domingo, 22 de novembro de 2015

Qual (ou quem) foi nossa desgraça?

Nesta semana chamou atenção uma notícia dizendo que das doze maiores economias do mundo apenas o Brasil estará em recessão no próximo ano (link aqui). Inspirado na notícia resolvi checar quantos países vão encolher este ano e quantos vão encolher mais que o Brasil, para isso usei a base de dados do FMI. Na base constam o crescimento previsto para 2015 de 188 países, o único dado não disponível é o da Síria por motivos óbvios. De posse dos dados podemos avaliar se crescimento negativo é um padrão esperado para 2015, figura abaixo mostra a taxa de crescimento de todos os países da base de dados, em verde estão as taxas positivas e em laranja as taxas negativas. Repare que a grande maioria dos países terá crescimento positivo em 2015, o Brasil está com a minoria que terá crescimento negativo.



O resume em números da figura acima é que em 2015 os países do mundo vão crescer em média 2,47%, mais da metade dos países vão crescer acima de 2,88% e apenas 18 dos 188 países vão encolher. Uma dúvida natural que decorre da figura acima é saber quais os países nos acompanham no clube dos que vão encolher em 2015. A figura abaixo lista os países que vão encolher e mostra a taxa de crescimento de cada um deles. Note apenas 10 países de um total de 188 vão crescer menos que o Brasil em 2015.





Se o leitor prestar atenção no grupo de países que crescerão menos que o Brasil em 2015 vai reparar que lá estão a Bielorrússia, Ucrânia e Rússia, os dois últimos estiveram envolvidos em conflitos militares e o primeiro foi afetado diretamente por tal conflito tanto pela chegada de refugiados quanto pela queda no comércio com os países envolvidos, especialmente a Ucrânia (link aqui). O Sudão do Sul é um país novo que está em guerra civil (link aqui), o mesmo acontece com a Líbia que ainda não conseguiu se estabilizar após a queda de Muamar Khadafi (link aqui), ainda em conflito estão o Burundi (link aqui) e o Iémen (link aqui). A Guiné Equatorial, homenageada pela Beija Flor no carnaval deste ano, é vítima de uma das mais brutais e duradouras ditaduras da África, no quesito vítima de ditadura também está a Venezuela. Por fim temos Serra Leoa que foi atingida pelo surto de ebola (link aqui). Em resumo, todos os países que vão crescer menos que o Brasil em 2015 foram atingidos por eventos extremos. E nós? Qual desgraça nos atingiu? Melhor não responder...

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Taxa de Investimento no Brasil e no Mundo: Onde está o BNDES?

O Brasil tem um banco de desenvolvimento que está entre os maiores do mundo, até onde pude apurar só perde para o da China, para que o leitor tenha ideia do tamanho do BNDES basta ter em mente que o BNDES empresta por ano mais do que o Banco Mundial, um banco que financia investimento em praticamente todo o mundo (link aqui). Com um banco de desenvolvimento tão grande tendo como objetivo financiar o investimento no Brasil era de se esperar que a taxa de investimento no Brasil se destacasse da taxa de investimento de outros países. A guisa de exemplo a China, que possui o maior bando de desenvolvimento do mundo, também tem uma das maiores taxas de investimento do mundo.

Tendo isso em mente fui buscar nos dados do FMI a taxa de investimento entre 2011 e 2014, últimos cinco anos, de 170 países com dados disponíveis e calculei a média da taxa de investimento de cada país nos cinco anos selecionados, o objetivo de fazer a média de cinco anos é amenizar distorções causadas por um só ano que tenha sido muito bom ou muito ruim para o investimento. No que segue chamarei de taxa de investimento do país a média das taxas de investimento do país entre 2011 e 2014. Olhando os dados a presença do BNDES não se reflete em uma alta taxa de investimento no Brasil, pelo contrário, nossa taxa de investimento é inferior à média da taxa de investimento dos países da amostra. Enquanto a taxa de investimento média do mundo é de 24,03% e taxa de investimento mediana é de 22,76% a taxa de investimento do Brasil é de 20,1%, ou seja, não apenas estamos distantes da média como estamos na parte de baixo da amostra, dito de outra forma, mais da metade dos países do mundo tem taxa de investimento maior que a do Brasil.

A figura abaixo mostra a taxa de investimento dos diversos países do mundo e qual a proporção de países com cada taxa. Repare que nossa taxa de investimento, próxima ao 20 na figura, está junto da de vários países e não se destaca em relação à taxa de investimento de outros países, no contexto do gráfico se destacar seria ter uma taxa de investimento mais para direita. Alguém poderia argumentar que a taxa de investimento média-baixa do Brasil é explicada pela renda per capita brasileira que também é média baixa. Tal argumento teria dois problemas básicos: a relação entre taxa de investimento e PIB per capita não é significativa e a renda per capita do Brasil não é exatamente média baixa. Segundo os dados do FMI em 2014 nossa renda per capita foi de US$ 11.572,70, de fato estamos abaixo da média que é de US$ 14.370,80, porém nossa renda per capita está acima da mediana que é de US$ 6.230,60. De toda forma a presença do BNDES e principalmente o tamanho do BNDES deveria fazer com que nossa taxa de investimento fosse alta dada nossa renda per capita, não é o caso, para que o leitor tenha uma ideia a China tem uma renda per capita US$ 7.571,5 e uma taxa de investimento de 46,7%.


Certamente existem outros fatores além da presença de um banco de desenvolvimento gigantesco que explicam a alta taxa de investimento da China, porém alguém poderia defender a existência de tal banco de desenvolvimento apontando que o banco é um dos fatores que explicam a taxa de investimento chinesa. Aqui no Brasil tal argumento não se aplica pelo simples fato que não temos uma taxa de investimento alta. A figura abaixo mostra a relação entre PIB per capita e taxa de investimento, lembre-se que não se trata de uma relação significativa, o ponto laranja é o Brasil e o ponto verde é a China., repare que enquanto a China claramente se destaca pela alta taxa de investimento o Brasil está no meio de um aglomerado de países dos quais nenhum tem um banco comparável ao BNDES para chamar de seu.




Seria o caso de dizer que sem o BNDES nossa taxa de investimento fosse ainda menor? Talvez fatores culturais possam explicar a baixa taxa de investimento no Brasil e, assim sendo, o BNDES está de fato colaborando para elevar o investimento nacional. É difícil contrapor argumentos desse tipo, países sempre tem especificidades que podem ser usadas para justificar determinadas características. Governos fazem isso o tempo todo para justificar performances ruins comparadas ao resto do mundo, curiosamente os mesmos governos adoram comparar países quando as estatísticas parecem favoráveis. Deixemos os governos de lado e voltemos ao argumento original, uma maneira de abordar o problema é comparar com países semelhantes ao Brasil. No caso escolhi os países do grupo América Latina e Caribe da base de dados do FMI. Fazendo o gráfico entre taxa de investimento e PIB per capita apenas para esse grupo de países, continue lembrando que a relação não é significativa, vemos novamente que o Brasil não se destaca.




Como explicar que temos uma taxa de investimento mais para baixa quando temos um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo? O que está sendo feito com o dinheiro que o BNDES usa para financiar o investimento no país? Uma resposta tentadora seria apontar para corrupção, mas não seria uma boa resposta no sentido que deixaríamos sem explicação porque somos mais corruptos que outros países. Prefiro seguir o argumento que o BNDES está apenas substituindo o financiamento privado, tese que também é defendida pela OCDE (link aqui). O investidor pode pegar o dinheiro no mercado ou pode pegar o dinheiro no BNDES. Se pegar no mercado nacional vai pagar taxas de juros bem mais altas que a cobrada pelo BNDES que atualmente é 7% (link aqui), repare que a taxa cobrada pelo BNDES é menor do que a inflação prevista para 2015 e ligeiramente superior a inflação prevista (até agora) para 2016. Se pegar o dinheiro no exterior o investidor estará sujeito a riscos cambias. A escolha é fácil, as condições do BNDES são tão atrativas que fazem com que os investidores via de regra peguem o dinheiro no BNDES para financiar um investimento que, creio eu, seria realizado do mesmo modo se não houvesse BNDES. Claro que posso estar errado de forma que não haveria investimento sem o BNDES, nesse caso seria preciso explicar porque outros países conseguem investir tanto ou mais do que o Brasil sem ter um BNDES.

Seria o BNDES apenas inócuo? Não. A verdade é que o fato do BNDES emprestar dinheiro a 7% não quer dizer que o custo do dinheiro no Brasil é de 7%, a diferença entre o que o BNDES cobra dos felizes financiados e o custo do dinheiro acaba chegando no bolso dos pagadores de impostos. Muito da crise fiscal que estamos passando decorre das manobras contábeis que o governo usou para manter o esquema de financiamento barato tocado pelo BNDES. O problema do custo do dinheiro é o mais facilmente mensurável, mas não é o único nem o maior problema do BNDES. A existência de um banco gigantesco ofertando crédito barato torna praticamente impossível desenvolver um mercado de capitais no Brasil. Como um banco privado vai concorrer com um banco que empresta a juros negativos? Como desenvolver outras linhas de financiamento, inclusive o mercado de ações, com um gigante distribuindo dinheiro do pagador de impostos a juros de pai para filho?

Além do problema fiscal e de dificultar a desenvolvimento de outras alternativas para financiar o investimento o BNDES cria um sistema de incentivos onde ter acesso aos financiamentos do banco acaba sendo mais importante do que ter boas técnicas de gestão ou novas tecnologias. Suponha que dois empresários pretendem fazer uma siderúrgica, melhor, um frigorífico, em condições normais os dois buscarão financiamento que devem ter custos próximos um do outro (a respeito da equivalência das fontes de financiamento das empresas ver aqui), a competição se dará em conseguir produzir com a mesma qualidade e menor custo, ou seja, se sairá melhor quem for mais eficiente. Em um ambiente assim a eficiência é que determina quem se sairá melhor no mercado, o campeão será quem trabalha melhor. Considere agora que um dos empresários pode conseguir um financiamento muito mais barato do que o outro, chamemos o felizardo de empresário-amigo. Os juros baixos darão uma enorme vantagem ao empresário-amigo, isso é particularmente verdade em um país que tem juros altos como é o caso do Brasil, de forma que mesmo sendo menos eficiente o empresário-amigo pode se sair melhor no mercado. Empresários gostam de ganhar dinheiro e o caminho para ganhar dinheiro é o mercado, se o mercado premia o mais eficientes os empresários buscarão eficiência, mas se o mercado premia que tem acesso ao dinheiro do pagador de impostos os empresários buscarão a melhor forma de acesso a esse dinheiro.

Como todos sabemos o melhor caminho para ter acesso ao dinheiro do dito contribuinte é ter acesso aos políticos que controlam tal dinheiro. Assim no lugar de contratar engenheiros para desenvolver novas tecnologias e administradores para desenvolverem e implementarem novas técnicas de gestão os empresários vão financiar políticos. A coisa toda é tão explícita que empresários financiam políticos de partidos diferentes como forma de fazer um seguro contra os resultados das eleições, não importa quem ganhe o acesso está garantido. Que fique claro que não estou justificando a corrupção, longe disso, questões ligadas a caráter nunca podem ser menosprezadas quando o assunto é o comportamento humano. Estou dizendo que um ambiente onde os políticos definem quem ganha no mercado é propício a formar uma aliança entre políticos e empresários e que tal aliança tem efeitos desastrosos para o país. Digo ainda que instituições como BNDES são muito propicias a criar tal ambiente, não só o BNDES toda e qualquer instituição que permita ao governo definir os campeões do mercado traz o risco de criar a indesejável aliança entre políticos e empresários. Naturalmente a presença de uma ou mesmo um conjunto de instituições do tipo do BNDES também não implica necessariamente que a aliança entre governo e empresários-amigos existirá, tudo depende da existência de outras instituições e até mesmo da ação de certos indivíduos.

O que posso dizer é que no Brasil entre 2011 e 2014 as centenas de bilhões de reais que o BNDES usou para financiar o investimento de alguns empresários não parecem ter afetado a taxa de investimento de forma significativa. Também posso dizer que no Brasil a aliança entre governo e empresários-amigos existe e que ambos se beneficiam de tal aliança, se não acredita em mim me explique porque nossos empresários são tão generosos em doações eleitorais que curiosamente são destinadas a vários partidos e políticos que defendem ideias diferentes. Nesse sentido seria impossível terminar o post sem registrar que a (recriação) do modelo onde o governo define quem será o campeão do mercado foi o grande mal que os governos Lula e principalmente Dilma fizeram ao país, sem reverter tal modelo estamos condenados a um crescimento medíocre cheio de altos e baixos acompanho de crises fiscais, inflacionárias e/ou de balanço de pagamentos.