja, será considerado o menor desvio em relação ao período de referência para cada país. Por exemplo, Brasil a maior queda ocorreu no dia dez de abril quando o movimento em terminais de transportes ficou 69% abaixo do movimento no período de referência, na Argentina ocorreu nos dias vinte e três e vinte quatro de março e a queda foi de 85% e nos Estados Unidos a maior queda foi de 56% e ocorreu no dia doze de abril. A figura abaixo mostra o menor valor do índice para cada país e destaque alguns países que considero interessantes.




A média da medida de isolamento foi de -72,6 e a mediana foi de -75, no Brasil a medida de isolamento foi de -69, ou seja, no período analisado o isolamento por aqui foi menor que a média e a mediana dos cento e vinte nove países da amostra, de fato 64,3% em 64,3% dos países da amostra a medida mostrou mais isolamento do que no Brasil. De todos países, o menor isolamento ocorreu no Iémen (-27) e o maior isolamento ocorreu nas Bahamas (um inacreditável índice de -100, ou seja, ninguém usou terminais de ônibus no dia dize de abril). Em nenhum dos países sul-americanos destacados o isolamento foi menor que no Brasil, o maior isolamento da região aconteceu no Peru. É curioso registrar que nos Estados Unidos e na Coréia do Sul a medida de isolamento sugere menor isolamento do que na Suécia, um país que vez por outra é apontado por ter evitado medidas de isolamento.

A medida utilizada no primeiro exercício pode ser muito afetada por eventos específicos de um dia, por exemplo, feriados ou greves. Para resolver esse problema o próximo exercício mostra o desvio do movimento nos terminais de transportes em todos os dias do período analisado e para todos os países da amostra. Como esse método não é possível destacar todos os países da primeira figura, escolhi os seis que considerei mais interessantes. 



É fácil ver na Itália e na Argentina o isolamento foi maior que no Brasil em todo o período, porém na Argentina ocorre uma aproximação nos últimos dias. A queda do movimento em terminais de transportes por aqui ficou próxima da observada nos Estados Unidos, se isso pode ser explicada pelas características dos dois países (federações com grandes áreas) ou dos governantes dos dois países é coisa que não vou ousar explicar. No começo do período o isolamento na Suécia foi maior que no Brasil, porém depois a situação mudou quando ocorre a grande queda de movimento em meados de março. A Coréia do Sul é um caso interessante, o movimento tem uma queda brusca, chegando a ser maior que na Itália no começo da amostra e depois se mantém constante em um nível de isolamento menor que nos outros países selecionados.

O exercício desse post possui severas limitações e não deve ser usado para inferir sobre o desenvolvimento da Covid-19 nos vários países. Se tiver alguma utilidade, além de me ajudar a passar o tempo e me tirar uma curiosidade, aponta que o isolamento por aqui não foi tão rígido como vez por outra alguém sugere. Uma questão curiosa seria saber se existe correlação entre o isolamento e a mudança na previsão de crescimento do país, mas, por enquanto, ainda não estou tão ousado para fazer um post com esse tema.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Outro post sobre as medidas econômicas de combate à crise causada pelo coronavírus.


Nesta semana, mais precisamente no dia 27/04, o Observatório de Política Fiscal do IBRE/FGV fez um apanhado das medidas econômicas de combate à crise causada pelo coronavírus. O documento apresenta uma comparação das medidas no Brasil e em outros países e faz algumas decomposições das medidas do Brasil, recomento que leiam o relatório completo (link aqui) ande de ler esse post que nada mais é do que minha leitura dos números que estão lá.

Comparações internacionais são sempre delicadas, a mais completa que conheço é do FMI (link aqui), mas até que o FMI sinta segurança para resumir em uma base de dado é melhor tomar cuidado e resistir à tentação de usar esses dados para comparações entre países. A nota do IBRE, assinada pelo Manoel Pires que é meu colega de departamento, faz ressalvas quanto aos números, recomendo que leiam. Aqui vou usar os números que estão na tabela partindo do princípio de serem os mais adequados para comparações.

A figura abaixo mostra os programas de combate à crise, excluídas medidas de crédito, nos países da amostra do IBRE. Repare que o Brasil só fica atrás do Canadá e da Austrália. O número está em claro contraste com análises que sugerem que o governo brasileiro está optando por austeridade no meio da pandemia. A impressão de excesso de timidez nos programas do governo talvez decorra da inacreditável sequência de declarações infelizes (para dizer o mínimo) do Presidente da República a respeito da pandemia somada aos constantes ataques às medidas de isolamento. O resultado do IBRE não pode ser comparado diretamente com os resultados de outro post que fiz sobre o assunto (link aqui), mas ambos negam a tese que os programas de ajuda do governo são tímidos.



Em contraponto aos programas governamentais, os gastos com créditos fiscais como proporção do PIB por aqui estão entre os menores da amostra. Vale, porém, ressaltar que estamos na frente da Argentina e do Chile, os dois únicos países latinos da amostra, de fato, todos os outros países são classificados pelo FMI como avançados. Se a posição modesta é por sermos emergentes em uma amostra composta majoritariamente por países ricos, se decorre de outras características do país, especialmente do sistema financeiro, ou se é excesso de timidez do governo deixo para discutir em outra oportunidade.




A figura abaixo junta os dados da segunda e da terceira tabela do texto do IBRE para comparar o quanto destinado aos vários tipos de ações do governo. Os três maiores itens foram:

  • Novas despesas: destaque para transferência de renda extraordinária (R$ 124,2 bilhões), um programa que ainda pode aumentar nos próximos meses, e complementação de redução da jornada com seguro desemprego *R$ 51,2 bilhões)
  • Adiamento de receitas: destaque para postergação do PIS/Cofins e contribuição patronal por dois meses (R$ 82 bilhões) e para o diferimento por três meses do FGTS (R$ 30 bilhões).
  • Suporte a Estados e Município: destaque para transferências diretas (saúde, alimentação escolar, SUAS e repasses diretos) e suspensão temporária das dívidas de estados e municípios com a União (R$ 22,6 bilhões).


Como a nota do IBRE tem como um de seus objetivos comparar os programas destinados ao setor privado (talvez fosse melhor falar empresas e famílias, mas isso é outra conversa) com os programas de suporte a estados e municípios os dados ficaram separados em duas tabelas. Fiquei preocupado que ao juntar eu acabasse incorrendo em dupla contagem, mas, como a soma dos gastos deu igual à do IBRE creio que não foi o caso. De fato, o único número da nota que não reproduzi foi o do gasto como proporção do PIB das medidas com impacto no gasto primário que deu 4,3% na nota e eu cheguei a 4,58%, a diferença parece vir das medidas de desoneração que , creio eu, devem entrar na conta, mas a nota desconsidera para chegar ao número final.

A figura abaixo mostra três diferentes composições para o gasto total. A primeira coluna mostra as medidas de crédito em azul (2,06% do PIB) e as outras medidas (6,98% do PIB) em vermelho. A segunda coluna mostra as medidas de suporte a estados e municípios (1,83% do PIB) em azul e as outras medidas em vermelho (7,21% do PIB). A última coluna mostra as medidas com impacto no gasto primário (4,58% do PIB) e azul e as medidas sem impacto no primário (4,46% do PIB) em vermelho. Ao contrário da discrição deste parágrafo, no gráfico apresento os valores em bilhões de reais.




Para uma análise do papel das medidas de crédito seria importante ter as medidas de crédito sem impacto fiscal, grosso modo as medidas tomadas pelo Banco Central envolvendo garantias, liberação de compulsórios e redução de juros. De modo geral creio que a melhor estratégia prioriza medidas de crédito em detrimento de políticas de gastos, mas entendo que nem sempre é possível perseguir a melhor estratégia, ainda mais no meio de uma pandemia e com todas as tensões políticas que estamos presenciando.

As medidas de suporte a estados e municípios devem ser discutidas na próxima semana, o mais prudente a fazer é esperar mais um pouco antes de qualquer avaliação. É certo que a União deve ajudar os entes subnacionais, mas a ajuda deve estar condicionada a contrapartidas pro parte de prefeitos e governadores. Como já foi dito em outros lugares, não faz sentido a ajuda da União virar aumentos ou gratificações para servidores públicos em carreiras sem envolvimento direto com o combate à pandemia.

Imagino que o pessoal do governo esteja fazendo um esforço para minimizar as medidas com impacto direto no gasto primário, desde antes da crise, na realidade desde o final de 2014, o governo vem tentando reduzir o déficit primário. Mesmo assim, como mostra a figura, cerca de metade do gasto para combater a crise vai afetar o gasto primário. O impacto das medidas de combate à crise no gasto primário vai comprometer o esforço fiscal dos últimos cinco anos e três governos, porém é inevitável e, dado que o governo vai ser obrigado a gastar o que não tem, sobra tentar fazer esse gasto com o máximo de zelo e eficiência. Um cuidado a ser tomado é priorizar medidas temporárias em detrimento de medidas permanentes, não esqueci a lição de Friedman sobre o caráter permanente das medidas temporárias adotadas pelos governos, me conforto imaginando que Paulo Guedes também não esqueceu.