Domingo à noite vamos saber quem será o novo presidente,
cerca de dois meses depois, no dia primeiro de janeiro de 2019, o eleito tomará
posse. Estou escrevendo no final da tarde de sábado, as pesquisas sugerem
fortemente que Bolsonaro será eleito, mas nada é impossível quando se trata de
eleições e pode ser que ocorra uma surpresa. O fato é que independente do que aconteça
no domingo o próximo governo terá grandes desafios pela frente, pior, esses
desafios não foram discutidos na campanha. Enquanto um lado promete fazer o povo
feliz de novo congelando o preço do gás e forçando aumento de salário mínimo o
outro diz que vai entregar saúde e educação de primeiro mundo combatendo a
corrupção. Lamento informar, mas nada disso cai acontecer, não nos próximos
anos e muito menos por esses caminhos.
O texto abaixo é inspirado em uma apresentação que preparei
para a equipe do senador Álvaro Dias e serviu de base para algumas palestras
que fiz nos últimos meses, na apresentação aponto três grandes desafios para a
economia brasileira e faço algumas propostas para enfrentar esses desafios. No
presente texto vou me limitar aos desafios, deixo as propostas para um próximo
post. São três os desafios que vou discutir: o da produtividade, o do
investimento e o ajuste fiscal. Em ordem de importância creio que os desafios
seguem a lista, mas em ordem de urgência a lista está de trás para frente.
O primeiro desafio, que eu chamo de desafio de longo prazo,
é a questão da produtividade. Como já disse Paul Krugman produtividade não é
tudo, mas no longo prazo é quase tudo. No longo prazo a produtividade é o motor
do crescimento e, verdade seja dita, esse nosso motor anda mal das pernas há cerca
de quarenta anos. A figura abaixo mostra o crescimento da produtividade na Coreia
do Sul, nos Estados Unidos e no Brasil, sei que Coreia do Sul é meio apelação,
mas a figura ilustra o que é um caso de sucesso, o mínimo a se esperar de um
país que pretende ficar rico e o desastre brasileiro. O crescimento da produtividade
acima do ocorrido nos EUA permitiu a Coreia do Sul se aproximar das economias
desenvolvidas. Um crescimento semelhante ao dos EUA não garante uma
aproximação, mas pelo menos impede o distanciamento, no mais é razoável supor
que uma economia emergente saudável tenha ganhos de produtividade acima dos EUA
visto que, grosso modo, os americanos precisam inovar para ficarem mais
eficiente e os países emergentes podem inovar ou adaptar tecnologias existentes.
Como mostra a figura abaixo o Brasil não atende o teste básico e tem um crescimento
da produtividade menor que os EUA, pior, após a subida na década de 1970, a
produtividade no Brasil caiu e ficou praticamente estagnada nos níveis de 1970.
A figura abaixo faz uma comparação da produtividade no
Brasil com a de países de renda média alta, grupo de países a que pertencemos
de acordo com a classificação do Banco mundial. Repare que apenas Tailândia e
China são menos produtivas que o Brasil. Com uma produtividade tão baixa não há
como oferecer condições de trabalho, saúde, educação e uma rede de proteção
social semelhante a de países de primeiro mundo. Não tem combate a corrupção nem
congelamento de preços que mude isso.
Fica pior, a figura abaixo mostra o crescimento da
produtividade no mesmo grupo de países da figura anterior. Lembra da China que
estava em último lugar? Lá a produtividade é baixa, mas está crescendo bem,
aqui nem isso. Temos a terceira produtividade mais baixa e só ficamos na frente
da África do Sul em crescimento, no caso encolhimento, da produtividade. O
assunto é relevante, em 2013, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, na época sob o comando do Marcelo Neri, fez uma pesquisa
chamada “Determinantes da produtividade do trabalho para a estratégia sobre
sustentabilidade e promoção da classe média” (link aqui). A equipe foi
coordenada pelo Ricardo Paes Barros e eu tive a boa sorte de participar, a
avaliação era que sem uma mudança na trajetória da produtividade a nova classe
média estava em risco. Em 2014 foi a vez do IPEA colocar a questão da produtividade
no centro das atenções em dois volumes intitulados “Produtividade no Brasil:
desempenho e determinantes” (link aqui), também participei desse trabalho, novamente
aparecia a necessidade de mudar a trajetória da produtividade no Brasil. Em
2018 foi a vez do Banco Mundial lançar o documento “Emprego e crescimento: a
agenda da produtividade” (link aqui), novamente a necessidade de ganhos de produtividade
entra em cena. Sem resolver a questão da produtividade não vamos ter renda
suficiente para entregar o que foi prometido nesta e em outras campanhas.
Se hoje é relativamente fácil concordar que nosso maior problema
é a produtividade, não há nada parecido com um consenso quando o assunto é como
aumentar a produtividade. Edward Prescott, Nobel de economia em 2004, diz que boa
parte do baixo desempenho da produtividade pode ser explicada pela resistência
a adoção de novas tecnologias e uso eficiente das tecnologias existentes e que
essa resistência está relacionada às políticas empregadas por uma sociedade. Se
Prescott está certo, eu acredito que está, nossa baixa produtividade está
relacionada à nossas políticas. O lado bom é que pode ser o caso de uma mudança
de políticas levar a uma rápida mudança no quadro de estagnação, o lado ruim é
que essa mudança de políticas não é fácil. De fato, acredito que tais mudanças
não estão no horizonte, pelo não com a intensidade necessária.
O próximo desafio, o desafio do médio prazo, é o do investimento. A figura abaixo
mostra a taxa de investimento nos países da renda média alta, repare que apenas
a Argentina tem uma taxa de investimento menor que a nossa. Esse é um problema
sério, o investimento aumenta a capacidade de produção da economia, viabiliza a
entrada de novas tecnologias embutidas em máquinas mais modernas e, para os que
gostam de olhar para demanda, o investimento é parte da demanda agregada. Em
tese é possível crescer apenas com ganhos de produtividade, na prática, sem um
aumento da taxa de investimento isso dificilmente vai acontecer.
A baixa taxa de investimento traz um dos maiores perigos
para o nosso futuro, a tentação de usar de estímulos para aumentar o
investimento sempre ronda os palácios de governo. O que pode dar errado? O
estímulo ao investimento em tempos de crise gera emprego, produção e impostos
que acabam pagando parte do custo do estímulo. O que parece perfeito á primeira
vista muitas vezes resulta em crises ainda maiores no futuro. Tratando desse
assunto os economistas Timothy Kehoe e Gonzalo Córdoba alertara que usar
estímulos para elevar investimento e emprego durante uma crise, se causar distorções
suficientes, pode levar um país a uma depressão. Eu concordo com eles, vou
além, acredito que boa parte da grande crise que começou em 2014 foi consequência
das distorções causadas pelos estímulos ao investimento entre 2009 e 2014
Investimos mal. Construímos estádios que não têm uso,
fizemos refinarias que não ficam prontas, grandes obras que não acabam, hidroelétricas
de alto impacto ambiental e questionável eficiência econômica e energética,
financiamos investimentos no Grupo X e na Oi, fizemos estaleiros, e, para
fechar a lista com cave de ouro, investimos no Comperj. Alguém colocaria o
próprio dinheiro nesses projetos? Duvido muito, mas com ajuda do governo o
negócio ruim passa a ser bom (para poucos) e tudo passa a valer. Todo esse
investimento poderia ter sido destinado a projetos mais relevantes tanto do
ponto de vista social como econômico. Entre 2003 e 2016 apenas os subsídios
implícitos nos empréstimos do Tesouro ao BNDES custaram cerca de R$ 150 bilhões
(em valores de 2016). Qual teria sido o impacto de todo esse dinheiro se tivesse
ido para saneamento básico? Quantos pequenos empreendedores apostaram suas economias
em empresas na área do Comperj apostando em uma demanda que nunca veio? Quantos
se mudaram em busca dos empregos que não chegaram? Qual o custo social e
econômico de tudo isso? Esses investimentos ruins pioraram muito a alocação de
capital no Brasil e dificultaram o crescimento da produtividade. Para investir
mal às vezes é melhor não investir.
Mais uma vez a solução para o problema não é fácil. Os
empregos destruídos na crise de fato nunca existiram, eram uma miragem sustentada
com centenas de bilhões de reais dos pagadores de impostos. O tempo para que as
mudanças necessárias para criar novos empregos em setores saudáveis, não ilusórios,
é longo, é preciso que empresas que só existem por conta dos estímulos fechem e
outras com vida própria cresçam, O processo além de longo é dolorido, mas é
necessário para a construção de uma economia saudável. Para que os bons
projetos virem empresas é necessário um aparato legal que minimize incertezas, o
governo não precisa adicionar incertezas regulatórias as incertezas existentes
no mercado. Não falo aqui de eliminar todas as regulações, sou mais modesto, peço
apenas regras estáveis e tão claras quanto possíveis. A construção a aprovação
desse novo marco regulatório leva tempo, assim como levará tempo para que faça
efeito. Mais uma vez não vejo soluções de curto prazo.
O último e mais urgente desafio é o fiscal, o desafio do curto prazo. A figura abaixo
mostra a projeção da dívida bruta do governo como proporção do PIB feita pelo
FMI. Se seguirmos esse caminho vamos chegar a 2022 com uma dívida bruta acima
de 95% do PIB, isso é inconcebível para um país emergente.
Sei que alguns citam países como Espanha e Japão para dizer
que dívidas de cem por cento ou mais do PIB não são um grande problema,
considero essa abordagem um erro grave. Países ricos conseguem se financiar a
taxas de juros baixas, bem próxima de zero ou zero, não é o caso do Brasil. A
figura abaixo mostra a dívida bruta como proporção do PIB para os países emergentes
conforme a classificação do FMI. Apenas a Ucrânia tem uma dívida bruta acima de
80% do PIB, apenas Ucrânia e Sri Lanka têm dívidas brutas como proporção do PIB
maiores que a do Brasil. Mantida a trajetória prevista pelo FMI podemos nos
tornar o país emergente com a maior bruta como proporção do PIB. Sei que nos
achamos especiais, que Deus é brasileiros e coisas do tipo, mas temos que os
financiadores de nossa dívida não pensem o mesmo e comecem a procurar outros lugares
para colocar o dinheiro, não faltam opções.
A solução para o problema fiscal passa por redução de
gastos, aumento de impostos ou, mais provável, alguma combinação das duas
coisas. Eu sou contra aumento de impostos, para minha sorte eu não estou (nem
pretendo estar) no governo, um ajuste apenas por meio de gastos seria longo e
exigiria uma reforma da previdência o mais rápido possível, não me parece
crível que tamanho ajuste tenha um caminho fácil no Congresso. É verdade que o
teto de gastos em tese nos deu vinte anos para fazer o ajuste, mas para que
isso funcione é necessário mandar os sinais corretos, sem a reforma da
previdência aprovada no próximo ano creio que poucos terão a coragem de nos dar
vinte anos de crédito. Um ajuste por impostos poderia ser feito em um prazo
menor, as propostas teriam de ser enviadas ao Congresso no começo do próximo ano,
tão logo quanto possível, de forma que até o fim do ano alguns impostos já
tivessem em vigor. Uma versão da CPMF podia aliviar o problema fiscal, mas se
isso acontecer o lado que perder as eleições de domingo vai ter todo direito de
acusar estelionato eleitoral do lado vencedor. Depois não adianta acusar de
golpista quem for as ruas reclamar que foi enganado, se o plano é elevação
geral de impostos e trazer de volta a CPMF os candidatos tinham obrigação de
ter anunciado na campanha. É melhor perder uma eleição que ganhar enganando o
eleitor, quem acompanhou os eventos políticos de 2015 e 2016 deve saber disso.
Desta forma, considerando que um ajuste fortemente ancorado
em novos impostos pode minar o apoio do eleitor ao governo e que um ajuste com
base nos gastos e lento e requer reformas difíceis não vejo solução de curto
prazo nem mesmo para o mais urgente dos problemas. Posso estar enganado? Deus
queira que eu esteja, mas se eu estiver certo vamos ter um período pesado pela
frente. A campanha precisava de alguém com a grandeza de prometer trabalho e
lágrimas até a superação final da crise, no lugar disso tivemos semeadores de
ilusões.