A Fundação Perseu Abramo ligada ao PT lançou um
documento com análises a respeito da crise econômica e propostas de políticas
que podem ajudar a retomar uma trajetória de desenvolvimento. O documento consiste
em dois volumes, o primeiro volume trata da crise e o segundo volume apresenta
as bases para um projeto de desenvolvimento, ambos estão disponíveis na página
da fundação (link aqui). Naturalmente não tive tempo de ler todos os
documentos, à medida que eu conseguir ler pretendo registrar meus comentários
aqui no blog, porém já na introdução fica claro que o documento culpa a
política econômica do segundo governo Dilma pela recessão que vivemos. O
diagnóstico é exposto já no segundo parágrafo da apresentação do primeiro
volume onde é dito que:
“O ajuste fiscal em curso está jogando o país numa recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave é a regressão no emprego, salários, no poder aquisitivo das famílias, nas políticas sociais.”
Os que me acompanham sabem que sou crítico da política de
ajuste via elevação de impostos proposta pelo governo, não falo isso porque a
política de Levy foi incapaz de conter a recessão, pelo contrário, já em
janeiro apontei os problemas da política econômica (link aqui) e em fevereiro
critiquei a aposta que a recuperação da confiança impediria a recessão (link
aqui). Ocorre que entre constatar que o ajuste via aumento de impostos foi
incapaz de conter a recessão e afirmar que o mesmo causou a recessão existe uma
longa distância. Em primeiro lugar porque a recessão é anterior a posse de
Joaquim Levy no Ministério da Fazenda e, portanto, anterior as medidas tomadas
por Levy. Depois porque o ajuste não ocorreu de fato, a verdade é que as
despesas do governo entre janeiro e julho de 2015, último mês disponível na
página do Tesouro, foram maiores que as despesas realizadas no mesmo período de
2014 mesmo após o ajuste pela inflação. Entre janeiro e julho de 2014 o governo
gastou R$ 625 bilhões em valores de julho de 2015, entre janeiro de julho de
2015 o gasto foi de R$ 627 bilhões também em valores de julho de 2015. Em
resumo, a tese da Fundação Perseu Abramo parece consistir em culpar um corte de
gastos que não ocorreu por uma crise que começou antes do corte ser anunciado.
Comecemos pelo começo. A crise que vivemos está no horizonte
há vários anos, meu amigo e co-autor Adolfo Sachsida previu até o ano em que a
crise ficaria incontrolável, o Leandro Narloch juntou a previsão do Adolfo e de
outros economistas em um post chamado “Os economistas que previram a crise”
(link aqui). Procurando na internet encontrei uma declaração minha de maio de 2008,
antes da crise financeira, alertando para os riscos da mudança de política nos
levar a uma crise (link aqui), na época eu falei:
“Nunca é demais lembrar as possíveis conseqüências desse tipo de política: duas décadas de baixo crescimento da economia e um processo inflacionário que culminou na hiperinflação do final dos anos 80 e inícios dos anos 90”
Tudo paranoia de economistas ortodoxos, poderiam dizer os
defensores da tese que a crise decorre do ajuste fiscal de Levy. Então olhemos
os dados, a figura abaixo mostra a variação trimestral do PIB a preços básicos,
repare que entramos no terreno de variações negativas no segundo trimestre de
2014. Naquela época o governo não apenas não anunciava ajustes fiscais como
jurava de pé junto que um ajuste fiscal era desnecessário e não seria feito. De
fato, as despesas do governo no primeiro trimestre de 2014, período que
antecede o encolhimento do PIB, foi quase dez por cento maior que as despesas
do primeiro trimestre de 2013. Ao que parece o pessoal da Fundação Perseu
Abramo resolveu refutar a máxima acaciana de que as consequências vêm depois.
Visto que a recessão começou antes do anúncio do ajuste
fiscal passemos ao fato que não houve corte de gastos. A figura abaixo mostra a
despesa do governo entre janeiro e julho para os anos de 2011 a 2015. Repare
que a trajetória e crescente e que todo o barulho feito pela equipe econômica
não evitou que em 2015 o governo gastasse mais que em 2014 que foi um ano
eleitoral. Para que o leitor tenha uma ideia os gastos realizados em 2015 foram
17% maiores que os gastos realizados no mesmo período de 2011, primeiro ano do
primeiro mandato de Dilma.
O fato que a recessão começou antes do anúncio das medidas de
austeridade me parece impossível de ser explicado, quando muito alguém poderia
dizer que o ajuste aprofundou ou alongou a recessão, mais do que isso me parece
negar os fatos. Ficaria então a tarefa de explicar como um ajuste que não houve
aprofundou uma recessão que já existia. Uma explicação seria apelar para as
expectativas. A lógica é mais ou menos a seguinte: quando o governo avisa que
fará cortes de gastos empresários antecipam a queda na demanda realizando
cortes no investimento e na produção. A primeira dificuldade desse argumento é
explicar porque empresários acreditariam no anúncio do governo de cortar
gastos. Quem acredita no governo? Quem acredita no governo Dilma?
Suponha que acreditem. Se é verdade que um anúncio de tempos
duros faz com que empresários percam confiança deveria ser verdade que um
anúncio de tempos bons aumentasse a confiança dos empresários. O otimismo
insano foi uma das marcas registradas do primeiro governo Dilma, não é difícil
fazer uma coleção de previsões erradas do Ministro Mantega, a que mais gosto é
uma em que ele chama de piada uma projeção do Credit Suisse que a economia
brasileira cresceria 1,5% em 2012 (link aqui), de fato a previsão estava
errada, não por excesso de pessimismo como afirmou Mantega, mas por excesso de
otimismo, em 2012 a economia cresceu 1%. Outra previsão muito comentada na
internet foi quando ele afirmou que quem apostasse no dólar quebraria a cara, a
previsão foi feita em outubro de 2014 quando o dólar estava a R$ 2,43 (link aqui), hoje, em
setembro de 2015, o dólar está a R$ 4,11. O gráfico abaixo mostra o efeito de
tanto otimismo na confiança dos empresários. Parece que os empresários não são muito
influenciados pelas declarações do ministro de plantão.
O leitor pode pensar em argumentar que empresários são
neoliberais malvados que não acreditavam no governo só porque o Ministro
Mantega estava tentando fazer uma gestão democrática e popular da economia. Se
for o caso convido o leitor a dar uma olhada na figura abaixo que mostra a
confiança do consumidor. Como pode ser visto o consumidor também vinha perdendo
confiança na economia, o quadro foi revertido no período da campanha talvez
porque o consumidor tenha acreditado nas mentiras que o governo contou para se
reeleger, porém, tão logo as eleições acabaram e o consumidor-eleitor percebeu
que foi enganado o processo de queda da confiança foi retomado. Alguém ainda
poderias tentar dizer que a grande queda em janeiro e fevereiro é culpa do
anúncio do ajuste fiscal, cada uma credita no que quer. Pessoalmente tendo a
creditar que mentiras reveladas são mais prejudiciais à confiança do que novas
promessas que não serão cumpridas.
Ao aceitar o convite para liderar o ajuste fiscal no segundo
mandato de Dilma o Ministro Levy caiu em uma armadilha que, como todo respeito,
era óbvia. Enquanto corria mundo falando de um ajuste fiscal que levaria a um superávit
primário de 1,2% do PIB, valor que o próprio Ministro já reconheceu que não vai
acontecer, os “economistas do PT”, talvez os mesmo que aplaudiram o
congelamento de preços de Plano Cruzado e criticaram durante o “neoliberal”
Plano Real, preparavam a narrativa que a crise que já existia foi causada pelo ajuste
fiscal que não aconteceu.