Brasil e Chile são países com muitas diferenças e algumas semelhanças.
Entre as semelhanças está o fato que os dois passaram por ditaduras militares
durante as décadas de 1970 e 1980, no Brasil a ditadura começou em 1964
enquanto no Chile começou em 1973. Outra semelhança é que ambos estão localizados
na América Latina, região do mundo onde mais se questiona o conhecimento
econômico convencional e também, por pura coincidência, a única região do planeta
onde a cultura ocidental não trouxe riqueza, mesmo com décadas de paz. Entre as
diferenças está o fato que ao contrário da ditadura do Brasil e das outras ditaduras
que assombraram o continente a ditadura chilena não apostou na economia mágica
de inspiração cepalina. Neste ponto o Chile se diferencia de praticamente toda
a América Latina.
No post anterior mostrei o que chamo de Desastre da América
Latina no pós-Guerra. Desta vez vou falar um pouco sobre o Chile, o único país
que não embarcou de cabeça na agenda cepalina e a grande exceção ao desastre
econômico que se abalou sobre o Continente. Especificamente vou comparar o
desempenho econômico entre Brasil e Chile, no futuro falarei mais sobre o Chile
e a América Latina. Se alguém se interessar pelo assunto recomendo que leiam o
livro Left Behind: Latin America and the False Promise of Populism, escrito pelo professor Sebastian Edward. A figura abaixo mostra o PIB per-capita do
Brasil e do Chile entre 1951 e 2010.
Notem que no começo do período o Chile era mais rico do que
o Brasil, esta situação continuou até 1972 (o golpe do Chile foi em 1973)
quando o Brasil ultrapassou o Chile, porém em 1992 o Chile ultrapassou
novamente o Brasil e abriu uma grande dianteira. O que aconteceu? Aconteceu que
enquanto o Brasil apostou na estratégia desenvolvimentista de transferir
dinheiro para empresários e esperar que estes empresários nos levem ao mundo
prometido da riqueza o Chile apostou na sabedoria econômica convencional: mercado
tão livre quanto possível, regras simples e estáveis e investimento em
educação. Enquanto nossos militares fizeram os PNDs inspirados na CEPAL (que
ironicamente é sediada no Chile) os generais chilenos buscaram conselhos com
economistas de Chicago, escola símbolo do livre mercado.
Antes de seguir adiante devo esclarecer duas coisas. A
primeira é que o fato de um ditador escolher boas políticas econômicas não
justifica em nenhuma hipótese a ditadura, FHC em seus dois mandatos e Lula em
seu primeiro mandato provaram que é possível fazer reforma em uma democracia. A
segunda é que assim como o Brasil não seguiu ao pé da letra as políticas
cepalinas o Chile não seguiu ao pé da letra as políticas de Chicago, de fato
podemos pinçar exemplos de políticas liberais no Brasil da época dos PNDs e encontrar
exemplos de políticas intervencionistas no Chile dos Chicago-boys. Isto é
normal, apenas sociopatas imaginam que podem impor a um país um conjunto de
políticas totalmente compatível com alguma doutrina. O exercício de pinçar
políticas é interessante e pode ser instrutivo, mas neste post estou mais preocupado
com as linhas gerais de políticas seguidas no Brasil e no Chile do que em
detalhes de políticas específicas.
O ponto que merece destaque é que a ditadura chilena optou
por romper com o desenvolvimentismo e adotar medidas pró-mercado, o que o
Brasil só fez nos anos 1990, enquanto a ditadura brasileira aprofundou o modelo
desenvolvimentista com os três PNDs. A figura abaixo ilustra os efeitos das
políticas chilenas e brasileiras no curto e no longo prazo.
A figura mostra um índice de PIB per-capita nos anos
seguintes aos golpes. A série do Brasil começa em 1964 e termina em 2001, a
série do Chile começa em 1973 e termina em 2010. No total são descritos os 37
seguintes ao golpe, os dados são da PWT 7.1, os períodos são delimitados pelo
fato que 2010 é o último ano disponível na base, o Brasil termina em 2001
porque queria manter o mesmo número de períodos para os dois países. Desta
forma o eixo horizontal representa o número de anos após o golpe. Note que logo
após o golpe brasileiro a economia cresce de forma quase ininterrupta por 17
anos, após este período a economia entra em crise e depois fica estagnada de maneira
que em 2001 o índice ainda era menor do que em 1980. No Chile ocorre o
contrário, após o golpe ocorre uma recessão e depois um crescimento medíocre.
Porém, pouco mais de 10 anos após o golpe a economia do Chile entra em uma
trajetória de crescimento que dura até hoje. A lição é velha e conhecida: para
colher no futuro é preciso plantar no presente. Reformas exigem sacrifícios,
mas, se bem executadas, trazem ganhos significativos no futuro.
Agora olhem novamente a primeira figura. Notem que o Brasil
retoma o crescimento no começo da década de 1990 e que este crescimento começa
a tomar força em 2003. A década de 1990 no Brasil corresponde ao período entre
1973 e 1983 no Chile. Neste tempo foram feitas reformas importantes que tiraram
o Brasil de uma década de estagnação e nos colocaram no caminho do crescimento.
Não um crescimento concentrador de renda como o da década de 1970, um
crescimento acompanhado de distribuição de renda e de ganhos de produtividade,
modestos, mas ainda assim ganhos. Ao abandonar a agenda de reformas e optar
pela volta do desenvolvimentismo a presidente Dilma está tirando o Brasil da
trajetória chilena e nos condenando a repetir o passado. É um erro grave.
P.S.1. Este post atende a uma demanda de um dos raros
leitores que me encaminharam demandas específicas. Espero que tenha atendido,
no futuro voltarei ao tema com mais tempo.
Parabéns.
ResponderExcluirObrigado, eu tento.
ExcluirQuais mudanças na década de 1990 proporcionaram crescimento e distribuição de renda na década de 2000, professor?
ResponderExcluirPor quais mecanismos?
O Sr. poderia ser mais específico, por gentileza?
Eu tendo a concordar em muitos pontos, mas o meu direcionamento acadêmico ainda me deixa em dúvida em outros tantos pontos.
Obrigado pela atenção!
A lógica é mais ou menso a seguinte: o estado nacional-desenvolvimentista ao buscar estimular a indústria acaba por transferir renda da população como um todo para este setor. Esta transferência pode ocorrer de várias formas: protecionismo, desvalorização forçada de câmbio, controle de salários e etc. Note que sem esta transferência o setor industrial não é lucrativo o suficiente para permitir a industrialização, se fosse a política não seria necessária. O lado cruel desta transferência é que os beneficiados são os mais ricos, o que de saída já concentra renda, e que o estado ao comprometer a maior parte de seus recursos com estímulos a indústria fica sem recursos para financiar saúde, educação e as políticas de proteção social. No final do dia o porteiro do prédio está pagando imposto para estimular a empresa do dono da cobertura.
ExcluirEste é um tema recorrente aqui no blog, na realidade é isto que o blog pretende "denunciar". Toquei neste tema em algus outros posts, tavez você se interesse por estes:
http://rgellery.blogspot.com.br/2013/07/finalmente-meu-blog.html
http://rgellery.blogspot.com.br/2013/07/idhm-e-as-reformas-ou-nunca-antes-na.html
http://rgellery.blogspot.com.br/2013/07/o-mito-da-industria-de-transformacao.html
Abraço.
Esse Roberto é fera mesmo...
ResponderExcluirBondade sua... hehe
ExcluirNão, bondade sua dar aulas de macroeconomia de altíssima qualidade totalmente de graça para a gente neste blog. Muitíssimo grato por isso, viu?
ExcluirAh, acabei de ler os capítulos que escreveste nos livros Desenvolvimento Econômico e The Great Depressions of the Twentieth Century. EX-CE-LEN-TES! Recomendo fortemente a sua leitura.
Obrigado. É um esforço meu e de alguns colegas de contar a história da economia brasileira sob a perspectiva das teorias de crescimento econômico conforme ensinada nas principais escolas do mundo. Sempre me chamou atenção e me incomodou que a história da economia brasileira é contada quase que apenas de perspectivas heterodoxas.
ExcluirRoberto a CNI foi contra o Plano Real?
ResponderExcluirAcho que vi vc falar sobre isso aqui, mas não estou encontrando. Essa também deve ser uma das estratégias desses industriarios, não?
Afinal de contas é mais uma das estratégias para a concentração de tenda e redução dos salários.
O setor industrial não fez o discurso diretamente contra o Plano Real, quem fez este discurso foi o PT e a CUT. Mas ao criticar constantemente a política de juros e de câmbio o setor industrial estava sim criticando o Plano Real. Não lembro de um documento onde a CNI critica diretamente o Plano Real, não é impossível que exista, vou procurar.
ExcluirO setor industrial não fez o discurso diretamente contra o Plano Real, quem fez este discurso foi o PT e a CUT. Mas ao criticar constantemente a política de juros e de câmbio o setor industrial estava sim criticando o Plano Real. Não lembro de um documento onde a CNI critica diretamente o Plano Real, não é impossível que exista, vou procurar.
ExcluirOk!
ResponderExcluirObrigado!
Professor, esse artigo aqui vai na linha do post e é bem legal:
ResponderExcluirhttp://www.nber.org/papers/w15104
Uma referência a Charles Dickens? Rs
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