Senhores Ministros do STF,
Temos visto com preocupação alguns comentários, veiculados pela imprensa, a respeito do julgamento de ações relativas aos critérios de correção da poupança em antigos planos econômicos. Tais comentários sugerem que caso os poupadores ganhem a causa o país poderá enfrentar uma crise financeira de grandes proporções e que, por esta razão, o STF deveria julgar a favor da constitucionalidade de tais planos econômicos (e contra os poupadores).
Em primeiro lugar, devemos ressaltar que parte significativa dos avanços recentes em teoria do crescimento econômico aponta que instituições são fatores determinantes do sucesso de um país. Dentre estas instituições a justiça “cega” é certamente uma das mais importantes, uma justiça que “olha” quem vai ser prejudicado (ou beneficiado) antes de tomar decisões é mais prejudicial à economia do que uma crise financeira, por pior que sejam estas últimas.
Em segundo lugar, temos dúvidas em relação aos números que vemos na imprensa. Fala-se que retirar R$ 150 bilhões do sistema financeiro levaria a uma retração do crédito da ordem de um trilhão de reais. Aparentemente este cálculo não considera que uma parte significativa deste dinheiro será depositada nos próprios bancos a despeito de quem ganhe a causa. Os indivíduos que receberem estes recursos vão deixar parte dos mesmos nos bancos para obter rendas de juros, e vão consumir a outra parte. A parte que ficar nos bancos não deverá ter grandes efeitos no volume de crédito disponível. A parte que for consumida terá efeito direto no aumento da demanda. Mesmo esta parte dedicada ao consumo cedo ou tarde voltará ao sistema financeiro. O dinheiro não desaparece da economia (como sugerem alguns analistas), apenas muda de dono.
Outro ponto que nos incomoda são as referências a famosa frase "No Brasil até o passado é incerto". Este de fato é um problema de nossa economia que deve ser enfrentado se quisermos um desenvolvimento de longo prazo. Mas não entendemos que este julgamento seja um exemplo disto. Os reclamantes entraram na justiça em tempo hábil e tiveram vitória nas instâncias iniciais. Os bancos, agindo dentro da lei, colocaram uma série de recursos até que o julgamento chegasse ao STF. Ou seja, a demora na decisão final foi apenas devido ao processo legal, que propiciou aos bancos recorrerem de decisões desfavoráveis recebidas em primeira e segunda instância. Desta forma, o julgamento de fatos ocorridos há mais de vinte anos atrás é consequência direta das ações dos bancos. De fato a boa técnica de gestão de risco recomenda que, dado que os bancos foram condenados nas instâncias inferiores, deveriam ter feito reservas de recursos para poderem honrar seus compromissos em caso da confirmação da decisão no STF. Se isto não foi feito deve-se a problemas de gerenciamento de risco dos próprios bancos (que preferiram adotar outras estratégicas de salvaguardas financeiras). Sendo assim, se em decorrência do julgamento ocorrer a falência de algum banco isto será devido a uma gestão de risco inadequada, e não da aplicação das leis.
Terminamos por manifestar nossa confiança de que o STF julgará observando tão somente as leis, a jurisprudência, e a doutrina do direito. Afirmamos que os efeitos sobre o sistema financeiro, de possível decisão favorável aos poupadores, serão bem menores do que os apresentados na imprensa. Afirmamos também que pedir ao judiciário que julgue olhando quem ganha e quem perde com suas decisões é pedir um preço alto demais para evitar uma crise financeira.
Por fim, reforçamos o argumento de que a demora no julgamento dessa ação não se deveu a nenhum procedimento inapropriado por parte dos poupadores. Pelo contrário, boa parte dessa demora deveu-se aos recursos impetrados pelos próprios bancos. Além disso, no Brasil, não é incomum que processos judiciais levem vários anos para terem seu julgamento finalizado. Isso não quer dizer mudar o passado (tal como alguns analistas querem fazer acreditar). Apenas para reforçar nosso ponto, um estudo do IPEA mostra que o tempo médio total de tramitação de um processo de execução fiscal na Justiça Federal é de 8 anos 2 meses e 9 dias*. Ou seja, dizer que uma demora no julgamento de uma causa significa alterar o passado é um argumento que não pode ser usado na realidade brasileira.
Assinam (em ordem alfabética):
1) Adolfo Sachsida, Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA
2) Marco Aurélio Bittencourt, doutor em Economia.
3) Roberto Ellery Jr, Departamento de Economia da Universidade de Brasília.
*: Comunicado IPEA: "CUSTO UNITÁRIO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL NA JUSTIÇA FEDERAL", número 83, março de 2011.