Hoje na CBN escutei um deputado da base governista dizendo que o Congresso está decidindo se deve dar continuidade à política de Dilma ou se deve adotar o que ele chamou de proposta derrotada nas urnas. Não foi a primeira vez que ouvi este tipo de argumento, trata-se de mais uma falácia para encobrir o que realmente está em questão: uma carta branca para o governo gastar o que quiser e como quiser. Para que fique claro o que está em disputa é válido relembrar cada passo que levou a situação atual.
A lei brasileira determina que o governo aprove no Congresso o orçamento para cada ano, o ideal era que orçamento fosse aprovado no ano anterior, mas nem sempre isto ocorre. Duas leis são essenciais para o orçamento: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Grosso modo a LDO determina as diretrizes para o orçamento e a LOA é o orçamento propriamente dito. Nas diretrizes da LDO consta, entre outras coisas, quanto deve ser o superávit primário do governo, um conceito para lá de confuso (tratei do assunto aqui). Há muitos e muitos anos em uma galáxia muito distante o superávit primário foi pensado como a diferença entre tudo que o governo arrecada e os gastos não financeiros do governo, ou seja, o saldo do governo excluindo o pagamento de juros. Atualmente, além dos juros, outras coisas são descontadas do resultado primário, fazendo com que um conceito que era de utilidade duvidosa se torne quase completamente inútil, o quase é por conta da LDO. Como a LDO estabelece o valor do superávit primário ele acaba sendo uma espécie de controle da sociedade sobre o governo, na prática é o única forma que a sociedade tem de impedir que o governo faste o que der na telha.
Quem estabeleceu o superávit primário? Quem determinou o quanto o governo podia gastar em 2014? Pelo que afirmou o deputado que falava na CBN e outros tantos que estão falando por aí parece que foi obra da oposição. Não foi. Quem determina o quanto pode gastar é o próprio governo, para ficar bem claro:
A lei brasileira determina que o governo aprove no Congresso o orçamento para cada ano, o ideal era que orçamento fosse aprovado no ano anterior, mas nem sempre isto ocorre. Duas leis são essenciais para o orçamento: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Grosso modo a LDO determina as diretrizes para o orçamento e a LOA é o orçamento propriamente dito. Nas diretrizes da LDO consta, entre outras coisas, quanto deve ser o superávit primário do governo, um conceito para lá de confuso (tratei do assunto aqui). Há muitos e muitos anos em uma galáxia muito distante o superávit primário foi pensado como a diferença entre tudo que o governo arrecada e os gastos não financeiros do governo, ou seja, o saldo do governo excluindo o pagamento de juros. Atualmente, além dos juros, outras coisas são descontadas do resultado primário, fazendo com que um conceito que era de utilidade duvidosa se torne quase completamente inútil, o quase é por conta da LDO. Como a LDO estabelece o valor do superávit primário ele acaba sendo uma espécie de controle da sociedade sobre o governo, na prática é o única forma que a sociedade tem de impedir que o governo faste o que der na telha.
Quem estabeleceu o superávit primário? Quem determinou o quanto o governo podia gastar em 2014? Pelo que afirmou o deputado que falava na CBN e outros tantos que estão falando por aí parece que foi obra da oposição. Não foi. Quem determina o quanto pode gastar é o próprio governo, para ficar bem claro:
- O governo que foi reeleito encaminhou ao Congresso uma lei dizendo o quanto seria o superávit primário de 2014.
- Durante a campanha a presidente se negou a reconhecer a existência de um problema fiscal, várias vezes afirmou que estava tudo sobre controle e ainda acusou a oposição de inventar um problema fiscal para justificar cortes de gastos.
- Parte da população, creio que acreditando na presidente, escolheu votar no governo que assumiu um compromisso legal de obter um determinado resultado fiscal e garantiu que estava tudo sob controle.
- Terminadas as eleições o governo reconhece a existência de um problema fiscal, na prática confessa que mentiu durante a campanha, e avisa que não vai conseguir obter o resultado que ele mesmo determinou.
- Diante da resistência da oposição alguns deputados da base governista esquecem que foi o governo que propôs a política que está sendo abandonada e que provavelmente eles mesmos votaram pela aprovação da política que agora afirmam ser da oposição.
Se alguém duvida do que dizendo basta olhar a LDO (Lei n. 12.919 de 24 de dezembro 2013, link aqui), se não quiser ver a Lei pelo leia o artigo abaixo para ver como o resultado é determinado pela lei que foi proposta pelo governo e aprovada pelo Congresso:
"Art. 2o. A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2014, bem como a execução da respectiva Lei, deverão ser compatíveis com a obtenção da meta de superávit primário de R$ 116.072.000.000,00 (cento e dezesseis bilhões e setenta e dois milhões de reais) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social e R$ 0,00 (zero real) para o Programa de Dispêndios Globais, conforme demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do Anexo IV, de forma a buscar obter um resultado para o setor público consolidado não financeiro de R$ 167.360.000.000,00 (cento e sessenta e sete bilhões e trezentos e sessenta milhões de reais)."
No artigo seguinte a própria LDO permite que o governo reduza gastos com o PAC:
"Art. 3o. A meta de superávit a que se refere o art. 2o pode ser reduzida em até R$ 67.000.000.000,00 (sessenta e sete bilhões de reais), relativos ao Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, cujas programações serão identificadas no Projeto e na Lei Orçamentária de 2014 com identificador de Resultado Primário previsto na alínea “c” do inciso II do § 4o do art. 7o desta Lei, e a desonerações de tributos."
Fica claro que o superávit de R$ 167,4 bilhões e o limite de R$ 67 bilhões de abatimento das obras do PAC são política dos governo Dilma aprovadas pelo Congresso. É exatamente isto que o governo quer mudar. O Projeto de Lei n.36 de 2014 (link aqui), foco das discussões no Congresso, propõe alterar o artigo terceiro da Lei n. 12.219 que passaria a ter seguinte redação:
"Art. 3o. A meta de superávit a que se refere o art. 2º poderá ser reduzida no montante das desonerações de tributos e dos gastos relativos ao Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, cujas programações serão identificadas no Projeto e na Lei Orçamentária de 2014 com identificador de Resultado Primário previsto na alínea “c” do inciso II do § 4º do art. 7º desta Lei."
Perceberam o truque? O governo quer tirar os limites que ele mesmo propôs, em outras palavras, o governo está pedindo um cheque em branco. Se alguém quer defender o cheque em branco para o governo que defenda, mas acusar os que cobram que o governo cumpra a própria política, a política que venceu nas urnas, de golpistas e maus perdedores é falta de compromisso com a verdade. A cobrança sobre o governo é ainda mais justificada pelas várias afirmações da presidente garantindo que não existia um problema fiscal.
Por que o governo propôs um resultado que não alcançou? Qual o interesse de governo de se expor a tal constrangimento? A pergunta é justa e reveladora dos métodos do governo. A versão oficial é que a crise econômica internacional fez o Brasil crescer menos que o esperado e reduziu as receitas do governo, por conta disso ficou impossível cumprir a meta. Muito já foi discutido sobre os efeitos da crise no Brasil, não vou seguir mais uma vez este caminho, prefiro colocar uma questão mais prática. Quanto o governo achava que a economia ia crescer em 2014? A resposta está na apresentação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), o segundo slide responde a pergunta (link aqui). Você não leu errado nem eu coloquei um link falso, repare que o domínio é do Ministério de Planejamento. O governo brasileiro apostou que a economia cresceria 4% em 2014! Na mesma época que o PLOA foi apresentado o mercado apostava em 2,3% de crescimento, o crescimento de fato deve ficar abaixo de 0,5%.
O governo apostou as finanças do país em uma estimativa que trazia um otimismo patético, acusou o mercado, que como hoje sabemos estava sendo otimista, de pessimista e acusou os que projetavam menos que a média do mercado (entres os quais este blogueiro) de sabotadores. A verdade é que, na melhor das hipóteses, o imbróglio atual decorre do misto de incompetência e otimismo quase idiota do próprio governo. Tivesse o governo aceito a realidade, tivesse optado por abandonar o discurso delirante talvez as metas fiscais fossem mais realistas. Neste caso, quem sabe, poderíamos ter tido uma saudável discussão sobre política econômica, da forma como feito não existe debate econômico. Existe um governo irresponsável, que criou metas a partir de projeções absurdas que não conseguiu cumprir as próprias metas e agora é obrigado a apelar para acusações despropositadas como forma de esconder os próprios erros.