quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Austeridade!

Suponha que um pai de família resolva proporcionar dias mais felizes para os seus e decida usar os limites de crédito que dispõe para levar uma vida de rico. Ele começa com aquelas linhas de crédito baratos (para os padrões brasileiros, que fique claro) disponíveis para quem está com o nome limpo na praça. Com o dinheiro troca o carro apertado por um maior e leva os rebentos para Disney. Depois da viagem em família é hora de uma segunda Lua de Mel, em Paris, é claro.

Como o banco tem uma linha especial para crédito imobiliário ele resolve comprar um apartamento amplo com suíte para o casal e para cada um dos dois filhos, a quarta suíte fica para quando os parentes quem moram longe forem visitá-lo. Entrada de 10% do valor do imóvel financiada em dez vezes com a primeira a perder de vista. Naturalmente o apartamento novo não pode ficar com a mobília velha e o feliz pai de família compra móveis novos. Tanta coisa boa merece uma comemoração e a família vai fazer um passeio cultural na Europa.

Por incrível que pareça boa parte da classe média alta, a velha classe média, pode fazer aventura semelhante. Se você tem renda familiar acima de, digamos, R$ 15.000 e não está endividado provavelmente tem limite de crédito suficiente para dar entrada em um bom apartamento, trocar de carro, fazer as viagens descritas e ainda mobiliar o apartamento novo. A questão é como você vai ficar depois da festa.

As prestações do apartamento novo levam quase metade da renda familiar e ainda tem as do carro e dos móveis novos. O empréstimo usado para fazer os passeios começa a ter de ser pago. O salário já não dura até o final do mês e o sujeito começa a se financiar no cartão de crédito ou no cheque especial, duas linhas de crédito absurdamente caras. Rapidamente os juros pagos viram uma parcela significativa do orçamento da família, o jeito é atrasar umas prestações dos móveis o que acaba colocando o agora infeliz na lista dos inadimplentes. Como as contas não param de chegar o sujeito procura uma daquelas financeiras especializadas em emprestar para "negativados" e aprofunda ainda mais sua tragédia.

Os cortes começam a ficar inevitáveis: um plano de saúde mais modesto (somos saudáveis, nunca ficamos doente e não precisamos de um plano com apartamento VIP no hospital), o almoço de sábado passa a ser em casa (quem precisa de restaurantes?), os filhos podem ir para uma escola mais em conta (o importante é que eles estudem), talvez seja o caso de dispensar uma das empregadas e assim por diante. Nada disso equilibra o orçamento da família, agora o pagamento de juros já é o item mais pesado nas contas do mês. A possibilidade do calote em mais algumas dívidas passa a ser considerada, mas e o  apartamento? Talvez seja o caso de arrumar um emprego à noite para aumentar a renda da família, aliás o filho mais velho já está com mais de dezoito, bem que podia arrumar um emprego e ajudar nas despesas da casa. Com o tempo, se o reforço na renda não foi suficiente, a família é obrigada a vender o apartamento e voltar para o aluguel em um apartamento mais apertado em um bairro menos nobre.

A primeira parte da história pode ter feito com que o sujeito fosse bem visto pelos amigos e pela família, na segunda parte, quando ocorrem os cortes, é possível quem alguém o tenha visto como miserável, insensível aos dramas da família, ou mesmo cruel (o garoto estava pronto para cursar administração na FGV e o pai o força a trabalhar de dia estudar na federal à noite, que sujeito sem visão). A segunda parte, a parte cruel, é o que chamamos de austeridade.

Porém a questão relevante não é exatamente se o sujeito era bom e ficou mau, a questão é saber onde foram feitas as escolhas. Os cortes em saúde e educação que a família fez foram escolhas, eles podiam ter vendido logo o apartamento ou ter dado calote em mais dívidas, mas foram escolhas decorrentes de escolhas anteriores. Repare que a escolha que mudou o destino da família foi a de usar o crédito disponível para ter uma vida de rico, as outras foram tentativas mais ou menos felizes de enfrentar as conseqüências da primeira escolha.

Escrevo esta fábula com a óbvia intenção de tratar da questão da austeridade que veio à tona no Brasil quando o governo resolveu cortar direitos e gastos e elevar impostos (quando o governo precisa de mais dinheiro quem faz hora extra somos nós) e tomou conta do mundo com as eleições na Grécia. Assim como em outros episódios do tipo não faltou quem apontasse a insensibilidade política e o excesso de rigor do ajuste "imposto" à Grécia como responsáveis pela vitória da esquerda radical. É uma afirmação que faz tanto sentido quanto culpar os cortes de gastos da família por uma eventual rebeldia do filho mais novo. A verdade é que as escolhas feitas na fase de cortes decorrem das escolhas feitas na fase da bonança financiada por dívidas.

Se for o caso de culpar o pai pela eventual rebeldia do filho me parece fazer mais sentido apontar para o gasto irresponsável do que para o corte necessário. Da mesma forma se Dilma é obrigada a fazer cortes duros e tirar mais dinheiro do contribuinte é porque ela e o antecessor dela gastaram de forma irresponsável em um passado recente. Usamos o crédito barato que existia no mundo para fazer festas e embarcar em aventuras tresloucadas. O mesmo se aplica à Grécia, a culpa dos políticos tradicionais gregos não está no ajuste necessário, está na gastança irresponsável que forçou um ajuste tão drástico.



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A Imensa Cara de Pau dos Desenvolvimentistas Tucanos

Quem me acompanha aqui no blog ou no FB sabe que considero o governo Dilma um desastre econômico, também sabe que aponto a guinada desenvolvimentista na política econômica ocorrida em torno de 2006 como a origem dos problemas que hoje enfrentamos, por fim, sabe que não compro a tese da indústria redentora defendida por vários colegas (sobre a questão da indústria ver aqui). Por entender o desenvolvimentismo como uma forma sofisticada de transferir renda de pobres para ricos e de superproteger a indústria é que comecei a criticar o petismo tão logo percebi a guinada em 2006, por ter visto que o governo Dilma representava o fortalecimento do desenvolvimentismo fiz o que estava ao meu alcance para que Dilma não fosse reeleita.

Nunca acreditei que o PSDB fosse um partido liberal ou contrário ao desenvolvimentismo, pelo contrário, sempre afirmei ser o PSDB um partido social democrata com correntes desenvolvimentistas bastante fortes e influentes. O símbolo do desenvolvimentismo tucano é José Serra, senador por São Paulo e duas vezes candidato a presidente da república, um político que dificilmente pode ser considerado uma liderança menor do PSDB. Várias vezes falei, não sem alguma ironia, que meu único consolo com a primeira vitória de Dilma era que José Serra tinha o potencial para fazer uma política econômica ainda pior que a de Dilma. O homem que afirmou que o Banco Central não era a Santa Sé (alguém pensa que é?) deixou evidente que se eleito retomaria o desenvolvimentismo.

Uma vez eleita Dilma mostrou que para ela o que é dito na campanha não se escreve (exatamente como está fazendo agora) e seguiu dois dos principais conselhos dos desenvolvimentistas: desvalorização do câmbio e redução da taxa de juros. O primeiro objetivo ela conseguiu, o câmbio desvalorizou aproximadamente 60% no primeiro governo Dilma, o segundo ela tentou e fracassou, a queda dos juros não se sustentou e os juros voltaram a subir. Não eram os desenvolvimentistas que diziam que desvalorizando o câmbio a maior parte dos problemas da indústria estariam resolvidos? Serra não era um defensor desta tese? Claro que alguém pode dizer que seria necessária uma desvalorização ainda maior do que a feita por Dilma, se não me engano Bresser falou de câmbio a R$ 3,50, pode ser um tema para debate, mas antes seria preciso explicar porque a desvalorização que ocorreu gerou efeito contrário ao previsto por vários desenvolvimentistas.

Mas não é com os desenvolvimentistas que quero implicar hoje, pelo menos não com todos, quero registrar indignação com os desenvolvimentistas tucanos. Não tem muito tempo me deparei com um texto de José Serra (link aqui) onde ele dizia:

“Assim, em vez de fomentar a competitividade da economia, investindo em infraestrutura, reduzindo o custo Brasil e incentivando as exportações de manufaturados, o petismo fez o contrário: barateou as importações e encareceu o preço externo de nossas exportações industriais. O golpe na indústria doméstica foi fatal: até hoje seu nível de produção é inferior ao de 2008; o emprego, 10% menor; a balança comercial de manufaturados, mais ou menos equilibrada em 2002, desabou para um déficit de US$ 70 bilhões em 2010 e mais de US$ 110 bilhões em 2014. Evidentemente, houve um colapso nos investimentos industriais, puxando a economia para baixo, além de elevar o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos à inquietante vizinhança dos 4% do PIB.”

Se o leitor ficou com a impressão que José Serra tenta jogar a culpa da dita desindustrialização nas costas do PT ficará com (quase) certeza se ler o texto inteiro. O resto de dúvida a respeito de tão esdrúxula tese pode ser resolvido no seguinte trecho de um texto de Reinaldo Azevedo (link aqui):

“... Lula e os petistas, com o aplauso dos tolos, resolveram torrar tudo no consumo. Como, na outra ponta, fazia a vontade de alguns ortodoxos de manual, parecia a descoberta da nova pólvora. Enquanto isso, a indústria caminhava para o buraco. Agora que as commodities despencaram, fazer o quê?”

Novamente a leitura do texto completo ajudará o leitor a formar o próprio juízo, mas me parece claro que há um movimento no sentido de criar uma versão da história onde o PT é culpado pela redução da participação da indústria no PIB.

A tese tem vários problemas, mas um só já basta para colocá-la contra a parede. A redução da participação da indústria do PIB começou em uma época onde o PT ainda não estava nem perto do Palácio do Planalto. As datas precisas dependem de ajustes nos dados, a figura abaixo foi elaborada pela FIESP e será considerada na análise que farei, outros ajustes fariam com que o fenômeno começasse ainda antes o que torna mais difícil jogar a conta no colo do PT.




Reparem que o processo de queda começa em 1985, antes mesmo da abertura da economia, alcança um vale em 1990, sobe e volta a cair. A chegada do Plano Real não afeta a tendência e a participação da indústria no PIB continua a cair, este último ponto é algo que sempre cobro dos desenvolvimentistas que culpam o Plano Real pela desindustrialização. Há uma ameaça de recuperação em meados da década de 1990 e depois uma retomada na tendência de queda. Acredito que a recuperação no início e no meio da década de 1990 estejam mais relacionadas a problemas na economia como um todo do que na dinâmica da indústria propriamente dita, seja como for, tanto uma como outra não foram sustentáveis.

Minha tese é que a desindustrialização não pode ser debitada (ou creditada, a depender do ponto de vista) a nenhuma política econômica de curto prazo. Nem o esforço de estabilização do Plano Real nem a desastrosa política econômica de Dilma podem explicar o fenômeno. Não sou dono da verdade, mas para que alguém me prove errado precisa explicar como uma política pode ser responsável por algo que vinha acontecendo antes da política ser implementada ou mesmo desenhada, é muito “perfect foresight”. Acredito que a dita desindustrialização é uma consequência da industrialização artificial e mal feita que tivemos. Criamos uma indústria incapaz de viver sem fortes transferências de renda de outros setores, quando o resto da sociedade parou de topar bancar a indústria a decadência começou.






P.S. Até onde eu saiba Reinaldo Azevedo não é tucano nem desenvolvimentista, porém é um jornalista que, tudo indica, se informa sobre temas econômicos com desenvolvimentistas tucanos e concorda com as teses defendidas por eles. Daí eu ter citado o texto dele, se o leitor se interessar e fizer uma busca na internet vai encontrar outros textos de desenvolvimentistas tucanos defendendo teses sobre o PT e a desindustrialização.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Histeria Coletiva e a Incrível História que Aumentar Impostos é uma Medida Liberal

Quando alguém pensa em um economista liberal a ideia que vem à mente é de um economista defendendo um Estado Mínimo, é uma ideia de senso comum e que em essência não está errada. Liberais podem discutir entre si quão mínimo deve ser o Estado, uns acreditam que o Estado Mínimo pode atender serviços básicos e oferecer proteção social outros acreditam que o mínimo é zero, mas via de regra, quando confrontado com um determinado governo, o liberal defende que é possível diminuir este governo. Em outras palavras: liberais discordam sobre qual o tamanho adequado do Estado, mas tendem a concordar que os Estados existentes estão muito grandes. No Brasil, desde muito, há um quase consenso entre liberais que o Estado é muito grande e o governo arrecada muito, digo quase consenso para que não apareçam um ou dois liberais se oferecendo de exemplo para me provar errado, mas se tivesse dito que há um consenso não teria sido um despropósito de minha parte.

Quem acompanha a economia e a política dos EUA pode assistir ao debate de camarote. Os liberais (estou usando o conceito tradicional que é usado no Brasil, por lá liberais formam a esquerda) e os ditos economistas ortodoxos, especialmente a turma de Chicago, estão em grande parte aliados ao Partido Republicano pedindo corte de gastos e defendendo redução, ou pelo menos não elevação, dos impostos. Do outro lado, mais à esquerda, estão o Partido Democrata e economistas de orientação keynesiana (nem todos, que fique claro) pedindo mais impostos. Não é só n os EUA, em quase todos os países defensores do livre mercado estão pedindo por redução de gastos e impostos. Até muito recentemente no Brasil também era assim. Liberais estavam associados à redução do Estado e corte de impostos, valendo a associação tanto nos discursos dos liberais quanto no imaginário a respeito das ideias liberais.

Pois bem, nesta semana o Ministro da Fazenda do governo dos Partidos de Trabalhadores, um partido de esquerda, anunciou um ajuste fiscal por meio de elevação de impostos. Não fossem as mentiras da campanha do ano passado seriam medidas esperadas de um governo de esquerda. A economia brasileira vai mal, as finanças públicas estão comprometidas pelo aumento de gastos e por queda de receita, não é de assombrar que um governo de esquerda tente resolver a situação com aumento de impostos. O problema é que na campanha a presidente negou que existisse problemas na economia, afirmou que não havia necessidade de ajuste fiscal e que a inflação estava controlada. Como justificar as medidas diante daquele discurso?

Aqui entra Olavo de Carvalho. Para além de se envolver em polêmicas na internet Olavo de Carvalho tem uma obra extensa que trata, entre outras coisas, de psicologia coletiva. Foi por influência de Olavo de Carvalho que li “Political Ponerology” do psiquiatra polonês Andrew Lobaczewski (link aqui), o livro trata de como patologias da mente tomam forma nos processos políticos e sociais. Um dos pontos discutidos no livro e abordado várias vezes por Olavo de Carvalho diz respeito à histeria coletiva. Não tendo conhecimentos suficientes para arriscar uma definição minha do que seria histeria, por isto copio e colo a de Olavo de Carvalho (link aqui):

“A histeria é um comportamento fingido e imitativo, no qual o doente nega o que percebe e sabe, criando com palavras um mundo fictício cuja credibilidade depende inteiramente da reiteração de atitudes emocionais exageradas e teatrais.”

Como não enxergar um comportamento histérico na reação de grande parte da imprensa e da sociedade que viram como medidas liberais o aumento de impostos proposto pelo ministro Joaquim Levy? Não é conhecimento comum que liberais costumam ser contra aumento de impostos? As pessoas não perceberam as medidas como um aumento de impostos? Se histeria é negar o que se sabe e o que se percebe e passar acreditar em uma ficção de caráter emocional como negar que a reação ao anúncio das medidas foi uma reação histérica? Como não ver no boletim da Fundação Perseu Abramo onde é dito que o governo adotou uma estratégia conservadora e ortodoxa para a economia (link aqui) um estímulo à histeria coletiva? Conheço vários conservadores, não lembro de nenhum pedindo mais impostos para o Brasil. Me considero um economista ortodoxo, não pedi aumento de impostos, não lembro de nenhum colega ortodoxo pedindo mais impostos, quando muito alguns aceitam mais impostos dado que o governo não irá cortar gastos, menos que um pedido ou uma proposta concordar com mais impostos é uma rendição destes economistas. Inclusive ouso dizer que é neste caso que se encontra Joaquim Levy, por não ver como reduzir gastos acabou por aumentar impostos. Por outro lado já escutei vários colegas heterodoxos falando que há espaço para aumento de impostos no Brasil. Dizer que medidas que não atendem a pedidos de conservadores e que se adequam mais ao receituário heteredoxo do que ao ortodoxo da economia representam uma guinada para “uma estratégia bastante conservadora e ortodoxa na política econômica” é negar os fatos e contribuir para o estado de histeria coletiva vigente.

Tudo isso pode ser uma bobagem, uma peça de um jogo político onde negar o que se faz e o que se pensa virou norma, onde políticos deixam de ter opiniões e defender bandeiras e passam a agir de acordo com as teses de marqueteiros. Identificações políticos partidárias podem acabar levando para dentro do jogo parte da imprensa e fundações como a Perseu Abramo. Se for é triste, mas pode não ser fatal. O problema é que a valer as teses de Olavo de Carvalho que estão amparadas nos escritos de Andrew Lobaczewski tudo isso pode ser parte de um desenho maior e mais perigosos que a ânsia de alguns políticos em permanecer vivendo às custas do povo. Não tenho uma opinião definida, preciso ler mais e entender melhor o que está acontecendo para poder formar uma opinião. Mas os fatos estão aí e não tem muitas outras histórias capazes de conectar tantos fatos.



domingo, 18 de janeiro de 2015

Seis Hábitos de Gringos que Brasileiros não Entendem

Começo pedindo aos amigos que não estranhem o título, não virei coletivista nem muito menos recebi mandato divino para falar em nome de todos os brasileiros, apenas quis um título compatível com o da matéria que eu resolvi implicar. A matéria, publicada na Exame em abril do ano passado (link aqui), é intitulada "6 hábitos do brasileiro no trabalho que gringos não entendem". Como não levo a sério generalizações resolvi encarar o texto com bom humor e, para não perder a piada, resolvi fazer uma contraposição.

1. Ir direto ao ponto.

Coisa mais desagradável é ir direto ao ponto, perdemos a oportunidade de conversar com os amigos, saber de outras coisas e tudo mais que uma boa e demorada conversa possibilita. Tem coisa mais chata que o sujeito bater na sua porta e já ir falando de assunto sério? Não dá tempo nem de se preparar. Seu chefe chega na sua sala e diz: "Fulano, você vai ter de viajar para Holanda". Não tem nem direito a uma introdução, é tudo de bate pronto, coisa mais chata. No Brasil fazemos diferente, dizemos: "Fulano, como está a família? Seu filho melhorou da bronquite? E a patroa? Rapaz, estamos precisando mandar alguém para a Holanda e eu pensei em você, tem problema? Sei que a madame pode implicar, mas olhe pelo lado bom, é uma viagem agradável, além do mais como seu filho melhorou da bronquite você pode levar a família a aproveitar o final de semana." Muito mais agradável e ainda abre a possibilidade de fazer média em casa. Pode parecer bobagem, mas esta mania de ir direto ao ponto as vezes me deixa irritado, coisa de gente mais apressada.

2. Dizer "não" quando se pode dizer "talvez".

Não há nada de certo neste mundo, tudo que é impossível pode ser possível se visto de outra perspectiva. Como coordenador de curso, chefe de departamento e diretor de unidade já esbarrei em diversas situações que à primeira vista pareciam impossíveis, mas que acabaram acontecendo. O sujeito entra na sala e pergunta se pode fazer algo (ir ao um congresso, fazer uma defesa fora do prazo e coisa do tipo) se eu tiver que responder "sim" ou "não" a única resposta possível seria "não". Nuca faço isso, digo que é difícil, que nunca foi feito antes, mas que posso procurar alternativas, ou seja, digo "talvez" quando deveria dizer "não". Sei que por conta disso alguns ficam frustrados e chateados comigo, acham que faltou boa vontade, afinal eu não disse que "não". Mas quero crer que é passageiro, ademais não conseguiriam seus objetivos de um modo ou de outro, afinal se eu respondo "não' acabou a conversa. Prefiro pensar nos que conseguem seus objetivos por não desistirem diante de um "não" que no final do dia era um "talvez".

3. Querer colegas, não amigos.

Se há uma coisa que tenho dificuldades é separar colegas de amigos e mesmo amigos de não-amigos. O sujeito chega para falar comigo e eu não me interesso por ele porque no lugar de meu amigo é meu colega? Que coisa mais sem cabimento. Gosto de me dar bem com quem passa no meu caminho, perguntar da vida e coisas do tipo. Já imaginou o sujeito vir todo animado falar do final de semana dele com a família e eu desdenhar como seu não fosse comigo. Mania desagradável esta dos gringos. 

4. Não dar o devido valor ao presente.

Coisa mais sem graça que atrapalhar a vida de um sujeito e dizer para ele que está fazendo o bem para ele no long prazo? O longo prazo é problema do longo prazo, não de agora. Nesse ponto eu sou seguidor do Homer Simpson (um gringo boa praça) que ao cometer seus excessos diz ter pena do Homer do futuro e que não queira estar na pele dele. Se vou deixar de comer costela porque daqui a não sei quantos anos vou ter problemas? Vou nada.

5. Seguir tudo a risca.

Sabe o sujeito que sobrevive à queda de um avião e se recusa a sair do assento porque tem escrito "mantenha o cinto afivelado" ou "permaneça no seu assento até receber instruções da tripulação"? Tem gringo que é desse jeito. Sei que cumprir regras é importante e não dá para abusar com as exceções, mas nunca estar a disposto a flexibilizar nada e seguir tudo a risca não tem a menor graça. Ademais os gringos que vem para cá precisam entender que o Brasil foi para não se seguir todas as regras à risca, digo isso para o bem deles.

6. Chegar sempre na hora e não gostar quando alguém atrasa.

Ok, confesso que tento chegar na hora e me incomodo com atrasos exagerados. Mas não posso dizer que não atrase vez ou outra. Fazer o quê? Chego antes para o compromisso, mas alguém me aborda para um assunto sério e antes, como deve ser, pergunta pela bronquite do meu filho. Respondo que melhorou, mas o do meio está com asma. Continuamos falando sobre a vida, a família, a corrupção no governo e o botafogo até que entramos no assunto em questão, algo praticamente impossível de ser feito, mas que após explorar algumas possibilidades acabamos por encontrar um caminho para conseguir uma solução.


Escrevi o texto com a pretensão de homenagear Ariano Suassuna. Naturalmente só fiz porque ele não está mais entre nós, se Suassuna estivesse vivo não faria o texto com medo dele de alguma forma tomar conhecimento e acabar morrendo de desgosto por tão tacanha homenagem. Ocorre que toda vez que vejo um texto a respeito de costumes brasileiros que estrangeiros estranham lembro dos costumes estrangeiros que nós estranhamos e dos causos que Suassuna contava sobre a Suíça (link aqui, a partir de 2:25, antes o alvo era Brasília).



terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Desigualdade, Riqueza e Pobreza: Quanto é o Máximo que você Ganharia em um Mundo Igualitário?

Nos últimos dias mais uma vez apareceram discussões no FB a respeito de pobreza e desigualdade. Em tais discussões sempre aparece alguém dizendo que se a renda do mundo fosse distribuída de forma igualitária não haveria mais pobreza, outros dizem que todos viveriam bem e, por fim, há quem diga que seriam todos ricos. A discussão é capciosa, a verdade é que os conceitos de pobreza e riqueza são relativos. Um homem muito rico que tenha vivido no começo do século XX provavelmente tinha acesso a menos bens e serviços que esse professor que vos escreve. Um homem que viva sozinho nos EUA ganhando U$ 1.000 por mês (cerca de R$ 2.650) lá é considerado pobre, aqui estaria na classe média alta. Mesmo sabendo de tudo isto resolvi fazer uma conta boba e sem muita aplicação, mas que pode ser útil para que cada um possa avaliar como está hoje em relação a um hipotético mundo onde todos tenham a mesma renda. A conta consiste em calcular o PIB per capita do mundo e trazer para valores brasileiros.

A conta é boba porque ignora os incentivos aos quais os agentes econômicos estão respondendo. Como professor universitário tenho um salário que, mesmos sendo considerado baixo por vários colegas, está muito acima do salário médio do Brasil. Ocorre que eu também considero meu salário baixo e para resolver isto procuro complementar minha renda com pesquisas e parcerias com órgãos públicos ou privados externos à UnB, tudo dentro da lei como atestam os pareceres da procuradoria jurídica da UnB, sem tal parecer o convênio não é assinado. Será que eu buscaria tais projetos se eu não pudesse aumentar minha renda com eles? Creio que não. Da mesma forma acredito que médicos que fazem vários plantões, vendedores que se esforçam para bater metas de vendas e tantos outros que “correm atrás” de um extra no final do mês deixariam de fazer o que fazem se não pudessem receber o tal “extra”. Mesmo sabendo de tudo isso resolvi deixar de lado os incentivos (oh, o pecado!) e supor que um mundo alternativo onde todos ganhassem exatamente a mesma coisa seria capaz de gerar a mesma renda que o mundo gerou em 2013. Quanto cada um ganharia neste mundo alternativo?

Para responder a pergunta fui buscar os dados de PIB do mundo na base de dados do FMI (link aqui). Em 2013 o PIB do mundo foi de US$ 77,6 trilhões se usarmos dólares correntes e US$ 101,9 trilhões se usarmos correção por paridade de poder de compra (PPP), uma tentativa de corrigir por diferentes níveis de preços nos diversos países. Pelos números do Population Reference Berau (link aqui) em 2013 existiam 7,14 bilhões de pessoas no mundo. Desta forma o PIB per capita do mundo em 2013 foi de US$ 10.874 se usarmos dólares correntes e de US$ 14.282 se usarmos correção por poder de compra. Nos dois casos o PIB per capita do mundo fica próximo ao PIB per capita do Brasil. De acordo com os dados do FMI o PIB per capita do Brasil em de 2013 foi de US$ 11.172 usando dólar corrente e de US$ 14.297 usando paridade do poder de compra. No primeiro caso o PIB per capita do mundo é equivalente a 97,3% do PIB per capita brasileiro, no segundo é equivalente a 95,3%.

O passo seguinte foi calcular o PIB per capita brasileiro de 2013 em reais. Pelos números do Ipeadata (link aqui) em 2013 o PIB do Brasil foi de R$ 4,8 trilhões e a população era de 201 milhões. Desta forma o PIB per capita do Brasil em 2013 foi de R$ 24.099, ou seja, em 2013 se todos os brasileiros tivessem a mesma renda cada um ganharia R$ 2.008 por mês. Aplicando os percentuais do parágrafo acima é possível trazer para a realidade brasileira os números para o mundo. Pelo o primeiro método se a renda do mundo fosse distribuída igualmente cada habitante do planeta ganharia o equivalente a R$ 1.954 por mês, pelo segundo método ganharia R$ 1.913 por mês. Há ainda uma terceira alternativa, calcular o PIB per capita do mundo em dólares correntes e trazer para reais usando o câmbio médio de 2013, com este método no mundo igualitário cada habitante ganharia R$ 1.957 por mês. Considerando os três métodos me parece justo dizer que no mundo igualitário que imaginei cada habitante ganharia cerca de R$ 1.950 por mês.

Como alertei este número não significa muita coisa, é muito provável que em um mundo igualitário o PIB fosse bem menor que o do nosso mundo, mas o número serve de referência. Se você acredita que para viver com dignidade basta ganhar o equivalente a R$ 1.950,00 então você acredita que, na melhor das hipóteses, um mundo igualitário permitiria que todos tivessem uma vida digna, porém, se você acredita que não é possível levar uma vida digna ganhando R$ 1.950,00 por mês então você acredita que nem mesmo na melhor das hipóteses um mundo igualitário permitiria uma vida digna a todos. Faça as contas e veja de que lado você está.




segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Até muito perto do final do ano mercado subestimou a inflação de 2014, mas se você ler alguns jornais ou blogs vai pensar que foi o contrário.

Um tema recorrente aqui no blog é a tentativa de se atribuir ao mercado um pessimismo militante a respeito da economia brasileira. Os motivos mudam de acordo com que acusa ou com o momento. Em um momento o pessimismo visa atingir a presidente, em outros momentos apenas o Ministro da Fazenda, em outro momento é uma conspiração para aumentar juros, um reflexo do preconceito da “elite branca paulista” contra Lula ou uma forma de ajudar o mesmo Lula em suposto conflito interno do PT. Não importa a razão, todas as acusações de pessimismo sofrem do mesmo mal de origem, simplesmente não batem com os dados.

Em abril do ano passado fiz um post aqui no blog mostrando que o mercado tende a errar prevendo inflação menos que a observada e crescimento maior que o observado (link aqui). Tratei do tema com mais cuidado em post que saiu no Economista X e mais uma vez mostrei que se o mercado pode ser acusado de algo seria de otimista (link aqui). Sei que estou repetitivo com esta conversa, mas vou votar mais uma vez ao assunto. Não será a última.

Com o fim do ano e a inflação ficando acima do centro da meta embora abaixo do teto superior da meta já esperava que voltasse a ladainha do mercado pessimista. Vi o assunto em alguns blogs governistas mas não achei que valia o esforço de mais um post explicando o engano, até porque desconfio que no caso de alguns blogs não é engano. Ocorre que no final de semana vi a história do mercado pessimista no artigo de Janio de Freitas, é bem verdade que de uma forma bem mais sofisticada do que nos blogs governistas, mas a tese é a mesma. Para que o leitor julgue se estou vendo fantasmas ou se realmente Janio de Freitas esqueceu de olhar os números antes de escrever transcrevo o trecho que me chamou atenção (o texto completo está aqui):

“No último dia útil da semana, o divulgado índice da inflação em 2014, de 6,41%, demonstrou: quem estava certo era Guido Mantega. Até muito perto do fim do ano, sua insistência em que a inflação ficaria abaixo do "teto" de 6,5%, fixado para o ano foi contestada ou posta em dúvida crítica.”

Me pergunto com quem Guido Mantega tanto insistiu e quem duvidou “até muito perto do fim do ano” que a inflação ficaria abaixo de 6,5%? A pergunta vem do fato que os números de expectativa de inflação divulgados pelo Banco Central e usado por 9 entre 10 analistas econômicos não dão suporte a história contada por Janio de Freitas.

Uma vez por semana o Banco Central divulga o Relatório Focus (link aqui), durante o ano de 2014 foram publicadas 52 versões do relatório. Apenas em uma das versões, a de 17/04, o relatório mostrou uma expectativa de inflação maior que 6,5% (foi de 6,51%), em todos os outros 51 relatórios a inflação prevista era igual ou inferior a 6,5%. Mais ainda, dos 52 relatórios apenas 20, menos da metade, mostraram inflação esperada superior a 6,41% que foi o valor observado. Todos os relatórios do mês de dezembro (“muito perto do final do ano”) mostraram uma inflação esperada de 6,38%, ou seja, até muito perto do final do ano o mercado apostava em uma inflação menor do que foi observada, se isso não for otimismo...

O gráfico abaixo tenta resumir o que está escrito acima. Em azul está a inflação esperada pelo mercado, de acordo com o Banco Central, em cada um dos 52 relatórios de 2014. Em laranja está o valor observado da inflação e em cinza está o teto da meta. Quando a linha azul está acima da cinza significa que o mercado esperava uma inflação superior ao teto da meta, note que só ocorreu uma vez, quando a linha azul está acima da linha laranja o mercado esperava uma inflação superior à que de fato foi observada. Note que “mito perto do final do ano” a linha azul está abaixo da laranja.




Por que tantos jornalistas insistem em uma tese que é facilmente desmentida por números disponibilizados na página do Banco Central? Tenho meus palpites, mas não arriscarei apresenta-los aqui, prefiro deixar uma provocação no ar. Será que alguns jornalistas e blogueiros querem boicotar o combate à inflação por odiarem os pobres? Saudades do tempo do Sarney onde pobres não andavam de avião e não compravam automóveis? Vai saber...



quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Eu Sou Charlie!

Só porque Keynes comparou “O Capital” de Marx ao Corão, livro sagrado dos muçulmanos, (link aqui) não é motivo para os pretensos herdeiros de Marx se aliarem ao fundamentalismo islâmico. É verdade que não sou especialista em Marx nem conheço bem a biografia dele, mas pelo que conheço arrisco dizer que Marx não estaria defendendo o fundamentalismo islâmico no conflito com o Ocidente. A “força do progresso” e a “verdade histórica” não parecem estar do lado fundamentalismo.

Feita a provocação passo ao que interessa: o ataque à revista francesa “Charlie Hebdo” é um ataque ao Ocidente. A morte brutal de Stéphane Charbonnier não representa apenas o fracasso da França em garantir segurança a seus cidadãos, representa o fracasso do Ocidente em defender seus valores. Vejo alguns questionando os motivos de fazer certas charges ou expor certas opiniões, me incomodo com tais colocações, naturalmente não me ocorre prender ou matar quem as faz, mas me sinto sim incomodado. O motivo necessário e suficiente para alguém expressar uma opinião é a opinião existir, pedir algo além disso é um ataque a liberdade de expressão.

Seria o caso de dizer que a liberdade de expressão é parte da cultura ocidental. Que se hoje as mulheres do ocidente possuem os mesmos direitos que os homens é porque no passado humoristas puderam ironizar as crenças ocidentais que diziam o contrário. Que se hoje existe mais tolerância com a homossexualidade é porque no passado cartunistas ironizaram o sistema de crenças, religiosas ou não, que colocavam a homossexualidade como doença ou depravação. Que se hoje podemos criticar abertamente nossos governos é porque houve quem fizesse piada com soberanos absolutistas e tiranos republicanos. A cultura ocidental que já queimou cientistas, perseguiu outras religiões, colocou mulheres como cidadãs de segunda classe, prendeu homossexuais, escravizou africanos e outros povos e tantas barbaridades mais foi em ara graças à liberdade de expressão que mudamos nossos valores, nossa cultura, reconhecemos os erros e seguimos em frente.

Tendo tudo feito tudo isto não seria hipocrisia do Ocidente criticar o fundamentalismo islâmico? Tendo seus próprios fundamentalistas e totalitários o Ocidente pode lutar conta o dos outros? A reposta a esta pergunta e outras do tipo está no parágrafo abaixo (link aqui):

“This is, in fact, a masterly piece of logic. Anti-Slavery England cannot sympathize with the North breaking down the withering influence of slaveocracy, because she cannot forget that the North, while bound by that influence, supported the slave-trade, mobbed the Abolitionists, and had its Democratic institutions tainted by the slavedriver’s prejudices. She cannot sympathize with Mr. Lincoln’s Administration, because she had to find fault with Mr. Buchanan’s Administration. She must needs sullenly cavil at the present movement of the Northern resurrection, cheer up the Northern sympathizers with the slave-trade, branded in the Republican platform, and coquet with the Southern slaveocracy, setting up an empire of its own, because she cannot forget that the North of yesterday was not the North of to-day. The necessity of justifying its attitude by such pettifogging Old Bailey pleas proves more than anything else that the anti-Northern part of the English press is instigated by hidden motives, too mean and dastardly to be openly avowed.”

O parágrafo faz uma crítica aos ingleses que se recusavam a apoiar o Norte durante a Guerra Civil Americana alegando que o Norte também tinha seus pecados é de um texto publiaco em outubro de 1861 no New York Daily Tribune. O autor do texto? Um certo Karl Marx.

Sim, o Ocidente tem seus pecados e terá de viver com eles, mas a liberdade de expressão não é um destes pecados, pelo contrário, a liberdade de expressão faz parte do conjunto de instituições que permitiu ao Ocidente superar os próprios erros. Graças a liberdade de expressão um revolucionário alemão radicado na Inglaterra podia escrever em um jornal dos Estados Unidos. Os humoristas não são um apêndice indesejável da liberdade de expressão, pelo contrário são umas das forças que movem esta liberdade. Uma charge com um símbolo do poder ou um ícone religioso é uma ferramenta poderosas na desconstrução de tiranias e fundamentalismos.

E como ficam os ofendidos? Ficam ofendidos, ora bolas. Não comprem as revistas, não assistam os programas, não vejam os filmes e não assistam os shows. Façam propaganda contra. No limite acionem a justiça, algo que sou contra mas que está previsto na legislação de vários países ocidentais. Porém entendam que existem os que ficam ofendidos quando a liberdade de expressão é limitada.

Viva a Liberdade de Expressão! Stéphane Charbonnier viverá para sempre! Je suis Charlie!