Tenho feito algumas palestras a respeito da crise atual onde
tento explicar como chegamos a uma situação tão grave. Minha primeira tarefa é
convencer a audiência que vivemos de fato uma crise grave, com potencial para
ser a mais grave de nossa história. Não sou o único que pensa assim, de fato o
próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que a crise atual pode
ser mais grave que a da década de 30 do século passado (link
aqui), um período em
que o mundo passava pela Grande Depressão. O leitor ainda cético pode se
interessar pela figura abaixo, nela estão as taxas de crescimento do PIB desde
1901 (dados do Ipea de 1901 a 2013, para 2014 e 2015 usei dados do IBGE, para
2016 usei a projeção do Boletim Focus do BC), repare que apenas duas vezes tivemos
dois anos seguidos de queda do PIB, a primeira foi em 1930/31 e a segunda será
2015/16. Para piorar repare que em 1929 o PIB cresceu 1,1% enquanto em 2014 o
PIB cresceu 0,1%, não fosse uma mudança no método de cálculo do PIB teríamos
tido crescimento negativo também em 2014, no que seria a primeira vez de nossa
história com três anos seguidos de queda no PIB.
Como um país que em 2010 cresceu 7,5% e parecia ser um dos
motores do crescimento mundial entrou em uma crise tão grande em menos de cinco
anos? Esta é a pergunta que tento responder em minhas apresentações, não é uma
questão apenas acadêmica, o diagnóstico para a crise atual fornece a estratégia
para superar a crise, um diagnóstico errado leva a “soluções erradas” que podem
prolongar e/ou aprofundar a crise. Para entender o que aconteceu com nossa
economia é preciso considerar que não vivemos apenas uma crise, são duas
crises, não estou falando de uma crise política e uma crise econômica, estou
falando de duas crises econômicas. Repare que não nego a existência de uma
crise política, apenas registro que além de quaisquer outras crises (política,
moral, de valores, institucional e etc) que possam existir temos duas crises
econômicas. A primeira é de médio e longo prazo e está na nossa baixa
produtividade, na baixa taxa de crescimento da produtividade e baixa taxa de
investimento. A segunda, de curto prazo, está caraterizada no desequilíbrio fiscal
e na necessidade de controlar a inflação.
A crise de longo prazo e está associada a estrutura da
economia e da sociedade brasileira. Para que a entendamos devemos considerar
que para uma economia crescer é necessário que as pessoas trabalhem mais, e/ou
que as empresas acumulem mais capital, e/ou que o capital e o trabalho
existentes sejam usados de formas mais eficientes. Um dos resultados
fundamentais da teoria do crescimento econômico é que no longo prazo o
crescimento é explicado em sua maior parte pelo aumento da eficiência no uso do
capital e/ou do trabalho, ou seja, pelo aumento da produtividade. Não vivemos
melhor que nossos avós porque trabalhamos mais ou porque temos mais capital, vivemos
melhor porque somos mais eficientes. A eficiência a que me refiro aqui não é
necessariamente decorrente de novas tecnologias, longe disso, falo de qualquer coisa
que permita obter mais produto com as mesmas quantidades de capital e trabalho.
Como dizem alguns chefs modernos: menos é mais.
Pois bem, a produtividade da economia brasileira está
estagnada a quase quarenta anos. Apresentei esse resultado em um artigo
publicado na Revista Estudos Econômicos em parceira com Pedro Ferreira e Victor
Gomes (link
aqui), em um capítulo de livro publicado pelo IPEA (link
aqui) e em
um outro artigo a ser publicado pela Revista de Economia Aplicada. Nos
trabalhos usos metodologias diferentes para calcular produtividade e sempre
chego ao resultado de quase estagnação. Outros autores chegaram ao mesmo
resultado usando ainda outras metodologias, uma boa coletânea de estudos sobre
produtividade está no livro do IPEA que acabei de citar. A figura abaixo resume
o que estou dizendo, note que nossa produtividade cresce bem menos que a dos
EUA e a da Coreia do Sul, um país que já era rico e, por ser a economia líder,
precisa de inovar para ficar mais produtivo e um país que é um exemplo de
crescimento no período.
O leitor desconfiado pode questionar a escolha de países ou
a medida de produtividade (feita a partir de dados da Penn World Table). Para acalmar
o leitor ofereço uma comparação de nossa produtividade com a de vários outros
países. No lugar da produtividade total dos fatores que utilizei na figura
acima vou usar a produtividade do trabalho, um conceito simples que mede o
quanto é produzido por um trabalhador em um determinado período. No lugar de
comparar com um milagre de crescimento e com a economia líder comparo com
quatro grupos distintos: países da América Latina, OCDE, países com PIB per
capita próximo ao nosso e países com relação capital trabalho próximas a nossa.
A figura abaixo mostras as comparações (mais sobre as figuras
aqui), comparando
com os países da América Latina ficamos em antepenúltimo, com os da OCDE
ficamos em último, com os de PIB per capita próximos ao nosso ficamos em antepenúltimo
e com os de relação capital trabalho próximas a nossa ficamos em penúltimo. Se
nem assim o leitor está convencido que temos um problema de produtividade peço
que leia um dos textos citados acima, se ainda não ficar convencido ou se não
quiser ler os textos talvez seja o caso de parar por aqui e aceitar meus pedidos
de desculpas pelo tempo que o fiz perder.
Lá por 2010 falar que tínhamos um problema de produtividade
era aceitar um convite para ser chamado de doido, ou, se o crítico era um
amigo, de um sujeito estranho. A economia crescia, o investimento crescia, o
consumo crescia, a pobreza e a desigualdade diminuíam; só um sujeito muito
chato podia falar que tínhamos problemas, ainda mais que tínhamos problemas
graves. Hoje não é mais assim, vários economistas, inclusive os que reclamavam
dos chatos, reconhecem que temos um problema de produtividade. Infelizmente
esse (quase) consenso em torno da existência do problema não resolveu a
questão, pelo contrário, criou uma oura questão sobre como resolver o problema
da produtividade. Grosso modo podemos falar de duas estratégias para resolver
nosso problema de longo prazo: a estratégia reformista e a estratégia desenvolvimentista.
A estratégia reformista foca em melhora no ambiente de
negócios, na educação, reformas na legislação que tornem as instituições mais eficientes
(e.g. redução da insegurança jurídica e do compadrio), abertura da economia e
estabilidade macroeconômica (equilíbrio fiscal e controle da inflação). De uma
forma rápida podemos dizer que os reformistas querem facilitar a criação e o
crescimento das empresas, porém sem direcionar o processo. Deixe a terra fértil
e, cedo ou trade, as pessoas saberão o que plantar. A estratégia
desenvolvimentista busca direcionar a economia para o setor que seria o polo
dinâmico da tecnologia e do crescimento da produtividade, tal setor a
indústria. Para isso o governo direciona o investimento por meio de juros
subsidiados, protege a indústria local por meio de tarifas e/ou políticas de
desvalorização do câmbio, faz desoneração tributária de setores que considera
importante, intervém em preços críticos como juros e energia e etc. Diga o que
plantar que mesmo uma terra pouco fértil vai prosperar.
Note que as duas estratégias não são totalmente exclusivas,
por exemplo, existem desenvolvimentistas que valorizam a estabilidade macroeconômica
e existem reformistas que defendem juros subsidiados para setores estratégicos
ou intervenção no câmbio. Porém, mesmo não sendo totalmente incompatíveis, as estratégias
definem linhas e atuação diferentes que se refletem em um conjunto de políticas
diferentes.
Pelo menos desde o pós-guerra o Brasil apostou na estratégia
desenvolvimentista (tenha em mente que isso não exclui toda e qualquer medida
reformista), o aparente sucesso da estratégia a tornou quase uma unanimidade.
De radicais de esquerda que viam no desenvolvimentismo o caminho para criar a
classe operária que faria e revolução a grandes empresários mirando nos ganhos propiciado
pelo capitalismo de compadres, passando por tecnocratas encantados com o poder adquirido
e políticos corruptos de olho nos ganhos de estado grande, todos tinham motivos
para apoiar as políticas desenvolvimentistas. A crise da década de 1980,
combinando recessão com inflação descontrolada, acabou com o encanto
desenvolvimentista. Na década de 1990 o Brasil (o fenômeno foi observado em
outros países da América Latina) apostou em uma agenda reformista. Apesar de
acabar com estagnação de mais de uma década, controlar a inflação e testemunhar
a queda na pobreza e na desigualdade a estratégia reformista foi abandonada na
primeira década do século XXI. Como costuma ser o caso é praticamente impossível
dizer exatamente quando a estratégia foi abandonada. Vou considerar que foi em
2006, mas se o leitor acredita que foi um pouco antes ou u pouco depois eu não
tenho nada a reclamar.
A volta do desenvolvimentismo ocorreu em duas etapas. A
primeira, um período de transição, ocorreu entre 2006 e 2010 e foi
caracterizada pelo PAC, com o governo induzido o crescimento, com o reforço do
BNDES, com o governo financiando o investimento, e com a política de conteúdo
nacional, particularmente na extração de petróleo. A segunda fase, a época da
Nova Matriz, mantém e/ou amplia as políticas da fase de transição de acrescenta
a tentativa reduzir juros para estimular investimento, desvalorizar o câmbio
para estimular a indústria, política fiscal anticíclica, controle de preços
para estimular a economia (e.g. energia) ou para combater a inflação (e.g. combustíveis).
A confiança nas novas políticas, que podemos chamar de contrarreformas, era tão
grande que a presidente Dilma tomou posse em 2011 prometendo ser a presidente
do PIBão.
Deu tudo errado. A despeito do BNDES ter se tornado o
segundo maior banco de investimento do mundo, superando o Banco Mundial e só
perdendo para o Banco de Desenvolvimento da China, a taxa de investimento do
Brasil não disparou, pelo contrário, andou bem perto da de outros países do
continente que não possuem um BNDES e depois despencou. A figura abaixo mostra
como os mais de R$ 200 bilhões por ano desembolsados pelo BNDES parece ter sumido.
Antes que alguém fale de corrupção eu aviso que não é isso, ou não é só isso,
muito provavelmente os empresários que pegaram dinheiro no BNDES estavam
dispostos a investir mesmo sem ajuda do banco, porém se podem pegar dinheiro a
juros mais baixos não tinham porque não pegar, ou seja, houve uma substituição
da fonte de financiamento do investimento, por isso nosso investimento não
destoa do de outros países (mais detalhes
aqui). Se não tiveram efeito aparente
sobre o investimento os empréstimos do BNDES tiveram efeito sobre a consta do
governo, parte da nossa crise fiscal está nos gastos do Tesouro para custear a
diferença entre os juros que o governo paga e os juros que o governo empresta,
a diferença, por vezes chamada de bolsa empresário é bem maior que a bolsa família.
A estratégia de câmbio também não deu resultado, pior, ao abandonar
o regime de câmbio flexível o governo passou a pagar os custos de administrar o
câmbio. Primeiro a intenção era desvalorizar, depois, assustados com a
inflação, o esforço era para não ocorrer uma desvalorização brusca, que além de
aumentar a inflação poderia complicar a vida de bancos e de algumas empresas
como uma certa campeã nacional. A tentativa de baixar juros na marra também não
funcionou, assim como no câmbio o governo foi obrigado e recuar deixando
estragos sem benefícios. O mesmo pode ser dito da desastrada intervenção no
setor de energia, no lugar da prometida queda nos preços uma série de aumentos de
preços para evitar o colapso do sistema. A figura abaixo mostra um retrato do
fracasso da tentativa de estimular a indústria, a participação da produção da indústria
continuou caindo (os dados do ipeadata vão até 2013, mas, para os mais esperançosos, aviso que a queda continuou em
2014 e 2015) apesar de todo o esforço do governo. Mais uma vez a política desenvolvimentista
não cumpriu o que prometeu, mas deixou custos que colaboraram para a crise
fiscal que vivemos.
Eu não vejo a queda da participação da indústria de
transformação no PIB como um problema, de fato, em tempos modernos é muito
difícil separar a indústria do setor de serviços e mais difícil ainda localizar
um ou outro como polo dinâmico tecnológico, seja lá o que for isso. Não são
poucas as indústrias com modelos de negócios onde o lucro vem mais de serviços de
manutenção do que da venda de equipamentos, não sei porque isso é um problema.
De toda forma vários economistas desenvolvimentistas tem uma devoção a esta
variável ainda maior pela que têm ao câmbio. Foi em nome desta variável que
muitas das políticas que não deram resultados, mas deixaram uma conta salgada,
foram implementadas. Aqui existe uma grande ironia que não resisto à tentação
de registrar. O México apostou em uma estratégia de integração econômica com os
EUA, não faltaram economistas desenvolvimentistas decretando o fim da indústria
de transformação mexicana. A figura abaixo mostra o tamanho do erro, olhando a
figura acima e a figura abaixo creio que nossos industriais têm todos os
motivos para pedir a Deus que os protejam dos que os querem defender. Em tempo,
antes de vir com conversa de maquiladoras lembre de como nosso governo
comemorou a vinda da Foxconn para o Brasil e dê uma outra olhada no México para
ver o que mudou por lá nos últimos dez anos.
Como todo brasileiro sabe a agenda desenvolvimentista que
inspirou a Nova Matriz fracassou em entregar o crescimento prometido (claro que
nem todo desenvolvimentista apoiou tudo da agenda, etc, etc, e etc, mas é
impossível negar de onde veio a inspiração das contrarreformas), porém o
fracasso não nos dispensou de pagar a conta que chegou na forma de uma crise
fiscal e de uma inflação alta. Antes de gritar que nossa dívida é baixa comparada
à do Japão ou a de outros países ricos tente encontrar um país em
desenvolvimento que esteja confortável com uma dívida maior que 70% do PIB
(mais sobre o assunto
aqui), a figura abaixo pode te ajudar. A combinação da
crise no rastro da Nova Matriz e nossa estagnação da produtividade causou a
crise gigantesca em que estamos.
Negar as causas internas e responsabilizar o resto do mundo
por nossa crise é uma atitude infantil, se o leitor dúvida basta olhar o que
está acontecendo no resto do mundo. A figura abaixo mostra as projeções de
crescimento feitas pelo FMI para todos os países do mundo (uma versão de 2015
da figura está
aqui). A grande maioria dos países vai crescer este ano, dos que
vão encolher, apenas cinco países devem encolher mais que o Brasil: Equador,
Macau (não é exatamente um país, mas está na base do FMI), Guiné Equatorial,
Sudão do Sul e Venezuela; uma busca rápida por cada um dos países na internet
mostra ditaduras (Venezuela, Equador e Guiné Equatorial, os dois primeiros fazem
parte do time dos bolivarianos) e guerra civil (Sudão do Sul). Os números são
claros: a crise é nossa.
Sendo a crise o resultado da soma duas crises serão necessárias
duas categorias de medidas para que saiamos da crise. O primeiro conjunto de medidas
deve focar no longo prazo. Falo de reformas que melhorem o ambiente de negócios
com simplificação e redução de regulação e processos burocráticos, inclusive com
aumento da transparência e eficiência da justiça; de uma reforma completa na
educação desde o financiamento até a organização didático- pedagógica de nossas
escolas, sim, esta reforma vai enfurecer os sindicatos, inclusive o meu;
reforma na saúde focando financiamento e procurando métodos mais eficientes de
gestão hospitalar bem como priorizando a saúde preventiva e uma reforma da
previdência que amorteça os efeitos das mudanças demográficas. O segundo
conjunto de medidas deve consistir em um ajuste fiscal e a retomada do controle
da inflação e da credibilidade do Banco Central. O ajuste fiscal deve romper
com a estratégia de elevar a carga tributária, é preciso repensar toda a
estrutura do gasto público, devemos trocar o “dá bilhão?” pelo “é realmente necessário?”
quando da avaliação do gasto público. O controle da inflação vai exigir que o
BC pare de apelar para sorte ou tentar terceirizar o trabalho dele e assumir as
rédeas da política monetária, se for o caso de ter de aumentar ainda mais a
taxa de juros, que seja. Não fazer agora significa um aumento ainda maior da
taxa de juros em um futuro onde se deseje controlar a inflação. Sim, estou
propondo a volta da agenda reformista!