É quase um consenso entre economistas, empresários,
governantes e outros que se interessam pelas questões relacionadas à economia
brasileira que temos uma baixa taxa de investimento. É difícil ler a seção de
economia de um jornal sem esbarrar em algum empresário dizendo que o
investimento é baixo por conta das altas taxas de juros, mais difícil ainda é
encontrar alguém que tente explicar a razão de que mesmo com uma taxa de juros
alta os brasileiros demandam mais capital do que ofertam, ou seja, nossa taxa
de investimento, que expressa a demanda por capital, é maior que nossa taxa de
poupança, que expressa nossa oferta de capital. Sendo os juros no Brasil tão
altos e sendo os juros o “prêmio” por poupar era de se esperar que nossa taxa
de poupança fosse alta. Alguém pode tentar argumentar que nossa taxa de poupança
é baixa porque somos um povo muito impaciente de forma que nem com juros altos
nos dispomos a poupar, é um caminho, porém uma das implicações desse argumento é
que a taxa de juros no Brasil é baixa!
Como assim? Explico. Se a taxa de juros é o que se ganha por
esperar um tempo para gastar o próprio dinheiro e nós somos muito impacientes é
natural que a taxa de juros por aqui seja alta. Mas a taxa de juros já é alta!
Por que deveria ser mais alta? Calma, não disse bem isso, disse que se ficarmos
apenas com o argumento da impaciência então nossa taxa de juros devia ser mais
alta. Isso é verdade porque, usando esse argumento, a taxa de juros deveria
equilibrar a oferta de capital, ou seja, a poupança e a demanda por capital, ou
seja, o investimento. Como mostra a figura abaixo a taxa de investimento no
Brasil costuma ser maior do que a taxa de poupança, logo para equilibrar poupança
e investimento a taxa de juros deveria subir.
A diferença entre a taxa de investimento e a taxa de
poupança é financiada via poupança externa, ou seja, temos que “importar”
capital para compensar nosso excesso de demanda por capital. O acúmulo de
poupança externa, nome que se dá ao capital importado que chega a cada período,
se torna dívida externa, uma variável que costuma tirar o sono de alguns
economistas, especialmente a turma de esquerda. A dívida externa, como qualquer
dívida, não é boa nem má em si, tudo depende que será feito com o capital. Se
for usada em projetos com retorno alto o suficiente para pagar os juros e a
dívida contraída a poupança externa fez um bem ao país, do contrário é mais
complicado, mas é justo dizer que o país terá de buscar outra forma de pagar a
dívida que contraiu para financiar o projeto ruim. Porém a dívida externa, que
decorre da poupança externa, tem um complicador, trata-se do câmbio.
Quem me acompanha sabe que considero a fixação de
economistas desenvolvimentistas com a taxa de câmbio um exagero desnecessário,
na melhor das hipóteses, ou uma forma marota de justificar transferências de
renda para indústria, hipótese que considero mais realista. É aí que aparece o
complicador da poupança externa, se as empresas estão endividadas em moeda
externa e nossa moeda é desvalorizada isso pode trazer sérios prejuízos para as
empresas. Na realidade, parte dos problemas de endividamento que nossas
empresas enfrentam começaram na grande desvalorização cambial dos últimos anos.
Para economistas como eu uma dívida em dólares significa que a empresa tem mais
uma variável para considerar quando for pegar empréstimos, para economistas que
acreditam que a constante desvalorização do câmbio é o caminho para o
crescimento, empresas endividadas em dólares são um pesadelo.
Como o leitor pode ver a coisa não é simples. Se não temos
poupança interna para financiar nosso investimento o caminho é pegar poupança externa.
O uso de poupança externa faz com que as empresas nacionais tenham de fazer
seguros contra desvalorização cambial ou as coloca em posição de risco por
conta de flutuações no câmbio, nos dois casos há um aumento no custo do
capital. Uma maneira de acomodar o problema é o governo se financiar no
exterior liberando o capital local para as empresas, para fazer isso o governo
terá de elevar as taxas de juros que paga em seus títulos. A medida tem um
efeito colateral de valorizar nossa moeda e facilitar a vida das empresas
endividadas em dólares, mas usar esse caminho passa por aumento de juros o que
reforça a tese que os juros brasileiros são baixos e precisam subir. Como não
vou defender esta tese, sou um rapaz ajuizado, prefiro pensar na poupança
interna.
Antes de pensar em elevar a poupança interna vale checar se
nossa poupança é mesmo baixa. Para fazer isso peguei a base de dados do FMI
atualizada em outubro de 2016 (link
aqui), selecionei os anos entre 2006 e
2016, tomei as médias da população, taxa de investimento, taxa de poupança,
dívida como proporção do PIB e PIB per capita corrigido por paridade de poder
compra e finalmente excluí os países com menos de cinco milhões de habitantes
na média do período. A figura abaixo mostra a taxa de poupança média em vários
grupos de países, a taxa de poupança do Brasil, que foi de 18,2%, está
destacada na figura. Repare que nossa taxa de poupança foi menor que a média
dos países avançados, da comunidade de países independentes, dos países
emergentes da Ásia e da América Latina e Caribe. Ficamos acima da média dos
países emergentes da Europa e do Sub-Saara, essa última região apresenta
problemas nos dados, por exemplo três países com taxas de poupança negativas, e
será retirada das próximas figuras.
A figura com grupos facilita a comparação entre o Brasil e
outros países, porém, omite informações que podem ser importantes. A próxima
figura mostra a relação entre taxa de poupança em PIB per capita em todos os
países da amostra excluídos os países do Sub-Saara. É fácil ver que a relação
entre taxa de poupança de PIB per capita é positiva (é sempre útil lembrar que
correlação não é causalidade), da mesma forma é fácil ver que o Brasil está
abaixo da reta e abaixo do intervalo de confiança em volta da reta, ou seja, se
considerarmos apenas o PIB per capita, não estou dizendo que isso é uma boa
hipótese, a taxa de poupança no Brasil é mais baixa do que deveria ser.
Destaquei na figura ao China, a Índia, a Rússia, o México e o Chile, os três
primeiros por fazer parte dos BRICS (alguém ainda fala de BRICS?), o Chile por
ser o país de referência na América Latina e o México por ser um país populoso
e com o PIB grande como o Brasil. Nossa taxa de poupança é menor que a de todos
os países em destaque.
Creio que neste ponto é justo dizer que a taxa de poupança
no Brasil é baixa, falta saber a razão. O primeiro suspeito, a renda per
capita, pode ajudar a explicar, mas não resolve o problema, como vimos nossa
taxa de poupança é baixa quando comparada a taxa de poupança de países com
renda per capita próximas à nossa. Uma segunda alternativa é o tamanho do
governo, um governo grande pode levar à redução da poupança por ofertar seguros
que substituem a poupança, voltarei a esse tema mais tarde, ou por reduzir a
renda disponível das famílias. Aqui foi preciso um certo cuidado, usar o gasto
público como medida do tamanho do governo é tentador, mas pode não ser
adequado, a poupança de um país é a soma da poupança privada e da poupança do
governo, esta última é dada pela diferença entre a renda e o consumo do governo
e esse último é parte do gasto do governo. Para fugir deste problema usei o
tamanho da dívida pública como medida de tamanho do governo, fiz com o gasto
para checar e o resultado não muda muito, a figura abaixo mostra a relação
entre taxa de poupança e dívida pública, o tamanho das bolinhas significa o PIB
per capita, quanto maior a bolinha maior o PIB per capita.
A relação é negativa, ou seja, quanto maior a dívida pública
como proporção do PIB menor a taxa de poupança, um resultado que não me deixou
surpreso. Repare que novamente o Brasil fica abaixo da reta e abaixo do
intervalo de confiança. O resultado sugere que, assim como o PIB per capita, a
dívida pública ajuda a explicar nossa baixa taxa de poupança, mas não resolve o
problema. Não é difícil tentar somar os efeitos do PIB per capita e da dívida pública
ou até mesmo colocar outras variáveis, mas isso sairia do espírito do blog de
apresentar as questões de forma simples para qualquer um que não tenha aversão
a gráficos. Me contento em alertar ao leitor que o problema da baixa poupança
no Brasil, que foi tratado no blog
aqui e
aqui, pode ser mais complicado do que
parece. Como provocação deixo a sugestão que nossa baixa poupança pode estar
relacionada ao nosso estado de bem-estar social, ao fornecer seguros que
substituem a necessidade de poupar estados de bem-estar social tiram um importante
incentivo à poupança, mas isso é conversa para outro post.