Nas últimas semanas ganhou destaque na imprensa a tese que o
governo deveria flexibilizar o teto de gastos de forma a excluir os investimentos.
Os autores da tese, creio eu, acreditam que essa é uma medida importante para
tirar o país da crise. Parece justo supor que para a tese fazer sentido duas
relações de causalidade devem valer pelo menos em algum grau: (i) o teto de
gastos é responsável pela queda do investimento público e (ii) o aumento do investimento
público vai tirar o país da crise. Longe de mim tentar estabelecer relações de
causalidade em macroeconomia em um post, mas creio que dá para jogar um pouco
de luz nas duas relações de causalidade a partir dos dados de investimento
público e da máxima acaciana que “as consequências vêm sempre depois”.
Para conseguir a série de investimento público usei os dados
disponíveis na página Tesouro Nacional Transparente (link aqui) com os gastos em
investimento da União para os poderes executivo, legislativo e judiciário. Os
dados mensais estão disponíveis desde janeiro de 2006. Deflacionei a série
mensal pelo IGP-DI e somei os doze meses anteriores a cada data para construir
a figura abaixo.
O primeiro ponto relevante é que a queda do investimento ocorre
antes da implantação do teto de gastos. Repare que após um pico em setembro de
2014 o investimento da União começa uma trajetória de forte queda com uma breve
interrupção no final de 2016. O teto de gastos foi aprovado pelo Senado no dia
15 de dezembro de 2016, logo, salvo se estivermos diante de um caso onde as consequências
vêm antes é difícil comprar a tese que o teto de gatos causou a queda do
investimento nos deixando sem muitas razões para acreditar que a eventual flexibilização
do teto de gastos vai elevar o investimento público. De fato, com ou sem teto
de gastos, os cortes no investimento são as ferramentas básicas de qualquer ajuste
fiscal.
O segundo ponto é bem mais difícil de avaliar. Os dados sugerem
que a tese de usar investimento para aquecer a economia foi usada a partir de
2012, é fácil observar que o ajuste iniciado em 2011 é abandonado na busca pelo
PIBão, uma espécie de Santo Graal do governo Dilma. Voltando a máxima que “as consequências
vêm sempre depois” vale registrar que o ciclo de investimento público do
governo Dilma foi seguido de uma das maiores crises de nossa história.
Dá para afirmar que a elevação do investimento público
causou a crise? Creio que não, para tal afirmação tem mais trabalho a ser
feito. Alguém pode afirmar que a elevação do investimento público ajudou a
segurar o emprego por um tempo e depois ajudou no colapso das contas públicas.
É uma tese que gosto, devo confessar, mas é preciso mais que olhar algumas
séries para fazer tal afirmação.
O máximo que pode ser dito é que por um bom tempo o aumento
do investimento público conviveu com um cenário de baixo crescimento e alto
nível de emprego, mas também dá para dizer que, sozinha, a elevação do investimento
público não foi capaz de evitar a crise. Aqui há um ponto importante, a
elevação do investimento público em 2012 ocorreu em um cenário fiscal bem mais
favorável que o atual. Mesmo aceitando a hipótese que a elevação do
investimento público ajudou no curto prazo é difícil imaginar que essa política
terá o mesmo efeito no cenário atual caraterizado por uma dívida pública muito
alta para os padrões de países emergentes e sem previsão de superávit primário
nos próximos anos.
Uma boa questão diz respeito as razões da elevação do
investimento público não ter levado a um ciclo de crescimento, tudo fica ainda
mais intrigante quando lembramos que por boa parte de período entre 2006 e 2014
também houve elevação da taxa de investimento como um todo. Não vou me alongar nesse
ponto, apenas registro crer que além de não ter ajudado a elevação do
investimento atrapalhou a economia. Acredito que isso aconteceu porque os
investimentos feitos foram muito ruins. Uma nova rodada de investimentos
públicos traria bons investimentos? Não creio. Os problemas que levaram aos
investimentos ruins continuam firmes e fortes.
Flexibilizar o teto de gastos para estimular investimento sem
resolver os problemas que levaram aos cortes de investimento, anteriores ao
teto de gastos, não me parece ser uma política eficaz. Usar investimentos
públicos para estimular a economia também não parece um bom caminho, nada
sugere que o ciclo de alta no investimento público foi capaz de estimular a
economia no longo prazo, mais grave, dá para suspeitar que ajudou a aprofundar
a crise tanto pela má alocação de capital quanto pelo agravamento da crise fiscal.
Mesmo para um alívio de curto prazo a opção não parece promissora, o mais
provável é que a alta dívida pública e a ausência de superávits primários transformem
a flexibilização do teto em pressão inflacionária forçando o Banco Central a elevar
os juros. A armadilha da dominância fiscal está logo ali.