quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Um ano de impeachment: há motivos para festa!

“Mas além de esgotos, medicina, educação, vinho, segurança pública, irrigação, estradas, água potável e saúde pública, que mais os romanos fizeram por nós?”. A pergunta é de uma cena clássica do Monty Python que está no filme a Vida de Brian onde o líder de um grupo rebelde da Judeia tentar animar seu grupo enquanto planeja um ataque a Pilatos. Não tenho como não lembrar da cena quando vejo pessoas perguntando o que ganhamos com o impeachment de Dilma além de punir uma presidente que desrespeitou a lei, abaixar a inflação, aprovar o teto de gastos, colocar para andar a reforma da previdência, aprovar na Câmara uma medida que dá transparência a subsídios, começar a desmontar um conjunto de políticas que nos levou a maior crise de nossa história, reduzir os juros, não saber de profissionais que perderam o emprego porque incomodaram o governo, não ler o Ministro da Fazenda chamando de terrorista quem criticava os números delirantes do Planalto e aprovar mudanças na lei trabalhista. É duro de reconhecer, mas além do que está nesta lista não ganhamos muito com a saída de Dilma, talvez a recuperação da economia, mas ainda está cedo para dizer isso e amanhã devemos ter notícias ruins sobre o PIB.

É verdade que falta muito, mas não vejo como negar que estamos melhor com o vice de Dilma do que com Dilma. Sim, aquele áudio foi de lascar e o governo Temer deveria ter acabado na noite em que o distinto público tomou conhecimento da conversa entre Temer e Joesley Batista. É mais do que justo que não queiramos ser governados por um sujeito que ajudou a prolongar a permanência do PT no Planalto e que tem aquele tipo de conversa com empresários enrolados com a justiça. Mas isso não permite negar que o governo de Temer colocou para andar muitas reformas importantes, conseguiu aprovar mesmo que parcialmente algumas destas reformas, colocou o holofote no problema fiscal e parou de tentar transformar em inimigo público quem mostrava números e tendências desagradáveis para o Planalto. Isso para não falar na queda e estabilidade da inflação que é o principal trunfo do atual governo.

Em abril de 2016, último mês completo de Dilma no governo, o IPCA acumulado em doze meses estava em 9,27%. Em maio Dilma foi afastada e em 31 de agosto, um ano atrás, Dilma saiu do cargo. Em agosto de 2016 o IPCA acumulado em doze meses foi de 8,97%, até aí uma queda esperada dado o forte ajuste de preços administrados em 2015, ajuste que, vale lembrar, teve de ser feita por conta de uma desastrosa política de controle de preços usada no primeiro mandato de Dilma. Se a queda para cerca de 8% era esperada o que veio depois não me parece ter sido possível sem o afastamento de Dilma. Ainda em 2016 a inflação ficou abaixo de 6,5% por conta de uma reversão de trajetória que ocorreu no segundo semestre de 2016. Em julho deste ano, último dado disponível, o IPCA acumulado em doze meses estava em 2,7%. Alguns dizem que a queda foi por conta da recessão, porém não explicam a mudança brusca de trajetória na sequência da mudança do governo e da direção do Banco Central. A figura abaixo ilustra esse descolamento da trajetória ocorrido no segundo semestre de 2016. Ainda no campo da política monetária também foi possível iniciar uma trajetória de queda da taxa de juros sem pressionar a inflação, pelo contrário, a inflação caiu. O contraste entre a atual política monetária e a desastrosa redução forçada de juros feita por Dilma é didático.




Se no campo da política monetária os avanços dos últimos doze meses são evidentes o mesmo não pode ser dito da política fiscal. Aqui vimos muito esforço e pouco resultado. A aprovação do teto de gastos simboliza a situação, a estratégia do governo bateu a histeria criada pela oposição com invasão de escolas e universidades e discursos sobre o fim do mundo, porém o déficit primário continuou aumentando o discurso de cortes de gastos não é visível nos números. Quando muito temos estabilidade dos gastos, pior, sem a reforma da previdência será praticamente impossível reduzir gastos e talvez até mesmo respeitar o teto de gastos fique fora do alcance dos futuros governos. Porém, ao contrário do governo anterior que falava muito e não mostrava nada, o atual governo mandou uma proposta de reforma para o Congresso. Podemos acusar o governo de não ter conseguido aprovar a reforma, mas não podemos acusá-lo de ser omisso nem de não mostrar compromisso com tal reforma. A figura abaixo compara o gasto no primeiro semestre de cada ano e deixa clara a necessidade de ajustar a previdência, repare que além de pagar por não ter feito a reforma da previdência o governo, minto, o pagador de impostos, paga por conta dos aumentos a algumas categorias de servidores públicos concedidos por Temer em 2016




No campo das reformas de longo prazo o grande feito foi a MP 777 que acaba com a TJLP e cria a TLP. Com esta medida os subsídios distribuídos pelo BNDES terão de ser discutidos no Congresso. Pode parecer pouco, principalmente para quem entrou no debate mais recentemente, mas é uma vitória formidável. Ter os valores de tais subsídios nas leis orçamentárias é mais do que eu esperava do atual governo, mas a MP 777 foi além, os recursos para subsídios disputarão orçamento com outros programas como os voltados para saúde e/ou educação e o Bolsa Família. Imaginem se durante os anos Lula e Dilma tivéssemos tido a oportunidade a cada de ano de mostrar para o público o quando o governo estava propondo para o Bolsa Família e o quanto estava propondo para o Bolsa Empresário? Teria sido muito mais difícil para o PT bancar o discurso de inimigos da elite. Mas não para aí, a MP 777 aponta na direção de dois problemas que andam juntos no Brasil: o compadrio entre políticos e empresários financiadores de campanha e a má alocação de investimentos. A TLP pode ser o começo do ciclo de reformas necessárias para destravar a produtividade.

Foco na economia porque é onde fico mais confortável, mas não posso deixar de registrar que o impeachment de Dilma atrapalhou os planos de poder de um partido que tem em tipos como Maduro e Castro exemplos de liderança e democracia. Conheço caso de pessoas que perderam o emprego e/ou foram perseguidas por dizer coisas que incomodavam o Planalto. O estilo beligerante das equipes econômicas de Dilma podia ser sinal do que estava no horizonte, pessoas que faziam previsões que se mostravam otimistas quando comparadas a realidade, mas que eram pessimistas em relação ao mundo delirante do pessoal do governo eram chamados de ignorantes, terroristas, inimigos do povo e coisas do tipo. Jornalistas eram colocados em listas negras por repercutir números ou notícias que não referendavam o mundo maravilhoso da propagando estatal. Tudo isso reforça minha sensação que escapamos de um destino sombrio como o que chegou na Argentina ou até pior. A Venezuela não estava tão distante.

Deixo para o final o que considero o aspecto mais importante do impeachment de Dilma: a vitória da lei sobre o governante. Por certo não foi uma vitória definitiva, em vários outros casos que aconteceram antes, durante e depois do governo Dilma vimo governantes vencendo a lei, casos assim abundam nas páginas dos jornais, mas, mesmo sem ser definitiva, foi uma vitória importante. Aqui peço que não me entendam mal, não sou exatamente um tipo legalista, entendo que a relação entre a lei e os governados é de natureza diferente da relação entre a lei e os governantes. Em qualquer tirania existem leis que regulam a ação dos cidadãos, mesmo em regimes absolutistas sem pretensão de império da lei existem leis que proíbem roubar, matar, ficar nu em público ou sonegar impostos. Da maneira como vejo as coisas tais leis estão em um campo diferente das leis que regulam a ação dos governantes. Desrespeitar a lei que rege os governados é um atentado a lei que em alguns casos pode ser justo, moral e desejável. Desrespeitar a lei que rege os governantes é desrespeitar o império da lei, o que costuma terminar muito mal. Os barões ingleses não fizeram uma revolução para criar leis para punir ladrões comuns, isso já existia, os barões fizeram uma revolução para limitar o poder do rei.

Dilma usou de fraude fiscal para gastar mais do que o autorizado pelo Congresso sem ter de pedir autorização do Congresso. Isso é um crime do governante contra a lei. Mesmo assim Dilma não seria punida por conta de uma interpretação da lei que determina que um governante não pode ser punido por crimes cometidos no mandato anterior. Confiante por ter escapado da punição Dilma repetiu a manobra em 2015 e novamente usou de fraude fiscal para driblar o limite orçamentário imposto pelo Congresso. Cada um que diga e pense o que quiser, na minha leitura manter Dilma no cargo seria equivalente a determinar que o Congresso não teria mais poderes para limitar os gastos do presidente. No que tange ao gasto governo, um elemento fundamental para limitar o poder do Planalto, teríamos substituído o Império da Lei pelo Império do Governante. Na minha avaliação isso não ter acontecido é motivo suficiente para comemorar um ano do impeachment, mas não foi só isso, tem todas as outras coisas da lista. 

domingo, 27 de agosto de 2017

Investimento é necessário e pode ser muito bom, mas também pode ser muito perigoso.

É comum escutarmos economistas, empresários e políticos falando da importância do investimento para que o Brasil entre em uma trajetória de crescimento de longo prazo. Eles não estão errados, sem investimento dificilmente voltaremos a crescer. O investimento é importante por aumentar a quantidade de capital (máquinas, equipamentos e estruturas) na economia e por permitir que novas tecnologias se integrem no processo de produção por meio da aquisição de máquinas que trazem embutidas estas tecnologias. Tanto o aumento do capital quanto a introdução de novas tecnologias no processo produtivo tendem a aumentar a produtividade do trabalho e, portanto, levam ao crescimento de longo prazo.

Tamanha a importância do investimento não o torna uma panaceia. Para que o investimento cumpra sua função é preciso que o aumento da capacidade de produção ocorra e seja sustentável e que novas tecnologias de fato sejam incorporadas na produção e sejam mais produtivas que as tecnologias anteriores. Um investimento que não leve a um efetivo aumento da capacidade de produção é pior que jogar dinheiro fora. Considere os estádios da Copa que estão sem uso, as estruturas e equipamentos dos estádios são investimentos, porém não houve um aumento compatível da capacidade de produção. Tivesse sido jogado fora o dinheiro desses estádios seria perdido, mas não causaria novos prejuízos nem induziria outros investimentos perdidos. Aqui em Brasília o governo local tem passado por dificuldades para encontrar alguém que queira administrar o estádio construído para Copa e arcar com os milhões de reais anuais necessários para manutenção do estádio. Se alguém tiver feito algum investimento esperando os resultados do estádio também perdeu dinheiro.

Investimentos que de fato aumentam a capacidade de produção instalada, porém não são sustentáveis também são um problema. No caso da refinaria de Abreu Lima em Pernambuco já foram alguns bilhões de reais e nada de refinaria, o prejuízo para a Petrobras e quem investiu acreditando no projeto é evidente, mas os tais bilhões foram computados como investimento. O drama da região onde seria o Comperj também ilustra como investir mal pode ser desastroso, verdadeiras cidades foram criadas na expectativa do complexo petrolífero e hoje estão abandonadas e tomadas por desempregados que largaram tudo esperando os empregos das obras que seriam feitas. Outro exemplo é a indústria naval, vez por outra o governo de plantão resolve dizer que por termos um imenso litoral temos de ter uma indústria naval forte. Como areia de praia não faz navios os investimentos gigantescos na (re)construção da indústria naval acabam deixando o rastro de desemprego e recursos perdidos em investimentos feitos na esperança que os estaleiros prosperassem. Todos esses são exemplos de capital mal alocado, segundo a literatura moderna de crescimento econômico a má alocação de capital é uma das chaves para explicar o não crescimento de alguns países.

Também é importante que a tecnologia embutida nas máquinas seja sólida e represente ganhos de produtividade. Comprar uma máquina com tecnologia defasada implica em vários de desvantagem competitiva que, não raro, será compensada com protecionismo ou incentivos fiscais. Nesse caso seria melhor destruir a máquina, mas isso raramente ocorre por conta de lobbies bancados por quem se beneficia da tecnologia ruim. O processo é semelhante, porém mais discreto, que o usado pelos taxistas para barrar o Uber.

Aqui no Brasil temos experiência com ciclos de alta de investimento que terminam em desgraça. A figura abaixo ilustra dois exemplos. O primeiro ocorreu nas décadas de 60 e 70 do século passado. Entre 1965 e 1981 a taxa de investimento foi de 14,7% para 24,3% do PIB, na sequência tivemos a década perdida, que durou mais de uma década, e a hiperinflação. Fenômeno semelhante, porém, menos intenso, ocorreu entre 2003 e 2011, quando tivemos um novo ciclo de alta da taxa de investimento que foi de 15,3% em 2003 para 19,3% em 2011, na sequência tivemos a maior retração do PIB de nossa história. A figura abaixo mostra os dois períodos.




O período 1965 a 1981 pode ser subdividido no período do Milagre Econômico, que começa com os ajustes de 1965 e toma forma no crescimento do começo da década de 1970, e período da marcha forçada, que ocorre na segunda metade da década de 70. O primeiro período pode ser visto como um aumento natural da taxa de investimento como consequência dos ajustes de Campos e Bulhões na segunda metade da década de 1960. O segundo período, a Marcha Forçada, foi uma tentativa de manter o aumento do investimento na marra por meio de incentivos e subsídios. No século XXI também temos dois períodos distintos, o primeiro que vai até 2008 pode ser visto como resultado das reformas da década anterior, inclusive do primeiro governo Lula, e do boom das commodities, a esse período sigo a sugestão de Lula e me refiro como Espetáculo do Crescimento. A partir de 2008, repetindo o final da década de 70, o governo resolveu comprar a saída de uma crise mundial por meio de incentivos e subsídios ao investimento. A Marcha Forçada original durou vários anos e terminou com a década perdida, uma inflação descontrolada e o fim da sequência de generais que governou o país a partir de 1964. O que seria a segunda Marcha Forçada teve pouco folego e ficou mais parecida com uma corrida forçada, talvez por isso não tenha nos jogado em uma hiperinflação, mas nos deixou a maior crise de nossa história e talvez tenha posto fim a hegemonia do PT e PSDB que marcou a Nova República.

O leitor deve ter notado um pico de investimento no final da década de 80. Muito provavelmente esse pico é resultado de distorções de preços relativos e não deve ser levado em conta. De toda forma o movimento foi curto e não configura um ciclo de aumento do investimento, caso o leitor insista em ver este período como um ciclo de aumento de investimento o fim deste ciclo foi uma hiperinflação e um congelamento de ativos financeiros.

É possível que nos próximos semestres a economia comece a se recuperar. Se isso acontecer é certo que vão aparecer políticos, economistas e empresários pedindo para o governo estimular investimentos com subsídios, incentivos e proteção. Vão falar de ganhos de produtividade e um monte de outras coisas boas associadas ao aumento consistente da taxa de investimento. Quando isso acontecer não esqueçam da figura desse post e da lição que investimento ruim é pior que não investir. É preciso ter paciência, se as reformas forem feitas a taxa de investimento deve aumentar naturalmente, em um ritmo que pode não ser o desejado pela maioria, tentar forçar um crescimento mais rápido da taxa de investimento pode ser o começo de um novo desastre. Fiquemos atento.



domingo, 20 de agosto de 2017

Uma nota sobre as reformas: um passo pequeno na direção certa é melhor que ficar parado.

Alguns amigos me dizem que defender a TLP é um erro pois o correto seria defender o fim do BNDES, outros dizem que tentar facilitar a captação e uso de recursos próprios pelas universidades federais é um erro e que o correto seria defender a privatização destas universidades. O padrão segue em vários outros temas, há quem diga que não devemos resistir a criação ou aumento de impostos porque “imposto é roubo” e o certo seria acabar com os impostos, também há quem diga que não devemos reformar a previdência e sim extinguir o que seria um sistema de pirâmide. Eu poderia seguir com mais exemplos, mas creio que o leitor já pegou meu ponto. Não é que eu discorde dos amigos que dizem isso, em alguns casos eu até concordo, mas é que não vejo as duas opções como mutuamente exclusivas e, mesmo que fossem em algum horizonte de tempo, não creio que seja válido deixar de andar na direção certa porque não vamos chegar imediatamente no que consideramos.

Não é exatamente uma questão de estratégia gradualista contra uma estratégia de choque, para que eu pudesse escolher entre as duas estratégias ambas teriam que estar disponíveis. Não é o que acontece, longe disso, em todos os casos que citei e tantos outros que eu poderia ter citado a alternativa a reforma modesta é manutenção do status quo. A alternativa a aprovar a TLP é manter o BNDES com poder de decidir sobre subsídios da ordem de centenas de bilhões de reais sem ter que disputar os recursos com outras áreas quando da discussão do orçamento e sem ter ao menos que se explicar no Congresso. A alternativa a captação de recursos pelas universidades federais é mandar para o pagador de impostos uma conta cada vez mais alta por serviços cada vez mais precários. A alternativa a reforma da previdência é manter um sistema que nos leva a gastar com previdência muito mais do que países com estrutura demográfica semelhante à nossa e manter privilégios indefensáveis. A alternativa a não aumentar impostos é aumentar a quantidade de recursos que os governantes tiram dos pagadores de impostos.

Não se iludam. A resistência a cada uma das tímidas reformas citadas é gigantesca, a defesa do status quo é feita por diversos interesses que não necessariamente estão articulados, mas que invariavelmente estão bem representados. Os argumentos em defesa do status quo são vários, vão de críticas pontuais ou gerais às propostas de mudança até os argumentos que dizem concordar com a necessidade de mudanças, mas que é preciso discutir mais ou pensar em termos mais amplos. Até mesmo os que não querem fazer pouco por só aceitarem fazer tudo acabam engrossando a defesa de manter tudo como está.

Tome como exemplo a questão da TLP. Não são poucos os críticos da mudança que dizem concordar com o princípio, mas que talvez fosse melhor pensar em reestruturar o BNDES de forma que não se repita o que ocorreu nas últimas décadas. Sempre que vejo argumentos desse tipo me pergunto se pulei a parte da MP 777 que acaba com o BNDES, não pulei, a aprovação da medida provisória não acaba o BNDES e não impede em nada que se repense o BNDES e tentemos entender se o que o correu nos últimos anos pode ser evitado com mudanças na forma do banco operar ou se as instituições profundas brasileiras são incompatíveis com um banco com as caraterísticas do BNDES operando sem influência política. Ao final desse debate talvez estivéssemos em melhor condição para pensar um novo modelo ou o fim do BNDES. Mas o que fazer até lá? Quando um cano estoura eu corto a água e depois tento consertar o cano ou mudar o encanamento, não conheço quem faça o contrário, mas, por algum motivo, quando o assunto é reforma muita gente prefere pensar como fazer para o cano nunca mais estourar enquanto a agua fica jorrando. Talvez porque os efeitos negativos de cada um dos temas que aparecem em cada reforma proposta não sejam tão fáceis de perceber quanto a água correndo pela sala.

Um exemplo que gosto de citar é o processo de reformas da previdência do funcionalismo público. Começou com Collor colocando as contribuições, seguiu com FHC cortando acumulações e dificultando aposentadorias precoces e com pouco tempo de contribuição no regime dos servidores, continuou com Lula acabando com a aposentadoria integral para futuros contratados, deu mais um passo com Dilma regulamentando, segue com Temer reduzindo os ganhos de quem ficou no sistema especial e, espero, deve continuar com um próximo presidente “forçando” a transição de todos os servidores para o regime geral com possível adesão ao Funpresp. Acompanhei o processo de reformas de FHC em diante, boa parte dele aqui de Brasília. Em todas estas etapas vi gente dizendo que nãos e podia tomar a decisão sem debater mais o assunto, vi gente dizendo que era preciso uma reforma mais profunda e vi gente dizendo que tinha era de acabar com o regime especial. Nada contra nenhum dos argumentos, mas como uma maneira de pensar depois da mudança, não como uma maneira de barrar a mudança. Tivessem Collor, FHC, Lula, Dilma e agora Temer parado com suas propostas estaríamos melhor? Teria Lula conseguido acabar o regime especial sem as reformas de FHC? Teria Dilma feito a regulamentação do Funpresp sem a mudança constitucional feita por Lula? Temer teria tido condições de apresentar as propostas que fez sem os passos dados por seus antecessores? Algum desses presidentes teria condições de sair do que era o regime em 1990 para o que está proposto por Temer ou para o que Dilma já regulamentou em uma cartada? Eu digo que não.

Mesmo em uma ditadura mudar leis que atingem grupos de interesse não é tarefa trivial. Em uma sociedade plural que admite o contraditório e permite o debate aberto em um sistema representativo como a que estamos construindo e, creio eu, a maioria de nós deseja, fazer mudanças bruscas é quase impossível. Aos amigos que desejam mudanças radicais eu recomendo uma ida ao Congresso para ver o tamanho da resistência as mudanças pontuais que estão sendo propostas. Aos amigos que temem a mudança por não ter sido suficientemente debatida ou por ter possíveis consequências indesejadas peço que pensem em como foi estabelecida legislação atual e nas consequências indesejadas que já conhecemos de tal legislação.

O Congresso não para de funcionar após uma reforma, o processo político de discussão na sociedade também não. No dia seguinte a aprovação de uma reforma outra que leve a reforma mais a frente, mais para um lado ou até mesmo mais para trás já podem ser discutidas. O que não podemos é nos recusarmos a mudar práticas reconhecidamente problemáticas em um país que faz décadas não consegue crescer de forma sustentada, que está com a infraestrutura destruída, que aparece mal em qualquer ranking de instituições e/ou ambiente de negócios, que tem uma educação muito mal avaliada em comparação com a de outros países no mesmo nível de renda, que está afundado em corrupção, que usa dinheiro do pagador de impostos para subsidiar a criação de monopólios em setores como frigorífico e a construção de estádios que não são usados, que apresenta índices de violência mais assustadores que países em guerra, enquanto esperamos que alguma alquimia que mude preços macroeconômicos resolvam nossos problemas.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Estrutura de impostos no Brasil e nos outros países da América Latina e Caribe

No post de ontem (link aqui) usei dados do Banco Mundial para checar se os impostos sobre renda, lucros e ganhos de capital no Brasil são de fatos altos quando comparados aos de outros países. Minha conclusão foi que não. Ficamos abaixo, mas não tão distante, da média da OCDE e acima da média da América Latina e Caribe. Porém fiquei inseguro quanto a conclusão por falta de segurança com a base do Banco Mundial, especificamente como são tratadas as arrecadações de impostos nos estados e municípios.

Carlos Mussi, diretor do escritório da CEPAL em Brasília, fez a gentileza de deixar na área de comentários do blog um link para um documento da OCDE, CEPAL, CIAT e BID com dados e análises de dados tributários na América Latina e Caribe (link aqui). Antes mesmo de ler o documento corri para o anexo de dados e peguei a tabela com arrecadação de vários tipos de tributos como proporção do PIB para os países da região, para a média da América Latina e Caribe (LAC) e para a OCDE. Trata-se da Tabela 4.2 que está na página 153 do documento. Comento os números e os apresento na figura abaixo.

Como pode ser visto na figura abaixo a arrecadação de impostos sobre renda e lucro no Brasil está ligeiramente acima da média da América Latina e Caribe e bem abaixo da média da OCDE. O resultado confirma a impressão do post anterior que a convicção que taxamos pouco a renda e os lucros perde força quando nos comparamos com os países da nossa região. Repare que a média da América Latina e Caribe aumenta um bocado por conta de Trinidad e Tobago um país com cerca de 1,3 milhões de habitantes e pouco mais de cinco mil quilômetros quadrados. Em Cuba os impostos sobre renda e lucro correspondem a 7,7% do PIB, apenas um ponto percentual a mais do que aqui.




A próxima figura mostra a arrecadação de impostos sobre a propriedade. Repare que temos a quarta maior arrecadação desse tipo de imposto como proporção do PIB e que estamos acima da média da OCDE. Olhando para esses números fica difícil defender que taxamos pouco as propriedades, pelo contrário, talvez estejamos taxando demais as propriedades no Brasil.




Em relação aos impostos para seguridade social ficamos abaixo da OCDE, mas somos os campeões da América Latina e Caribe. Cuba (5%) e Venezuela (0,6%) não chegam nem perto dos 8,3% do PIB que o Brasil arrecada para a seguridade social. O resultado reforça a tese que precisamos repensar nossa seguridade social. Especialmente a previdência social, acrescento eu. Nossa tentativa de construir um estado de bem-estar social em um país latino de renda média -baixa não parece promissora na falta de boom de commodities ou de outros eventos externos muito favoráveis.




A última figura mostra a receita de impostos sobre bens e serviços como proporção do PIB. Nesse quesito Cuba e Venezuela são os campeões, uma informação que pode ser útil para os descolados que insistem em dizer que taxar bens e serviços é coisa da direita que odeia pobres e cria sistemas tributários regressivos. O Brasil mais uma vez fica acima da média da OCDE e acima da média da América Latina e Caribe.




Os dados do estudo da OCDE, CEPAL, CIAT e BID parecem confirmar a conclusão obtida com os dados do Banco Mundial. Nossa tributação sobre renda e lucros fica abaixo da média da OCDE, mas acima da média da América Latina e Caribe. O percentual do PIB que o Brasil arrecada com tributos sobre propriedade é maior que a média da América Latina e Caribe e do que a média da OCDE, na nossa região apenas Argentina, Colômbia e Uruguai arrecadam uma proporção maior do PIB com impostos sobre propriedade do que o Brasil. A arrecadação de tributos para seguridade social leva um percentual do PIB por aqui que é maior a de qualquer outro país da região e fica próxima do observado na OCDE. Finalmente, taxamos bens e serviços acima da média da OCDE e da América Latina e Caribe.

A combinação dos números do post anterior e desse post reforçam minha segurança na defesa da tese que não devemos aumentar nenhum tipo de imposto no Brasil. Se quisermos muar a composição de nossa carga tributária façamos isso reduzindo alguns impostos e não aumentando impostos que parecem baixos quando comparados aos de países que já são ricos.


domingo, 13 de agosto de 2017

Impostos sobre renda, lucros e ganhos de capital no Brasil estão fora do padrão de outros países?

Com tanta gente falando em aumentar impostos sobre renda, lucros e/ou dividendos resolvi dar uma olhada nos dados do Banco Mundial e ver como o Brasil estava em relação aos demais países. Para facilitar minha vida restringi minha busca aos países da OCDE e ao Brasil, normalmente prefiro comparar com a América Latina ou com os países emergentes, mas sendo o assunto relacionado a justiça social me pareceu razoável supor que os países ricos da OCDE são uma boa referência.

A série mais próxima do que eu queria foi o total arrecadado com impostos sobre renda, lucro e ganhos de capital como proporção da receita do governo. Como o senso comum diz que taxamos muito pouco renda, lucros e capital e taxamos muito consumo estava preparado para encontrar o Brasil deslocado na amostra e argumentar que uma reforma para aproximar o Brasil dos países da OCDE deveria vir acompanhada de reformas que reduzissem a carga tributária total. Para minha surpresa o Brasil não ficou destacado dos outros países, considerando os dados disponíveis a partir de 1995 para os 34 países da amostra, 33 da OCDE e o Brasil, a média da arrecadação de impostos sobre renda, lucro e ganhos de capital na receita é de 29,52% e a mediana é de 27,67%. No Brasil tal proporção é de 26,25%, abaixo da média e da mediana, mas bem acima do valor mínimo que foi de 13,82%, observado na Eslovênia, e acima do primeiro quartil que foi 18,69%. Se ordenarmos os 34 países da menor para a maior proporção o Brasil fica na 15º posição, acima da França e da Alemanha. A figura abaixo mostra a proporção nos países da amostra.




Não estou confiante nos números, uso pouco a base do Banco Mundial e pode ter algum detalhe na construção dos dados que eu esteja perdendo. Talvez alguma distorção por conta dos estados e municípios, não sei dizer, se alguém souber peço que me diga. Valendo os dados do gráfico fico com a impressão que não temos um problema grave na composição da carga tributária em relação a impostos sobre renda, lucro e ganhos de capital. A impressão fica reforçada com a figura abaixo que compara o Brasil com outros países da América Latina.




Ainda tenho que entender melhor a construção da série disponível no Banco Mundial (o código da série no WDI é GC.TAX.YPKG.RV.ZS), se os resultados das figuras cima estiverem corretos os argumentos para aumentar impostos sobre renda, lucros e ganhos de capital no Brasil ficam ainda mais frágeis.