domingo, 22 de setembro de 2013

De onde (não) vem o Crescimento Brasileiro?

De uma maneira bem simplificada é possível dizer que a produção é realizada pela combinação de capital e trabalho. Entretanto com um pouco mais de reflexão é possível perceber que além da quantidade de trabalho e de capital utilizada na produção a forma como estes dois fatores são combinados também determina o total produzido. Para clarificar vou dar um exemplo que qualquer um que já entrou em uma cozinha deve conhecer. Suponha que eu que sou péssimo cozinheiro e um amigo meu que saiba cozinhar decidamos fazer uma feijoada. Ambos temos os mesmos equipamentos (fogão, panelas e outros instrumentos de cozinha), temos o mesmo tempo para cozinhar, digamos uma manhã de sábado, e também temos os mesmos ingredientes. Será que por usarmos a mesma quantidade de capital e as mesmas horas de trabalho teremos o mesmo produto no final da manhã. Provavelmente não. Meu amigo que sabe cozinhar deverá terminar a manhã com uma feijoada completa e ainda deve ter arranjado tempo para lavar o carro durante a manhã. Eu terei algo disforme que lembra de longe feijão com coisas não identificadas dentro, uma cozinha destruída e nem sequer terei tido tempo de dar bom dia à minha esposa, se tiver tido temo o humor não deixou.

O que explica a diferença de resultados? É fácil entender que a diferença está nas nossas habilidades de cozinhar, mas é difícil listar exatamente o que fez a diferença. Pode ter sido conhecimento da receita, paciência nos tempos, intuição sobre a ordem de cozinhar os ingredientes, experiência, melhor uso dos recursos do fogão (particularmente tenho dificuldades de acender o fogão), boa vontade e/ou dedicação e mais um bocado de outras coisas. Em teoria do crescimento econômico ocorre um fenômeno parecido. Sabemos que para um país crescer precisa de capital e de trabalho, mas também tem este algo mais que é difícil de descrever, porém fácil de entender. Na falta de um nome melhor este algo mais é chamado de produtividade total dos fatores (PTF) ou simplesmente produtividade. Alguns economistas também chamam de medida de nossa ignorância, dada a dificuldade de explicar o que é e de onde vem a PTF.

Desde meados do século XX, inspirados por Robert Solow queganhou um Nobel por trabalhos sobre crescimento econômico, vários economistas tem tentado contabilizar o quanto capital, trabalho e PTF podem explicar o crescimento. Os resultados típicos mostram que em países ricos a PTF é de longe a maior responsável pelo crescimento da economia. O motivo é intuitivo. A quantidade de horas de trabalho está limitada pela população e pela duração do dia, ninguém pode trabalhar mais que 24h por dia. A capacidade do capital de gerar produto também é limitada pelo que chamamos em economia de lei dos rendimentos decrescentes: quanto mais se usa capital menos produto o uso de capital vai gerar. Para entender o conceito de rendimento decrescente voltemos ao exemplo da feijoada.

Suponha que ao ver minha manhã perdida e minha feijoada não ter ficado nem mesmo digerível eu resolva ir almoçar na casa de meu amigo. Como ele não estava me esperando ele não fez feijoada suficiente para mim. Lembrem que ele é um grande cozinheiro, de forma que ele vai dar um jeito de colocar água no feijão e a feijoada acabará suficiente para todos e ninguém notará alteração do sabor. À medida que mais visitas inesperadas vão chegando vai ficando mais difícil aumentar a quantidade de feijoada só colocando água. Se muita gente chegar e ele continuar colocando só água para aumentar a quantidade de feijoada é capaz da feijoada dele ficar quase tão ruim quando a minha. Um economista diria que a água está sujeita a rendimentos decrescentes, ou seja, não é possível aumentar para sempre a produção de feijoada colocando apenas mais água.

Estando o capital sujeito a rendimentos decrescentes a teoria diz que não é possível que uma economia cresça para sempre apenas aumentando a quantidade de capital utilizada na produção. Porém o fato é que economias crescem e aparentemente este processo não é limitado, pelo menos não pelo capital. De onde então vem o crescimento? Como Robert Solow nos ensinou em meados do século XX o crescimento vem do aumento da produtividade, na realidade Adam Smith e outros economistas clássicos já sabiam disto, mas esta é outra conversa.

Tragamos esta conversa para o Brasil. De onde vem o crescimento brasileiro? Do capital, do trabalho ou da produtividade? A figura abaixo ilustra a resposta. A rigor eu deveria ter usado produto per-capita ou por trabalhador e capital por trabalhador, o resultado ficaria quase o mesmo, as conclusões as mesmas e eu teria que voltar novamente ao exemplo da feijoada para explicar a razão de usar estes conceitos. Desta forma usei produto, capital, trabalho e produtividade sem ajustar nada. Entre 1970 e 2011 o produto brasileiro aumentou 401%, o trabalho aumentou 204%, o capital aumentou 720% e a produtividade aumentou apenas 11%. De acordo com medidas usadas e conceitos de trabalho usados estes números mudam, mas a figura é sempre a mesma. O crescimento do Brasil vem do capital e não da produtividade.




Não é por acaso que não conseguimos crescer de forma sustentada. No início do processo de crescimento o capital era realmente importante e necessário para produção, não tínhamos fogão nem panelas. Quando isto ocorre a própria aquisição de capital leva ao aumento da produtividade mensurada. Máquinas novas significam tecnologias novas e novas possibilidades de produção. A medida que o tempo passou precisávamos ter feito a mudança para um crescimento via produtividade, não fizemos. O resultado foi a estagnação. Aumentamos o estoque de capital sem que este novo capital gerasse ganhos de produtividade. O Brasil investiu em estradas que não ficaram prontas, ferrovias que não passam trens e coisas do tipo. Equivale a jogar água na feijoada já aguada. Por outro lado não educamos nem qualificamos nossa força de trabalho e não facilitamos a vida de nossos empreendedores. Muito tempo e dinheiro já foram desperdiçados na estratégia de colocar água no feijão, sempre é tempo de tomar o caminho da produtividade, mas quanto antes melhor.

domingo, 15 de setembro de 2013

A História de duas Cidades

Brasil e Chile são países com muitas diferenças e algumas semelhanças. Entre as semelhanças está o fato que os dois passaram por ditaduras militares durante as décadas de 1970 e 1980, no Brasil a ditadura começou em 1964 enquanto no Chile começou em 1973. Outra semelhança é que ambos estão localizados na América Latina, região do mundo onde mais se questiona o conhecimento econômico convencional e também, por pura coincidência, a única região do planeta onde a cultura ocidental não trouxe riqueza, mesmo com décadas de paz. Entre as diferenças está o fato que ao contrário da ditadura do Brasil e das outras ditaduras que assombraram o continente a ditadura chilena não apostou na economia mágica de inspiração cepalina. Neste ponto o Chile se diferencia de praticamente toda a América Latina.

No post anterior mostrei o que chamo de Desastre da América Latina no pós-Guerra. Desta vez vou falar um pouco sobre o Chile, o único país que não embarcou de cabeça na agenda cepalina e a grande exceção ao desastre econômico que se abalou sobre o Continente. Especificamente vou comparar o desempenho econômico entre Brasil e Chile, no futuro falarei mais sobre o Chile e a América Latina. Se alguém se interessar pelo assunto recomendo que leiam o livro Left Behind: Latin America and the False Promise of Populism, escrito pelo professor Sebastian Edward. A figura abaixo mostra o PIB per-capita do Brasil e do Chile entre 1951 e 2010.




Notem que no começo do período o Chile era mais rico do que o Brasil, esta situação continuou até 1972 (o golpe do Chile foi em 1973) quando o Brasil ultrapassou o Chile, porém em 1992 o Chile ultrapassou novamente o Brasil e abriu uma grande dianteira. O que aconteceu? Aconteceu que enquanto o Brasil apostou na estratégia desenvolvimentista de transferir dinheiro para empresários e esperar que estes empresários nos levem ao mundo prometido da riqueza o Chile apostou na sabedoria econômica convencional: mercado tão livre quanto possível, regras simples e estáveis e investimento em educação. Enquanto nossos militares fizeram os PNDs inspirados na CEPAL (que ironicamente é sediada no Chile) os generais chilenos buscaram conselhos com economistas de Chicago, escola símbolo do livre mercado.

Antes de seguir adiante devo esclarecer duas coisas. A primeira é que o fato de um ditador escolher boas políticas econômicas não justifica em nenhuma hipótese a ditadura, FHC em seus dois mandatos e Lula em seu primeiro mandato provaram que é possível fazer reforma em uma democracia. A segunda é que assim como o Brasil não seguiu ao pé da letra as políticas cepalinas o Chile não seguiu ao pé da letra as políticas de Chicago, de fato podemos pinçar exemplos de políticas liberais no Brasil da época dos PNDs e encontrar exemplos de políticas intervencionistas no Chile dos Chicago-boys. Isto é normal, apenas sociopatas imaginam que podem impor a um país um conjunto de políticas totalmente compatível com alguma doutrina. O exercício de pinçar políticas é interessante e pode ser instrutivo, mas neste post estou mais preocupado com as linhas gerais de políticas seguidas no Brasil e no Chile do que em detalhes de políticas específicas.

O ponto que merece destaque é que a ditadura chilena optou por romper com o desenvolvimentismo e adotar medidas pró-mercado, o que o Brasil só fez nos anos 1990, enquanto a ditadura brasileira aprofundou o modelo desenvolvimentista com os três PNDs. A figura abaixo ilustra os efeitos das políticas chilenas e brasileiras no curto e no longo prazo.




A figura mostra um índice de PIB per-capita nos anos seguintes aos golpes. A série do Brasil começa em 1964 e termina em 2001, a série do Chile começa em 1973 e termina em 2010. No total são descritos os 37 seguintes ao golpe, os dados são da PWT 7.1, os períodos são delimitados pelo fato que 2010 é o último ano disponível na base, o Brasil termina em 2001 porque queria manter o mesmo número de períodos para os dois países. Desta forma o eixo horizontal representa o número de anos após o golpe. Note que logo após o golpe brasileiro a economia cresce de forma quase ininterrupta por 17 anos, após este período a economia entra em crise e depois fica estagnada de maneira que em 2001 o índice ainda era menor do que em 1980. No Chile ocorre o contrário, após o golpe ocorre uma recessão e depois um crescimento medíocre. Porém, pouco mais de 10 anos após o golpe a economia do Chile entra em uma trajetória de crescimento que dura até hoje. A lição é velha e conhecida: para colher no futuro é preciso plantar no presente. Reformas exigem sacrifícios, mas, se bem executadas, trazem ganhos significativos no futuro.

Agora olhem novamente a primeira figura. Notem que o Brasil retoma o crescimento no começo da década de 1990 e que este crescimento começa a tomar força em 2003. A década de 1990 no Brasil corresponde ao período entre 1973 e 1983 no Chile. Neste tempo foram feitas reformas importantes que tiraram o Brasil de uma década de estagnação e nos colocaram no caminho do crescimento. Não um crescimento concentrador de renda como o da década de 1970, um crescimento acompanhado de distribuição de renda e de ganhos de produtividade, modestos, mas ainda assim ganhos. Ao abandonar a agenda de reformas e optar pela volta do desenvolvimentismo a presidente Dilma está tirando o Brasil da trajetória chilena e nos condenando a repetir o passado. É um erro grave.

P.S.1. Este post atende a uma demanda de um dos raros leitores que me encaminharam demandas específicas. Espero que tenha atendido, no futuro voltarei ao tema com mais tempo.

P.S.2. O excelente blog Não Pise em Mim também está com um post sobre economia do Chile, recomendo a leitura.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O Desastre da América Latina no Pós-Guerra.

A avaliação de políticas de crescimento econômico é sempre um exercício complicado. Além de exigir horizontes de tempo longos exige uma série de outros cuidados que torna o trabalho do avaliador quase impossível. Suponha que no início da década de 1950 um determinado país tenha implementado uma determinada política de crescimento e que após 60 anos este país continue pobre. É possível afirmar que a política falhou? Não.

Primeiro o avaliador teria de saber se a política foi interrompida. Depois é preciso saber se outras políticas foram utilizadas no país ou se algumas características do país fizeram com que a política não funcionasse. Existem várias técnicas econométricas para tratar destas questões, nenhuma é a prova de erros. Resta então a quem queira avaliar políticas de crescimento buscar o maior número possível de países na esperança de que se vários países adotaram políticas semelhantes com resultados semelhantes então o resultado é devido à política. Claro que este tipo abordagem não oferece respostas definitivas, é sempre possível que todos os países tenham sofrido efeitos não relacionados com a política e que estes efeitos sejam responsáveis pelo resultado observado. Entretanto se um número grande de países adotou determinadas política e todos tiveram resultados semelhantes no mínimo é de se esperar que os defensores da política expliquem o que acontece antes de sair pedindo a reedição desta política.

A América Latina oferece um exemplo interessante. Na segunda metade do século XX praticamente todos os países da América Latina adotaram políticas de estimular a produção industrial local como forma de estimular o crescimento. A tese de que este estímulo era a chave do crescimento estava fundada em estudos da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). Grosso modo a ideia da CEPAL era que os preços das matérias primas (agrícolas e minerais) tendiam a cair em relação ao preço dos bens industrializados. Desta forma um produtor de soja teria de dar cada vez mais sacas de soja para obter um automóvel ou uma televisão. A conclusão imediata era que um país que só produza matérias primas tenderia a ficar cada vez mais pobre em relação a um país que produza bens industrializados.

Para conseguir estimular a produção industrial os países da América Latina seguiram uma estratégia conhecida como substituição de importações. A ideia era simples: o país proibia a importação de um determinado bem industrializado e usava recursos públicos para subsidiar a produção deste bem no território do país. A indústria automobilística brasileira é um exemplo de como isto aconteceu, até o início da década de 1990 importar um automóvel no Brasil era praticamente impossível. Esta estratégia foi seguida por vários países do final da II Guerra Mundial ao final da década de 1980. Foram quase 40 anos de aplicação de uma política por vários países distintos. A figura abaixo mostra o resultado.



A figura mostra a renda média de países selecionados da América Latina como proporção da renda média dos EUA, quando a linha da figura está subindo o país está crescendo mais do que os EUA, quando está caindo o país está crescendo menos que os EUA. Entre 1951 e 2010 apenas Brasil, Chile, Colômbia e México cresceram mais dos que os EUA. Entre 1951 e 1990, que vou chamar de período desenvolvimentista, apenas Brasil, México e Paraguai cresceram mais do que os EUA, sendo que nos dois últimos ficaram praticamente estáveis. Entre 1990 e 2010, que vou chamar período das reformas, todos, com exceção do Paraguai e do México cresceram mais do que os EUA. Como de 2000 a 2010, apesar da previsão Cepalina de queda de preços das matérias primas, ocorreu um aumento gigantesco nos preços das matérias primas muitas das quais produzidas nos países da América Latina fica difícil analisar o período das reformas. Mas o fracasso do desenvolvimentismo é evidente: quarenta anos de políticas de incentivos à indústria foram incapazes de fazer com que a América Latina se aproximasse dos EUA, pelo contrário, ficamos mais distantes. A guisa de comparação a renda média da Coréia do Sul em 1954 era 10% da dos EUA, em 1990 era 40% e em 2010 era de 61%.

Defensores do desenvolvimentismo são rápidos em dizer que a Coréia do Sul também incentivou a indústria, o que é um fato. Infelizmente não são tão rápidos em explicar por qual razão lá a política de incentivos estimulou (ou não atrapalhou, dependendo do analista) o crescimento lá e aqui não. Retomar o desenvolvimentismo, como tem sido feito por vários governos da América Latina, sem entender o que aconteceu no passado é uma aventura cara e perigosa. Usar dinheiro dos impostos pagos pelas populações muitas vezes miseráveis de nuestra América para financiar empresários sob a promessa que estes empresários vão nos levar ao sonhado desenvolvimento econômico é ter mais ingenuidade do que me parece aceitável. Nossa experiência mostrou que os beneficiários destas políticas não pensam duas vezes antes de apoiar ditadores de ocasião à primeira ameaça de uma mudança nas regras do jogo que diminua as benesses dos incentivos e do protecionismo. Vamos arriscar de novo? Por que desta vez será diferente?

Reconheço que praticamente todos os países hoje desenvolvidos em algum momento incentivaram a indústria, mas esta não é a única característica comum a todos os países desenvolvidos. Existem outras, por exemplo, educação. Todos os países desenvolvidos têm bons sistemas educacionais. Por que desta vez não tentamos o caminho da educação? Por que não destinar os bilhões que o BNDES empresta a juros de pai para filho para criar um sistema educacional padrão FIFA? Não se trata de direita e esquerda, Brizola e Anísio Teixeira fizeram propostas deste tipo. Este investimento em educação garante nossa entrada no primeiro mundo em 20 ou 30 anos? Não, mas o incentivo à indústria também não nos levou ao primeiro mundo. Se escolhermos ela educação pelo menos não estaremos alimentando uma casta de empresários e políticos dispostos a sacrificar a democracia, pelo contrário, estaremos criando um povo educado e quem sabe até capaz de defender nossas liberdades.