sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Eu ainda não falaria em "V", deve ser porque sou chato.

Alguns economistas gostam de usar letras para descrever fenômenos relacionados à dinâmica da economia, o crescimento é um dos alvos favoritos dessa turma. No governo Dilma, lá por 2012, teve a turma do “J”. A teoria era que as políticas de Dilma, a hoje infame Nova Matriz Econômica, levaria a uma queda inicial e depois a um forte aumento na taxa de crescimento da economia. Não foi o que aconteceu, se a taxa caiu e lá ficou com um “L” ou se caiu e depois caiu mais seguindo alguma letra que agora não me vem a memória é coisa que deixo para o leitor especular.

Agora temos a recuperação em “V”. A tese é que a forte queda do PIB por conta da pandemia terá uma rápida recuperação. Da minha parte prefiro esperar para ver, mas ao me deparar com um gráfico de recuperação em “V” supostamente elabora pela Secom resolvi fazer a minha versão da recuperação da economia brasileira. Para isso usei o índice do PIB na tabela de séries encadeadas de índices de volume com correção sazonal, uma série que corrige pela variação nos preços e por fatores sazonais.

A figura abaixo mostra a recuperação do PIB. Usei a escala sugerida pelo ggplot/R, que também é minha preferida por permitir o foco no movimento de interesse. Repare que mesmo com o forte crescimento no terceiro trimestre ainda não voltamos ao nível do primeiro trimestre de deste ano, lembre que a série passou por ajuste sazonal.

 


Os dados adequados para avaliar a recuperação do nível de produção não descartam que o “V” possa acontecer, tudo vai depender do quarto trimestre, mas também não dá para dizer que o “V” já aconteceu. Como disse no post anterior a hora é de ter calma e seguir com as reformas até porque, mesmo com a recuperação da crise causada pela pandemia, ainda temos que nos recuperar da grande crise que fez desta uma década perdida mesmo antes deste novo Coronavírus aparecer.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Contas Nacionais no terceiro trimestre de 2020: calma!

O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao terceiro trimestre de 2020 (link aqui). A recuperação dos efeitos da Covid-19 na economia (pelo menos da primeira onda) aparecem nos números do PIB. Em relação ao trimestre anterior o PIB cresceu 7,7%, o maior número da série que começa em 1996, o valor exagerado do crescimento faz parte do mesmo movimento que levou à queda recorde de 9,6% no trimestre anterior e, de fato, não chega a compensar aquela queda.

Assim como a queda no trimestre anterior, o crescimento do terceiro trimestre deste ano dificilmente pode ser analisado na perspectiva da dinâmica de crise e recuperação que costumo usar nos posts sobre contas nacionais. O máximo que pode ser feito é entender como será a recuperação da crise causada pela pandemia e tentar especular sobre como esta recuperação pode afetar a dinâmica da economia brasileira na ótica das contas nacionais.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado houve uma queda 3,4%, o que mostra que, apesar do crescimento de 7,7% no trimestre, a crise do Covid-19 ainda está longe de ser vista pelo retrovisor. É fácil observar nas barras como tanto a queda de 9,7% como o crescimento de 7,7% destoam do resto da série.

 


Como é tradição no blog a análise será feita pelo lado da produção, a análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é interessante para entender como foi a distribuição do PIB. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no terceiro trimestre de 2020 respondeu por 6,5% do valor agregado e 5,6% do PIB, cresceu 1,8%; o setor de  serviços, 71,8% do valor agregado e 61,7% do PIB, teve uma queda de 3,5%; finalmente, a indústria, que responde por 21,8% do valor agregado e 18,7% do PIB, teve uma queda de 3,5%. Na comparação com o trimestre anterior a agropecuária teve queda de 0,5%, a indústria teve crescimento de 14,8% e nos serviços o crescimento foi 6,3%. Vale notar que a indústria teve a maior queda no segundo trimestre, 13%, e o maior crescimento no terceiro trimestre 14,8%.

 


No acumulado de quatro trimestres a construção teve queda de 5,8%. Na indústria de transformação a queda foi de 5,4%. Ao contrário de outros períodos onde a queda na indústria de transformação podia ser vista como parte da arrumação de casa após a sequência de investimentos questionáveis, para dizer o mínimo, da primeira metade da década., esta queda reflete o impacto brutal da pandemia no setor A indústria extrativa teve crescimento de 4,3%. Na comparação com o trimestre anterior a construção cresceu 5,6%, a indústria extrativa cresceu 2,5% e a indústria de transformação cresceu 23,7%. Vale registrar que no terceiro trimestre de 2020 a indústria extrativa correspondeu a 13% da indústria total, a construção por 15,4% e a de transformação por 58%. O crescimento extraordinário da indústria de transformação só pode ser compreendido se levarmos em conta a queda de 19,1% no período anterior, grosso modo esse setor da indústria parou boa parte da produção no segundo trimestre, por conta das medidas para contenção da pandemia, e retomou a atividade no terceiro trimestre. Considerando o índice encadeado também divulgado pelo IBGE, a produção da indústria de transformação foi menor do que no terceiro trimestre de 2019.

 


Nos serviços o maior crescimento ficou por conta do setor de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados que cresceu 4% no acumulado de quatro trimestres. Também foi registrado crescimento de 0,5% no setor de informação e comunicação e de 2% nas atividades imobiliárias. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social teve queda de 3,7%., a maior queda foi de 8% no setor de transportes A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na comparação com o trimestre anterior todos os subsetores dos serviços cresceram, o maior crescimento foi no comércio, 16%, seguido por transportes, 12,5%. Mais uma vez o crescimento faz parte do mesmo movimento que causou a queda no trimestre anterior.

 


Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, teve queda de 4% no acumulado em quatro trimestres. Em tempos normais isso seria preocupante, pois sugeriria redução da capacidade de produção nos próximos períodos e pouca confiança no futuro da economia, em tempos de pandemia o resultado pode ser visto como um adiamento do investimento para o pós-pandemia. Na comparação com o trimestre anterior o investimento cresceu 11%, isso reforça a ideia que a pandemia levou a um adiamento do investimento.

O consumo das famílias caiu 4,1% e o consumo do governo caiu 3,7%, ou seja, no acumulado de quatro trimestres a fatia do bolo que vai para as famílias caiu pouco mais do que a fatia que vai para o governo. As exportações caíram 1,9% e as importações caíram 9%. Na comparação com o trimestre anterior o investimento cresceu 11%, após queda de 16,5% no segundo trimestre, o consumo das famílias cresceu 7,6%, após queda de 11,3%, o consumo do governo cresceu 3,5%, após queda de 7,7%, as exportações caíram 2,1% e as importações tiveram queda de 9,6%.

 


Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017, mas sugerem uma rápida recuperação em relação a queda causada pela própria pandemia. Para ter crescimento de longo prazo o governo precisaria investir nas reformas, algo que é cada vez mais claro que não vai acontecer. Continua valendo que se o governo partir para políticas de estímulos turbinadas por planos como o Pró-Brasil, Casa Verde e Amarela e uso de estatais podemos até ter bons números para o PIB em 2021, mas começaremos outra caminha em direção ao abismo. O descaso com o lado fiscal, ilustrado pelo não andamento do orçamento de 2021, pode cobrar um preço alto ainda no governo Bolsonaro. A disparada dos preços no atacado, levando junto o IGP-M, mostra que, além da recuperação do PIB, o governo deve se preocupar em evitar que a inflação chegue nos preços aos consumidores.

 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Distribuição dos votos dos eleitores das capitais pelos diversos partidos

No post apresento e comento os dados referentes aos resultados das eleições para prefeitos das capitais dos estados brasileiros. Das vinte e cinco capitais que foram às urnas, Macapá ficou de fora por conta dos problemas com energia elétrica, sete já definiram seus prefeitos. Alexandre Kalil (PSD) foi eleito em Belo Horizonte com 63,36% dos votos válidos, Marquinhos Trad (PSD) foi eleito com 52,58% dos votos válidos de Campo Grande, Rafael Greca (DEM) teve 59,74% dos votos em Curitiba, Gean Loureiro (DEM) teve 53,46% dos votos em Florianópolis, Álvaro Dias (PSDB) ganhou com 56,58% dos votos em Natal, Bruno Reis (DEM) teve 64,20% dos votos de Salvador, em Palmas, que não tem segundo turno por ter menos de duzentos mil habitantes, Cinthia Ribeiro (PSDB) ganhou com 36,24% dos votos válidos. Nas demais capitais só conheceremos os prefeitos após o segundo turno. Considerando os prefeitos já eleitos nas capitais o DEM está na dianteira com três prefeitos, seguindo pelo PSD e PSDM com dois prefeitos cada.

Goiânia e Curitiba tiveram dezesseis candidatos cada e foram as capitais com maior número de candidatos à prefeitura. A capital com menos candidatos a prefeito foi Rio Branco com sete candidatos. Das cinco capitais mais populosas a que teve mais candidatos foi Belo Horizonte, 15, seguida pelo Rio de Janeiro, 14, São Paulo, 13, Fortaleza, 11, e Salvador, 9. A figura abaixo mostra o número de candidatos a prefeito em cada capital.

 


O PSOL foi o partido com mais candidatos a prefeitos nas capitais, 22, depois aparece o PT com 20 e o PSTU com 16 candidatos. O MDB aparece em quarto com 14 candidatos e o PCO em quinto com 13 candidatos. A curiosa presença do PCO e do PSTU na lista dos cinco partidos com mais candidatos talvez mereça alguma atenção. Minha primeira impressão é que a listo mostra uma estratégia da extrema esquerda de usas estruturas partidárias para divulgar ideias, em uma leitura positiva, ou abocanhar mais verbas do governo, em uma leitura que não é positiva, mas talvez seja mais realista.

 


O quadro muda completamente quando consideramos os votos dos partidos nas capitais. O partido que mais recebeu votos, foram considerados todos os candidatos listados pelo TSE, foi o DEM, com pouco menos de 2,69 milhões de votos. Na sequência aparecem PSDB, cerca de 2,45 milhões de votos, PT, 1,73 milhões de votos, PSOL, 1,70 milhões, e REPUBLICANOS, 1,48 milhões. O PCO, apesar de ser o quinto partido em número de candidatos, teve pouco mais de três mil votos nas capitais ficando à frente apenas do PMN, que teve dois candidatos, e do PDB, que teve apenas um candidato. O PSTU ficou um pouco melhor que o PCO, os dezesseis candidatos do partido tiveram somados 16,4 mil votos, pouco mais da metade dos votos dos dois candidatos do PTB.

 


A capital onde o DEM teve mais votos foi o Rio de Janeiro onde Eduardo Paes teve cerca de 975 mil votos, um número de votos maior que os de Bruno Reis que levou Salvador com 64,2% dos votos (cerca de 780 mil votos). O maior número de votos do PSDB foi em São Paulo com Bruno Covas (1,75 milhões), a capital paulista também deu o maior número de votos para o PSOL, Guilherme Boulos com cerca de 1,08 milhões, e para o PT, Jilmar Tatto com 462 mil votos. O REPUBLICANOS, assim com o DEM, teve sua maior votação no Rio de Janeiro com Marcelo Crivella (577mil).

Os votos nas capitais reforçam a ideia de que o PSOL está em condições de desafiar a hegemonia do PT na extrema esquerda (se não gostou do termo pode substituir por esquerda bolivariana, esquerda democrática e popular ou qualquer nome que diferencie o PT e suas antigas linhas auxiliares de uma esquerda no estilo dos tucanos ou do PSB). A dificuldade do PT com os eleitores das capitais também aparece nos apenas dois candidatos do partido que disputam segundo turno, Marilia Arraes em Recife e João Coser em Vitória, com chances reais do PT ficar fora das prefeituras em todas as capitais do país.

Não sei o quanto esses resultados podem influenciar nas eleições de 2022. Os protagonistas da corrida presidencial em 2018 ficaram apagados nas capitais, se os problemas de Bolsonaro não aparecem nas figuras do post é porque o Presidente sequer tem um partido. Por outro lado, creio que é razoável concluir que o resultado das eleições mostram que os eleitores das capitais perderam o encanto com o projeto de poder do PT, que quase fez de Lula um Perón brasileiro, e de Bolsonaro, que nunca me pareceu capaz de ir muito além do que chegou em 2018. Isso é bom!

 

domingo, 8 de novembro de 2020

Alguns números da economia dos Estados Unidos no governo Trump

As eleições nos Estados Unidos chamaram atenção para várias questões relacionadas ao país. Basta uma olhada nos jornais ou nas redes sociais para esbarrarmos em notícias sobre geopolítica, economia, política, racismo e outras questões relacionadas aos direitos civis no país que ainda se apresenta como Terra da Liberdade, embora já tenha sido bem mais livre, ou bem menos, a depender do ângulo que se olha e do conceito de liberdade usado pelo observador.

Para ajudar nas discussões, apresento nesse post alguns números relacionados à economia americana. Os dados são todos do FMI e estão disponíveis na versão de outubro de 2020 da base de dados do World Economic Outlook (link aqui), não inclui 2020 por conta da pandemia e porque trabalho com dados anuais e o ano ainda não acabou. Em cada uma das figuras a linha mostra os dados desde 2001, para dar uma ideia de tendência, e as barras mostram os dados no governo Trump.

Comecemos a história pelo lado fiscal. Durante o governo Obama os Republicanos fizeram muitas críticas por conta da política fiscal, as acusações giravam em torno da ideia que Obama, e Democratas em geral, gastava demais. De fato, no começo do governo Obama o déficit primário como proporção do PIB nos Estados Unidos deu um grande salto, uma tendência que vinha do governo Bush e está muito relacionada à Crise de 2008. Porém, depois do pico de 11,3% do PIB em 2009, o déficit primário como proporção do PIB apresentou uma trajetória de queda. No último ano do governo Obama o déficit primário foi de 2,4% do PIB, número que cresceu até chegar a 4,1% em 2019. Para 2020 a previsão do FMI é que o déficit primário dos Estados Unidos será de 16,7% do PIB, mas aí há de se considerar o efeito da pandemia.


 

O comportamento do déficit acaba refletido na dívida pública. Após o salto significativo na sequência da Crise de 2008, de 64,7% do PIB em 2007 para 103,3% do PIB em 2012, a dívida pública se estabiliza como proporção do PIB no segundo mandato do Presidente Obama com um aumento em 2016. Durante o governo Trump a dívida cresce mais que o PIB em todos os anos e chegou a 2019 na faixo de 109% do PIB. Em 2020 a previsão é de que a dívida chegará a 131% do PIB, mais uma vez a pandemia tem um efeito central no aumento. Em termos gerais parece justo dizer que a situação fiscal dos Estados Unidos piorou no governo Trump mesmo antes da pandemia.

 


Um dos grandes trunfos frequentemente citados pelos que simpatizam com o Presidente Trump é o aumento do crescimento e a queda do desemprego. A figura abaixo mostra o crescimento dos Estados Unidos. É fato que nos dois primeiros anos do governo a taxa de crescimento do PIB americano aumentou, mas houve perda de folego em 2019. A maior taxa de crescimento no governo Trump foi 3% em 2018, número próximo aos 3,1% de 2015 ainda no governo Obama. Para 2020 a expectativa é de queda de 4,3% no PIB americano.

 


O desemprego no governo Trump segue a tendência de queda iniciada a partir de 2010 chegando a um mínimo de 3,7% em 2019. Olhando os dados fiscais e desemprego fica a impressão de que havia um estímulo fiscal em uma economia com baixo desemprego, uma estratégia que, como bem sabemos por aqui, pode ser desastrosa no médio/longo prazo. Para 2020, por conta da pandemia, a previsão é que desemprego fique em 8,9%.

 


A última variável que vou falar é a inflação. Em 2008, ano da crise financeira, a inflação nos EUA caiu para 0,7%, nos primeiros anos do governo Obama a inflação sobe até chegar a 3,1% em 2011. A partir daí, concomitante a estabilização da dívida como proporção do PIB e na sequência da queda no déficit primário, a inflação volta a cair chegando a 0,5% em 2014. Em 2016, último ano do governo Obama, a inflação foi de 2,2%, número que se repetiu no primeiro ano do governo Trump. Em 2018 a inflação caiu para 1,9% e no ano seguinte subiu para 2,1%, onde, segundo as previsões do FMI, deve ficar em 2020.

 


O balanço do governo Trump, desconsiderando 2020, mostra uma piora no quadro fiscal sem um aparente impacto significativo no crescimento que, em média, foi de 2,5% nos três primeiros anos do Presidente Trump contra 2,4% nos três anos anteriores e 2,5% nos três primeiros anos do segundo mandato do Presidente Obama. O desemprego seguiu a tendência de queda. Onde a combinação de estímulos fiscais e desempregos baixo levaria não temos como saber, a pandemia mudou as trajetórias dessas variáveis, mas a experiência sugere que não seria a um lugar bom. A inflação ficou controlada no governo Trump.

O que vai acontecer nos próximos anos? Só o tempo dirá. Republicanos quando estão na oposição costumam impor resistência a políticas que aumentem o déficit do governo, isso pode ajudar a reverter o aumento do déficit e a estabilizar a dívida como proporção do PIB. Por outro lado, a pandemia impôs gastos e poderá continuar impondo a depender do que vai acontecer nos próximos meses ou anos. Arrisco dizer que só com uma vacina as coisas começarão a voltar ao normal, mas não arrisco dizer quando a vacina vai aparecer nem muito menos quando (e como) as pessoas serão vacinadas. A pandemia também deve ditar o ritmo de crescimento, é razoável esperar que as economias do mundo cresçam e criem empregos nos períodos seguintes à superação da pandemia.

A inflação vai depender da parte fiscal. Os Estados Unidos testaram o limite de endividamento na crise de 2008, deu certo, mas isso não quer que dizer que não existe limite. Meu médico diz que eu tenho de emagrecer. Ele não sabe dizer o peso máximo que posso ter sem algum problema sério, também não sabe dizer o que vai acontecer se eu chegar nos 160kg e muito menos quanto tempo posso ficar acima dos 150kg impunemente. Ele apenas me diz que em algum momento meu peso vai cobrar um preço da minha saúde, eu, que apesar de já sentir alguns sinais dessa cobrança não faço os ajustes necessários para perder peso, acredito nele.

 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Álbum de retratos da economia de alguns países da América Latina

O post apresenta uma espécie de coleção de fotografias de alguns países da América Latina olhando por vários ângulos, a ideia é dar um painel do estado geral de países da região. Colocar todos os países tornaria difícil reconhecer cada um na foto, dessa forma escolhi um grupo de onze países que costumam aparecer em várias comparações do tipo que aparecem na internet ou em artigos de jornais e revistas, são eles: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

Como é o caso em qualquer fotografia de família existem diferenças importantes entre os que aparecem nas imagens que não são captadas nas fotos, por exemplo, os menos de 3,5 milhões de habitantes espalhados em um território 176,2 mil quilômetros quadrados fazem do Uruguai um país bem diferente do Brasil com nossos mais de 200 milhões de habitantes em um território de cerca de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Ainda assim ambos aparecem nas figuras abaixo, afinal ambos fazem parte de nuestra América.

As dimensões consideradas são: PIB per capita, expectativa de vida, gastos com saúde, gastos com educação, distribuição de renda, acesso à internet, dependência de recursos naturais e participação da manufatura do PIB. Para cada variável foi usada a média de 2015 a 2019, em caso de faltar algum dado para um ou mais anos foi usada a média sem considerar o ano em questão, quando não estavam disponíveis dados para nenhum dos anos o país ficou de fora da figura (ou da foto). Os dados são do Banco Mundial.

Como de costume o ponto de partida é o PIB per capita. Por mais críticas que possam ser feitas a essa medida é fato que países com alto PIB per capita tendem a ter um melhor desempenho nas variáveis que o crítico aponta como ausentes no cálculo do PIB. Riqueza não compra felicidade nem saúda, mas ajuda um bocado. Para facilitar as comparações foi usado o PIB ajustado por paridade de poder de compra. O país mais rico da turma é o Chile seguido de perto pela Argentina, Brasil e Colômbia estão quase empatados no meio e a Bolívia está isolada na lanterninha. Alguns podem se assustar com a posição da Argentina, mas é isso mesmo, como eu já disse em outros lugares o drama da América do Sul no pós-guerra não é o Brasil virar Argentina, o drama é a Argentina estar virando Brasil.

 


A próxima variável é a expectativa de vida, ter dinheiro é bom, mas fica ainda melhor quando é possível aproveitar a vida por mais tempo. Nesse critério o Chile é novamente o líder, porém agora seguido por Uruguai e Colômbia. A Bolívia mais uma vez teve o pior desempenho, a Venezuela, que não pareceu na figura anterior, está colada na Bolívia. O Brasil está na parte de baixo da amostra. Usando o critério de PIB per capita e expectativa de vida para avaliar bem-estar o Chile é o líder da turma. Vale o registro que na Argentina, mesmo com o PIB per capita muito próximo do Chile, a expectativa de vida é a quinta maior entre os países selecionados.

 


Expectativa de vida nos leva a pensar em saúde. O país da amostra com o maior gasto em saúde como proporção do PIB é o Brasil que é seguido de perto pelo Uruguai. O Chile, com a maior expectativa de vida, aparece me terceiro lugar. O pior desempenho é observado na Venezuela.

 


O gasto com saúde pode dar uma ideia distorcida do acesso dos mais pobres ao sistema de saúde, isso é verdade porque a medida da figura anterior considera todos os tipos de gastos com saúde. A próxima figura mostra o gasto do governo com saúde, Uruguai e Argentina lideram nesse quesito. O Chile fica bem no meio da turma e o Brasil, que liderava na figura anterior, abre a turma onde o governo gasta menos de 4% do PIB com saúde. Aqui um ponto interessante, no gasto total Brasil e Uruguai estão praticamente empatados, porém, no gasto do governo com saúde, o Uruguai lidera e o Brasil foi para parte de baixo da figura. Difícil falar qual é o melhor modelo apenas com esses dados, mas os números sugerem que o financiamento do sistema de saúde do Uruguai é mais fincado no setor público enquanto no Brasil prevalece o setor privado.

 


Para avaliar os gastos dos governos com educação serão considerados os gastos por estudantes nos níveis de educação primário, secundário e terciário. Na educação primário o maior gasto por estudante ocorre no Chile que é seguido à distância pela Argentina e pelo Brasil. O país da amostra com menor gasto foi o Equador, note que Bolívia e Venezuela ficaram de fora por falta de dados.

 


No ensino secundário a liderança passa a ser da Argentina com o Chile ocupando o posto de segundo maior gasto por estudante. O Brasil caiu para a quarta posição e o Equador é novamente o país com menor gasto por aluno.

 


No ensino terciário, onde estão as universidades, o maior gasto do governo por aluno é no México. O Equador, que tinha o menor gasto nos níveis primário e secundário, tem o segundo maior gasto no nível terciário. O Brasil ficou com o quarto maior gasto, mesma posição que no secundário e uma posição abaixo do primário. O Chile, que liderou no primário e ficou em segundo lugar no secundário, aparece em quinto lugar no terciário, esses números sugerem que o sistema público de educação do Chile prioriza os níveis mais básicos de educação. O Peru é o país com menor gasto do governo por aluno no ensino terciário.

 


A desigualdade será medida pelo índice de Gini, a proporção da renda que vai para os 10% mais ricos e a proporção da renda que pertence aos 10% mais pobres. O maior índice de Gini é observado no Brasil que é seguido pela Colômbia. O Uruguai é o país da amostra onde a distribuição de renda é menos concentrada.

 


No Brasil os 10% mais ricos respondem por 41,9% da renda do país, é a maior proporção dentre os países da amostra. No Uruguai os 10% mais ricos ficam com 29,7% da renda e na Argentina ficam com 30%.

 


Aqui aparece um fato curioso, apesar de ficar pelo meio no índice de Gini e na renda destinada aos 10% mais ricos o Chile é o país da amostra onde os 10% mais pobres ficam com a maior fatia da renda. Brasil é o país onde os 10% mais pobres ficam com a menor parte da renda. Por qualquer dos critérios utilizados o Brasil é o país com a maior concentração de renda.

 


Em tempos de redes sociais e vidas virtuais achei válido olhar para o acesso à internet. O maior acesso ocorre no Chile, 80% da população, e o menor na Bolívia. O Brasil fecha a parte de cima da distribuição com acesso por menor que a Venezuela e maior que no México.

 


Por fim considerei duas varáveis relacionadas à estrutura de produção dos países: proporção da renda do país originada em recursos naturais e participação da manufatura no PIB. O Chile é o país da amostra com maior dependência de recursos naturais, talvez esse fato deva ser considerado por quem tenta explicar o desastre econômico em alguns países do continente com base na queda dos preços das commodities. A menor dependência ocorre na Argentina. No Brasil apenas 3,2% da renda tem origem em recursos naturais.

 


O Paraguai é o país da amostra onde a manufatura responde pela maior parte do PIB, se essa variável for usada como medida de industrialização então é justo dizer que o Paraguai é o país mais industrializado da turma. Em segundo lugar aparece o México, aquele que fez um acordo de livre comércio com os EUA. O Brasil, apesar (ou por causa?) dos subsídios, dos planos estratégicos para indústria, do protecionismo, etc, é o país onde a manufatura reponde pela menor proporção do PIB.

 


Como prometido o post apresentou retratos da países da América Latina tirados por diversos ângulos. É certo que outros autores, ou esse autor em outros dias, poderiam ter colocado outros países e escolhido outras variáveis, mas creio que os retratos desse post dão uma ideia relevante de como estão alguns dos principais países da região. Apesar dos inevitáveis comentários no decorrer do texto, deixo para o leitor decidir quais países apresentam o melhor desempenho geral.

 

sábado, 17 de outubro de 2020

Qual a relação entre a aprovação de Bolsonaro nas capitais e a votação que recebeu em 2018?

O G1 divulgou resultados de pesquisas a respeito da aprovação do presidente Bolsonaro em todas as capitais de estados com exceção de São Luís do Maranhão (link aqui). Fiquei curioso em saber qual a relação dessa aprovação com o desempenho de Bolsonaro nas eleições de 2018. A ideia é saber se a aprovação é maior ou menor do que a votação que Bolsonaro recebeu, ou seja, quero saber se o percentual da população que aprova o governo é maior ou menor que o percentual da população que votou no Presidente da República.

Para fazer o exercício considerei a votação no primeiro turno por considerar que é uma medida mais adequada da proporção de eleitores que queriam Bolsonaro no Planalto. A natureza do segundo turno faz que o candidato receba votos de quem não aprova, mas acredita que é uma opção melhor do que a única alternativa. Considerei duas medidas de aprovação: na primeira considerei apenas quem avaliou o governo como ótimo ou bom, na segunda acrescentei quem avaliou o governo como regular. Os dados foram obtidos no G1 (link aqui e aqui) relativos a pesquisas do Ibope e a apuração das eleições de 2018.

A figura abaixo mostra a aprovação (ótimo/bom) e a votação no primeiro turno de 2018, também estão na figura uma reta de 45º em azul escuro (pontos nessa reta significam que a provação é igual à votação em 2018, abaixo da reta significa aprovação menor do que votação e acima da reta significa aprovação maior do que votação) e uma reta de regressão em azul claro (pontos na reta significam que a aprovação é igual a prevista considerando apenas a votação em 2018, acima significa aprovação maior do que a prevista e abaixo significa aprovação menor do que a prevista). Repare que Aracaju é a única capital onde a aprovação de Bolsonaro não é menor que foi a votação. Também é relevante notar que em todas as capitas do Sudeste a aprovação é menor do que a sugerida pela votação em 2018.


 

A figura abaixo mostra a diferença entre a aprovação de Bolsonaro, medida pelas avaliações com ótimo ou bom, e a votação em 2018. Como era de se esperar a diferença é negativa em todas as capitais com exceção de Aracaju, a maior queda ocorre no Rio de Janeiro (24,3%) seguida pelas quedas em Curitiba (22,1%) e Rio Branco (21,4%).

 


Como não podia deixar de ser, a situação melhora para o governo quando é considerada medida de aprovação que inclui os que avaliam Bolsonaro como regular. A figura abaixo reproduz a primeira figura do post usando essa nova medida de aprovação, a interpretação das retas é a mesma. Note que apenas em Florianópolis a aprovação é menor do que a votação, em todas as capitais do Sudeste a aprovação ficou acima da votação em 2018, porém abaixo da aprovação esperada considerando apenas a votação em 2018.

 


As maiores diferenças entre aprovação e votos em 2018 foram observadas em Teresina (25,4%), Macapá (21,5%) e Aracaju 19,1%). Entre as cinco capitais com maiores diferenças entre aprovação e votação quatro são de estados do Nordeste, as dez maiores diferenças estão todas em capitais do Norte ou do Nordeste.

 


As figuras acima me parecem interessantes, por isso resolvi compartilhar com os leitores do blog, mas não oferecem uma conclusão clara a respeito do desempenho de Bolsonaro em 2018 e atual. A depender da medida a aprovação do presidente pode ter caído ao aumentando em relação a votação no primeiro turno de 2018. Um resultado que parece comum nas duas medidas é que a boa vontade com Bolsonaro cresceu mais, ou caiu menos, no Norte e no Nordeste.

Não recomendo o uso dos exercícios desse post para especular sobre o que vai acontecer em 2022. Estamos em um momento de muita tensão e incerteza, uma combinação que deixa o futuro ainda mais imprevisível do que costuma ser. Como vai ficar o novo Bolsa Família? Como vai ficar a economia, especialmente desemprego e inflação? Quais os efeitos da incorporação do Centrão ao governo na percepção de corrupção envolvendo Bolsonaro? Vamos te ruma segunda onda da pandemia como está acontecendo em partes da Europa? As respostas a essas perguntas estão no futuro e, creio eu, são mais decisivas para 2022 do que a aprovação atual de Bolsonaro.

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Tarifa média aplicada a manufaturados: será mesmo que nossa referência deve ser a Venezuela?

Uma crítica comum ao processo de abertura á que isso é coisa de neoliberal entreguista e que todos os países do mundo protegem suas empresas de forma que não há razão para não fazermos o mesmo. Com isso em mente resolvi dar uma olhada nos dados de tarifas aplicadas à importação de manufaturados que estão disponíveis no Banco Mundial. Comecei olhando para América Latina e Caribe, como de costume trabalhei com valores médios de cinco anos (2014 a 2018) e países com mais de cinco milhões de habitantes.

 


É isso mesmo, temos a maior tarifa média do grupo. Argentina, Venezuela. Bolívia e mesmo Cuba praticam tarifas menores do que as nossas. Será que alguém dizer que os irmãos Castro e o bolivarianismo são regimes ultraliberais e entreguistas ou que nossas empresas enfrentam agruras maiores que as enfrentadas por empresas argentinas ou bolivianas? Se considerarmos a média ponderada no lugar da média simples, como na figura abaixo, apenas a Venezuela tem tarifa média maior que a nossa. Em outro post (link aqui) mostrei que o Peru foi o país da América Latina com maior crescimento no século XXI, talvez não seja por acaso que o Peru seja o país da região com menor tarifa média aplicada a produtos manufaturados.

 


Fiquei inconformado com a ideia de que, com exceção da Venezuela a depender da medida utilizada, somos o país com maior tarifa média da América Latina e Caribe. Os países da américa-latina são todos neoliberais entreguistas? Até Cuba? Até Morales? Resolvi então olhar outro grupo em que o Brasil se encontra: os países de renda média-alta segundo o Banco Mundial. Esses países certamente sabem proteger as indústrias que lá produzem. A figura abaixo mostra o resultado para média simples.

 


De novo ficamos com a maior tarifa média! Não pode, isso só prova que a média simples não é uma boa medida. A figura abaixo mostra a tarifa calculada com médias ponderadas, novamente só a Venezuela na nossa frente. Seria Maduro o único governante que sabe a importância de proteger a indústria local?

Não me dei por vencido. O leste da Ásia é a região que cresce e atrai novas indústrias, logo aqueles países devem ser uma boa referência. A figura abaixo mostra a tarifa média no Brasil e nos países do Leste da Ásia e do Pacífico.

 


Mais uma vez ficamos em primeiro! Sem países exemplares como Argentina, Venezuela e Bolívia ficamos sozinhos na lista de países com tarifas médias acima de 10%. Outra vez desconfiei do uso de médias simples e joguei minhas esperanças nas médias ponderadas. Como pode ser visto na figura abaixo, no critério de médias ponderadas também estamos na frente dos países do Leste da Ásia e do Pacífico. Seria também essa região um antro de governo neoliberais e entreguistas?

 


Quase sem ânimo algum e pronto para reconhecer resolvi olhar para todos os países com dados disponíveis e mais de cinco milhões de habitantes. Com o critério de média simples encontrei apenas três países com tarifa maior que a do Brasil: Camarões, Etiópia e Chade. Pensei em fazer alguma referência àqueles memes com “chad” da internet, achei melhor deixar quieto e dar uma conferida no critério de média ponderada. Finalmente! Foi a primeira lista que o Brasil não estava em primeiro ou segundo lugar, como é complicado fazer figuras com cerca de cem países ou regiões vou listar os doze países onde a tarifa média ponderada aplicada a produtos manufaturados é maior do que a nossa: Chade, Camarões, Etiópia, Nepal, Bangladesh, Paquistão, Benim, Venezuela, Togo, Senegal, Quênia e a República Democrática do Congo.

 


O leitor pode estar pensando que abusei da ironia nesse post, talvez eu tenha mesmo, mas foi uma forma de tentar chamar atenção para a necessidade urgente de discutirmos a abertura da economia e o quão fora da realidade é o discurso que as empresas instaladas no Brasil não resistirão a tarifas mais baixas. Temos nossos problemas, é fato, mas outros países também têm os seus e punem menos seus residentes com tarifas para dificultar a compra de produtos mais baratos e/ou de melhor qualidade produzidos no exterior.

Em tempos de reformas e combates a privilégios, pelo menos nos discursos oficiais, é mais do que necessário discutir o fim do privilégio de não enfrentar a concorrência de produtos vindos de outros países. Não faz sentido manter mais de duzentas milhões de pessoas reféns de empresas que alegam não conseguir sobreviver com alíquotas semelhantes as aplicadas na Colômbia, no México ou mesmo em Cuba.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Faz sentido as compras do mês estarem tão mais caras e a inflação tão baixa?

Basta ligar a TV no horário de algum jornal para termos notícia do aumento dos preços nos supermercados pelo Brasil, ainda assim a inflação acumulada no ano medida pelo IPCA está em menos de 1%, para ser preciso em 0,7%. Se “tudo” fica mais caro como pode a inflação estar tão baixa? Isso acontece porque a inflação é uma média de preços e, por incrível que pareça, nem tudo está ficando mais caro.

Essa é uma questão que aparece todo ano, mas neste ano ganhou mais força por conta da pandemia. Com as medidas de isolamento o padrão de consumo mudou de forma que estamos consumindo mais alimentos, grupo com grande aumento de preços, e menos transportes, grupo com queda de preços, o resultado é que a inflação do que realmente consumimos fica maior do que a inflação captada pelo IPCA. O fenômeno acontece em outros países, Alberto Cavallo, da Harvard Business School, avaliou as mudanças no consumo em vários países e constatou que, via de regra, a inflação do que consumimos na pandemia é maior do que a inflação medida com cestas de consumo tradicional (link aqui).

Se detalharmos o IPCA fica mais fácil entender o fenômeno. Para calcular a variação dos preços o IPCA considera nove grupos: Alimentação e bebidas (peso 20,05); Habitação (peso 15,64), Artigos de residência (peso 3,74); Vestuário (peso 4,45); Transportes (peso 19,64); Saúde e cuidados pessoais (peso 13,62); Despesas pessoais (peso 10,70); Educação (peso 6,39) e Comunicação (peso 5,8). O peso de cada grupo representa o quanto os bens e serviços do grupo pesam no orçamento de uma família média de acordo com o público alvo do índice que são famílias com renda de um a quarenta salários mínimos que vivem nas regiões metropolitanas selecionadas. A figura abaixo mostra a variação dos preços de cada grupo no acumulado do ano.


 Em 2020 os preços do grupo Alimentação e bebidas aumentou 4,91%, é muito, para comparação a meta de inflação para todo o ano de 2020 é de 4%. Por outro lado, o grupo de transportes teve queda de 3,46% no acumulado do ano, ou seja, está mais caro comer e está mais barato sair de casa. Ocorre que continuamos comendo e estamos saindo bem menos de casa, por isso o aumento de preços percebido, alguém pode dizer relevante, é maior que o medido pelos índices de preços aos consumidores como é o caso de IPCA.

Para ilustrar melhor o fenômeno a figura abaixo mostra o aumento de preços acumulado no ano para cada subgrupo do IPCA. O maior aumento ocorreu em Joias e bijuterias que é um subgrupo com peso baixo, apenas 0.21, no orçamento, a maior queda ocorre em Móveis e utensílios que tem peso 1,70 no orçamento. Se consideramos os subgrupos mais relevantes o que tem mais impacto é Transportes (peso de 19,64) que teve queda de preços de 3,46% em 2020, o que puxa o IPCA bem para baixo. Por outro lado, o subgrupo com segundo maior peso é Alimentação no domicílio (peso 14,07) com aumento de 6,10% no acumulado do ano. É esse aumento preços que sentimos nos supermercados.

 

Desagregar mais do que subgrupos talvez atrapalhe mais do que ajude no ponto desse post, os interessados podem checar os dados do IPCA do IBGE para os 51 itens e 377 subitens do IPCA. Aqui vou abrir os itens do grupo “Alimentação e bebidas” e os subitens do grupo “Transporte”. A escolha dos grupos foi por ocuparem os extremos, maior aumento e maior queda de preços. A razão de um ser avaliado por itens e outro por subitens é que o primeiro tem 17 itens e 168 subitens enquanto o segundo tem 3 itens e 28 subitens.

No grupo Alimentação e bebidas o maior aumento de preços no acumulado do foi de 20,77% ocorreu no item “Tubérculos, raízes e legumes”, seguido por 18,87% no item “Cereais, leguminosas e oleaginosas” e 13,86% no item “Frutas”. O único item do grupo com queda de preços no acumulado do ano foi “Carnes” com queda de 1,89%, desta forma se o leitor for vegetariano o aumento de preços está ainda pior do que para quem como carne. A figura abaixo ilustra esses dados. Só para atiçar a curiosidade do leitor informo que o subitem com maior aumento de preços no ano foi “Manga”, crescimento de 61,63%, a maior queda foi no subitem “Abacate”, 22,49%, seguido por “Filé-mignon” com queda de 18,44%, a turma do churrasco talvez queria saber que a “Alcatra” e “Contrafilé” tiveram queda de 12,31% e 8,31%, respectivamente, no acumulado do ano.

 

No caso do grupo “Transportes” dos itens tiveram queda de preço e um teve aumento no acumulado do ano. As quedas ocorreram em “Transporte público”, 12,57%, e “Combustíveis (veículos)”, 6,61%, enquanto o aumento ocorreu em “Veículo próprio” e foi de 0,96%. Como o grupo não tem muitos subitens deu para listar a variação de preços acumulada no ano para cada um dos subitens, o resultado está na figura abaixo. A grande queda de preços, 57,86%, ocorreu no subitem “Passagem aérea” seguida pela queda de 23,89% em “Transporte por aplicativo”. Também tiveram quedas de preços o etanol, os seguros voluntários de veículos, o óleo diesel, o aluguel de veículos, os ônibus interestaduais, a gasolina, o gás veicular e os automóveis usados. Os preços dos pneus aumentaram 5,5% no acumulado do ano, até aí sem grandes problemas, mas os aumentos de preços no metrô, 4,74%, transporte escolar, 4,13%, e ônibus intermunicipais, 3,14%, podem ter mais impacto nos bolsos de várias famílias.

 


Como o leitor pôde observar os preços dos diversos bens e serviços que compõem o IPCA tiveram comportamentos distintos neste ano, até aqui nada demais, o que parece ter causando confusão é a mudança de cesta de consumo por conta da pandemia que não está sendo devidamente considerada nos pesos do IPCA. Outra preocupação legítima é se o aumento de preços em alguns grupos vai acabar chegando nos outros grupos. É normal que os diferentes preços tenham comportamentos distintos, ainda mais diante de um choque tão forte quando a pandemia de Covid-19. Destes movimentos que aparecem as variações nos preços relativos que guiam o mercado. Se a política monetária for bem conduzida a história acaba aqui sem maiores consequências, do contrário pode ocorrer uma corrida de preços que alimenta um processo inflacionário. A disparada dos preços no atacado (ver aqui), que não entram em índices de preços aos consumidores como o IPCA, pode ser muito mais perigosa para acionar um processo inflacionário do que a forte subida nos preços dos alimentos, mas nada que uma boa política monetária não possa resolver. A bola está com Roberto Campos e a turma do Banco Central, alô rapaziada, prestem atenção que o jogo é sério e a tal capacidade ociosa sozinha não vai dar conta de garantir o resultado.

 

 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Contas nacionais do segundo trimestre de 2020: a queda!

O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao segundo trimestre de 2020 (link aqui). Como esperado, os efeitos da Covid-19 na economia aparecem de forma clara nos números do PIB. Não apenas na queda de 9,7% do PIB em relação ao trimestre anterior, a maior queda da série iniciada em 1996, como na revisão dos dados do primeiro trimestre que mostraram que a queda do PIB daquele trimestre em relação ao anterior foi de 2,5% e não de 1,5%. Para o leitor ter uma ideia do tamanho do estrago causado pela Covid-19, a maior queda registrada na série era de 3,8% ocorrida no quarto trimestre de 2008 por conta da crise financeira. No ranking das quedas a pandemia tem o primeiro lugar, 9,7% neste trimestre, e o terceiro lugar, 2,5% no primeiro trimestre deste ano.

O impacto da pandemia torna difícil, talvez impossível, analisar os dados do segundo trimestre na perspectiva da dinâmica de crise e recuperação que costumo usar nos posts sobre contas nacionais. O máximo que pode ser feito é mostrar o tamanho da crise, avaliar como os diferentes setores da economia foram afetados e como o tombo do PIB foi distribuído entre os componentes na despesa, especialmente consumo das famílias, consumo do governo e investimento.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado houve uma queda 0,9%, mas a última barra dá uma noção relativa do tamanho da queda de 9,7% no segundo trimestre. É fácil observar na figura como a queda de 9,7% destoa do resto da série, mesmo que a economia volte a crescer nos próximos trimestres será necessário algum tempo para termos ideia do tamanho do impacto da crise causada pela pandemia na economia como um todo.

 


Quem acompanha o blog sabe que faço a discussão pelo lado da produção, a análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é interessante para entender como foi a distribuição do PIB. É certo que é importante saber essa divisão, na parte final do post trato do assunto, mas, creio eu, faz mais sentido começar analisando de onde veio o que foi produzido. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no segundo trimestre de 2020 respondeu por 8,5% do valor agregado e 7,6% do PIB, cresceu 1,5%; o setor de  serviços, 72,1% do valor agregado e 64,4% do PIB, teve uma queda de 2,2%; finalmente, a indústria, que responde por 19,5% do valor agregado e 17,4% do PIB, teve uma queda de 2,6%. As características específicas da agropecuária fizeram com o que setor “escapasse” da pancada que a epidemia deu na economia. Na comparação com o trimestre anterior a agropecuária cresceu 0,4%, a indústria teve uma queda de 12,3% e nos serviços a queda foi 9,7%.

 


No acumulado de quatro trimestres a construção teve queda de 1,6%. Na indústria de transformação a queda foi de 5%. Ao contrário de outros períodos onde a queda na indústria de transformação podia ser vista como parte da arrumação de casa após a sequência de investimentos questionáveis, para dizer o mínimo, da primeira metade da década., esta queda reflete o impacto brutal da pandemia no setor A indústria extrativa teve crescimento de 4,7%. Na comparação com o trimestre anterior a construção teve queda de 5,7%, a indústria extrativa teve queda de 1,1% e na indústria de transformação a queda foi de 17,5%.

 


Nos serviços o maior crescimento novamente ficou por conta do setor de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados que cresceu 2,5% no acumulado de quatro trimestres. Também foi registrado crescimento de 1,8% no setor de informação e comunicação e de 1,6% nas atividades imobiliárias. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social teve queda de 2,3%. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na comparação com o trimestre anterior apenas e atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados e atividades imobiliárias tiveram crescimento de 0,8% e 0,5%, respectivamente.

 


Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, teve queda de 2,1% no acumulado em quatro trimestres. Em tempos normais isso seria preocupante, pois sugeriria redução da capacidade de produção nos próximos períodos e pouca confiança no futuro da economia, em tempos de pandemia o resultado pode ser visto como um adiamento do investimento para o pós-pandemia.

O consumo das famílias caiu 2,5% e o consumo do governo caiu 2,4%, ou seja, a fatia do bolo que vai para as famílias caiu pouco mais do que a fatia que vai para o governo, cabe lembrar que parte do consumo do governo se dá para ofertar bens públicos às famílias.. As exportações caíram 2,8% e as importações caíram 1,8%. Na comparação com o trimestre anterior o investimento caiu 15,4%, o consumo das famílias caiu 12,5%, o consumo do governo caiu 8,8%, as exportações subiram 1,8% e as importações caíram 13,2%.

 


Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017. Se essa interrupção será temporária ou se é o começo de uma nova crise mais duradoura só o tempo vai nos mostrar. Se o governo conseguir manter o compromisso com as reformas e com o esforço de ajuste fiscal, ainda mais difícil por conta dos gastos para enfrentar a pandemia, voltaremos ao cenário de 2019 com a recuperação lenta e segura, e possível um pico de crescimento em 2021 por conta da recuperação do choque de 2020, mas nada de muito impressionante. Se o governo partir para políticas de estímulos turbinadas por planos como o Pró-Brasil, Casa Verde e Amarela e uso de estatais podemos até ter bons números para o PIB em 2021, mas começaremos outra caminha em direção ao abismo. Caminhada que será ainda mais dolorosa se o governo abandonar de vez o compromisso com o lado fiscal seja por conta de demandas corporativas como os aumentos e benesses para militares ou em razão de programas interessantes como o Renda Brasil. A sorte está lançada.

 

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Situação fiscal dos estados e do DF: melhorou, mas ainda tem muito a ser feito.

 A Secretaria do Tesouro Nacional divulgou ontem o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais (link aqui), o documento traz uma análise da situação financeira dos estados e dos municípios. Neste post vou comentar alguns dados referentes aos estados. Em 2019 a receita primária de todos os estados foi de R$ 864,8 bilhões contra R$ 803,6 bilhões em 2018, o aumento de 7,6% como a inflação de 2019 foi de 4,3% houve um ganho real na receita primária dos estados. A despesa primária dos estados foi R$ 798,7 bilhões em 2018 e passou para R$ 830,7 bilhões em 2019, uma variação de 4% que é um pouco menor que a inflação de 2019. Desta forma houve um aumento real da receita primária e uma pequena queda da despesa primária real. O resultado primário dos estados considerando as despesas empenhadas foi um superávit de R$ 34,2 bilhões, o que representa um aumento de 601% em relação ao superávit de R$ 4,9 bilhões observado em 2018. Se consideradas as despesas pagas o superávit primário de 2019 foi de R$ 49 bilhões, um aumento de 174,2% em relação a 2018. Os grandes números sugerem que há um esforço de ajuste fiscal quando consideramos todos os estados.

No documento é possível encontrar uma análise detalhada das despesas com pessoal que passaram de R$ 421,7 bilhões em 2018 para R$ 443 bilhões em 2019, um aumento de 5,07%. A Tabela 9 do documento traz uma análise interessante sobre as despesas com pessoal de alguns estados e do DF usando dados dos portais de transparência destas unidades federativas. Nela ficamos sabendo que, na média dos estados com dados disponíveis e do DF, as despesas com pessoal da segurança pública correspondem a 30,4% da despesa com pessoal, o pessoal da educação fica com 26,6% e o pessoal da saúde fica com 9,7%. O estado com maior proporção de despesa de pessoal destinada a segurança é o Espírito Santo, 44,1%, a maior participação da educação é em Minas Gerais, 36,8%, e a maior participação da saúde é no Distrito Federal com 23,7%. O Poder Executivo fica com 78,7% do gasto com pessoal na média dos estados e DF, o maior participação é de 92,2% no Ceará, o Ministério Público fica com 5% na média e com a maior participação ocorrendo em Alagoas, 9,1%, e o Pode Judiciário fica com 16,8% na média e a maior participação no Maranhão com 26,8%.

Na média dos estados e DF os gastos com pessoal de segurança pública são 41,1% para inativos, essa mesma proporção é de 47,3% na educação e 39,9% na saúde. O custo do regime de previdência para o tesouro dos estados e do DF foi R$ 100,6 bilhões em 2018 para R$ 111,6 bilhões em 2019, um aumento de 7%. Esse e outros dados disponíveis no boletim apontam para importância de reformas nos sistemas de previdência dos servidores dos estados e do DF.

Ainda no terreno das reformas, agora a administrativa, o boletim aponta para o elevado números de estados que, segundo a metodologia da STN, comprometem mais de 60% da receita corrente líquida com pagamento de pessoal, são eles: Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Tocantins, Rio de Janeiro, Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraíba. Um exercício interessante mostra que se os estados conseguissem se enquadrar no limite de alerta de 54% da receita corrente líquida e usassem a metodologia da STN de apuração dos gastos a economia teria sido de R$ 35,5 bilhões. Aliás, considerando as diferenças entre os números obtidos com a metodologia da STN e com as metodologias usadas pelos estados, uma padronização desses cálculos seria muito bem-vinda.

Para analisar os estados e o DF considerei os números disponíveis nas análises de cada estado que estão disponíveis no final do boletim. O número que chamou atenção e vem sendo divulgado pela imprensa é que apenas dois estados, Espírito Santo e Rondônia, conseguiram a nota A na avaliação de capacidade pagamento (Capag) feita pela STN. Na outra ponta o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul foram os que tiveram as piores avaliações e ficaram com nota D.

Para começar e dar uma ideia de tamanho de cada estado vou a presentar a Receita Corrente Líquida (RCL), esse valor é usado, por exemplo, para estabelecer limites na Lei de Responsabilidade Fiscal, como os 60% para folha de pagamento, e para avaliar o tamanho da dívida dos estados. Grosso modo a RCL de um estado consiste nas receitas deduzidas das transferências realizadas por determinação constitucional para os municípios, no caso do DF e de alguns estados (salvo engano Amapá e Roraima) são deduzidas as transferências para pagamento de pessoal conforme determinação legal. Na figura abaixo é fácil ver a diferença entre São Paulo e os demais estados, também possível perceber a turma de cima com RCL acima de R$ 30 bilhões, o meião em torno de R$ 15 bilhões e a turma de baixo com RCL menor que R$ 10 bilhões. Para quem gosta de estatísticas o primeiro quartil é R$ 9,015 bilhões, a mediana é de R$ 15,835 bilhões e o terceiro quartil é de R$ 25,166 bilhões.


Um indicador importante é o quanto das receitas têm origem em tributos cobrados pelos governos estaduais e do DF. Para avaliar esse indicador vou usar a proporção da arrecadação de impostos, taxas e contribuições de melhorias nas receitas primárias correntes. Em nove estados a arrecadação com impostos, taxas e contribuições de melhorias corresponde a menos de 50% das receitas primárias correntes. Por outro lado, em quatro estados esse tipo de arrecadação corresponde a mais de 70% das receitas primárias correntes. Esse critério dá uma noção de “independência” do estado no sentido de ser capaz de se financiar tributando a própria população.

 

Dentre os impostos disponíveis para os estados e o DF o mais importante é o ICMS, de fato em todos os estados o ICM corresponde a mais de 50% do total arrecadado com impostos, taxas e contribuições de melhorias. Por ser um misto de estado e município o DF arrecada também ISS e IPTU e por isso destoa dos estados na relevância do ICMS na composição das receitas.

 

As transferências são responsáveis por parte importante das receitas de vários estados e do DF. Aqui a lógica via na direção oposta da cobrança de tributos de forma que quanto maior a participação das transferências nas receitas maior é a dependência do estado em relação à União. Em quatro estados as transferências correspondem a mais de 50% das receitas primárias correntes, Tocantins, 51,1%, é o estado mais novo da federação, Acre, 65,2%, virou estado em 1962 e Amapá, 72,5%, e Roraima, 64,6%, se tornaram estados em 1988. Em seis estados e no DF as transferências correspondem a menos de 20% das receitas primárias correntes. Nesse grupo estão os três estados do Sul, Minas Gerais e São Paulo do Sudeste e Goiás do Centro-Oeste.

 

A despesa com pessoal como proporção da RCL pode ser encontrada na Tabela 15 do boletim, dessa forma reporto aqui a despesa com Pessoal e Encargos Sociais como proporção da despesa primária total de cada estado e do DF. Repare que em apenas quatro estados, Ceará, Amazonas, São Paulo e Espírito Santo, as despesas com pessoal e encargos sociais ficam abaixo de 50% da despesa primária total. Por ser um grande provedor de serviços e razoável que despesas com pessoal tenham um peso significativo na composição das despesas dos estados e do DF, porém essas despesas não podem ser tão altas a ponto de inviabilizar as outras despesas nem jogar um peso tributário demasiado alto na população. Não é uma equação fácil de resolver, mas, como pode ser visto na figura, alguns estados resolvem melhor que outros. Cabe registrar no grupo que gasta menos 50% com pessoal e encargos sociais estão Ceará e Amazonas, dois estados que não estão entre os mais ricos da federação.

 

Uma maneira de avaliar o peso da folha nas finanças dos estados é pela proporção das despesas com Pessoal e Encargos Sociais como proporção da arrecadação de impostos, taxas e contribuições de melhorias. Tal proporção oferece uma medida do esforço necessário para pagar seu pessoal que o estado teria de fazer se dependesse apenas da arrecadação de tributos. Pode ficar assustado. Em doze estados o gasto com Pessoal e Encargos Sociais é maior do que a arrecadação de impostos, taxas e contribuições de melhorias. Nenhum estado nem o DF comprometem menos que 50% do valor da arrecadação de impostos, taxas e contribuições de melhorias com Pessoal e Encargos Sociais, se o sarrafo for para 60% só escapa São Paulo e ser for para 70% apenas Espírito Santo e Santa Catarina se juntam à terra dos bandeirantes.

 

Não foram poucas as vezes que alertei aqui para os perigos do culto ao investimento, de fato, creio que investimentos ruins são estão entre as causas que seguram o crescimento de nossa produtividade. Estou entre os que acreditam que se for para fazer investimento ruim é melhor não investir, ou, como na frase que costumam atribuir a Mario Henrique Simonsen, tem obra que é melhor pagar os 10% e não fazer. De toda forma, como o investimento sempre aparece nessas análises, a figura abaixo mostra o quanto da Despesa Primária Total de cada estado e do DF foi destinada a investimentos. Por esse critério, Ceará e Alagoas, ambos do Nordeste, são os maiores investidores com 8,1% da despesa destinada a investimentos. Na outra ponta, abaixo dos 2%, estão Rio Grande do Sul, Goiás, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Se o baixo investimento é um problema depende de qual investimento seria feito, algo que não tenho como saber.


A boa notícia é que, considerando os valores pagos, todos os estados tiveram superávit primário em 2019. Esse é um forte indicador de que há uma busca por ajuste fiscal. Amapá, 21,1%, Roraima, 16,5%, e Espírito Santo, 12%, tiveram os maiores superávits como proporção da Receita Primária Total. Bahia, 2,2%, Distrito Federal, 1%, e Rio Grande do Sul, 0,1%, tiveram os menores superávits.


A pegadinha dos dados na figura acima é que é possível atrasar alguns pagamentos para inflar o superávit primário de um determinado ano. As contas não pagas vão para os restos a pagar e, como o dinheiro não saiu do caixa naquele ano, não entram como despesa primária do ano. Para driblar esse truque a STN usa um outro conceito de resultado primário que considera os valores empenhados e não apenas os valores pagos. Pelo critério de valores empenhados três estados apresentaram déficit primário em 2019, são eles: Paraná, 0,3% da receita primária total, Rio Grande do Sul, 1%, e Rio Grande do Norte, 5,2%.

 

Um último indicador antes de passarmos às variações entre 2018 e 2019 mostra a Dívida Consolidada como proporção da RCL. É um indicador que “conta a história” das finanças do estado e do DF. Rio de Janeiro, 285,8%, Rio Grande do Sul, 216,4%, e Minas Gerais, 204%, devem mais que 200% da RCL, não por acaso são os três estados com nota D no Capag. Na sequência, São Paulo, 193,7%, e Alagoas, 115,5%, fecham o clube dos que devem mais de 100% da RCL. A forte presença de estados ricos no clube dos muito endividados faz com que políticas para aliviar as dívidas dos estados (o que equivale a mandar a conta para União), além de dar um péssimo incentivo aos governadores, acabem sendo injustas com estados mais pobres. O estado menos endividado é o Pará e sete estados e o DF devem menos de 50% da RCL.

 

Até agora vimos um retrato das finanças dos estados em 2019, nos próximos parágrafos vou tratar de como foi a variação entre 2018 e 2019, ou seja, vamos tentar saber se o quadro fiscal está melhorando ou piorando. O primeiro indicador está relacionado a quanto os governadores mandaram a conta do ajuste para os pagadores de impostos de seus estados e é calculado como a variação nas receitas de impostos, taxas e contribuições de melhorias. O número de Roraima está muito fora do padrão, talvez por conta de mudanças na legislação ou algo do tipo. Além de Roraima oito estado aumentaram a receita de impostos, taxas e contribuições de melhorias em pelo menos 10%. No Paraná as receitas com esses tributos aumentaram em 4,3%, bem próximo da inflação que, vale lembrar, foi de 4,31% em 2019. No Distrito Federal, 4,1%, Piauí, 3,8%, Acre, 3,0%, e Amapá, 2,2%, a arrecadação de impostos, taxas e contribuições de melhorias cresceu menos que a inflação. Apenas no Rio de Janeiro houve queda nominal dessas receitas, ou dito, de outra forma, nas terras fluminenses os pagadores de impostos não ficaram com a conta do ajuste nem em termos nominais.

O segundo indicador mostra o quanto da conta foi paga pelos servidores públicos do estado e do DF. A parte do orçamento que vai para os servidores encolheu em termos reais, cresceu menos que a inflação, em Rondônia, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Paraná, São Paulo e Maranhão. No Distrito Federal, Rio de Janeiro e Piauí houve queda real nos gastos com Pessoal e Encargos Sociais. A figura anterior e a próxima figura mostram um quadro interessante no Rio de Janeiro onde o ajuste poupa os pagadores de impostos e manda a conta para os servidores. Uns podem dizer que isso ajuda a explicar a situação política do governador Witzel, outros podem falar que Witzel está fazendo no Rio o que Bolsonaro não consegue fazer no Brasil.

O último indicador mostra a variação na despesa primária total de cada estado e do DF. Em doze estados o crescimento da despesa primária total foi maior que a inflação, Amapá é o caso extremo com Goiás e Rio Grande do Norte fechando o clube dos estados onde a despesa primária total cresceu mais de 10%. Em nove estados a despesa primária total cresceu menos que a inflação. Em cinco estados e no DF houve queda nominal na despesa primária total, a maior queda ocorreu no Rio de Janeiro e foi de 2,8%. Esse indicador reforça a ideia que o Rio de Janeiro está fazendo um ajuste via gasto.

 

Os números dos estados e do DF em 2019 mostram um quadro fiscal preocupante, especialmente em relação às despesas com Pessoal e Encargos Sociais, porém melhor que o de 2018. Como pode ser visto cada estado teve sua estratégia de ajuste, o que é bom, mas de um modo geral o esforço existiu e, em vários estados, não se limitou a mandar a conta para os pagadores de impostos locais.