sábado, 26 de novembro de 2016

PIB per capita na ilha do tirano ou 1959, o ano que não começou

Avaliar números de países controlados por tiranos não é tarefa simples. Os dados oficias costumam ser inúteis pois são manipulados pelos lacaios dos tiranos, os dados de organismos internacionais também são suspeitos pois a convivência diplomática faz com que tais organismos sejam coniventes com as verdades oficiais. Porém, para registrar a morte do maior tirano da América Latina, resolvi correr o risco e comentar o desempenho do PIB per capita de Cuba desde a tomada de poder por Fidel e seus guerrilheiros.

Como é bem conhecido na virada do ano de 1958 para 1959 o Movimento 26 de Julho, liderado por Fidel Castro, tirou do poder o ditador Fulgencio Batista que, como tantos outros ditadores destas bandas, primeiro foi eleito e depois resolveu tomar o poder à força. A resistência durou pouco, nas primeiras horas de 1959 Batista fugiu para República Dominicana, no dia oito de janeiro os guerrilheiros já controlavam Havana. Como era Cuba antes daquele réveillon? O que aconteceu depois.

Vou tentar responder o que aconteceu com o PIB per capita disponível na base de dados do Projeto Maddison (link aqui), uma base que costuma ser usada por quem estuda história econômica. Selecionei todos os países da América Latina com exceção de Porto Rico e Trinidade e Tobago, o primeiro por ser praticamente um território dos EUA e o segundo por ser muito pequeno e distorcer a amostra. A figura abaixo mostra a taxa de crescimento do PIB per capita de todos os países selecionados usando como base de comparação e média 1954-58 e 2004-08.




Como pode ser visto o crescimento de Cuba foi medíocre quando comparado ao dos outros países da amostra, de fato, apenas Venezuela, Nicarágua e Haiti cresceram menos que Cuba. A lista dos países que cresceram menos que Cuba dispensa explicações. Repare que a figura revela uma ironia do destino: a República Dominicana, país para onde fugiu o ditador cubano, foi o que mais cresceu dentre os países da amostra. Na época da revolução cubana a República Dominicana era mais pobre do que Cuba e também era governada por um ditador, no caso Rafael Trujillo que governou o país de 1930 a 1961.

A figura abaixo mostra o PIB per capita médio entre 1954 e 1958 dos países selecionados. Repare que no período anterior a revolução cubana, mesmo com a ditadura de Fulgencio Batista, Cuba tinha a nona maior renda per capita dentre os vinte países da amostra, inclusive era mais rica que o Brasil e muito mais rica que a República Dominicana.




Passados cinquenta anos, se olharmos o PIB per capita médio do período 2004 a 2008 (último ano com dados para Cuba na base de dados utilizada), Cuba tinha caído para a décima quarta posição. Como pode ser visto na figura abaixo Cuba ficou para trás de países como Brasil, Guatemala, Panamá, e, quem diria, da República Dominicana. Será que se Fulgencio Batista tivesse derrotado Fidel os cubanos teriam seguido o caminho da República Dominicana seguiu com Trujillo e hoje estariam em um dos países mais ricos da América Latina? Difícil dizer...




Naturalmente o desastre econômico de Cuba é pelo menos parcialmente explicado pela reação da comunidade internacional e especialmente dos EUA à revolução, mas esta reação é mais uma consequência da própria revolução e do caminho seguido pelos governantes da ilha. Uma das reações que, creio eu, foi importante para selar o destino da economia cubana foi o embargo impostos pelos EUA. Dito isso registro que apontar o embargo como uma das causas do fracasso da economia cubana implica em negar uma das teses mais caras aos revolucionários (e muitos não revolucionários) da América Latina, qual seja: que o comércio internacional é prejudicial para as economias do continente. Mais uma vez cabe lembrar da República Dominicana, longe de ser uma potência industrial, a valer as teses contra o comércio, o país deveria ser um grande perdedor com as “trocas injustas impostas pelos países ricos aos países pobres”, os dados deixam parecer que os “explorados” da República Dominicana se saíram muito melhor que os não explorados de Cuba. O mesmo vale para vários outros países de nuestra América.

Comparações em intervalos de cinquenta anos, como as que fiz acima, são úteis para observar efeitos de longo prazo, mas não contam o que aconteceu no meio do período. Para tratar desta questão comparei o desempenho do PIB per capita de Cuba com a de alguns países selecionados. Começo com os dois imediatamente abaixo de Cuba no ranking de PIB per capita dos anos 1954-58: Panamá e Guatemala. Ambos tiveram melhor sorte que Cuba. O PIB per capita do Panamá, mesmo na crise da década 1980, período terrível para América Latina, ficou consideravelmente acima de Cuba. Na Guatemala a crise da década de 1980 ameaçou tornar o país tão pobre quanto Cuba, mas o país se recuperou e Cuba sofreu com o fim da URSS. Aliás é curioso como a revolução que tornaria Cuba independente dos “imperialistas americanos do norte” tornou Cuba dependente do império soviético. Por falar nisso repare aquele crescimento impressionante no começo do século XXI em Cuba, se eu fosse chato diria que decorreu do Chavismo e, quem diria, do boom das commodities que, mesmo com o embargo, beneficiou Cuba.







As próximas comparações são com os países que estavam imediatamente acima de Cuba no ranking de PIB per capita do período 1954-58: Colômbia e Costa Rica. Tanto a Colômbia quanto a Costa Rica tiveram desempenho visivelmente superior ao de Cuba. No caso da Costa Rica os cinquenta anos fizeram com que os costa-riquenhos tivessem uma renda média que é mais que o dobro da dos cubanos. Já a Colômbia, mesmo tendo de enfrentar os carteis do tráfico, guerrilhas e grupos paramilitares, conseguiu uma renda média cerca de 80% maior que a dos cubanos. Ao que parece uma guerrilha no poder é bem mais danosa para a economia do que uma guerrilha tentando tomar o poder.







Para não dizer que esqueci o Brasil a figura abaixo compara o PIB per capita brasileiro com o de Cuba. Em 1958, último ano antes da revolução cubano, tínhamos uma renda média menor que a de Cuba, hoje nossa renda média é o dobro da dos cubanos. Sim, isso mesmo, mesmo com tipos estranhos como Jânio, um golpe seguido de uma ditadura, Sarney, Collor, FHC e Lula crescemos muito mais que os cubanos com o regime de Fidel. Como a amostra termina em 2008 não tem o efeito de Dilma, ela bem que tentou diminuir nossa diferença para Cuba, sem sucesso.




Agora a cereja do bolo. Lembra da República Dominicana? O país para onde fugiu Fulgencio Batista? O país que foi vítima de Trujjilo? Que como outros da América Latina passou por severas instabilidades na segunda metade do século XX? Que era mais pobre do que Cuba? Do país explorado pelo comércio internacional? A figura abaixo compara o desempenho do PIB per capita na República Dominicana e em Cuba. Melhor não falara nada.




É difícil não classificar a tirania de Castro como um desastre econômico. Se não fosse trágica seria uma coleção de ironias. Da revolução que prometia tornar Cuba independente e acabou tornando a ilha completamente dependente da União Soviética até o embargo que pode explicar parte do fracasso econômico dos guerrilheiros ao custo de sacrificar a base da “teoria econômica” que anima revolucionários que se inspiram em Fidel e sua turma.



quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Abaixo assinado de professores da FACE/UnB pedindo aprovação da PEC 55

PEC 55: ruim com ela? Pior se ela não for eficaz.

Após uma série de erros de avaliação e de condução da política econômica o Brasil se encontra em uma das maiores crises de sua história. Como costuma ser o caso em recessões profundas vivemos uma crise fiscal com graves implicações políticas. Menos do que escolha de um governo a contenção de gastos é uma imposição da própria crise que não permite a continuação da política de aumentos de gastos públicos como proporção do PIB com financiamento por meio de endividamento e aumento de arrecadação. Política essa que vinha sendo aplicada quase que ininterruptamente desde a estabilização da economia em 1994.

A necessidade de ajuste foi reconhecida pelo governo no final de 2014 ainda no primeiro mandato de Dilma Roussef. Em 2015, já com Joaquim Levy no ministério da Fazenda, o governo anunciou várias medidas de corte de gastos incluindo reajustes abaixo da inflação para professores e demais servidores públicos. No entanto, os cortes efetivamente realizados não foram suficientes para resolver a crise fiscal. No início de 2016, com Nelson Barbosa na Fazenda, o governo anunciou outro pacote de cortes, inclusive adiando o reajuste salarial de professores e outras categorias, mais uma vez sem alcançar o resultado necessário.

A proposta do governo Temer e da equipe do ministro Meirelles parte do reconhecimento da dificuldade de cortar gastos e substitui a estratégia de cortes radicais de curto prazo por um limite de crescimento do gasto nos próximos vinte anos, com uma revisão em dez anos. É uma proposta ousada que busca diluir no tempo os sacrifícios do ajuste fiscal. Se der certo testemunharemos um exemplo de uso de engenharia fiscal para facilitar a adoção de medidas de alto custo político, quase uma anestesia. Se der errado estaremos diante de uma crise fiscal ainda mais grave que pode levar a medidas drásticas como as que estão sendo tomadas em vários estados, particularmente no Rio de Janeiro, ou a uma redução da despesa real via altas taxas de inflação. Sendo assim e na falta de outras alternativas factíveis, nós, professores da FACE/UnB abaixo assinados, pedimos ao Senado que aprove a PEC 55.


Antônio Nascimento Junior, ADM
César Tibúrcio, CCA
Daniel Cajueiro, ECO
Diana Vaz de Lima, CCA
Eda Castro Lucas de Souza, PPGA
Geovana Lorena, ECO
Jomar Miranda Rodrigues, CCA
Jorge Madeira Nogueira, ECO
José Carneiro da Cunha Oliveira Neto, ADM
José Guilherme Lara Resende, ECO
Marcelo Torres, ECO
Marilson Dantas, CCA
Marina Rossi, ECO
Maurício Bugarin, ECO
Milene Takasago, ECO
Moisés da Andrade Resende Filho, ECO
Otávio Ribeiro de Medeiros, CCA
Paulo Coutinho, ECO
Ricardo Gomes, GPP
Roberto Ellery Jr, ECO
Rodrigo Peñaloza, ECO
Rodrigo de Souza Gonçalves, CCA
Tomas de Aquino Guimarães, ADM
Vander Lucas, ECO
Victor Gomes, ECO


domingo, 20 de novembro de 2016

Comportamento das expectativas após o impeachment de Dilma.

Como se comportaram as expectativas após a substituição de Dilma por Temer? Para tentar responder esta pergunta vou usar as expectativas de inflação de crescimento apresentadas no Boletim Focus (link aqui) que é elaborado e divulgado pelo Banco Central. As expectativas apresentadas no boletim representam a mediana das expectativas apresentadas por várias instituições que participam da pesquisa feita pelo Banco Central. A divulgação é feita a cada semana.

A figura abaixo mostra as expectativas para inflação, medida pelo IPCA. As expectativas para 2016 estão em azul, as expectativas para 2017 estão em laranja, a linha pontilhada marca o dia que o impeachment foi aprovado na Câmara, ou outros períodos relevantes estão marcados na figura. O fato da Câmara receber o impeachment não parece ter tido nenhum efeito relevante nas expectativas de inflação que continuaram crescendo por mais dois meses, de fato o máximo da série ocorre em 19/02/2016 quando a expectativa para inflação de 2016 chega a 7,62%. É difícil dizer se a reversão das expectativas que começa em entre o final de fevereiro e o começo de março de 2016 foi consequência da volta da atividade do Congresso e do fortalecimento da possibilidade de impeachment por conta das trapalhadas políticas do governo, de novas denúncias e do aumento da pressão popular ou se foi consequência da dinâmica da economia. Considerando que os modelos do pessoal de mercado são bem desenhados é de se esperar que os efeitos da dinâmica econômica, particularmente o ajuste do câmbio e dos preços administrados, já estivessem incorporados nas expectativas antes dos eventos que fortaleceram a possibilidade de impeachment. Na dúvida arrisco dizer que a reversão foi causada por uma mistura do aumento de possibilidade de impeachment e da dinâmica da economia.




No dia 17/04/2016 a Câmara aceita o pedido de impeachment, o que já era esperado desde a véspera. Aqui acontece um fato interessante, as expectativas de inflação para 2016 começam a subir e para 2017 começam a cair. Uma possível explicação é que o pessoal do mercado passou a creditar que a chegada de Temer poderia reduzir a inflação, mas que, talvez por conta da instabilidade política, a redução talvez demorasse e só fosse sentida em 2017. A medida que o tempo passa, Temer assume como interino e apresenta sua equipe econômica as expectativas para 2016 começam a se estabilizar e para 2017 começam um processo de queda mais consistente. Na sequência da posse definitiva de Temer as expetativas de inflação para 2016 começam a cair e as expectativas de inflação para 2017 continuam caindo. Em resumo, no dia em que a Câmara aprovou o impeachment o mercado esperava inflação de 7,08% em 2016 e 5,93% em 2017 (Boletim Focus de 15/04/2016), hoje o mercado espera inflação de 6,84% para 2016 e 4,93% em 2017 (Boletim Focus de 11/11/2016). Mesmo um sujeito chato como eu sou obrigado a reconhecer que após a chegada de Temer as expectativas para inflação tiveram uma redução considerável.

Olhemos agora para o crescimento. A figura abaixo mostra as expectativas para crescimento do PIB em 2016 e 2017, o tempo e as marcas são as mesmas da figura anterior. Repare que ocorre uma clara mudança na tendência de queda das expectativas de crescimento após a Câmara aceitar o impeachment de Dilma, isso vale tanto para 2016 quanto para 2017. Porém há uma dinâmica interessante que merece ser comentada, os últimos boletins mostram eu as expectativas de crescimento do PIB pararam de crescer e começaram a cair tanto para 2016 quanto para 2017. Parte deste fenômeno pode ser explicado por fatores alheios à política brasileira, porém, é possível que seja o primeiro sinal que o mercado está perdendo a paciência com o governo Temer.




É certo que o discurso da equipe econômica mudou para muito melhor. É um alívio não ver mais ministros da área econômica apresentando previsões dignas de risos e chamando os outros de piadistas ou terroristas. É uma tranquilidade saber que quem comanda nossa economia não acredita que é possível sair de uma crise gastando cada vez mais. É reconfortante saber que Fazenda e Banco Central estão cientes que não se combate inflação por controle de preços e não se reduz juros à base de canetadas. Tudo isso deve ter tido um papel importante na reversão das expectativas após a substituição de Dilma por Temer, mas, por melhor que seja, a mudança no discurso sozinha não vai resolver os graves problemas da economia brasileira. É preciso sair do simbolismo e partir para ações imediatamente. Por exemplo, adotar um teto de gastos é uma boa medida, mas importante mesmo é saber o que o governo vai fazer para reduzir o ritmo de crescimento dos gastos.


domingo, 6 de novembro de 2016

O gasto do governo no Brasil também é alto!

No último post comparei a dívida pública no Brasil com a dos outros países na base de dados do FMI, nesse post vou comparar o gasto de nosso governo com os gastos dos governos dos outros países. Assim como o post anterior esse post foi motivado pelo debate em torno da PEC do teto dos gastos, tenho visto muita gente dizendo que não temos problemas de gastos, nosso problema foi a queda na receita. É certo que sem a queda da receita que acompanhou a crise econômica não estaríamos com tanta urgência para o ajuste fiscal, porém essa leitura não aborda a questão do tamanho do gasto propriamente dito. Quando muito diz que quando a economia está crescendo é possível manter o nível de gastos do nosso governo, não diz se é desejável ou se é viável manter a economia crescendo com o governo gastando quase 40% do PIB. Menos do que dizer se o nível de gasto no Brasil é desejável ou viável (creio que não viável nem desejável, mas isso é assunto para outra conversa) o objetivo do post é avaliar o gasto do governo brasileiro em relação ao gasto dos governos de outros países.

Comecemos olhando o gasto por grupos de países conforme definidos pelo FMI, mais uma vez os países com menos de cinco milhões de habitantes foram excluídos da amostra e foi considerada a média dos valores observados nos anos de 2011 a 2015, os dados estão disponíveis na página do FMI. O grupo com maior gasto médio do governo é o de países avançados (41,9%), depois vem os emergentes da Europa (40,5%), esses são os únicos dois grupos onde o gasto médio supera o do Brasil (38,7%), todos os outros grupos possuem gastos médios do governo inferiores ao do Brasil. No grupo a que pertencemos, América Latina e Caribe, o gasto médio é de apenas 28,2%. Nosso governo é um latino que gasta como um europeu. A figura abaixo mostra o gasto médio de cada grupo, repare que apenas duas colunas ultrapassam os 38,7% do Brasil.




A figura abaixo mostra o gasto do governo como proporção do PIB e a renda per capita dos diversos países da amostra. Assim como no caso da dívida o Brasil aparece bem acima da reta, ou seja, nos países onde a renda per capita é próxima à do Brasil ($15,6 mil) o governo gasta uma proporção do PIB bem menor que os 38,7% gastos por aqui. Repare que boa parte dos países onde o governo gasta uma proporção do PIB maior que no Brasil sã países avançados.




Para observar melhor o Brasil a figura abaixo retira da amostra os países avançados e os países do Oriente Médio. É fácil ver que na grande maioria dos países emergentes o governo gasta uma proporção do PIB menor do que é gasto no Brasil, de fato, dos 74 países representados na figura apenas em nove o governo gasta mais que o do Brasil como proporção do PIB, são eles: Hungria, Ucrânia, Sérvia, Polônia, Equador, Venezuela, Bielorrússia, Bolívia e o Quirguistão. Não custa lembrar que os três latinos do grupo são países que aderiram em algum grau ao bolivarianismo de origem venezuelana.




A figura abaixo mostra apenas os países da América Latina e Caribe. Fica claro como o governo brasileiro gasta mais do que o padrão dos outros governos de “nuestra” América. Em nenhum país da América Central o governo gasta uma parte do PIB maior que no Brasil, na América do Sul apenas Equador, Bolívia e Venezuela possuem governos mais gastadores que o nosso. No México, um país grande e com renda per capita próxima à do Brasil, o governo gasta apenas 27,7% do PIB. No Chile, o eterno exemplo se sucesso no continente, o governo gasta 23,9% do PIB. Apesar dos governos do México e do Chile gastarem menos que o nosso em proporção ao PIB ambos os países estão na nossa frente no PISA (ranking que mede a qualidade da educação) e no IDH (medida de qualidade de vida).




Para terminar vale dar uma olhada no comportamento do gasto do governo no Brasil ao longo do tempo. Desde 1996, primeiro ano da amostra do FMI, até o final da amostra incluindo o período estimado, o gasto de nosso governo ficou entre 35% e 40% do PIB. É muito. Um gasto de 35% do PIB é maior que a média dos países da Comunidade Independente de Estados (os governos dos antigos membros da União Soviética gastam menos que o nosso!), do Oriente Médio, da América Latina e Caribe, do Sub-Saara e do Emergentes da Ásia, grupo que costuma ser um celeiro de milagres econômicos e onde a média de gastos do governo é de 23,2% do PIB. Repare que mesmo acontecendo o ajuste fiscal previsto pelo FMI, em 2021 o governo gastará uma proporção do PIB maior que a já alta média do período 2011-2015.



Podemos continuar tampando o sol com a peneira alegando que nosso governo gasta pouco e o problema é a crise, também podemos continuar buscando novas vítimas para pagar a conta do governo. Porém, enquanto falamos de novos impostos ou buscamos saídas mágicas para nossos problemas continua valendo que o governo brasileiro gasta bem mais que o governo de países semelhantes ao Brasil. Como proporção do PIB entre 2011 e 2015 gastamos mais que a Rússia (35,1%), a China (29,2%) e os Estados Unidos (36,7%), países onde os governos financiam gigantescas máquinas de guerra, só isso já deveria ser motivo para questionarmos se nosso governo não gastando demais.

É claro que existe uma demanda gigantesca por mais gastos públicos, mas não deve ser diferente nos outros países com renda semelhante à nossa. O ponto é que para gastar mais o governo precisa tirar mais recursos das famílias e das empresas, talvez nossas famílias e nossas empresas não tenham tanto dinheiro para dar ao governo sem comprometer o funcionamento de nossa economia.


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Sobre a absurdamente alta dívida pública do Brasil

Há cerca de um ano fiz um post argumentando que a dívida pública do Brasil é alta (link aqui), hoje, por conta do debate a respeito da PEC do teto de gastos, volto ao assunto. Assim como naquela época estou vendo pessoas comparando a dívida pública no Brasil com a de outros países para argumentar que nossa dívida é baixa. Feita a comparação, tentam-induzir o leitor a acreditar que não precisamos de um esforço de ajuste fiscal pois, como nossa dívida é baixa, podemos nos endividar para manter o ritmo de crescimento dos gastos até que a economia volte a crescer.

Via de regra o argumento é acompanhado de um gráfico ou uma tabela mostrando a dívida pública como proporção do PIB em um conjunto e países. Aí está o truque, o conjunto de países costuma estar repleto de países ricos com dívidas altas em relação ao PIB induzindo o leitor a pensar que se países como Japão, Estados Unidos e Itália podem viver com dívida pública maior que o PIB o Brasil, com uma dívida de aproximadamente 70% do PIB, não está tão mal. Levado pelo exemplo o leitor pode acabar esquecendo que comparar dívida de rico com dívida de pobre é um erro tolo e comprar o argumento, a depender do nível de empolgação o leitor pode até sair invadindo escolas e universidades por aí.

Ampliemos então o horizonte de comparação, no lugar de um punhado de países coloquemos todos os países com dados disponíveis na base de dados do FMI. Para tirar efeitos de um eventual ano ruim trabalhei com valores médios para o período de 2011 a 2015, também exclui os países com menos de cinco milhões de habitantes. Na amostra a dívida do Brasil ficou em torno de 64%, média de 2011 a 2015, o número atual já passa dos 70%, mas deixemos isso para o final do post. A figura abaixo mostra a média da relação dívida/PIB dos países de cada grupo conforme a definição do FMI.




Repare que apenas o grupo dos países avançados tem uma razão dívida/PIB média maior que os 64% do Brasil, para ser preciso a razão dívida/PIB neste grupo foi de 78%. Em todos os outros grupos a média ficou inferior a razão observada no Brasil, destaque para o grupo da América Latina e Caribe onde a dívida pública é, em média, 35% do PIB. A leitura de grupos pode ser enganosa, a figura abaixo mostra a razão dívida/PIB e o PIB per capita em todos os países da amostra.




Repare que com uma dívida de 64% do PIB o Brasil está bem acima da reta que relaciona PIB per capita e razão dívida/PIB, mas não fique tão impressionado com isso, retas de regressão como a do gráfico podem ser úteis, mas não costumam ser muito confiáveis. Preste atenção como a maioria dos países com razão dívida/PIB são países do grupo de países avançado, se excluirmos os países avançados sobram menos de dez países com razão dívida/PIB maior que a nossa. A próxima figura coloca uma lupa na figura anterior, para isso foram excluídos os países avançados e os países do Oriente Médio.




Repare como fica claro que nossa dívida é muito alta em relação a nosso PIB. Ficamos bem acima da massa de países, de fato, apenas cinco países apresentam razão dívida/PIB maiores que a nossa, são eles: Índia (67%), Sri Lanka (77%), Hungria (78%), Maláui (87%) e Eritreia (128%). Com a possível exceção da Índia, o único da lista com razão dívida/PIB abaixo de 70%, nenhum dos países é exemplo para o Brasil. Também é válido registrar que, ao contrário do Brasil, a dívida da Índia está caindo em relação ao PIB, sim, caso alguém tenha ficado curioso, a dívida da Hungria também deve crescer menos que o PIB de lá. Na foto dos países emergentes fica claro que o Brasil está devendo muito, se olharmos para América Latina o destaque do Brasil fica ainda mais impressionante conforme ilustra a figura abaixo.




A figura me parece autoexplicativa, mas, é sempre bom repetir: dos dezesseis países que ficaram na amostra nenhum teve uma razão dívida/PIB maior que a do Brasil! Antes de tentar culpar os últimos dois anos lembre que estou trabalhando com uma média de cinco anos, antes de tentar arrumar outra desculpe se pergunte se não é estranho devermos tão mais que os outros países de “nuestra” América. Além do Brasil o único que está acima de 50% é El Salvador. Desastres econômicos como a Venezuela (47%) e Argentina (43%) devem menos que o Brasil como proporção do PIB. Antes de se animar com os números de Argentina e Venezuela tenha em mente que se não fizermos nada em relação aos gastos públicos vamos reduzir nossa dívida com combinações das políticas usadas na Argentina e na Venezuela, ou seja, com uma combinação de inflação e calote.

Se após estas comparações internacionais você ainda não estiver convencido que nossa dívida é muito alta talvez seja melhor parar por aqui, não há mais nada que eu possa fazer para te convencer. Se, por outro lado, você estiver muito assustado com o tamanho de nossa dívida também pode ser o caso de parar, daqui para frente a coisa vai ficar mais assustadora. O FMI oferece cálculos e projeções para a razão dívida/PIB no Brasil entre 1980 e 2021. A figura abaixo mostra os números do FMI.




Isso mesmo. De acordo com as projeções do FMI em 2021 nossa dívida vai ultrapassar 90% do PIB, mais do que a média atual dos países avançados usada na primeira figura. Segundo o FMI, sem uma reversão da trajetória da razão dívida/PIB, em 2021 estaremos como a França está hoje (na França a razão dívida/PIB terá caído para 85%), porém com bem menos da metade da renda média que os franceses possuem hoje.

Como resolver? Isso é assunto para outro post, mas não será fácil. Para que o leitor tenha uma ideia do tamanho da encrenca que nos metemos se a dívida para de crescer hoje, algo que nem os mais radicais defensores do ajuste fiscal estão propondo, e o PIB crescer conforme previsto pelo FMI em 2021 nossa dívida seria de 53% do PIB. Se o leitor não lembra dos números anteriores eu ajudo, hoje, de todos os países da América Latina e Caribe da amostra, apenas El Salvador possui uma dívida maior que 53% do PIB. Quer mais? De todas as médias de grupos da primeira figura apenas a do grupo dos países avançados é maior que 50% do PIB.

Espero ter ajudado a mostrar o tamanho do problema que atinge nossas contas públicas. Se consegui, espero que quem leu até o fim lembre disso antes de afirmar que a PEC do teto dos gastos é muito dura ou muito radical. Não é. Se tivermos de criticar a PEC é pelo motivo oposto, o reajuste pela inflação do gasto público pode não ser capaz de reverter a trajetória da dívida. No limite, se isso ocorrer, não conseguiremos mais financiar nossa dívida e faremos o ajuste de forma caótica com perdas muito maiores para os mais pobres e/ou mais necessitados.