segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O ajuste fiscal que não houve e a crise que já existia ou Fundação Perseu Abramo refuta Conselheiro Acácio

A Fundação Perseu Abramo ligada ao PT lançou um documento com análises a respeito da crise econômica e propostas de políticas que podem ajudar a retomar uma trajetória de desenvolvimento. O documento consiste em dois volumes, o primeiro volume trata da crise e o segundo volume apresenta as bases para um projeto de desenvolvimento, ambos estão disponíveis na página da fundação (link aqui). Naturalmente não tive tempo de ler todos os documentos, à medida que eu conseguir ler pretendo registrar meus comentários aqui no blog, porém já na introdução fica claro que o documento culpa a política econômica do segundo governo Dilma pela recessão que vivemos. O diagnóstico é exposto já no segundo parágrafo da apresentação do primeiro volume onde é dito que:

“O ajuste fiscal em curso está jogando o país numa recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave é a regressão no emprego, salários, no poder aquisitivo das famílias, nas políticas sociais.”

Os que me acompanham sabem que sou crítico da política de ajuste via elevação de impostos proposta pelo governo, não falo isso porque a política de Levy foi incapaz de conter a recessão, pelo contrário, já em janeiro apontei os problemas da política econômica (link aqui) e em fevereiro critiquei a aposta que a recuperação da confiança impediria a recessão (link aqui). Ocorre que entre constatar que o ajuste via aumento de impostos foi incapaz de conter a recessão e afirmar que o mesmo causou a recessão existe uma longa distância. Em primeiro lugar porque a recessão é anterior a posse de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda e, portanto, anterior as medidas tomadas por Levy. Depois porque o ajuste não ocorreu de fato, a verdade é que as despesas do governo entre janeiro e julho de 2015, último mês disponível na página do Tesouro, foram maiores que as despesas realizadas no mesmo período de 2014 mesmo após o ajuste pela inflação. Entre janeiro e julho de 2014 o governo gastou R$ 625 bilhões em valores de julho de 2015, entre janeiro de julho de 2015 o gasto foi de R$ 627 bilhões também em valores de julho de 2015. Em resumo, a tese da Fundação Perseu Abramo parece consistir em culpar um corte de gastos que não ocorreu por uma crise que começou antes do corte ser anunciado.

Comecemos pelo começo. A crise que vivemos está no horizonte há vários anos, meu amigo e co-autor Adolfo Sachsida previu até o ano em que a crise ficaria incontrolável, o Leandro Narloch juntou a previsão do Adolfo e de outros economistas em um post chamado “Os economistas que previram a crise” (link aqui). Procurando na internet encontrei uma declaração minha de maio de 2008, antes da crise financeira, alertando para os riscos da mudança de política nos levar a uma crise (link aqui), na época eu falei:

“Nunca é demais lembrar as possíveis conseqüências desse tipo de política: duas décadas de baixo crescimento da economia e um processo inflacionário que culminou na hiperinflação do final dos anos 80 e inícios dos anos 90”

Tudo paranoia de economistas ortodoxos, poderiam dizer os defensores da tese que a crise decorre do ajuste fiscal de Levy. Então olhemos os dados, a figura abaixo mostra a variação trimestral do PIB a preços básicos, repare que entramos no terreno de variações negativas no segundo trimestre de 2014. Naquela época o governo não apenas não anunciava ajustes fiscais como jurava de pé junto que um ajuste fiscal era desnecessário e não seria feito. De fato, as despesas do governo no primeiro trimestre de 2014, período que antecede o encolhimento do PIB, foi quase dez por cento maior que as despesas do primeiro trimestre de 2013. Ao que parece o pessoal da Fundação Perseu Abramo resolveu refutar a máxima acaciana de que as consequências vêm depois.




Visto que a recessão começou antes do anúncio do ajuste fiscal passemos ao fato que não houve corte de gastos. A figura abaixo mostra a despesa do governo entre janeiro e julho para os anos de 2011 a 2015. Repare que a trajetória e crescente e que todo o barulho feito pela equipe econômica não evitou que em 2015 o governo gastasse mais que em 2014 que foi um ano eleitoral. Para que o leitor tenha uma ideia os gastos realizados em 2015 foram 17% maiores que os gastos realizados no mesmo período de 2011, primeiro ano do primeiro mandato de Dilma.




O fato que a recessão começou antes do anúncio das medidas de austeridade me parece impossível de ser explicado, quando muito alguém poderia dizer que o ajuste aprofundou ou alongou a recessão, mais do que isso me parece negar os fatos. Ficaria então a tarefa de explicar como um ajuste que não houve aprofundou uma recessão que já existia. Uma explicação seria apelar para as expectativas. A lógica é mais ou menos a seguinte: quando o governo avisa que fará cortes de gastos empresários antecipam a queda na demanda realizando cortes no investimento e na produção. A primeira dificuldade desse argumento é explicar porque empresários acreditariam no anúncio do governo de cortar gastos. Quem acredita no governo? Quem acredita no governo Dilma?

Suponha que acreditem. Se é verdade que um anúncio de tempos duros faz com que empresários percam confiança deveria ser verdade que um anúncio de tempos bons aumentasse a confiança dos empresários. O otimismo insano foi uma das marcas registradas do primeiro governo Dilma, não é difícil fazer uma coleção de previsões erradas do Ministro Mantega, a que mais gosto é uma em que ele chama de piada uma projeção do Credit Suisse que a economia brasileira cresceria 1,5% em 2012 (link aqui), de fato a previsão estava errada, não por excesso de pessimismo como afirmou Mantega, mas por excesso de otimismo, em 2012 a economia cresceu 1%. Outra previsão muito comentada na internet foi quando ele afirmou que quem apostasse no dólar quebraria a cara, a previsão foi feita em outubro de 2014 quando o dólar estava a R$ 2,43 (link aqui), hoje, em setembro de 2015, o dólar está a R$ 4,11. O gráfico abaixo mostra o efeito de tanto otimismo na confiança dos empresários. Parece que os empresários não são muito influenciados pelas declarações do ministro de plantão.



O leitor pode pensar em argumentar que empresários são neoliberais malvados que não acreditavam no governo só porque o Ministro Mantega estava tentando fazer uma gestão democrática e popular da economia. Se for o caso convido o leitor a dar uma olhada na figura abaixo que mostra a confiança do consumidor. Como pode ser visto o consumidor também vinha perdendo confiança na economia, o quadro foi revertido no período da campanha talvez porque o consumidor tenha acreditado nas mentiras que o governo contou para se reeleger, porém, tão logo as eleições acabaram e o consumidor-eleitor percebeu que foi enganado o processo de queda da confiança foi retomado. Alguém ainda poderias tentar dizer que a grande queda em janeiro e fevereiro é culpa do anúncio do ajuste fiscal, cada uma credita no que quer. Pessoalmente tendo a creditar que mentiras reveladas são mais prejudiciais à confiança do que novas promessas que não serão cumpridas.




Ao aceitar o convite para liderar o ajuste fiscal no segundo mandato de Dilma o Ministro Levy caiu em uma armadilha que, como todo respeito, era óbvia. Enquanto corria mundo falando de um ajuste fiscal que levaria a um superávit primário de 1,2% do PIB, valor que o próprio Ministro já reconheceu que não vai acontecer, os “economistas do PT”, talvez os mesmo que aplaudiram o congelamento de preços de Plano Cruzado e criticaram durante o “neoliberal” Plano Real, preparavam a narrativa que a crise que já existia foi causada pelo ajuste fiscal que não aconteceu.





sábado, 19 de setembro de 2015

Populismo macroeconômico em tempos de boom de commodities

Na sexta-feira participei de um almoço com colegas professores e o pessoal da área econômica da embaixada americana. Em um certo momento o colega de departamento Prof. José Carlos de Oliveira, o mais experiente entre os presentes, foi convidado a comparar a crise atual com crises que tivemos no passado. O professor estava explicando que a crise de 2008 foi uma crise importada, no sentido que veio do exterior, que a crise de 2002 foi uma crise de expectativas de forma que tão logo o governo reverteu as expectativas a crise se desfez e que a crise atual era uma crise mais estrutural e interna. Concordo com a análise do José Carlos, mas, pegando corda na declaração dele de que era o único que estava na ativa desde a década de 1960, resolvi provocá-lo perguntando se a crise atual não guardava semelhanças com as crises das décadas de 50 a 70 conhecidas de vários países da América Latina e que algumas vezes são chamadas de stop and go.

A provocação não foi gratuita, recentemente li o livro Las crisis económicas argentinas: Uma historia de ajustes y desasjustes, de Miguel A. Kiguel, onde é feito um resumo de todas as crises argentinas desde meados do século XX. O stop and go segue um padrão onde governos, geralmente populistas, inflam o crescimento que de fato ocorre, porém não se sustenta, e tudo acaba em uma crise. Como de costume as crises na Argentina seguem padrão semelhante as crises em outros países da América Latina, o Brasil não é exceção, e o padrão stop and go ligado ao populismo econômica aconteceu tanto lá como cá. Seria a crise atual semelhante àquelas crises? Fomos mais uma vez vítimas do populismo econômico? A resposta não é trivial, o fato de ter vivido o governo Dilma e não ter a menor simpatia pela política econômica batizada de Nova Matriz Econômica, me faz quase automaticamente responder que sim e encerrar o assunto. Porém um dos elementos mais característicos das crises advindas do populismo econômico é a crise no balanço de pagamentos, e essa crise (ainda) não aconteceu.

Para tratar de populismo econômico a referência padrão é o texto Macroeconomic Populism publicados por Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards no Journal of Development Economics (link aqui). No texto os autores elaboram o conceito de populismo macroeconômico a partir das experiências do Chile com Salvador Allende e do Peru com Alan Garcia. Segundo os autores o populismo macroeconômico tem três características básicas:

  • Insatisfação com o crescimento do país, geralmente o país atravessou uma fase de crescimento baixo por conta de algum programa de ajuste não raro ligado ao FMI.
  • Não consideração pelas restrições econômicas, a capacidade produtiva ociosa daria o caminho para a expansão, reservas internacionais ou controle de capitais eliminariam o risco de uma crise externa, o risco de déficit nas contas do governo é dito ser exagerado ou sem fundamentos, desde que não ocorra desvalorização do câmbio a expansão não trará inflação, caso a inflação apareça o governo pode sempre recorrer a controle de preços.
  • As políticas prescritas focam em estimular a economia, redistribuição de renda e reestruturação da economia, o lema costuma ser “crescimento com distribuição”, a redistribuição é feita por meio de aumentos significativos nos salários que não são repassados aos preços.


O padrão descrito em 1990 é assustadoramente parecido com o que vimos desde 2006. Naquela época começou o primeiro ponto com acusações à “política de recessão” tocada por FHC. Com a crise veio o discurso da capacidade ociosa e da necessidade de estimular o crescimento, não faltou quem apontasse as reservas internacionais como garantia contra crises. Pobre de quem ousasse falar de déficit público, era logo taxado de pessimista, inimigo da pátria ou coisa pior. E inflação? Falar que a inflação era alta e estava subindo era um convite para ouvir uma divagação a respeito de como a inflação era mais alta em 2002, como se o fato da inflação ter sido alta no passado justificasse leniência com inflação no presente. O terceiro ponto dispensa comentários, crescer com distribuição foi o mantra do governo nos últimos anos e controle de preços virou prática comum para o controle da inflação.

A semelhança entre os elementos do populismo macroeconômico listados por Dornbusch e Edwards em 1990 e o que vimos nos últimos dez anos é perturbadora, porém tudo fica ainda mais preocupante quando observamos as quatro fases do em que o populismo macroeconômico se desenvolve.

1.       No começo os propositores da política sentem-se vingados em seus diagnósticos e prescrições, ocorre aumento no crescimento, nos salários reais e o desemprego cai muito, é difícil não falar de sucesso. Eles nos garantem que inflação não é um problema e desequilíbrios entre oferta e demanda são compensados com importações. Os autores afirmam que as importações podem ser financiadas com reservas ou calotes, não foi o caso aqui, talvez os autores não tivessem considerado a hipótese de populismo macroeconômico junto a um boom nos preços das commodities.

2.       Começam os gargalos por conta de excesso de demanda local ou por falta de dólares, novamente não é o caso, ainda não temos falta de dólares, mais uma vez o boom das commodities pode explicar a ausência desse fenômeno. Redução de estoques que é fundamental na primeira fase passa a ser um problem. Realinhamento de preços, desvalorização cambial ou aumento do protecionismo se tornam necessários, estamos vivendo esse fenômeno. O governo tenta estabilizar o aumento do salário real e no crescimento da própria despesa, mas não consegue. A inflação aumenta, mas os salários sobem junto, o déficit público aumenta de forma significativa (eles dizem: “budget deficit worsen tremendously”). Já estamos vivendo a fase da inflação alta e do crescimento do déficit público, se os salários vão acompanhar a inflação é uma questão em aberto que juntamente com o controle do déficit pode definir se vamos passar para próxima fase ou se vamos parar na segunda fase.

3.       Racionamentos, aceleração extrema da inflação, fuga de capital devida a baixas reservas e uso de outras moedas como referência de valor. O déficit sobe muito por conta de redução na arrecadação e aumento nos custos dos subsídios. O governo tenta cortar subsídios e induzir uma desvalorização real da moeda. Salários reais caem e começa a instabilidade política, fica claro que o populismo deu errado. Novamente não temos os sintomas relacionados a escassez de reservas por não termos (ainda) problemas com as reservas, a inflação ainda pode ser controlada a depender dos itens pendentes na fase anterior. A queda da arrecadação e a pressão dos subsídios já é uma realidade, a instabilidade política também.

4.       Começa um programa de ortodoxo de estabilização, os autores falam de novo governo, aqui estamos tentando fazer com o mesmo governo mudando apenas a equipe economia e mesmo assim parcialmente. Aparece o pedido de socorro ao FMI, não creio que acontecerá por aqui, pelo menos não enquanto as reservas durarem. Haverá uma queda significativa e persistente do salário real, o motivo alegado pelos autores é simples: capital pode fugir de políticas ruins com muito mais facilidade que o trabalho.

Como pode ser visto temos praticamente todos os elementos do populismo macroeconômico, a exceção digna de nota é o financiamento das importações com redução das reservas, e parece que estamos entre as fases dois e três do processo com uma encenação de ajuste da fase quatro. Mais uma vez os elementos que nos diferencia das fases previstas pelos autores é a falta de uma crise nas reservas. Eu arrisco dizer que as características e os sintomas relacionados às reservas estão ausentes porque passamos por uma experiência de populismo econômico em um momento de preços crescentes das commodities, que nos permitiu acumular saldos comerciais positivos por muito tempo, e porque a baixa taxa de juros internacionais reduz os incentivos para saída de capitais.

O fim da festa das commodities já cobra seu preço e o setor externo já não parece tão tranquilo, a brutal desvalorização do real apesar do gigantesco esforço do Banco Central para evitar a desvalorização deveria nos alertar de que há algo de errado no setor externo. O FED adiou mais uma vez o aumento de juros nos EUA sinalizando que a era dos juros muito baixos pode durar muito, isso pode nos dar um prazo extra para realizar o ajuste e evitar que cheguemos aos elementos mais cruéis da terceira e quarta fase como a queda significativa e persistente dos salários reais e a inflação descontrolada, para não falar no agravamento da instabilidade política.

Enfim, experimentamos um populismo macroeconômico em tempos de cenário externo favorável, isso nos poupou, pelo menos até agora, de ir no fundo do poço das fases três e quatro descritas por Dornbsuch e Edwards. É muito possível que o regime de câmbio flutuante que ainda é parcialmente usado pelo BC ajudou a evitar uma crise no balanço de pagamentos. A questão relevante agora é saber se vamos recuar e fazer os ajustes para evitar o pior ou se vamos seguir no mesmo caminho ladeira abaixo até que tenhamos um novo governo para começar a quarta fase nos moldes previstos no artigo.



quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Rebaixamento Merecido!

Ontem a Standard & Poor’s (S&P) tirou o grau de investimento da economia brasileira. Apesar de não ser nenhuma surpresa a notícia causou impacto no governo e no mercado. Joaquim Levy, Ministro da Fazenda, em um momento digno de Guido Mantega declarou que a decisão da S&P foi política e precipitada (link aqui), considero que a decisão não foi política e muito menos precipitada. Acredito que se houve alguma influência política foi no sentido de manter até ontem o grau de investimento do Brasil. Para perceber o tamanho do problema da economia brasileira vou comparar nossos indicadores com os indicadores de um grupo de países da América Latina (Argentina, México, Chile, Colômbia e Peru) e com os dos países que formam o BRICS (Rússia, China, Índia e África do Sul). A tabela abaixo mostra a avaliação de risco do Brasil e de cada um dos países dos dois grupos de comparação.

País
Nota
Argentina
SD
Brasil
BB+
Chile
AA-
China
AA-
Colômbia
BBB
Índia
BBB-
México
BBB+
Peru
BBB+
Rússia
BB+
África do Sul
BBB-

Os países com nota igual ou maior que BBB- possuem o grau de investimento (Chile, China, Colômbia, Índia, México, Peru e África do Sul), a Argentina é considerada em default seletivo, ou seja, já está dando calote em alguns credores, Brasil e Rússia são considerados de risco elevado. Vale notar que África do Sul e Índia estão na fronteira para perder o grau de investimento. Mal comparando com a Série A do campeonato brasileiro de futebol poderíamos dizer que Chile e China estão com chances de ir para Libertadores; México, Peru e Colômbia estão brigando pela Sul-Americana; Índia e África do Sul estão na zona de rebaixamento. Brasil e Rússia já foram rebaixados e a Argentina não disputa o campeonato.

Será justa a posição do Brasil? Comecemos pelo principal indicador de solvência: a dívida do país. A figura abaixo mostra a dívida bruta como proporção do PIB para os países do grupo da América Latina. Repare que o Brasil é o país da amostra com a maior dívida bruta em relação ao PIB, repare também que o país menos endividado, o Chile, é o país com melhor avaliação. Se listarmos os países do menos endividado para o mais endividado vamos ter: Chile, Peru, Colômbia, Argentina, México e Brasil; se listarmos do melhor para o pior avaliado vamos ter: Chile, Peru e México, Colômbia, Brasil e Argentina. Como a Argentina está renegociando dívida a redução da dívida não foi capaz de melhorar a avaliação de risco do país, sendo assim podemos ignorar a Argentina e concluir que o Brasil é o mais endividado e também o pior avaliado. Note que excluindo a Argentina a ordem dos menos endividados é muito parecida com a dos melhores avaliados, apenas o México quebra a ordem.




A próxima figura mostra a dívida bruta como proporção do PIB para os países do BRICS. Na maior parte do período a Índia era o país mais endividado, apenas nas projeções para 2015 o Brasil ultrapassa a Índia. Nessa amostra a ordem do endividamento não é tão parecida com a ordem das avaliações, a única consistência entre as duas ordenações é que o Brasil é novamente o mais endividado e, junto com a Rússia, o pior avaliado. Vale notar que nas duas amostras de países apenas o Brasil e a Índia possuem dívida bruta maior que 60% do PIB, o México tem 51% e todos os outros estão abaixo de 50%. Observando a dívida bruta creio que é mais justo perguntar a razão da Índia ter grau de investimento do que do Brasil não ter.




Um outro indicador interessante é o que o FMI chama de resultado estrutural, trata-se de uma tentativa de ajustar o déficit do governo pelos efeitos do ciclo econômico. As duas figuras abaixo mostram o resultado estrutural para os dez países das duas amostras, primeiro os da América Latina e depois os do BRICS. No grupo da América Latina o Brasil é o país com o maior déficit estrutural, creio que a “melhora” de 2015 toma por base a promessa de superávit primário de 1,2% do PIB que o governo já reconheceu que não vai ser cumprida. No grupo dos BRICS o Brasil só está pior do que a Índia, mais uma vez perguntar a razão da Índia manter o grau de investimento é mais intuitivo do que perguntar a razão do Brasil ter perdido.




Existem pelo menos duas razões para a Índia manter o grau de investimento. A primeira é que, ao contrário do que acontece no Brasil, os números da Índia estão melhorando, a dívida bruta está caindo como proporção do PIB e o déficit apresenta uma leve tendência de redução. O outro motivo é que enquanto o Brasil está enfrentando uma das piores crises do pós-guerra a Índia deve tomar o lugar da China como o país grande que mais cresce no mundo. A figura abaixo mostra as taxas de crescimento de Brasil e Índia desde 2011 (não coloquei 2010 para não se acusado de excesso de má vontade com o governo Dilma), o contraste é evidente: enquanto os dados mostram que o Brasil tem crescimento negativo e as projeções do FMI apontam para crescimento de 2,25% a partir de 2017, na Índia os dados mostram crescimento acima de 5% e as projeções apontam crescimento acima de 7%. Como o crescimento da economia facilita o ajuste me parece que uma resposta plausível para Índia manter o grau de investimento, ainda que na fronteira, é que a S&P também aposta no crescimento da Índia. Considerando que o Brasil deve encolher esse ano e talvez no próximo, que nossa dívida bruta como proporção do PIB já ultrapassou a da Índia e que provavelmente a melhora no déficit estrutural projetada pelo FMI não vai acontecer de forma que devemos ter um déficit estrutural próximo ao da Índia qual é a razão plausível para manter o grau de investimento para o Brasil?




Existem dois pontos na análise acima que podem incomodar alguns leitores. O primeiro é que eu não usei países europeus que estão muito mais endividados que o Brasil e possuem grau de investimento. O fato é que apesar dos devaneios dos últimos anos o grupo de comparação do Brasil não são os países ricos, nosso grupo de comparação são os países emergentes e, levando em conta os países emergentes, nossa dívida é sim muito alta. O segundo ponto é que eu usei dívida bruta e não dívida líquida. Meu motivo para usar dívida bruta é que os números da dívida líquida brasileira não são confiáveis, como hoje é público e notório o governo brasileiro usou e abusou e artifícios para reduzir a dívida líquida do Brasil, tais artifícios fizeram com que acompanhar a dívida líquida brasileira passasse a ser um exercício inútil ou mesmo perigoso.

Uma forma de perceber o quão pouco informativo é analisar a dívida líquida é comparar os dados do Banco Central de dívida líquida e pagamento de juros como proporção do PIB (se não me engano o Mansueto argumentou nessa linha ontem no seminário na FACE/UnB). Era de se esperar que a redução na dívida levasse a uma redução no pagamento de juros, um fenômeno observado em 2007 e até meados de 2008. Porém, como mostra a figura abaixo, a partir de 2009 fica claro que a redução da dívida não é acompanhada por uma redução no pagamento dos juros. Uma possível explicação para o fenômeno seria um aumento da taxa de juros, de fato a partir de agosto de 2014 tal explicação pode ser razoável, porém entre janeiro de 2009 e julho de 2014 a taxa de juros ficou razoavelmente estável como mostra a figura seguinte. A inconsistência que os dados de dívida líquida e juros mostra é apenas um dos vários indícios que foram usados para questionar a dívida líquida brasileira, hoje as técnicas de manipulação são bem documentadas e reconhecidas pelo próprio governo.







Até agora o Brasil aparece na comparação como um país bem mais endividado que a grande maioria dos outros países das duas amostras (apenas a Índia está tão endividada quanto o Brasil, mas deve crescer muito mais que o Brasil nos próximos anos), com um déficit estrutural maior que o da maioria dos países da amostra (novamente a Índia é nossa companheira) e um país com números suspeitos. Se o leitor acredita que tais motivos não são suficientes para tirar o grau de investimento podemos olhar para as duas variáveis centrais da política macroeconômica: a taxa de crescimento e a inflação.

Vimos que comparado à Índia o crescimento do Brasil é muito baixo. Infelizmente nosso crescimento também é baixo se comparado aos outros países da amostra. De acordo com as projeções do FMI dos dez países apenas a Rússia vai crescer menos (na realidade encolher mais) do que o Brasil em 2015. A figura abaixo ilustra esse fato. Sem perspectivas de crescimento fica muito mais difícil ajustar a economia, a insistência do governo em alegar que tem dificuldades em cortar gastos e por isso que tirar mais dinheiro das famílias chega a ser patética diante das privações que as famílias passam em uma crise como a que está começando. Fica aqui a sugestão para algum jornalista fazer uma reportagem mostrando o orçamento de uma família da tão festejada nova classe média e pedir para a presidente ou para o ministro da fazenda mostrar onde cortar gastos.




A inflação de um país costuma ser um indicador de quão arrumada está a política econômica, uma inflação alta é sinal que problemas importantes não receberam o tratamento adequado. No grupo de países que comentei no post o Brasil tem a terceira maior inflação prevista para 2015, ficamos atrás apenas de Argentina e Rússia. O corte aqui é cristalino, todos os países do grupo com inflação prevista abaixo de 5% para 2015 possuem grau de investimento, a Índia, com inflação prevista de 6%, é o único país que tem grau de investimento e tem inflação acima de 5%. Na base de dados do FMI a inflação prevista para o Brasil em 2015 é de 7,8%, no Boletim Focus do Banco Central a inflação prevista é de 9,3%, por uma previsão ou por outra apenas Argentina (18,6%) e Rússia (17,9%), dois países se grau de investimento, vão ter inflação maior que o Brasil em 2015.




Diante dos números de dívida bruta, crescimento e inflação fica difícil sustentar a tese do ministro Joaquim Levy de que a perda do grau de investimento foi motivada por razões políticas. A verdade é que nossa dívida bruta é a maior da amostra, próxima a dívida da Índia, nosso déficit estrutural é o segundo maior da amostra, nosso crescimento é o segundo menor da amostra perdendo apenas para Rússia que não tem grau de investimento e nossa inflação é a terceira maior perdendo apenas para Argentina e Rússia. Por triste que possa ser o rebaixamento do Brasil foi merecido, Joaquim Levy poderia argumentar com razão que quando tomou posse o rebaixamento era inevitável, mas ao ter se apresentado como fiador do grau de investimento o ministro perdeu o argumento da inevitabilidade. Como último consolo podíamos pensar que o rebaixamento será a oportunidade de olharmos de frente para os problemas de nossa economia e começar a buscar soluções. As reações de Lula, do líder do governo na Câmara e mesmo dos ministros da área econômica infelizmente sugerem que no lugar de arrumar a casa vamos culpar o juiz. Pena.



segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Brasil e Colômbia: Câmbio, Crescimento, Inflação, Investimento e Tamanho do Governo

Semana passada meu amigo, co-autor e colega de departamento Victor Gomes me mandou olhar a taxa de câmbio da Colômbia e comparar com a do Brasil, na realidade ele fez mais e foi gentil o suficiente para mandar uma figura com as duas taxas de câmbio. Fiquei tão impressionado com o gráfico que compartilhei com os amigos do FB (link aqui), mas como estava fora de Brasília não tive como comparar Brasil e Colômbia a partir de outras variáveis. Hoje, já em casa, resolvi dar uma olhada nos dados do FMI para Brasil e Colômbia e ver quais as semelhanças e diferenças entre os dois países. Desde já registro que os dados do FMI não são os mais atualizados que existem, porém oferecem séries com as mesmas definições e com os dados originais recebendo o mesmo tratamento.

Comecemos com a taxa de câmbio, a figura abaixo foi feita com o Google Finance e mostra a variação da taxa de câmbio entre real e dólar em azul e a taxa de câmbio entre peso colombiano e dólar em laranja. É fato que existe uma pequena diferença no final das séries, mas na maior parte do tempo as séries estão coladas, ou seja, se o real está “derretendo” então o peso colombiano também está. Quem me acompanha no blog ou no FB deve ter reparado que costumo terminar quase todos os meus comentários a respeito do câmbio com a máxima “deixa o câmbio flutuar”. A ideia é deixar claro que mesmo estando irritado com a desvalorização do real, na condição de assalariado que recebe em reais a perda de valor do real é ruim para mim, eu tenho em mente que câmbio é um preço e variações em quaisquer preços não são boas ou ruins. Variações em preços prejudicam uns e beneficiam outros, assim como o aumento do preço da laranja prejudica os consumidores de laranja e beneficia os vendedores de laranja o aumento do preço do dólar beneficia os que possuem renda em dólares e prejudica os que têm gastos em dólares ou atrelados ao dólar. Em resumo, a desvalorização da moeda de um país não necessariamente significa que a economia do país está naufragando, na verdade existem economistas que acreditam que a desvalorização é boa por beneficiar exportadores que de alguma forma repartirão esse benefício com toda a população, o leitor atento deve ter percebido que eu não pertenço a esse grupo de economistas.




O caso da Colômbia pode ser didático a esse respeito, apesar do peso colombiano estar enfrentando um processo de desvalorização semelhante ao do real o FMI prevê que a Colômbia irá crescer 3,39% e terá uma inflação de 3,35% em 2015. Um sonho se comparado a previsão de crescimento de -1,02% e inflação de 7,8% que o FMI faz para o Brasil em 2015. Não é de hoje que a Colômbia cresce mais e tem menos inflação que o Brasil, o primeiro gráfico abaixo mostra que desde 2011 a Colômbia cresce mais do que nós e o segundo gráfico mostra que desde 2009 a inflação na Colômbia é mais baixa do que no Brasil. No “trade-off” entre inflação e crescimento tão citado entre os economistas governistas a Colômbia ficou com mais crescimento e menos inflação que o Brasil. Como isso aconteceu? É difícil responder sem uma análise mais profunda da economia colombiana, o que não é objetivo desse post, porém alguns dados podem ajudar e desenhar uma futura explicação.




Um bom ponto de partida é comparar o investimento. Se considerarmos as projeções do FMI esse ano haverá queda na taxa de investimento tanto no Brasil quanto na Colômbia, se consideramos os dados, até 2014 para o Brasil e até 2013 para a Colômbia, os colombianos não apenas investem uma proporção do PIB maior do a investida pleos brasileiros, o que também acontece nas projeções do FMI, como estão investindo cada vez mais em relação ao Brasil, nas projeções do FMI a queda da taxa de investimento da Colômbia será maior do que no Brasil em 2015. O fato da taxa de investimento no Brasil ter sido mais baixa do que na Colômbia em todo o período que vai de 2005 a 2015 e ter crescido menos do que a da Colômbia nos últimos anos deveria ser motivo de preocupação para o pessoal do BNDES visto que o banco usou algumas centenas de bilhões de reais para estimular o investimento no Brasil. Antes que alguém saia dizendo que a diferença entre o investimento na Colômbia e no Brasil é cultural ou um “efeito do nosso contrato social” registro que no ano 2000 a taxa de investimento no Brasil foi de 19,1% e na Colômbia foi de 14,9%.



Outro ponto que distingue Brasil e Colômbia é o tamanho do gasto e da arrecadação do governo, foquemos no gasto, enquanto nosso governo gasta aproximadamente 40% do PIB o da Colômbia gasta aproximadamente 30%. O governo brasileiro gastar mais do que o governo colombiano em relação ao PIB não é um fenômeno novo, o gráfico abaixo mostra que em todos os anos entre 2005 e 2015 o governo colombiano gastou menos que o brasileiro, se recuássemos até o início do século o resultado não seria diferente. O governo brasileiro também arrecada uma proporção maior do PIB do que o colombiano, não seria sem fundamento afirmar que o governo brasileiro é maior que o governo colombiano. 


Pelo conceito primário o resultado do governo brasileiro foi superior ao colombiano até 2013, em 2014 a Colômbia teve resultado primário positivo e o Brasil teve negativo e para 2015 o FMI ainda mantém a previsão de superávit primário de 1,2% do PIB para o Brasil, o governo brasileiro já abandonou essa promessa e um déficit primário de 0,45% para Colômbia. Espero que os economistas brasileiros que tem fixação com resultado primário não fiquem muito desapontados com o fato que a Colômbia tem conseguido resultados econômicos muitos superiores ao Brasil mesmo com um resultado primário menos entre 2005 e 2013, de 2009 a 2011, a Colômbia, suprema heresia, teve déficit primário. Talvez o exemplo da Colômbia ensine nossos economistas que fixar a análise em só indicador é uma estratégia, para dizer o mínimo, limitada.


 Em resumo podemos dizer que embora as moedas do Brasil e da Colômbia estejam passando por um processo de desvalorização as duas economias estão em situações bem distintas. Enquanto o Brasil só escapou de uma redução do PIB em 2014 por conta de uma mudança na metodologia de cálculo do PIB e terá crescimento negativo em 2015 e talvez em 2016 a Colômbia cresceu 4,6% em 2014 e tem previsão de crescimento de 3,4% em 2015. Ao contrário do pensam alguns de nossos economistas governistas o maior crescimento não veio com maior inflação, pelo contrário, em 2014 a inflação na Colômbia foi de 2,9% contra 6,3% no Brasil e as precisões do FMI indicam que em 2015 os colombianos terão inflação de 3,4% contra 7,8% no Brasil, cabe lembrar que de acordo com o Boletim Focus do Banco Central a inflação do Brasil em 2015 será 9,3%. Além de crescer mais com menos inflação a Colômbia tem investido consistentemente uma parcela do PIB maior que o Brasil tem investido, da mesma forma o governo Colômbia toma para si uma fração do PIB menor do que a tomada pelo governo brasileiro e gasta uma fração do PIB menor do que a gasta pelo governo brasileiro. Com inflação controlada, taxa de investimento em alta e um governo menor não me parece tão estranho que os colombianos consigam conviver com um resultado primário menor do que o brasileiro, ou seja, tivéssemos feito nosso dever de casa não precisaríamos de um primário "tão elevado".