A queda do investimento observada nas contas nacionais
relativas ao primeiro trimestre de 2019 assustou um bocado de gente. O susto
tem suas razões. Queda no investimento significa redução na capacidade de
produção futura e sugere que os empresários não estão confiantes com o futuro
da economia. Fica pior, como a compra de novas máquinas e equipamentos é uma
das maneiras mais importantes de colocar novas tecnologias no processo produtivo
a falta de investimentos pode acabar por comprometer a produtividade afetando o
crescimento de longo prazo. Se o leitor é daqueles que olha a macroeconomia
pela demanda a queda do investimento traz uma preocupação adicional que é a
queda na demanda agregada. Enfim, existem muitos bons motivos para se preocupar
com a queda do investimento.
Todos os perigos acima e mais uns tantos outros foram e estão
sendo discutidos em vários textos em blogs, jornais e rede sociais. Porém tem
um perigo que raramente é apontado e que pode ser mais desastroso que qualquer
um dos outros que citei. Meu maior medo com a queda do investimento é que a pressão
para estimular a economia por meio de subsídios ou outras medidas focadas no
investimento se torne insuportável. Conheço boa parte da equipe econômica, sei
que eles sabem o perigo que seria estimular o investimento, mas também sei que
algumas vezes a pressão política fica muito forte e a equipe econômica acaba
sendo obrigada a escolher entre ceder ou pedir para sair. No momento não creio
que estejamos próximos a esse ponto, mas, paranoico que sou, resolvi fazer o alerta
menos para equipe econômica e mais para quem já começa a pressionar por medidas
de estímulo ao investimento.
Como disse antes nesse mesmo post investimento é uma
variável importante, também já disse em outros lugares que a taxa de investimento
no Brasil é baixa e precisaria ser mais alta para que possamos ter uma boa
trajetória de crescimento. Ocorre que o aumento da taxa de crescimento não pode
ser obtido a qualquer custo, a verdade é que investimento é uma variável muito
perigosa. É muito fácil errar na mão nas tentativas de estimular o investimento
e acabar gerando desastres.
Antes de seguir peço licença ao leitor para fazer uma comparação
que não tem relação com economia. Imagine um jovem muito fraquinho que precisa
ganhar massa muscular, o caminho para isso passa por uma dieta adequada e
intermináveis seções de ginástica/musculação. Se fizer tudo direitinho o jovem
vai ficar mais forte e mais saudável, mas existem tentações no caminho. Durante
os intermináveis (e infernais) treinos na academia o jovem pode esbarrar com a
possibilidade de tomar anabolizantes que aceleram o crescimento muscular. Em circunstâncias
específicas e com o devido acompanhamento médico os anabolizantes podem até
ajudar, não sei dizer, mas no mais das vezes os anabolizantes podem fazer um
estrago na saúde com consequências muito mais graves que se o jovem tivesse
ficado fraco. Mal comparando os estímulos ao investimento são como os anabolizantes.
Teoricamente, se aplicados de forma correta e com o devido acompanhamento podem
até ajudar, mas no mais das vezes são desastrosos.
A figura abaixo mostra a taxa de investimento, medida como a
razão entre formação bruta de capital fixo e o PIB, no Brasil
pós-estabilização. Repare que fica abaixo de 20% durante quase todo o período
apresentando trajetória de queda até 2003, considerando o esforço para evitar
uma volta à hiperinflação a queda da taxa de investimento a partir de meados da
década de 90 não chega a ser um espanto. Em 2003 a taxa de investimento bate em
16,5% e começa a subir. Não foi um crescimento artificial, pelo contrário, em
2003 o recém empossado governo Lula implementou um aperto fiscal com Palocci na
Fazenda e um aperto monetário com Meirelles no BNDES. Em 2005 o aumento da taxa
de investimento ganha força, naquele ano começava a ser preparada a guinada na
política econômica. Foi em 2005 que a então Ministra da Casa Civil, Dilma
Roussef, barrou o plano de ajuste fiscal de longo prazo apresentado por
Palocci, em 2006 o Ministro da Fazenda passa a ser Guido Manega, um entusiasta
das teses desenvolvimentistas, e em 2007 é lançado o Plano de Aceleração do
Crescimento (PAC).
A tacada decisiva para a guinada da política econômica veio
em 2008 com a Crise Financeira nos EUA. A queda da taxa de investimento em 2009
era absolutamente natural e até certo ponto desejável dado que representava a adequação
da economia brasileira ao mundo pós-crise. A equipe econômica liderada por Mantega
pensava diferente e aprofundou a estratégia de estímulo ao investimento simbolizada
pelo Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Ao contrário do PAC que era
mais uma peça de propaganda vinda da unificação de vários planos de
investimento existentes com foco em infraestrutura o PSI era um típico programa
de estímulo com uso e abuso de crédito subsidiado. O Programa Minha Casa Minha
Vida (PMCMV), também de 2009, complementava o PAC como mecanismo ao estímulo de
investimento em residências.
O objetivo de elevar a taxa de investimento deu certo. Mesmo
no meio de uma crise internacional a taxa de investimento no Brasil ficou acima
de 20% de 2010 a 2014, em nenhum outro período desde a estabilização tivemos
taxas de investimento tão altas. Na verdade, desde 1989 não tínhamos taxas de
investimento acima de 20%. Ocorre que no lugar de prosperidade os cinco anos seguidos
de taxa de investimento acima de 20% desembocaram na crise gigantesca que ainda
estamos vivendo. Em 2014 os anabolizantes cobraram o preço e a taxa de
investimento começou a cair. Com todo tipo de malandragem que incluíram fraude
fiscal para bancar as políticas de estímulo de ao investimento foi possível
manter a taxa de investimento acima de 20% em 2014. O esforço desesperado e destrambelhado
foi suficiente para que o governo ganhasse a eleição daquele ano, mas agravou
ainda mais a crise que já se revelava. A última dose de anabolizante para
chegar forte no verão quase matou o paciente.
Em 2015 a taxa de investimento caiu para 18,2%, em 2016 foi
de 16,5% e em 2017 chegou a 16,9%, valor mais baixo da série, em 2018 houve uma
recuperação e a taxa foi para 16,5%. A queda do investimento no primeiro
trimestre de 2019 faz parte desse processo, por certo existe na queda um reflexo
das confusões que o governo fez em seus primeiros meses, mas isso não muda a realidade
do contexto em que ocorre a queda. Se a queda decorre unicamente das confusões,
como parecem acreditar alguns colegas, a solução é acabar com as confusões e
não fazer políticas de estímulo ao investimento. Particularmente perigosa é a ideia
de calibrar a política monetária (ou cambial) olhando para estímulos ao
investimento e não pela inflação. Deixem o Banco Central fazer o trabalho dele
no controle da inflação, manter a estabilidade é melhor contribuição que o BC pode
dar ao crescimento, ao combate à pobreza, a redução da desigualdade e etc.
Não é a primeira vez que vemos um ciclo de investimento alto
ser seguido por uma crise no Brasil. A figura abaixo expande a anterior para
incluir o período de 1970 a 1995. Repare que o ciclo de altas taxas de
investimento, entre 1974 e 1976 ficou acima de 30%, é seguido de uma queda
brusca chegando a 20,1% em 1984. No meio de todo tipo de distorções valendo
desde maxidesvalorizações do câmbio no governo Figueiredo até congelamento de
preços no governo Sarney conseguiram “recuperar” a taxa de investimento que chegou
a um pico de 23,2% em 1986. Foi a última vez que tivemos uma taxa de
investimento superior a 23%, a partir daí foi ladeira abaixo com direito a década
perdida e hiperinflação.
Não estou dizendo que a crise da década de 1980 ou a crise
atual decorrem unicamente de políticas de incentivo ao investimento, assim como
a queda de um avião grandes crises resultam de uma série de erros, mas afirmo
que tais políticas tiveram um papel decisivo na construção dessas crises. Via
de regra estímulos ao investimento levam à produção de bens que não são
desejados ou à produção ineficiente de bens desejados. Nos dois casos ocorre
uma perda de eficiência da economia, em tese, se muito bem trabalhada, essa
perda de eficiência pode ser pequena e até mesmo vir a ser compensada por
ganhos de eficiência no futuro. Mesmo que essa tese seja verdadeira a prática
do Brasil mostra que não sabemos dosar os estímulos, tanto a década de 70
quanto período entre 2005 e 2014 foram pródigos em projetos megalomaníacos,
compadrios e projetos simplesmente errados.
No caso mais recente a Polícia Federal e o Ministério Público
mostraram para além de qualquer dúvida razoável que muitos dos estímulos foram
movidos à corrupção. Da década de 70 é mais difícil falar, não possuíamos na época
a instituições necessárias para expor as entranhas dos estímulos. De toda
forma, com ou sem corrupção, retomar uma política de estímulos é repetir um
erro que já nos custou algumas décadas e nada indica que dessa vez será
diferente. O caminho das reformas é lento e sofrido, mas é o único caminho que
temos para corrigir os erros passados e preparar um futuro melhor. Paulo Guedes
sabe disso, espero que Bolsonaro também saiba o suficiente disso para resistir
as pressões que virão e seguir no caminho das reformas.