Já faz algum tempo venho alertando a respeito da dívida
pública. Um país em desenvolvimento como Brasil ter uma dívida pública em torno
de 80% do PIB deveria ser motivo para deixar todo mundo preocupado com o futuro
próximo. Certamente você já viu alguém dizendo que nossa dívida não é um
problema porque existem países com dívidas muito mais altas que a nossa. É
verdade, existem, mas são países ricos que conseguem se financiar a taxas muito
mais baixas que as nossas. Para ilustrar mais uma vez a questão (outros posts
sobre o tema aqui e aqui) apresento aos leitores do blog três gráficos com
dados que mostrei em recente seminário sobre dívida pública organizado pela
Secretaria do Tesouro Nacional.
O primeiro usa dados do FMI para comparar a dívida pública
do Brasil com a de outros países emergentes. Para fazer o gráfico considerei os
países da Comunidade de Países Independentes, os países Emergentes da Europa,
os países Emergentes da Ásia e os países da América Latina e Caribe. Retirei da
amostra os países com menos de cinco milhões de habitantes e tomei a média da
relação dívida/PIB entre 2015 e 2017. Repare que apenas dois países, Ucrânia
(82%) e Sri Lanka (79%), possuem governos mais endividados que o Brasil (78%). Dos
quarenta e cinco países da amostra apenas seis possuem dívida pública maior que
60% do PIB, além dos citados estão nesta condição Hungria (74%), Sérvia (74%) e
Índia (69%). Em média a dívida pública dos países emergentes é de 43% do PIB e
a mediana é de 39% do PIB. Diante desta realidade insistir que não temos um
problema de dívida pública por conta de comparações com países ricos é tentar
tapar o sol com a peneira.
O próximo gráfico mostra que poucas vezes nossa dívida ficou
tão alta e nas vezes que ficou tivemos problema. Para fazer o gráfico usei os
dados disponibilizados por Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff na página do livro This Time is Different: Eight Centuries of
Financial Folly (link aqui). Os dados mostram a relação dívida PIB no Brasil entre 1861
e 2010. Repare que em apenas três ocasiões a relação dívida/PIB no Brasil,
conforme medida pelos autores do livro, fica acima de 90%. A primeira foi na
transição do Império para a República, a segunda foi na transição da República
Velha para o Estado Novo que coincidiu com a Grande Depressão e a terceira foi
na transição do Regime Militar para a Nova República, período caracterizado,
entre outras coisas, por uma década perdida e uma hiperinflação. Se a
comparação internacional não foi suficiente para deixar o leitor preocupado
espero que o retrospecto de nossa história faça isso. Dívida pública alta
costuma vir acompanhada de problemas na economia e na política.
O último gráfico não estava na apresentação, na realidade é
uma combinação do gráfico acima e do dos dados do FMI para dívida pública
brasileira. Tais comparações são delicadas, dados elaborados de forma
diferentes contam histórias diferentes e nem sempre são comparáveis, por
exemplo a série do FMI considera o governo em geral e a do livro considera
apenas o governo central. Ainda assim corri o risco na tentativa de mostrar o
tamanho de nosso problema. Para dar clareza aos números optei por sobrepor as
figuras e não por continuar uma série a partir da outra, assim o leitor pode
ver claramente as diferenças nas duas medidas da dívida pública como proporção do
PIB.
O problema é grande e precisa de solução. Ignorar o problema
da dívida pública é contratar uma crise para os próximos anos que provavelmente
virá acompanhada de inflação fora do controle. A solução via aumento de impostos
não me parece adequadas, nossa carga tributária é alta para um país emergente
(ver aqui), o caminho passa por redução de gastos. Entendo que redução de
gastos causa problemas, eu não estou feliz com a possibilidade de não ter
aumento no próximo ou de pagar mais para a previdência, mas a questão é que o
ajuste será feito de um modo ou de outro. Por pior que sejam os cortes de
gastos não são a pior forma de resolver o problema, isso é particularmente
verdade quando se considera os mais pobres.