domingo, 27 de agosto de 2017

Investimento é necessário e pode ser muito bom, mas também pode ser muito perigoso.

É comum escutarmos economistas, empresários e políticos falando da importância do investimento para que o Brasil entre em uma trajetória de crescimento de longo prazo. Eles não estão errados, sem investimento dificilmente voltaremos a crescer. O investimento é importante por aumentar a quantidade de capital (máquinas, equipamentos e estruturas) na economia e por permitir que novas tecnologias se integrem no processo de produção por meio da aquisição de máquinas que trazem embutidas estas tecnologias. Tanto o aumento do capital quanto a introdução de novas tecnologias no processo produtivo tendem a aumentar a produtividade do trabalho e, portanto, levam ao crescimento de longo prazo.

Tamanha a importância do investimento não o torna uma panaceia. Para que o investimento cumpra sua função é preciso que o aumento da capacidade de produção ocorra e seja sustentável e que novas tecnologias de fato sejam incorporadas na produção e sejam mais produtivas que as tecnologias anteriores. Um investimento que não leve a um efetivo aumento da capacidade de produção é pior que jogar dinheiro fora. Considere os estádios da Copa que estão sem uso, as estruturas e equipamentos dos estádios são investimentos, porém não houve um aumento compatível da capacidade de produção. Tivesse sido jogado fora o dinheiro desses estádios seria perdido, mas não causaria novos prejuízos nem induziria outros investimentos perdidos. Aqui em Brasília o governo local tem passado por dificuldades para encontrar alguém que queira administrar o estádio construído para Copa e arcar com os milhões de reais anuais necessários para manutenção do estádio. Se alguém tiver feito algum investimento esperando os resultados do estádio também perdeu dinheiro.

Investimentos que de fato aumentam a capacidade de produção instalada, porém não são sustentáveis também são um problema. No caso da refinaria de Abreu Lima em Pernambuco já foram alguns bilhões de reais e nada de refinaria, o prejuízo para a Petrobras e quem investiu acreditando no projeto é evidente, mas os tais bilhões foram computados como investimento. O drama da região onde seria o Comperj também ilustra como investir mal pode ser desastroso, verdadeiras cidades foram criadas na expectativa do complexo petrolífero e hoje estão abandonadas e tomadas por desempregados que largaram tudo esperando os empregos das obras que seriam feitas. Outro exemplo é a indústria naval, vez por outra o governo de plantão resolve dizer que por termos um imenso litoral temos de ter uma indústria naval forte. Como areia de praia não faz navios os investimentos gigantescos na (re)construção da indústria naval acabam deixando o rastro de desemprego e recursos perdidos em investimentos feitos na esperança que os estaleiros prosperassem. Todos esses são exemplos de capital mal alocado, segundo a literatura moderna de crescimento econômico a má alocação de capital é uma das chaves para explicar o não crescimento de alguns países.

Também é importante que a tecnologia embutida nas máquinas seja sólida e represente ganhos de produtividade. Comprar uma máquina com tecnologia defasada implica em vários de desvantagem competitiva que, não raro, será compensada com protecionismo ou incentivos fiscais. Nesse caso seria melhor destruir a máquina, mas isso raramente ocorre por conta de lobbies bancados por quem se beneficia da tecnologia ruim. O processo é semelhante, porém mais discreto, que o usado pelos taxistas para barrar o Uber.

Aqui no Brasil temos experiência com ciclos de alta de investimento que terminam em desgraça. A figura abaixo ilustra dois exemplos. O primeiro ocorreu nas décadas de 60 e 70 do século passado. Entre 1965 e 1981 a taxa de investimento foi de 14,7% para 24,3% do PIB, na sequência tivemos a década perdida, que durou mais de uma década, e a hiperinflação. Fenômeno semelhante, porém, menos intenso, ocorreu entre 2003 e 2011, quando tivemos um novo ciclo de alta da taxa de investimento que foi de 15,3% em 2003 para 19,3% em 2011, na sequência tivemos a maior retração do PIB de nossa história. A figura abaixo mostra os dois períodos.




O período 1965 a 1981 pode ser subdividido no período do Milagre Econômico, que começa com os ajustes de 1965 e toma forma no crescimento do começo da década de 1970, e período da marcha forçada, que ocorre na segunda metade da década de 70. O primeiro período pode ser visto como um aumento natural da taxa de investimento como consequência dos ajustes de Campos e Bulhões na segunda metade da década de 1960. O segundo período, a Marcha Forçada, foi uma tentativa de manter o aumento do investimento na marra por meio de incentivos e subsídios. No século XXI também temos dois períodos distintos, o primeiro que vai até 2008 pode ser visto como resultado das reformas da década anterior, inclusive do primeiro governo Lula, e do boom das commodities, a esse período sigo a sugestão de Lula e me refiro como Espetáculo do Crescimento. A partir de 2008, repetindo o final da década de 70, o governo resolveu comprar a saída de uma crise mundial por meio de incentivos e subsídios ao investimento. A Marcha Forçada original durou vários anos e terminou com a década perdida, uma inflação descontrolada e o fim da sequência de generais que governou o país a partir de 1964. O que seria a segunda Marcha Forçada teve pouco folego e ficou mais parecida com uma corrida forçada, talvez por isso não tenha nos jogado em uma hiperinflação, mas nos deixou a maior crise de nossa história e talvez tenha posto fim a hegemonia do PT e PSDB que marcou a Nova República.

O leitor deve ter notado um pico de investimento no final da década de 80. Muito provavelmente esse pico é resultado de distorções de preços relativos e não deve ser levado em conta. De toda forma o movimento foi curto e não configura um ciclo de aumento do investimento, caso o leitor insista em ver este período como um ciclo de aumento de investimento o fim deste ciclo foi uma hiperinflação e um congelamento de ativos financeiros.

É possível que nos próximos semestres a economia comece a se recuperar. Se isso acontecer é certo que vão aparecer políticos, economistas e empresários pedindo para o governo estimular investimentos com subsídios, incentivos e proteção. Vão falar de ganhos de produtividade e um monte de outras coisas boas associadas ao aumento consistente da taxa de investimento. Quando isso acontecer não esqueçam da figura desse post e da lição que investimento ruim é pior que não investir. É preciso ter paciência, se as reformas forem feitas a taxa de investimento deve aumentar naturalmente, em um ritmo que pode não ser o desejado pela maioria, tentar forçar um crescimento mais rápido da taxa de investimento pode ser o começo de um novo desastre. Fiquemos atento.



Um comentário:

  1. Profº Ellery! Como vai?
    Certamente o aumento dos investimentos pode fazer com o que o Brasil se recupere economicamente. Porém, acredito que uma andorinha não faz verão. O Brasil tradicionalmente é um país de incertezas e de mudanças casuísticas de leis e de contratos (basta ver o Dilma vez com o setor elétrico em 2012). Duvido que o investidor não tenha pelo menos uns 50 pés atrás e pense umas 200 vezes antes de investir no Brasil, portanto, atrair capital, para essas concessões que o governo fará, que pense mais no longo prazo será tarefa penosa. Já os economistas pensam que o Brasil sairá da crise pela via do consumo. Acho que é difícil pensar nisso haja vista que mais de 41% das famílias ainda estão endividadas. Talvez, o consumo seja uma perna de sustentação sim, mas nossa recuperação econômica será terrivelmente lenta. Porém, concordamos que a saída passa por reformas gerais e profundas no Estado Brasileiro, sobretudo, no que se refere as suas atividades empresariais. Desculpe o textão de facebook!

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