De uma maneira bem simplificada é possível dizer que a
produção é realizada pela combinação de capital e trabalho. Entretanto com um
pouco mais de reflexão é possível perceber que além da quantidade de trabalho e
de capital utilizada na produção a forma como estes dois fatores são combinados
também determina o total produzido. Para clarificar vou dar um exemplo que
qualquer um que já entrou em uma cozinha deve conhecer. Suponha que eu que sou
péssimo cozinheiro e um amigo meu que saiba cozinhar decidamos fazer uma
feijoada. Ambos temos os mesmos equipamentos (fogão, panelas e outros
instrumentos de cozinha), temos o mesmo tempo para cozinhar, digamos uma manhã
de sábado, e também temos os mesmos ingredientes. Será que por usarmos a mesma
quantidade de capital e as mesmas horas de trabalho teremos o mesmo produto no
final da manhã. Provavelmente não. Meu amigo que sabe cozinhar deverá terminar
a manhã com uma feijoada completa e ainda deve ter arranjado tempo para lavar o
carro durante a manhã. Eu terei algo disforme que lembra de longe feijão com
coisas não identificadas dentro, uma cozinha destruída e nem sequer terei tido
tempo de dar bom dia à minha esposa, se tiver tido temo o humor não deixou.
O que explica a diferença de resultados? É fácil entender
que a diferença está nas nossas habilidades de cozinhar, mas é difícil listar
exatamente o que fez a diferença. Pode ter sido conhecimento da receita, paciência
nos tempos, intuição sobre a ordem de cozinhar os ingredientes, experiência,
melhor uso dos recursos do fogão (particularmente tenho dificuldades de acender
o fogão), boa vontade e/ou dedicação e mais um bocado de outras coisas. Em teoria
do crescimento econômico ocorre um fenômeno parecido. Sabemos que para um país
crescer precisa de capital e de trabalho, mas também tem este algo mais que é
difícil de descrever, porém fácil de entender. Na falta de um nome melhor este
algo mais é chamado de produtividade total dos fatores (PTF) ou simplesmente
produtividade. Alguns economistas também chamam de medida de nossa ignorância,
dada a dificuldade de explicar o que é e de onde vem a PTF.
Desde meados do século XX, inspirados por Robert Solow queganhou um Nobel por trabalhos sobre crescimento econômico, vários
economistas tem tentado contabilizar o quanto capital, trabalho e PTF podem
explicar o crescimento. Os resultados típicos mostram que em países ricos a PTF
é de longe a maior responsável pelo crescimento da economia. O motivo é
intuitivo. A quantidade de horas de trabalho está limitada pela população e
pela duração do dia, ninguém pode trabalhar mais que 24h por dia. A capacidade
do capital de gerar produto também é limitada pelo que chamamos em economia de
lei dos rendimentos decrescentes: quanto mais se usa capital menos produto o
uso de capital vai gerar. Para entender o conceito de rendimento decrescente
voltemos ao exemplo da feijoada.
Suponha que ao ver minha manhã perdida e minha feijoada não
ter ficado nem mesmo digerível eu resolva ir almoçar na casa de meu amigo. Como
ele não estava me esperando ele não fez feijoada suficiente para mim. Lembrem
que ele é um grande cozinheiro, de forma que ele vai dar um jeito de colocar
água no feijão e a feijoada acabará suficiente para todos e ninguém notará
alteração do sabor. À medida que mais visitas inesperadas vão chegando vai
ficando mais difícil aumentar a quantidade de feijoada só colocando água. Se
muita gente chegar e ele continuar colocando só água para aumentar a quantidade
de feijoada é capaz da feijoada dele ficar quase tão ruim quando a minha. Um
economista diria que a água está sujeita a rendimentos decrescentes, ou seja,
não é possível aumentar para sempre a produção de feijoada colocando apenas
mais água.
Estando o capital sujeito a rendimentos decrescentes a
teoria diz que não é possível que uma economia cresça para sempre apenas
aumentando a quantidade de capital utilizada na produção. Porém o fato é que
economias crescem e aparentemente este processo não é limitado, pelo menos não
pelo capital. De onde então vem o crescimento? Como Robert Solow nos ensinou em
meados do século XX o crescimento vem do aumento da produtividade, na realidade
Adam Smith e outros economistas clássicos já sabiam disto, mas esta é outra
conversa.
Tragamos esta conversa para o Brasil. De onde vem o
crescimento brasileiro? Do capital, do trabalho ou da produtividade? A figura
abaixo ilustra a resposta. A rigor eu deveria ter usado produto per-capita ou
por trabalhador e capital por trabalhador, o resultado ficaria quase o mesmo,
as conclusões as mesmas e eu teria que voltar novamente ao exemplo da feijoada
para explicar a razão de usar estes conceitos. Desta forma usei produto,
capital, trabalho e produtividade sem ajustar nada. Entre 1970 e 2011 o produto
brasileiro aumentou 401%, o trabalho aumentou 204%, o capital aumentou 720% e a
produtividade aumentou apenas 11%. De acordo com medidas usadas e conceitos de
trabalho usados estes números mudam, mas a figura é sempre a mesma. O
crescimento do Brasil vem do capital e não da produtividade.
Não é por acaso que não conseguimos crescer de
forma sustentada. No início do processo de crescimento o capital era realmente
importante e necessário para produção, não tínhamos fogão nem panelas. Quando
isto ocorre a própria aquisição de capital leva ao aumento da produtividade
mensurada. Máquinas novas significam tecnologias novas e novas possibilidades
de produção. A medida que o tempo passou precisávamos ter feito a mudança para
um crescimento via produtividade, não fizemos. O resultado foi a estagnação.
Aumentamos o estoque de capital sem que este novo capital gerasse ganhos de
produtividade. O Brasil investiu em estradas que não ficaram prontas, ferrovias
que não passam trens e coisas do tipo. Equivale a jogar água na feijoada já
aguada. Por outro lado não educamos nem qualificamos nossa força de trabalho e
não facilitamos a vida de nossos empreendedores. Muito tempo e dinheiro já
foram desperdiçados na estratégia de colocar água no feijão, sempre é tempo de
tomar o caminho da produtividade, mas quanto antes melhor.
Robertão,
ResponderExcluirTenho uma pergunta um tanto fora do seu texto, mas por falta de lugar melhor resolvi perguntar aqui mesmo. É o seguinte:
A política de controle de preços para evitar aumento da inflação foi e continua sendo muito usada no Brasil. Por que o governo opta pelo controle e não por fazer política monetária?
P.S. Eu sei que que o controle de preços apenas mascara a inflação que ocorreu.
Abraços.
Creio que é porque o governo comprou a agenda desenvolvimentista de intervir para forçar queda de juros e desvalorização de cambio. A notícia boa é que aparentemente o governo já percebeu que entrou em uma fria e já está recuando. Não faz muito tempo que Mantega dizia que o cambio ideal era R$ 2,60, quando chegou a R$ 2,40 ele "medrou" e mandou o BC intervir para segurar.
ExcluirFala Robertão,
ResponderExcluirÉ o seguinte: não precisa ser nenhum especialista pra saber que a baixa produtividade da mão de obra brasileira trava o crescimento.
Pergunto: o que explica essa escolha (não dar atenção pra produtividade) aparentemente irracional do governo?
Nossas autoridades são estúpidas ou há mais coisas entre o céu e a terra...?
Estou fora de Brasília e usando 3G para acessar o blog, quando voltar ter respondo. Abs.
ExcluirNovamente é agenda desenvolvimentista. De acordo com esta turma o caminho para a produtividade é estimular a indústria, para isto vale tudo: desvalorizar cambio, reduzir juros na marra, protecionismo puro e simples, subsídios e todo o arsenal a disposição do governo. Como este pessoal não gosta muito de falar de incentivos eles não consideram que criada a rede de proteção o empresário passa a se empenhar mais em entrar e permanecer na rede do que ser produtivo. O resultado é que a produtividade fica estagnada. Novamente a boas notícia é que setores importantes do governo estão procurando discutir produtividade de forma séria.
ExcluirEu aprecio muito seus textos e seus comentários.
ExcluirMais uma vez muito obrigado por nos brindar com a sabedoria de suas opiniões.
Roberto,
ResponderExcluirEntão a opção, apesar de particularmente achar errada e ser totalmente contra, de incentivar a indústria em dado momento da nossa “evolução” econômica foi necessária, na década de 1950 a 1970, apesar mais uma vez de darmos com os burros n’agua?
Ainda sobre isso, a Coreia do Sul empregou o correto, seguiu essa linha do Brasil, mas não abriu mão de investimento pesado em educação e políticas horizontais que beneficiaram muito mais que as ditas políticas industriais.
Eu não diria que foi necessário incentivar a indústria, mas reconheço que naquela época era uma política mais defensável. Hoje, até pelo fracasso da política no passado, não entendo como pessoas bem intencionadas insistem na necessidade de proteger a indústria. Sim, a Coréia do Sul não abriu mão de investir pesado em capital humano a ponto de formar um dos melhores sistemas de ensino do mundo. Não creio que o salto da Coréia teria sido possível sem isto.
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