“Mas além de esgotos, medicina, educação, vinho, segurança
pública, irrigação, estradas, água potável e saúde pública, que mais os romanos
fizeram por nós?”. A pergunta é de uma cena clássica do Monty Python que está
no filme a Vida de Brian onde o líder de um grupo rebelde da Judeia tentar
animar seu grupo enquanto planeja um ataque a Pilatos. Não tenho como não
lembrar da cena quando vejo pessoas perguntando o que ganhamos com o
impeachment de Dilma além de punir uma presidente que desrespeitou a lei, abaixar
a inflação, aprovar o teto de gastos, colocar para andar a reforma da
previdência, aprovar na Câmara uma medida que dá transparência a subsídios,
começar a desmontar um conjunto de políticas que nos levou a maior crise de
nossa história, reduzir os juros, não saber de profissionais que perderam o
emprego porque incomodaram o governo, não ler o Ministro da Fazenda chamando de
terrorista quem criticava os números delirantes do Planalto e aprovar mudanças
na lei trabalhista. É duro de reconhecer, mas além do que está nesta lista não
ganhamos muito com a saída de Dilma, talvez a recuperação da economia, mas
ainda está cedo para dizer isso e amanhã devemos ter notícias ruins sobre o
PIB.
É verdade que falta muito, mas não vejo como negar que
estamos melhor com o vice de Dilma do que com Dilma. Sim, aquele áudio foi de
lascar e o governo Temer deveria ter acabado na noite em que o distinto público
tomou conhecimento da conversa entre Temer e Joesley Batista. É mais do que
justo que não queiramos ser governados por um sujeito que ajudou a prolongar a permanência
do PT no Planalto e que tem aquele tipo de conversa com empresários enrolados
com a justiça. Mas isso não permite negar que o governo de Temer colocou para
andar muitas reformas importantes, conseguiu aprovar mesmo que parcialmente
algumas destas reformas, colocou o holofote no problema fiscal e parou de
tentar transformar em inimigo público quem mostrava números e tendências
desagradáveis para o Planalto. Isso para não falar na queda e estabilidade da
inflação que é o principal trunfo do atual governo.
Em abril de 2016, último mês completo de Dilma no governo, o
IPCA acumulado em doze meses estava em 9,27%. Em maio Dilma foi afastada e em
31 de agosto, um ano atrás, Dilma saiu do cargo. Em agosto de 2016 o IPCA
acumulado em doze meses foi de 8,97%, até aí uma queda esperada dado o forte
ajuste de preços administrados em 2015, ajuste que, vale lembrar, teve de ser
feita por conta de uma desastrosa política de controle de preços usada no
primeiro mandato de Dilma. Se a queda para cerca de 8% era esperada o que veio
depois não me parece ter sido possível sem o afastamento de Dilma. Ainda em
2016 a inflação ficou abaixo de 6,5% por conta de uma reversão de trajetória
que ocorreu no segundo semestre de 2016. Em julho deste ano, último dado
disponível, o IPCA acumulado em doze meses estava em 2,7%. Alguns dizem que a
queda foi por conta da recessão, porém não explicam a mudança brusca de
trajetória na sequência da mudança do governo e da direção do Banco Central. A
figura abaixo ilustra esse descolamento da trajetória ocorrido no segundo
semestre de 2016. Ainda no campo da política monetária também foi possível
iniciar uma trajetória de queda da taxa de juros sem pressionar a inflação,
pelo contrário, a inflação caiu. O contraste entre a atual política monetária e
a desastrosa redução forçada de juros feita por Dilma é didático.
Se no campo da política monetária os avanços dos últimos
doze meses são evidentes o mesmo não pode ser dito da política fiscal. Aqui
vimos muito esforço e pouco resultado. A aprovação do teto de gastos simboliza
a situação, a estratégia do governo bateu a histeria criada pela oposição com invasão
de escolas e universidades e discursos sobre o fim do mundo, porém o déficit
primário continuou aumentando o discurso de cortes de gastos não é visível nos números.
Quando muito temos estabilidade dos gastos, pior, sem a reforma da previdência
será praticamente impossível reduzir gastos e talvez até mesmo respeitar o teto
de gastos fique fora do alcance dos futuros governos. Porém, ao contrário do
governo anterior que falava muito e não mostrava nada, o atual governo mandou
uma proposta de reforma para o Congresso. Podemos acusar o governo de não ter
conseguido aprovar a reforma, mas não podemos acusá-lo de ser omisso nem de não
mostrar compromisso com tal reforma. A figura abaixo compara o gasto no
primeiro semestre de cada ano e deixa clara a necessidade de ajustar a
previdência, repare que além de pagar por não ter feito a reforma da previdência o governo, minto, o pagador de impostos, paga por conta dos aumentos a algumas categorias de servidores públicos concedidos por Temer em 2016
No campo das reformas de longo prazo o grande feito foi a MP
777 que acaba com a TJLP e cria a TLP. Com esta medida os subsídios distribuídos
pelo BNDES terão de ser discutidos no Congresso. Pode parecer pouco, principalmente
para quem entrou no debate mais recentemente, mas é uma vitória formidável. Ter
os valores de tais subsídios nas leis orçamentárias é mais do que eu esperava
do atual governo, mas a MP 777 foi além, os recursos para subsídios disputarão
orçamento com outros programas como os voltados para saúde e/ou educação e o
Bolsa Família. Imaginem se durante os anos Lula e Dilma tivéssemos tido a
oportunidade a cada de ano de mostrar para o público o quando o governo estava
propondo para o Bolsa Família e o quanto estava propondo para o Bolsa
Empresário? Teria sido muito mais difícil para o PT bancar o discurso de
inimigos da elite. Mas não para aí, a MP 777 aponta na direção de dois problemas
que andam juntos no Brasil: o compadrio entre políticos e empresários
financiadores de campanha e a má alocação de investimentos. A TLP pode ser o começo
do ciclo de reformas necessárias para destravar a produtividade.
Foco na economia porque é onde fico mais confortável, mas
não posso deixar de registrar que o impeachment de Dilma atrapalhou os planos
de poder de um partido que tem em tipos como Maduro e Castro exemplos de
liderança e democracia. Conheço caso de pessoas que perderam o emprego e/ou foram
perseguidas por dizer coisas que incomodavam o Planalto. O estilo beligerante das
equipes econômicas de Dilma podia ser sinal do que estava no horizonte, pessoas
que faziam previsões que se mostravam otimistas quando comparadas a realidade, mas
que eram pessimistas em relação ao mundo delirante do pessoal do governo eram
chamados de ignorantes, terroristas, inimigos do povo e coisas do tipo.
Jornalistas eram colocados em listas negras por repercutir números ou notícias
que não referendavam o mundo maravilhoso da propagando estatal. Tudo isso
reforça minha sensação que escapamos de um destino sombrio como o que chegou na
Argentina ou até pior. A Venezuela não estava tão distante.
Deixo para o final o que considero o aspecto mais importante
do impeachment de Dilma: a vitória da lei sobre o governante. Por certo não foi
uma vitória definitiva, em vários outros casos que aconteceram antes, durante e
depois do governo Dilma vimo governantes vencendo a lei, casos assim abundam
nas páginas dos jornais, mas, mesmo sem ser definitiva, foi uma vitória
importante. Aqui peço que não me entendam mal, não sou exatamente um tipo
legalista, entendo que a relação entre a lei e os governados é de natureza
diferente da relação entre a lei e os governantes. Em qualquer tirania existem
leis que regulam a ação dos cidadãos, mesmo em regimes absolutistas sem pretensão
de império da lei existem leis que proíbem roubar, matar, ficar nu em público
ou sonegar impostos. Da maneira como vejo as coisas tais leis estão em um campo
diferente das leis que regulam a ação dos governantes. Desrespeitar a lei que
rege os governados é um atentado a lei que em alguns casos pode ser justo,
moral e desejável. Desrespeitar a lei que rege os governantes é desrespeitar o império
da lei, o que costuma terminar muito mal. Os barões ingleses não fizeram uma
revolução para criar leis para punir ladrões comuns, isso já existia, os barões
fizeram uma revolução para limitar o poder do rei.
Dilma usou de fraude fiscal para gastar mais do que o
autorizado pelo Congresso sem ter de pedir autorização do Congresso. Isso é um
crime do governante contra a lei. Mesmo assim Dilma não seria punida por conta
de uma interpretação da lei que determina que um governante não pode ser punido
por crimes cometidos no mandato anterior. Confiante por ter escapado da punição
Dilma repetiu a manobra em 2015 e novamente usou de fraude fiscal para driblar o
limite orçamentário imposto pelo Congresso. Cada um que diga e pense o que
quiser, na minha leitura manter Dilma no cargo seria equivalente a determinar
que o Congresso não teria mais poderes para limitar os gastos do presidente. No
que tange ao gasto governo, um elemento fundamental para limitar o poder do
Planalto, teríamos substituído o Império da Lei pelo Império do Governante. Na minha
avaliação isso não ter acontecido é motivo suficiente para comemorar um ano do
impeachment, mas não foi só isso, tem todas as outras coisas da lista.