Um tema recorrente aqui no blog é a tentativa de se atribuir
ao mercado um pessimismo militante a respeito da economia brasileira. Os
motivos mudam de acordo com que acusa ou com o momento. Em um momento o
pessimismo visa atingir a presidente, em outros momentos apenas o Ministro da
Fazenda, em outro momento é uma conspiração para aumentar juros, um reflexo do
preconceito da “elite branca paulista” contra Lula ou uma forma de ajudar o
mesmo Lula em suposto conflito interno do PT. Não importa a razão, todas as
acusações de pessimismo sofrem do mesmo mal de origem, simplesmente não batem
com os dados.
Em abril do ano passado fiz um post aqui no blog mostrando
que o mercado tende a errar prevendo inflação menos que a observada e
crescimento maior que o observado (link aqui). Tratei do tema com mais cuidado
em post que saiu no Economista X e mais uma vez mostrei que se o mercado pode
ser acusado de algo seria de otimista (link aqui). Sei que estou repetitivo com
esta conversa, mas vou votar mais uma vez ao assunto. Não será a última.
Com o fim do ano e a inflação ficando acima do centro da
meta embora abaixo do teto superior da meta já esperava que voltasse a ladainha
do mercado pessimista. Vi o assunto em alguns blogs governistas mas não achei
que valia o esforço de mais um post explicando o engano, até porque desconfio
que no caso de alguns blogs não é engano. Ocorre que no final de semana vi a
história do mercado pessimista no artigo de Janio de Freitas, é bem verdade que
de uma forma bem mais sofisticada do que nos blogs governistas, mas a tese é a
mesma. Para que o leitor julgue se estou vendo fantasmas ou se realmente Janio
de Freitas esqueceu de olhar os números antes de escrever transcrevo o trecho que
me chamou atenção (o texto completo está aqui):
“No último dia útil da semana, o divulgado índice da inflação em 2014, de 6,41%, demonstrou: quem estava certo era Guido Mantega. Até muito perto do fim do ano, sua insistência em que a inflação ficaria abaixo do "teto" de 6,5%, fixado para o ano foi contestada ou posta em dúvida crítica.”
Me pergunto com quem Guido Mantega tanto insistiu e quem duvidou “até
muito perto do fim do ano” que a inflação ficaria abaixo de 6,5%? A pergunta
vem do fato que os números de expectativa de inflação divulgados pelo Banco
Central e usado por 9 entre 10 analistas econômicos não dão suporte a história
contada por Janio de Freitas.
Uma vez por semana o Banco Central divulga o Relatório Focus
(link aqui), durante o ano de 2014 foram publicadas 52 versões do relatório.
Apenas em uma das versões, a de 17/04, o relatório mostrou uma expectativa de
inflação maior que 6,5% (foi de 6,51%), em todos os outros 51 relatórios a
inflação prevista era igual ou inferior a 6,5%. Mais ainda, dos 52 relatórios
apenas 20, menos da metade, mostraram inflação esperada superior a 6,41% que
foi o valor observado. Todos os relatórios do mês de dezembro (“muito perto do
final do ano”) mostraram uma inflação esperada de 6,38%, ou seja, até muito
perto do final do ano o mercado apostava em uma inflação menor do que foi
observada, se isso não for otimismo...
O gráfico abaixo tenta resumir o que está escrito acima. Em
azul está a inflação esperada pelo mercado, de acordo com o Banco Central, em
cada um dos 52 relatórios de 2014. Em laranja está o valor observado da
inflação e em cinza está o teto da meta. Quando a linha azul está acima da
cinza significa que o mercado esperava uma inflação superior ao teto da meta,
note que só ocorreu uma vez, quando a linha azul está acima da linha laranja o
mercado esperava uma inflação superior à que de fato foi observada. Note que “mito
perto do final do ano” a linha azul está abaixo da laranja.
Por que tantos jornalistas insistem em uma tese que é
facilmente desmentida por números disponibilizados na página do Banco Central? Tenho
meus palpites, mas não arriscarei apresenta-los aqui, prefiro deixar uma
provocação no ar. Será que alguns jornalistas e blogueiros querem boicotar o
combate à inflação por odiarem os pobres? Saudades do tempo do Sarney onde
pobres não andavam de avião e não compravam automóveis? Vai saber...
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