Semana passada foi divulgada a versão de 2020 do Doing
Business (link aqui), uma avaliação feita pelo Banco Mundial da facilidade de
fazer negócios em vários países. As notícias não são boas, a nota geral do
Brasil subiu um pouco, passou de 58,6 em 2019 para 59,1 em 2020, mas na classificação
geral caímos da 109º para a 124º posição entre o Senegal (123º) e o Paraguai
(125º). Se serve de consolo a Argentina vem logo depois do Paraguai.
É fato que a comparação de posições no ranking em anos distintos
pode ser enganosa, mudanças de critérios e nos países analisados podem ter um
papel relevante na posição do país em cada ano. Mesmo assim parece justo dizer
que estamos mais longe do objetivo de ficar entre os 50 melhores países
para fazer negócio (link aqui). Hoje a 50º posição é ocupada por Montenegro que
tem nota geral de 73,8.
A figura abaixo resume a análise que segue e mostra as notas
do Brasil no índice de facilidade de fazer negócios e nos diversos indicadores
usados para construção do índice, em vermelho estão os indicadores onde a nota
do Brasil ficou abaixo da nota média dos países de renda média alta, em azul os
indicadores em que nossa nota ficou acima da média. Estamos acima da média do
grupo em apenas três itens: (i) fazer valer contratos; (ii) proteção a investidores
minoritários e (iii) solução de falências. Como ocorreu em anos anteriores
nosso pior desempenho está na facilidade para pagar tributos.
A tabela abaixo mostra a nota do Brasil em cada item e a
nota geral em 2019 e 2020 e a nota média do grupo de países de renda média alta
com exceção do Brasil em 2020. Houve pouca variação, na maioria dos itens as
notas ficaram constantes. A maior variação foi no registro de propriedades. A
vantagem da tabela em relação a figura é a possibilidade de avaliar a diferença
entre nota do Brasil e a média do grupo em cada item. Repare que em acesso a
eletricidade a nota do Brasil é quase igual a média do grupo e em pagamentos de
tributos estamos bem longe da média.
Nota em 2019
|
Nota em 2020
|
Média do grupo em 2020
|
|
Facilidade de fazer negócios (geral)
|
58,60
|
59,10
|
64,03
|
Começar um negócio
|
80,34
|
81,29
|
83,31
|
Permissões para construções
|
52,10
|
51,92
|
67,88
|
Acesso a eletricidade
|
72,80
|
72,80
|
72,82
|
Registro de propriedade
|
51,94
|
54,10
|
62,08
|
Acesso ao crédito
|
50,00
|
50,00
|
56,48
|
Proteção a investidores minoritários
|
62,00
|
62,00
|
53,07
|
Pagamento de tributos
|
34,40
|
34,40
|
69,48
|
Comércio internacional
|
69,85
|
69,85
|
72,88
|
Fazer valer contratos
|
64,10
|
64,10
|
58,48
|
Solução de falências
|
48,05
|
50,40
|
43,86
|
A figura abaixo mostra o desempenho dos países de renda
média alta no Doing Business 2020, as barras representam as notas de cada país
e o número representa a posição do país no ranking global. Considerando apenas
os países de renda média alta ficamos entre a República Dominicana e o
Paraguai. A melhor classificação entre os países de renda média alta da América
Latina ficou com o México na 60º posição do ranking global. O Chile está na 59º
posição do ranking global, porém ficou fora da figura por ser considerado país
de renda alta pelo Banco Mundial.
O item começar um negócio considera custos financeiros,
tempo e burocracia (número de procedimentos) para começar um negócio em cada
país. A figura mostra que o Brasil está na parte inferior da distribuição, ou
seja, é mais difícil abrir uma empresa por aqui do que na maioria dos países de
renda média alta. Medidas como a MP da Liberdade Econômica podem mudar esse
quadro nos próximos anos, isso seria bom pois mais facilidade para abrir
empresas significa mais empresas que por sua vez significa mais competição para
empresas existentes e mais canais para entrada de novas tecnologias no mercado
brasileiro. Facilitar a criação de empresas é um passo importante para acabar
com a máximo que se fosse brasileiro Bill Gates estaria vendendo software
pirata em alguma praça.
À medida que empresas crescem é natural que necessitem
construir novas estruturas, estarmos com a terceira pior nota no quesito que
avalia a permissão para construções não ajuda em nada o crescimento e mesmo a criação
de novas empresas. É o caso de pensar se no lugar das políticas de subsídios à construção
civil o setor não responderia melhor a uma política de facilitar a permissão de
construções. Além de não arrancar bilhões de reais dos pagadores de impostos estas
políticas não criariam espaço para trocas de favores entre políticos,
burocratas e empresários.
O acesso a eletricidade no Brasil não é de todo ruim, mas
tem muito espaço para melhorar. Políticas de simplificação podem reduzir o
número de procedimentos e o tempo para conseguir acesso a rede elétrica.
Garantir uma oferta de energia confiável é mais complicado pois demanda
investimentos, mas não é impossível. A privatização da Eletrobras e a consequente
chegada de investimentos privados pode ajudar nessa questão.
Registro de propriedade é outro item onde o Brasil vai mal e
muita coisa pode melhorar apenas com aumento da eficiência e redução da burocracia
para essa atividade. Aperfeiçoar o sistema de solução para disputas de terra e
reduzir custos para registros de propriedade também podem ajudar melhorar nosso
desempenho nesse quesito.
No quesito que avalia acesso ao crédito ficamos logo abaixo
do Irã, imagino que possamos melhorar. As taxas de juros não entram diretamente
no cálculo da nota, o ponto aqui é facilitar o fluxo de informações e garantir
os direitos de credores e devedores. Note que nesse quesito o México e a
Colômbia ficaram na 11º posição no ranking global e na terceira posição entre
os países de renda média alta. Talvez seja o caso de tentar aprender e adaptar por
aqui as regras mexicanas e colombianas para o mercado de crédito.
No quesito proteção aos investidores minoritários estamos acima
da média, mas vamos ter de melhorar para ficar entre os 50. Assim como
no item anterior a Colômbia consegue um ótimo desempenho e pode ser uma fonte
de inspiração para futuras reformas.
Facilidade para pagar tributos é o item mais vexaminoso para
o Brasil, não fosse a Venezuela seríamos o pior da turma. Considerando todos os
países do mundo apenas a República do Congo, a Bolívia, A República Centro-Africana,
o Chade, a já citada República Bolivariana da Venezuela e a Somália possuem
notas menores que a do Brasil. No subitem “tempo para pagar impostos”
continuamos com o pior desempenho entre todos os países do mundo, são 1.501
horas por ano preenchendo papelada para o fisco (já foi pior, em 2015 eram 2.600
horas), o segundo maior tempo de papelada é a Bolívia com .1025 horas e o
terceiro pior é a Venezuela com 920 horas de papelada por ano. Creio que esse indicador
diz mais a respeito da relação do setor público com os pagadores de impostos do
que pensa nossa vã filosofia, mas isso é assunto para outro post.
A burocracia e os custos para comercializar com outros países
não facilita a vida do empresário brasileiro que deseja importar ou exportar.
Aqui, como em outros tópicos onde o Brasil fica abaixo da média e na parte
inferior da distribuição vale perguntar se melhor do que programas de
incentivos as exportações não seria reduzir burocracia e custos para quem deseja
exportar (e importar). Sai mais barato e dificulta trocas de favores.
No quesito fazer valer contrato estamos quase lá, nossa
posição no ranking global é a 58º, mais um pouco e chegamos entre os 50 melhores. Mais uma vez podemos aprender com o México.
O último quesito analisado é a solução de falências, um dos
que estamos acima de média do grupo. Reparem que mais uma vez Colômbia (32º no
ranking global) e México (33º no ranking global) podem servir de inspiração para
buscar reformas que melhorem nossa posição. Aqui vale um registro, vez por
outra aparecem pessoas preocupadas com o número de falências, por mais cruéis e
traumáticas que sejam a falência é uma parte importante do processo de crescimento
de uma economia. É por esse caminho que firmas ineficientes liberam capital e
trabalho para firmas mais eficientes. Uma boa lei de falência não é uma lei que
impede a falência, uma boa lei é aquela que facilita e reduz os custos do
processo de falências.
Como pode ser visto o desempenho do Brasil no Doing Business
deixa a desejar. É bom que o governo tenha uma meta ambiciosa como nos colocar
entre os 50 melhores nesse ranking, hoje nenhum país da América Latina
está nessa posição. Ocorre que metas ousadas exigem muito foco e muito trabalho
para elaborar e aprovar as muitas reformas que serão necessárias para
atingirmos essa meta. Um ano já passou.