sexta-feira, 28 de maio de 2021

O IGP-M continua subindo muito!

A notícia que o IGP-M subiu 4,1% em maio deveria causar apreensão em todos que tenham algum interesse nos rumos da economia brasileira. Neste século apenas em três oportunidades o IGP-M subiu mais de 4% em um único mês. A primeira foi um aumento de 5,19% em novembro de 2002, as outras duas aconteceram nos últimos doze meses: 4,34% em setembro de 2020 e 4,14% e maio deste ano. No acumulado de doze meses o IGP-M atingiu a máxima do século, na verdade a máxima desde a estabilização.

O IGP-M é uma média de três índices: o IPA-M que mede os preços no atacado e responde por 60% do IGP-M, o IPC-M que mede os preços aos consumidores e responde por 30% do IGP-M e o INCC-M que mede os preços na construção civil e responde por 10% do IGP-M. O IPA-M é o responsável pela disparada do IGP-M, o índice que mede os preços no atacado acumula alta de mais de 50% nos últimos doze meses, outro recorde do século. A figura abaixo mostra o IGP-M e os componentes.

 


 

O aumento de preços estar muito concentrado nos preços no atacado leva alguns analistas a desprezarem o problema, não é difícil encontrar quem diga que esse aumento é passageiro e não vai chegar nos preços aos consumidores tomando por base relações estimadas durante a vigência de outro regime de política econômica, monetária e fiscal, e com menos incerteza do que vivemos atualmente. A dependência do comportamento econômico de empresas e famílias em relação à política econômica é bem conhecida dos economistas, o tema recebeu atenção de Robert Lucas, Thomas Sargent, Edward Prescott e Finn Kydland para ficar apenas nos que foram laureados com o Nobel. Um trecho no artigo “The End of Four Big Inflations” publicado pelo Thomas Sargent em 1982 resume essa ideia:

"Recent work in dynamic macroeconomics has discovered the following general principle: whenever there is a change in the government strategy or regime, private economic agents can be expected to change their strategies or rules for choosing consumption rates, investment rates, portfolios, and so on. The reason is that private agents' behavior is selfish, or at least purposeful, so that when the government switches its strategy, private agents usually find it in their best interests to change theirs. One by-product of this principle is that most of the empirical relations captured in standard econometric models cannot be expected to remain constant across contemplated changes in government policy regimes."

Voando sem instrumentos, pois a mudança de regime de política econômica e o brutal aumento de incerteza trazido pela pandemia tornaram os resultados obtidos por modelos econométricos pouco confiáveis, caberia ao BC ter adotado uma política de prudência. Não foi o que ocorreu, mesmo com a moeda derretendo e com os preços no atacado disparando o BC apostou que os preços aos consumidores ficaram blindados. No segundo semestre de 2020 estava claro que a inflação não ficaria baixa, ainda assim o BC segurou a Selic em inacreditáveis 2% ao ano. Quando finalmente resolveu ajustar, já em 2021, teve que correr com dois aumentos seguidos de 0,75% na Selic e muito provavelmente um terceiro está a caminho. Mesmo com os três aumentos a Selic vai ficar abaixo da inflação prevista para este ano, isso dá uma noção de quão baixa a Selic ficou e/ou de quanto a inflação está acima do que imaginava a vã filosofia dos que acreditavam que inflação não seria um problema.

O quadro descrito na figura deveria por um ponto final nas ilusões quanto a inflação. O IPC-M subiu mais de 7% nos últimos doze meses, o IPCA está próximo, é um valor muito alto ainda mais no meio de uma crise com desemprego crescendo. É cada vez mais urgente que o BC faça o que tem de ser feito para colocar a Selic pelo menos acima da inflação o quanto antes, sei que é difícil e a pressão será enorme, ainda mais com ano eleitoral chegando. Não acelerar o ajuste agora pode marcar Roberto Campos como mais um banqueiro central que entre inflação e desemprego escolheu a primeira e ficou com os dois.

 

sexta-feira, 7 de maio de 2021

O BC voltou!

O segundo aumento consecutivo da Selic em 0,75 pontos marca uma guinada correta e necessária na política monetária. O discurso de que a inflação resulta de um choque e voltará naturalmente a um patamar mais baixo não mais corresponde às decisões do Copom, isso é bom, mas seria ainda melhor se representantes do BC parassem de dizer que está tudo bem ou coisas do tipo (ver aqui). Entendo que a intenção pode ser acalmar o mercado, mas, na prática, a falta de consistência entre discursos e ações pode fazer mais mal do que bem.

Para ilustrar o tamanho da virada na política monetária fui buscar as decisões do Copom em relação à Selic desde janeiro de 2001. A decisão mais frequente é manter a taxa inalterada, ocorreu em 68 das 184 reuniões consideradas, em seguida vem a decisão de subir ou descer 0.5 pontos, cada uma ocorreu 27 vezes. A mais extrema foi aumentar em 3 pontos, ocorreu duas vezes: outubro e dezembro de 2008 quando o BC resolveu tirar o atraso de decisões que deveriam ter sido tomadas anteriormente. A maior queda foi de 2,50 em agosto de 2003, seguida por uma queda de 2 pontos em setembro do mesmo ano. A decisão de subir a taxa em 0,75 pontos ocorreu em apenas 7 ocasiões, a última antes das decisões deste ano foi em 2010 quando a Selic estava em torno de 10% ao ano. A figura abaixo mostra a variação da meta de Selic e quantas vezes cada variação ocorreu.

 


Diante dos números é difícil negar o caráter excepcional das decisões do Copom nas últimas duas reuniões. Minha leitura é que a razão para essa pressa é que o BC tenha finalmente percebido que segurou a Selic por muito tempo em um valor muito baixo e que, sem uma mudança drástica na política monetária, poderia perder o controle das expectativas e, por consequência, da inflação. Entendo que alguns colegas não gostem da minha leitura, afinal estamos em crise e as expectativas de inflação não deram sinais de alerta. Quanto a crise, bem... o que não faltam são exemplos de inflação fora de controle com desemprego nas alturas e PIB caindo ou patinando, se não acredita em mim dá uma olhada no vizinho do norte ou do sul.

Em relação às expectativas o problema é que os modelos de previsão perdem poder diante de mudanças de regime, o próprio Paulo Guedes anunciou a mudança de regime em 2019 e reforçou em 2020 (link aqui e aqui), e na presença de incerteza, não preciso dizer que a pandemia mandou a incerteza lá para cima. Essa é a razão do “pessoal do mercado” ter errado consistentemente para baixo a previsão de inflação.

Para visualizar o que estou dizendo peço que o leitor se coloque no lugar de um empresário que depende de insumos importado de forma que uma desvalorização do real representa um aumento nos custos de produção. É razoável supor que decisão do empresário de repassar para os preços o aumento dos custos dependa do que ele espera acontecer com o câmbio. Se ele entender que a desvalorização é passageira, o repasse para os preços deve ser pequeno ou mesmo nulo, se entende que é permanente talvez ele tente repassar para os preços no menor prazo possível. Como a natureza da desvalorização, transitória ou permanente, depender do regime é justo supor que a decisão de ajuste de preços por conta da desvalorização também dependa do regime. Se o exemplo for representativo as estimativas de que o efeito do câmbio nos preços é baixo, realizadas com dados do regime anterior, talvez não valham mais no regime de “juros baixos e câmbio desvalorizado”.

A questão é saber o tamanho do atraso que BC deve recuperar e quanto tempo há para que o ajuste possa ser feito sem comprometer a credibilidade da política monetária. Estimativas de colegas sugerem que a Selic deve chegar em 6,5% ao ano para estancar a pressão nos preços, o problema é que essa estimativa depende da previsão de inflação e essa, como nos mostra a experiência recente, não é muito confiável. O lado bom é que a atual direção do BC conta com a confiança do mercado, o que dá uma margem maior de manobra, Tombini e Mantega devem ficar intrigados com a paciência que turma tem com Campos e Guedes. O lado ruim (e perigoso) é que ainda não sabemos o tamanho do rombo fiscal causado pela pandemia e pela política de usar o orçamento agradar os amigos tocada pelo atual governo.

Embora a principal alavanca para controlar a inflação ainda seja a política monetária é inegável que a pressão fiscal ajuda a jogar os preços para cima. Na falta de ajuste fiscal resta ao BC apertar a política monetária, no atual modelo (que é o padrão nos bancos centrais de economias desenvolvidas) isso significa aumentar a meta para Selic. Até quando o BC vai conseguir segurar a inflação com política monetária é coisa que não sei dizer, mas se esse dia chegar temos que vamos ficar sabendo rapidamente. Se permite terminar com um conselho, torçam para esse dia nunca chegar.