sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Mais dados, desta vez sobre pobreza.

No post anterior falei sobre a distribuição da renda média dos países do mundo. Mostrei que pelos dados da Penn World Table não é possível falar que os países pobres foram os perdedores da globalização. A análise simples dos dados sugere o contrário, países pobres cresceram mais que países ricos. Neste post vou falar sobre pobreza. O fato de países pobres terem crescido mais que países ricos não implica em redução na pobreza mundial, é possível que a renda dos países pobres esteja se concentrando nas mãos dos mais ricos destes países. Neste caso o aumento da renda média não implica em aumento da renda dos mais pobres. Olhemos para os dados relativos a pobreza.

Como a Penn World Table não trata de pobreza desta vez os dados utilizados serão do Banco Mundial, especificamente da Poverty &Equity Data. Se é para falar de pobreza é melhor começar por onde o problema é mais grave: a África subsaariana. É comum ver na Internet ou em revistas e jornais estatísticas assustadoras a respeito da miséria nesta região, qualquer pessoa normal sente algum mal estar quando se depara com imagens de crianças passando fome e/ou com estatísticas mostrando que o número de miseráveis (pessoas que vivem com menos de $1,25 por dia, corrigidos por PPP) nesta região mais que dobrou entre 1981 e 2010. Eram pouco mais de 200 milhões de pessoas nesta situação em 1981 e em 2010 já passavam de 400 milhões. Números como este são desconcertantes para civilização, é inaceitável que em pleno século XXI com todas as técnicas de produção agrícolas que dominamos pessoas passem fome.

O impacto dos números é tão forte que dificulta nosso raciocínio, e disto se aproveitam os críticos do livre mercado. O aumento do número de miseráveis foi maior ou menor que o aumento da população? Sem considerar este efeito qualquer análise está comprometida, pior, é possível que os mecanismos que criam miséria passem a ser defendidos por pessoas que sinceramente querem o fim da miséria. É como um obeso fazendo dieta que ao perceber que ainda é o mais gordo da turma afirma que a dieta não funciona e ignora que antes da dieta ele pesava duas vezes a média da turma e agora pesa uma vez e meia a média. Mas deixemos de coisa e cuidemos da vida, vamos aos números. A percentagem de miseráveis na África subsaariana era 56,5% em 1981 e caiu para 48,5% em 2010. O pico foi de 59,4% em 1993, curiosamente na década de 1990, o auge de neoliberalismo, começou o processo de queda na proporção de miseráveis, foram mais de dez pontos percentuais de queda entre 1993 e 2010! Entre 1993 e 2010 também caíram as proporções do que vivem com menos de $2,50 por dia e dos que vivem com menos de $5,00 por dia. A figura abaixo ilustra a proporção dos que ganham menos de $1,25 por dia, as outras podem ser obtidas aqui.




Mas a África é distante, entre nossos intelectuais não faltam os que acreditem que a miséria está aqui em nuestra América. Continente devastado pela exploração do império, pelas políticas neoliberais, pelo FHC, pelo aquecimento global, pelo ET de Varginha e pelo homem do saco. A figura abaixo ilustra a proporção dos que vivem com menos de $1,25 por dia na América Latina. Eram 11,9% da população em 1981, subiu para 13,6% em 1984 e chegou a 5,5% em 2010. No Brasil ocorreu fenômeno semelhante, em 1990 o percentual dos que viviam com menos de $1,25 ao dia era 17,2% da população, este percentual subiu a 17,9% em 1992 e, a partir deste ano começou a cair. Em 1995 já era 11,3% (há quem diga que o Plano Real foi ruim para os pobes!), em 2002 estava em 10,6%. Caiu continuamente até 2008 quando chegou a 6%, em 2010 subiu para 6,1%.




A verdade é que pela maioria dos conceitos utilizados para medir pobreza existem muito mais pobres e miseráveis do que deveriam existir, mas existem cada vez menos pobres em proporção a população total. Dizer o contrário é ir contra os dados, pode servir a propaganda, mas não serve para ajudar aos miseráveis. Se quisermos mesmo ajudar os miseráveis temos que estudar com cuidado o que aconteceu a partir de meados da década de 1980 e tentar fazer mais disto. Na minha avaliação não é coincidência que a redução da pobreza tenha ocorrido na mesma época das reformas pró-mercado. Posso estar errado, mas quero ver números.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Países pobres cada vez ficam mais pobres e países ricos cada vez ficam mais ricos... Será?

Se você é do tipo que acompanha conversas sobre economia e/ou política pela internet certamente você já leu algo do tipo: nos últimos cinquenta anos a globalização forçou que os países pobres abrissem suas economias e levou a um enriquecimento dos países ricos e ao empobrecimento dos países pobres. A depender do autor a afirmação pode vir com termos como neoliberalismo, mundialização ou financeirização no lugar de globalização ou podem aparecer temos como nova ordem mundial. Raramente os autores apresentam números que comprovem a afirmação, quando aparecem números são números incompletos e deslocados do contexto. Por exemplo: dizem que existem mais crianças passando fome hoje do que existiam tantas décadas atrás, mas não dizem a proporção de crianças passando fome. É um artifício rasteiro para induzir o leitor a aceitar uma tese. É lógico que com o aumento da população mundial existirão mais crianças com problemas, assim como existirão mais crianças saudáveis e bem alimentadas.

Resolvi juntar neste post alguns dados sobre como evoluiu a renda de vários países nos cinquenta anos passados entre 1960 e 2010, repetirei aqui parte do que fiz na introdução do curso de crescimento que ofereci para alunos de graduação da UnB. Usei os dados da Penn World Table, todos os dados estão disponíveis de graça na internet de forma que se alguém quiser confirmar meus números basta pegar os dados e refazer as contas que fiz. Vamos aos números.

A primeira informação relevante é sobre a renda média dos países. Em 1960 esta renda, medida em valores constantes de 2005 corrigidos por paridade de poder de compra, era de 4.095, em 2010 era de 13.309, ou seja, em média o mundo ficou mais de três vezes mais rico nestes cinquenta anos. Como sabemos média é um conceito perigoso, é possível que a média aumente enquanto os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Precisamos de mais números. Vou separar a amostra em pedaços. A amostra total tem 110 países, passarei a trabalhar com quatro grupos. O primeiro grupo é composto pelos 28 países mais pobres em 1960, o segundo grupo é composto pelos 27 países seguintes em ordem de pobreza, o terceiro grupo é composto pelos próximos 27 países e o quarto grupo é composto pelos 28 países mais ricos em 1960. Para facilitar vou chamar o primeiro grupo de países pobres, o segundo de países com renda média-baixa, o terceiro de países com renda média-alta e o quarto de países ricos. Depois farei a mesma divisão para o ano de 2010.

A renda média dos países pobres em 1960 cresceu 230% entre 1960 e 2010, a renda média dos países ricos em 1960 cresceu apenas 116% no mesmo período. Dito de outra forma: entre 1960 e 2010 os 28 países mais pobres da amostra cresceram, em média, uma vez e meio mais do que os países mais ricos. A verdade é que os países pobres, entre 1960 e 2010, cresceram mais do que os países ricos. Mas tem mais: no mesmo período a renda dos países do grupo de renda média-baixa aumentou em 165% e a do grupo de renda média-alta aumentou 143%, o fato é que, ao contrário do que dizem por aí, os países ricos foram os que menos cresceram no período entre 1960 e 2010.

Ainda não acabou: ao contrário do que dizem não é verdade que a maioria dos países ficou mais pobre neste período, na realidade apenas sete países da amostra ficaram mais pobres neste período: África Central, Congo, Guiné, Haiti, Madagascar, Nicarágua e Níger. Alguém interessado pode checar caso a caso, mas o desastre econômico destes países provavelmente está relacionado a guerras e desastres naturais que não guardam relação com a dita globalização. Também ocorreram milagres econômicos no período, ou seja, alguns países cresceram muito mais que os demais. Estes milagres não ficaram restritos aos países ricos, muito pelo contrário, dos nove milagres identificados (Botsuana, China, Guiné-Equatorial, Hong-Kong, Coréia do Sul, Malásia, Singapura, Taiwan e Tailândia) nenhum ocorreu em país que estava no grupo dos ricos em 1960. Por outro lado, Botsuana, China e Guiné-Equatorial estavam entre os mais pobres de 1960. A Coréia do Sul é um caso particularmente interessante: em 1960 era um país de renda média-baixa e em 2010 era um país rico.


Da próxima vez que te falarem sobre como a globalização beneficiou os países e tornou os países pobres ainda mais pobres lembre destes números e pergunte: Será?