A Secretaria do Tesouro Nacional divulgou ontem o Boletim de
Finanças dos Entes Subnacionais (link aqui), o documento traz uma análise da situação financeira
dos estados e dos municípios. Neste post vou comentar alguns dados referentes
aos estados. Em 2019 a receita primária de todos os estados foi de R$ 864,8
bilhões contra R$ 803,6 bilhões em 2018, o aumento de 7,6% como a inflação de
2019 foi de 4,3% houve um ganho real na receita primária dos estados. A despesa
primária dos estados foi R$ 798,7 bilhões em 2018 e passou para R$ 830,7 bilhões
em 2019, uma variação de 4% que é um pouco menor que a inflação de 2019. Desta
forma houve um aumento real da receita primária e uma pequena queda da despesa primária
real. O resultado primário dos estados considerando as despesas empenhadas foi
um superávit de R$ 34,2 bilhões, o que representa um aumento de 601% em relação
ao superávit de R$ 4,9 bilhões observado em 2018. Se consideradas as despesas
pagas o superávit primário de 2019 foi de R$ 49 bilhões, um aumento de 174,2%
em relação a 2018. Os grandes números sugerem que há um esforço de ajuste
fiscal quando consideramos todos os estados.
No documento é possível encontrar uma análise detalhada das
despesas com pessoal que passaram de R$ 421,7 bilhões em 2018 para R$ 443 bilhões
em 2019, um aumento de 5,07%. A Tabela 9 do documento traz uma análise
interessante sobre as despesas com pessoal de alguns estados e do DF usando
dados dos portais de transparência destas unidades federativas. Nela ficamos
sabendo que, na média dos estados com dados disponíveis e do DF, as despesas
com pessoal da segurança pública correspondem a 30,4% da despesa com pessoal, o
pessoal da educação fica com 26,6% e o pessoal da saúde fica com 9,7%. O estado
com maior proporção de despesa de pessoal destinada a segurança é o Espírito
Santo, 44,1%, a maior participação da educação é em Minas Gerais, 36,8%, e a
maior participação da saúde é no Distrito Federal com 23,7%. O Poder Executivo
fica com 78,7% do gasto com pessoal na média dos estados e DF, o maior
participação é de 92,2% no Ceará, o Ministério Público fica com 5% na média e com
a maior participação ocorrendo em Alagoas, 9,1%, e o Pode Judiciário fica com
16,8% na média e a maior participação no Maranhão com 26,8%.
Na média dos estados e DF os gastos com pessoal de segurança
pública são 41,1% para inativos, essa mesma proporção é de 47,3% na educação e
39,9% na saúde. O custo do regime de previdência para o tesouro dos estados e
do DF foi R$ 100,6 bilhões em 2018 para R$ 111,6 bilhões em 2019, um aumento de
7%. Esse e outros dados disponíveis no boletim apontam para importância de
reformas nos sistemas de previdência dos servidores dos estados e do DF.
Ainda no terreno das reformas, agora a administrativa, o
boletim aponta para o elevado números de estados que, segundo a metodologia da
STN, comprometem mais de 60% da receita corrente líquida com pagamento de pessoal,
são eles: Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Tocantins, Rio
de Janeiro, Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraíba. Um exercício
interessante mostra que se os estados conseguissem se enquadrar no limite de
alerta de 54% da receita corrente líquida e usassem a metodologia da STN de
apuração dos gastos a economia teria sido de R$ 35,5 bilhões. Aliás, considerando
as diferenças entre os números obtidos com a metodologia da STN e com as metodologias
usadas pelos estados, uma padronização desses cálculos seria muito bem-vinda.
Para analisar os estados e o DF considerei os números disponíveis
nas análises de cada estado que estão disponíveis no final do boletim. O número
que chamou atenção e vem sendo divulgado pela imprensa é que apenas dois
estados, Espírito Santo e Rondônia, conseguiram a nota A na avaliação de
capacidade pagamento (Capag) feita pela STN. Na outra ponta o Rio de Janeiro e
o Rio Grande do Sul foram os que tiveram as piores avaliações e ficaram com
nota D.
Para começar e dar uma ideia de tamanho de cada estado vou a
presentar a Receita Corrente Líquida (RCL), esse valor é usado, por exemplo,
para estabelecer limites na Lei de Responsabilidade Fiscal, como os 60% para
folha de pagamento, e para avaliar o tamanho da dívida dos estados. Grosso modo
a RCL de um estado consiste nas receitas deduzidas das transferências realizadas
por determinação constitucional para os municípios, no caso do DF e de alguns
estados (salvo engano Amapá e Roraima) são deduzidas as transferências para
pagamento de pessoal conforme determinação legal. Na figura abaixo é fácil ver
a diferença entre São Paulo e os demais estados, também possível perceber a turma
de cima com RCL acima de R$ 30 bilhões, o meião em torno de R$ 15 bilhões e a
turma de baixo com RCL menor que R$ 10 bilhões. Para quem gosta de estatísticas
o primeiro quartil é R$ 9,015 bilhões, a mediana é de R$ 15,835 bilhões e o terceiro
quartil é de R$ 25,166 bilhões.
Um indicador importante é o quanto das receitas têm origem
em tributos cobrados pelos governos estaduais e do DF. Para avaliar esse indicador
vou usar a proporção da arrecadação de impostos, taxas e contribuições de
melhorias nas receitas primárias correntes. Em nove estados a arrecadação com impostos,
taxas e contribuições de melhorias corresponde a menos de 50% das receitas
primárias correntes. Por outro lado, em quatro estados esse tipo de arrecadação
corresponde a mais de 70% das receitas primárias correntes. Esse critério dá
uma noção de “independência” do estado no sentido de ser capaz de se financiar
tributando a própria população.
Dentre os impostos disponíveis para os estados e o DF o mais
importante é o ICMS, de fato em todos os estados o ICM corresponde a mais de
50% do total arrecadado com impostos, taxas e contribuições de melhorias. Por
ser um misto de estado e município o DF arrecada também ISS e IPTU e por isso
destoa dos estados na relevância do ICMS na composição das receitas.
As transferências são responsáveis por parte importante das receitas
de vários estados e do DF. Aqui a lógica via na direção oposta da cobrança de
tributos de forma que quanto maior a participação das transferências nas
receitas maior é a dependência do estado em relação à União. Em quatro estados
as transferências correspondem a mais de 50% das receitas primárias correntes, Tocantins,
51,1%, é o estado mais novo da federação, Acre, 65,2%, virou estado em 1962 e
Amapá, 72,5%, e Roraima, 64,6%, se tornaram estados em 1988. Em seis estados e no
DF as transferências correspondem a menos de 20% das receitas primárias
correntes. Nesse grupo estão os três estados do Sul, Minas Gerais e São Paulo
do Sudeste e Goiás do Centro-Oeste.
A despesa com pessoal como proporção da RCL pode ser
encontrada na Tabela 15 do boletim, dessa forma reporto aqui a despesa com
Pessoal e Encargos Sociais como proporção da despesa primária total de cada estado
e do DF. Repare que em apenas quatro estados, Ceará, Amazonas, São Paulo e
Espírito Santo, as despesas com pessoal e encargos sociais ficam abaixo de 50%
da despesa primária total. Por ser um grande provedor de serviços e razoável
que despesas com pessoal tenham um peso significativo na composição das despesas
dos estados e do DF, porém essas despesas não podem ser tão altas a ponto de
inviabilizar as outras despesas nem jogar um peso tributário demasiado alto na
população. Não é uma equação fácil de resolver, mas, como pode ser visto na
figura, alguns estados resolvem melhor que outros. Cabe registrar no grupo que
gasta menos 50% com pessoal e encargos sociais estão Ceará e Amazonas, dois estados
que não estão entre os mais ricos da federação.
Uma maneira de avaliar o peso da folha nas finanças dos estados
é pela proporção das despesas com Pessoal e Encargos Sociais como proporção da arrecadação
de impostos, taxas e contribuições de melhorias. Tal proporção oferece uma medida
do esforço necessário para pagar seu pessoal que o estado teria de fazer se
dependesse apenas da arrecadação de tributos. Pode ficar assustado. Em doze
estados o gasto com Pessoal e Encargos Sociais é maior do que a arrecadação de
impostos, taxas e contribuições de melhorias. Nenhum estado nem o DF comprometem
menos que 50% do valor da arrecadação de impostos, taxas e contribuições de
melhorias com Pessoal e Encargos Sociais, se o sarrafo for para 60% só escapa São
Paulo e ser for para 70% apenas Espírito Santo e Santa Catarina se juntam à
terra dos bandeirantes.
Não foram poucas as vezes que alertei aqui para os perigos
do culto ao investimento, de fato, creio que investimentos ruins são estão
entre as causas que seguram o crescimento de nossa produtividade. Estou entre
os que acreditam que se for para fazer investimento ruim é melhor não investir,
ou, como na frase que costumam atribuir a Mario Henrique Simonsen, tem obra que
é melhor pagar os 10% e não fazer. De toda forma, como o investimento sempre
aparece nessas análises, a figura abaixo mostra o quanto da Despesa Primária
Total de cada estado e do DF foi destinada a investimentos. Por esse critério, Ceará
e Alagoas, ambos do Nordeste, são os maiores investidores com 8,1% da despesa
destinada a investimentos. Na outra ponta, abaixo dos 2%, estão Rio Grande do
Sul, Goiás, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Se o baixo investimento é um problema
depende de qual investimento seria feito, algo que não tenho como saber.
A boa notícia é que, considerando os valores pagos, todos os
estados tiveram superávit primário em 2019. Esse é um forte indicador de que há
uma busca por ajuste fiscal. Amapá, 21,1%, Roraima, 16,5%, e Espírito Santo,
12%, tiveram os maiores superávits como proporção da Receita Primária Total.
Bahia, 2,2%, Distrito Federal, 1%, e Rio Grande do Sul, 0,1%, tiveram os menores
superávits.
A pegadinha dos dados na figura acima é que é possível
atrasar alguns pagamentos para inflar o superávit primário de um determinado
ano. As contas não pagas vão para os restos a pagar e, como o dinheiro não saiu
do caixa naquele ano, não entram como despesa primária do ano. Para driblar
esse truque a STN usa um outro conceito de resultado primário que considera os
valores empenhados e não apenas os valores pagos. Pelo critério de valores
empenhados três estados apresentaram déficit primário em 2019, são eles:
Paraná, 0,3% da receita primária total, Rio Grande do Sul, 1%, e Rio Grande do
Norte, 5,2%.
Um último indicador antes de passarmos às variações entre
2018 e 2019 mostra a Dívida Consolidada como proporção da RCL. É um indicador
que “conta a história” das finanças do estado e do DF. Rio de Janeiro, 285,8%,
Rio Grande do Sul, 216,4%, e Minas Gerais, 204%, devem mais que 200% da RCL,
não por acaso são os três estados com nota D no Capag. Na sequência, São Paulo,
193,7%, e Alagoas, 115,5%, fecham o clube dos que devem mais de 100% da RCL. A forte
presença de estados ricos no clube dos muito endividados faz com que políticas
para aliviar as dívidas dos estados (o que equivale a mandar a conta para União),
além de dar um péssimo incentivo aos governadores, acabem sendo injustas com
estados mais pobres. O estado menos endividado é o Pará e sete estados e o DF devem
menos de 50% da RCL.
Até agora vimos um retrato das finanças dos estados em 2019,
nos próximos parágrafos vou tratar de como foi a variação entre 2018 e 2019, ou
seja, vamos tentar saber se o quadro fiscal está melhorando ou piorando. O
primeiro indicador está relacionado a quanto os governadores mandaram a conta
do ajuste para os pagadores de impostos de seus estados e é calculado como a
variação nas receitas de impostos, taxas e contribuições de melhorias. O número
de Roraima está muito fora do padrão, talvez por conta de mudanças na legislação
ou algo do tipo. Além de Roraima oito estado aumentaram a receita de impostos,
taxas e contribuições de melhorias em pelo menos 10%. No Paraná as receitas com
esses tributos aumentaram em 4,3%, bem próximo da inflação que, vale lembrar,
foi de 4,31% em 2019. No Distrito Federal, 4,1%, Piauí, 3,8%, Acre, 3,0%, e
Amapá, 2,2%, a arrecadação de impostos, taxas e contribuições de melhorias
cresceu menos que a inflação. Apenas no Rio de Janeiro houve queda nominal dessas
receitas, ou dito, de outra forma, nas terras fluminenses os pagadores de
impostos não ficaram com a conta do ajuste nem em termos nominais.
O segundo indicador mostra o quanto da conta foi paga pelos
servidores públicos do estado e do DF. A parte do orçamento que vai para os
servidores encolheu em termos reais, cresceu menos que a inflação, em Rondônia,
Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Paraná, São Paulo e Maranhão. No Distrito
Federal, Rio de Janeiro e Piauí houve queda real nos gastos com Pessoal e
Encargos Sociais. A figura anterior e a próxima figura mostram um quadro
interessante no Rio de Janeiro onde o ajuste poupa os pagadores de impostos e
manda a conta para os servidores. Uns podem dizer que isso ajuda a explicar a
situação política do governador Witzel, outros podem falar que Witzel está fazendo
no Rio o que Bolsonaro não consegue fazer no Brasil.
O último indicador mostra a variação na despesa primária total
de cada estado e do DF. Em doze estados o crescimento da despesa primária total
foi maior que a inflação, Amapá é o caso extremo com Goiás e Rio Grande do
Norte fechando o clube dos estados onde a despesa primária total cresceu mais
de 10%. Em nove estados a despesa primária total cresceu menos que a inflação.
Em cinco estados e no DF houve queda nominal na despesa primária total, a maior
queda ocorreu no Rio de Janeiro e foi de 2,8%. Esse indicador reforça a ideia
que o Rio de Janeiro está fazendo um ajuste via gasto.
Os números dos estados e do DF em 2019 mostram um quadro
fiscal preocupante, especialmente em relação às despesas com Pessoal e Encargos
Sociais, porém melhor que o de 2018. Como pode ser visto cada estado teve sua estratégia
de ajuste, o que é bom, mas de um modo geral o esforço existiu e, em vários
estados, não se limitou a mandar a conta para os pagadores de impostos locais.