O PSDB disponibilizou as diretrizes gerais do plano de
governo de Aécio Neves (link
aqui). As propostas estão divididas nos seguintes
tópicos: Saúde, Segurança Pública, Economia, Sustentabilidade, estado Eficiente,
Relações Exteriores e Defesa Nacional e Cidadania. Nesse post vou comentar a
seção dedicada à economia. As diretrizes para economia estão dividias nos
seguintes tópicos: Ciência, Tecnologia e Inovação, Comércio Exterior,
Desburocratização – Simplificação, Desenvolvimento Regional, Empreendedorismo,
Emprego e Renda, Infraestrutura e Logística, Política Agrícola, Política
Industrial, Política Macroeconômica, Previdência Social, Reforma Tributária e
Turismo. Cada um dos tópicos apresentam várias diretrizes que não listarei para
evitar transformar o post em um catálogo telefônico, os interessado podem ver
todas as diretrizes
aqui.
Antes de partir para os tópicos o texto faz um preambulo
onde descreve as linhas gerais das propostas para economia. Como é um texto
curto vou colocá-lo integralmente:
“O desenvolvimento econômico será feito com recorte regional
e com propostas para as regiões mais fragilizadas economicamente do Brasil.
Além da melhoria do sistema tributário e do equilíbrio das contas da
previdência social, com adoção do cadastro único para combate às fraudes, Aécio
mantém o compromisso de combater a inflação e propõe medidas de incentivo à
geração de empregos.
As questões econômicas têm um peso fundamental no
desenvolvimento do país. Neste setor são considerados vários temas, todos a
título de diretrizes, para serem detalhados e desenvolvidos no decorrer dos
amplos debates que vão preceder a elaboração do Plano de Governo.
O desenvolvimento econômico terá, necessariamente, um corte
regional, com propostas de desenvolvimento para as regiões mais fragilizadas
economicamente do Brasil, que receberão tratamento especial, por meio de
programas e projetos de fomento econômico.
Da mesma forma será dada forte prioridade ao apoio a micro e
pequenas empresas, reconhecendo o seu papel gerador de riquezas e empregos no
país.”
A primeira frase do texto dá o tom do enfoque regional.
Sabendo que Samuel Pessôa é um dos economistas que conversam com Aécio Neves
não posso negar certa frustração tanto com o lugar de destaque do tema quanto a
abordagem de resolvê-lo por meio de programas e projetos de fomento econômico.
Um dos textos que mais gosto de Samuel Pessôa chama-se “Existe um Problema de
Desigualdade Regional no Brasil?” (link
aqui). A tese do texto é que o problema
de desigualdade pessoal de renda é muito maior do que o de desigualdade
regional, mais ainda, Samuel Pessôa argumenta que atacando o problema de
distribuição pessoal de renda o governo também reduzirá as desigualdades
regionais. Nas palavras dele:
“Concluindo, a constatação de que para a economia brasileira
o diferencial regional de renda entre trabalhadores com as mesmas
características é muito baixo em comparação ao diferencial regional de produto
per capita, aponta na direção que todo o esforço de desenvolvimento regional
tem que ser focado no homem (bens meritórios, como saúde e educação) e em
infra-estrutura (bens públicos). Não há motivo teórico e/ou empírico que
sustente políticas de subsídio ao capital privado.”
Sendo eu um nordestino que
pesou no Norte e caiu no Sul,grande cidade, eu levei muito a sério esse texto do Samuel Pessôa, é uma pena
que a equipe de Aécio Neves não tenha feito o mesmo. Para além da questão
regional o preambulo não apresenta na de novo e parece uma colcha de retalhos
de propostas desenhadas para não desagradar ninguém. Sigamos para os tópicos.
Ciência, Tecnologia e
Inovação.
Como já comentei no FB acredito que o tópico parte de um
diagnóstico errado dos problemas que afligem a pesquisa no Brasil. É claro que
mais apoio e mais dinheiro sempre são bem-vindos, mas não é aí que está o
gargalo. Os que quiserem saber o que impede a universidade brasileira de fazer
pesquisas que possam se transformar em inovação e em progresso técnico-científico
podem começar olhando para esta resolução aprovada no Conselho Superior da UnB
(link
aqui). Não se trata de uma peculiaridade da UnB, é uma norma semelhante a
de várias Universidades Federais e que é consistente com a legislação para
carreira docente de nível superior, especificamente no que tange a dedicação
exclusiva.
O próprio conceito de dedicação exclusiva já dá a pista do
problema. Como esperar que um professor que dedica seu tempo exclusivamente à
universidade possa se interessar por pesquisar temas voltados para indústria ou
para o setor agropecuário? O treinamento que recebemos em nosso período de
formação nos propicia conhecimentos que podem ser aplicados na solução dos
problemas enfrentados pela sociedade brasileira, mas não nos permite conhecer
quais são estes problemas. Para conhecer e se interessar por pesquisar a
solução de problemas é preciso vivenciá-los em algum grau, isto é muito difícil
para um professor que atua exclusivamente na universidade. O resultado é que pesquisadores
reclamam que empresas ou outras organizações não compreendem suas pesquisas e
as empresas reclamam que pesquisadores vivem em outro planeta. Estão todos
certos! Para resolver o problema é preciso aproximá-los, tarefa muito difícil
quando a lei limita o trabalho de conjunto.
As diretrizes do PSDB reconhecem que existe o problema,
basta ver a seguinte passagem:
“Pouca pesquisa, porém, se faz direcionada para o
desenvolvimento industrial, da agropecuária e do setor de serviços. Em
patentes, a participação do Brasil continua muito reduzida, sem prioridades.
Reforçar a mola do desenvolvimento significa elevar a capacidade de inovação
tecnológica do país.”
Ao abordar a questão propondo criar mais órgãos, mais comissões
e mais programas a equipe de Aécio aposta em receitas antigas que já deram o
que tinha de dar. A CAPES e o CNPq dão conta do trabalho de apoio a pesquisa,
talvez alguns ajustes sejam necessários, o que precisamos é de eliminar
restrições legais.
Comércio Exterior
Ao apostar na integração comercial como forma de aumentar a
competitividade da economia brasileira o PSDB mostra que acertou no diagnóstico
e está no rumo correto. A proposta também acerta ao tratar das cadeias
produtivas globais. As referências ao aperfeiçoamento e racionalização do sistema
de proteção da economia brasileira me deixam um pouco incomodado, gostaria de
saber mais detalhes, em particular gostaria de saber se um governo tucano
escolheria setores estratégicos ou algo do tipo. A questão da China também não
me pareceu satisfatória, se é verdade que a competição da China compromete
setores da indústria também é verdade que os produtos chineses propiciam às
pessoas mais pobres o acesso de bens de consumo que se fossem depender da
indústria local essas pessoas não teriam acesso. É preciso deixar claro como o
PSDB pretende tratar o assunto. Porém, de modo geral, gostei das proposta para
comércio exterior.
Desburocratização –
Simplificação
Os que me acompanham sabem que este é um tema que me é muito
caro. Considero que o excesso de burocracia e complexidades nos trâmites legais
é um dos maiores problemas da economia brasileira. É bom saber que o PSDB deu destaque
à questão, mas as propostas estão muito vagas. Falar que vai reduzir a
burocracia e simplificar procedimentos é fácil, todo mundo gosta de ouvir. É
importante dizer como isto será feito. Agências serão extintas ou terão seu
poder reduzido? Quais? Como ficarão as licenças ambientais? A regulação não
existe por acaso, reduzi-la implica em ferir interesses e, portanto, causa
reações. Isto tem que estar claro, do contrário a questão nunca sairá do
discurso.
Gostei muito do tópico abaixo:
“5. A cultura brasileira de desconfiar e controlar precisa
ser transformada em uma cultura que privilegie a confiança e o respeito ao
direito do outro. Cabe a cada pessoa - física, jurídica, setor público e
organizações - uma parcela dessa responsabilidade. O processo de mudança
envolverá a mobilização e o convencimento através de um diálogo permanente,
lembrando sempre o foco nas pessoas.”
A cultura do controle atrapalha o investimento e empreendedorismo
tanto no setor público quanto no setor privado, uma sociedade onde todos são
culpados até provar sua inocência não vai a lugar algum. Porém não podemos
esquecer que boa parte desta cultura foi construída no governo do PSDB, seria
interessante saber onde os tucanos acham que erraram no passado e o que
pretendem fazer para corrigir os erros.
Desenvolvimento
Regional
Comentei a questão regional na abertura do post. Apenas
reforço minha decepção com o discurso da década de 1950 que ignora a
contribuição de Samuel Pessôa ao tema.
Empreendedorismo
A primeira frase me incomodou. Estimular o empreendedorismo
não é função do governo, quando muito o governo deve se contentar em não
atrapalhar. Nas diretrizes o documento melhora o tom e trata de simplificação.
Mas repete o erro do tópico de Desburocratização e Simplificação ao ficar em
termos muito genéricos. Para deixar claro meu ponto coloco um problema específico.
A vigilância sanitária exige uma série de facilidades em estabelecimentos
comerciais, facilidades que costumam não existir em órgãos públicos, tais
facilidades podem inviabilizar uma start-up. É difícil pensar em dois jovens que
tiveram uma ideia de software e resolveram comercializar no quarto de fundos da
casa de um deles conseguirem construir banheiros masculinos e femininos. Tais
restrições serão retiradas? O PSDB pretende enfrentar os que consideram que a
exigência dos dois banheiros é uma conquista que deve ser preservada? E se a
lei de zoneamento proibir a empresa no quarto dos fundos?
Emprego e Renda
Nada de muito interessante, mais parece uma coleção de
propostas que poderiam estar no programa de qualquer candidato. Eu me preocupo com
o conceito que os ganhos reais do salário mínimo são passíveis de garantias por
parte do governo. Se a equipe de Aécio acredita nisto então minha compreensão
de como funciona a economia é muito diferente da compreensão deles. Também me
parece estranho prometer ganhos reais de salário mínimo quando economistas que
trabalham com Aécio apontam que os salários no Brasil estão altos. Não bastasse
isso ainda tem o reconhecimento quase universal que haverá uma recessão em
2015.
Infraestrutura e
Logística
Nenhuma referência à cultura do controle neste tópico? Pena.
O grande problema da infraestrutura no Brasil não é a falta de dinheiro e nem
mesmo falta de racionalidade no planejamento, embora esta última possa existir.
O grande problema é a cultura do controle. Sem mudar isto criar programas,
falar de PPPs e coisas do tipo serão pouco mais que palavras ao vento.
Política Agrícola
Mais uma vez o programa prefere o conforto dos lugares
comuns do que partir para o embate de ideias. Como fica o Código Florestal?
Como fica a lei do trabalho escravo? Tomar o crescimento da demanda por
commodities como dado também pode ser uma aposta arriscada, e se não acontecer?
Temos um plano B?
Política Industrial
Qualquer tópico de política industrial que não se resuma a
dizer que tal política não será feita vira um jogo dos sete erros. Aponto dois
e deixo aos leitores a tarefa de apontar outros: (i) o item cinco propõe que o
governo defina setores estratégicos, inclusive é dito que o governo e os
representantes de setores industriais decidirão “quais produtos manufaturados o
país deve exportar”; (ii) o item onze propõe a manutenção de incentivos para
indústria, temporários e avaliados, é claro... alguém já disse que nada é tão
permanente como uma política temporária.
Política
Macroeconômica
Discutir política macroeconômica com os economistas do PSDB
é como jogar xadrez com um grande mestre, não caio nestas. Apenas digo que fico
feliz em ver anunciada a volta do tripé.
Previdência Social
O tópico parte do diagnóstico correto, qual seja, o problema
da previdência é uma questão demográfica. Porém as diretrizes seguem a
estratégia de tópicos anteriores e se escondem do debate. É claro que
crescimento e redução da informalidade ajudam, assim como o combate a fraudes é
sempre bem-vindo, mas nada disso enfrenta a questão demográfica. Para tratar da
questão demográfica é preciso encontrar formas de fazer com que as pessoas
trabalhem por mais tempo, o fim da aposentadoria por tempo de contribuição é um
caminho, pena que a equipe do Aécio não pense assim... ou não queira dizer que pensa...
Reforma Tributária
Meu primeiro estágio foi em 1991 no
Instituto Euvaldo Lodina Federação das Indústrias do Estado de Ceará (IEL/FIEC), lá eu fui assistente
em uma pesquisa sobre reforma tributária. Desde aquele tempo acompanhei vários
debates a respeito da reforma tributária e ate organizei um livro sobre o tema
(link
aqui). Existe um quase consenso entre técnicos sobre os problemas de
nossa estrutura tributária e sobre os caminhos para resolver tais problemas,
porém todas as tentativas de reformas esbarram na questão federativa. É de impressionar
que as diretrizes de Aécio Neves, que já foi governador de estado, ignorem a
questão federativa.
Turismo
Sem comentários. Pensando melhor tenho um comentário: o
Caribe tem praias tão belas quanto as nossas, porém lá tem cassinos, não se
morre tanto quanto no Brasil e eles não pedem visto, em alguns países nem mesmo
passaporte, de americanos, além de tudo isso é mais barato.
Assim termino os comentários. No geral é um bom programa, mas
que peca por evitar o debate de ideias e se esconder em lugares comuns. Conheço
alguns dos economistas que trabalham com Aécio e sei que eles têm boas ideias
que não estão nas diretrizes. Pena, enquanto programas de governo forem
escritos de acordo com orientações de marqueteiros que olham pesquisa de
opinião não vamos ter um debate de ideias. No fim ficam todos dizendo as mesmas
coisas e o candidato eleito passa a ser acusado de corrupto ou de não ter feito
o que prometeu.