terça-feira, 20 de junho de 2017

América Latina e países emergentes da Ásia: Ambiente de negócios.

Seguindo o post anterior (link aqui) nesse post vou comentar as diferenças no ambiente de negócios nos países emergentes da Ásia e nos países da América Latina e Caribe. Para fazer essa comparação usei os dados do Doing Business (link aqui) elaborados pelo Banco Mundial disponíveis entre 2005 e 2015 junto com a classificação de grupos de países usada pelo FMI, fiquei com 22 dos 30 países emergentes da Ásia e 28 dos 32 países da América Latina e Caribe. Usei as variáveis de tempo por acreditar que são mais fáceis de comparar entre países do que custos como proporção do PIB e número de procedimentos. Desta forma useis as variáveis: tempo para construir armazém, tempo para fazer valer um contrato, tempo para pagar impostos, tempo para resolver insolvência e tempo para começar um negócio.

A figura abaixo mostra a média de cada uma destas variáveis para os países emergentes da Ásia e para América Latina e Caribe. Repare que embora a diferença não seja muito grande os países emergentes da Ásia, que (ainda) são mais pobres do que nós, se saíram melhor em todos os itens usados para comparação.




Para uma visualização melhor das diferenças entre os países dos sois grupos a figura abaixo mostra o diagrama de caixa para cada grupo de países e cada variável considerada. Repare que em todos os critérios menos o tempo para abrir um negócio a mediana, linha vertical em negrito, da América Latina e Caribe fica cima do mediana dos países emergentes da Ásia. Isso significa que o país que está bem no meio da amostra da América Latina e Caribe leva mais tempo para cada um dos procedimentos, com exceção do tempo para abrir um negócio, que os país que está bem no meio da amostra dos emergentes da Ásia. Isso é preocupante para “nuestra” América. Como bem sabemos aqui no Brasil em um ambiente de negócios ruim mesmo que sejam jogados bilhões de dólares em subsidio a investimento o resultado não é dos melhores. Nem semente boa prospera em terra ruim. Por falar em Brasil, vejam aquele ponto que distorce totalmente o diagrama de caixa para tempo de pagar impostos na América Latina e Caribe, aquele país que está acima de 2000 horas enquanto a média nos países emergentes da Ásia é de 231 horas e a média na América Latina e Caribe é de 415 horas, pois bem, somos nós.




Uma outra maneira de ver a diferença entre os dois grupos de países é olhando a densidade das duas distribuições, densidade é um conceito técnico que não costumo usar aqui no blog, grosso modo quanto mais para esquerda estiver cada grupo melhor, pois estar à esquerda significa mais países com menos tempo para cada um dos critérios usados. Repare que no tempo para construção de armazéns, no tempo para fazer valer um contrato e no tempo para pagar impostos os países emergentes da Ásia aparecem com mais frequência nos valores mais baixos, esquerda do gráfico. No quesito tempo para resolver insolvência os países emergentes da Ásia dominam a posta esquerda e a ponta direita, ou seja, alguns estão muito bem e outros estão muito mal, a turma da América Latina e Caribe fica pelo meio. Por fim, no tempo para começar um negócio os dois ficam bastante próximos, com a América Latina e Caribe se saindo melhor quando consideramos a mediana e os emergentes da Ásia se saindo melhor quando o critério é a média. Isso acontece por conta de um país que “puxa” a distribuição da América Latina e Caribe para direita, aquela mancha verde no final do gráfico. O país é o Suriname, mas não reclame de nossos vizinhos, aquela mancha verde que “puxa” a distribuição do tempo de pagar impostos na América Latina e Caribe somos nós.




Os critérios usados nesse post sugerem que os países emergentes da Ásia possuem um ambiente de negócios mais favorável ao empreendedorismo do que os países da América Latina e Caribe. A diferença não é tão grande, mas é consistente entre os vários critérios. Como foi visto no post anterior, os países emergentes da Ásia, em média, são mais pobres que os países da América Latina e Caribe, mas estão se aproximando. Lá vimos que eles poupam e investem mais do que nós, aqui vimos que estão com ambiente de negócios melhor que os nossos. Depois não se espantem quando seus netos resolverem migrar para a Indonésia ou para Índia.


domingo, 18 de junho de 2017

América Latina e países emergentes da Ásia. Vamos ficar para trás de novo?

Quando pensamos em países pobres que estão tentando crescer é comum lembrarmos dos países da Ásia, excluídos países avançados como Japão e Coreia do Sul tais países são, em média, mais pobres que o Brasil e a média da América Latina e Caribe. Ocorre que tais países estão crescendo mais rápido que nós e, mantendo esse ritmo, em breve poderão repetir o feito da Coreia do Sul e os outros “Tigres Asiáticos” nos deixando para trás. Seria mais uma confirmação da tese dos economistas Harold Cole, Lee Ohanian, Alvaro Riascos e James Schmitz (link aqui) que a América Latina é o caso mais difícil de explicar de fracasso em termos de crescimento econômico? Por que mesmo usufruindo de relativa paz e baixa intensidade de conflitos étnicos ou culturais não conseguimos crescer? Estamos condenados a mais cem anos de solidão?

Estou entre os que acreditam que o maior problema da América Latina é a baixa produtividade e que este fenômeno não é explicado apenas por problemas de capital humano, não estou sozinho, os economistas que citei acima seguem essa mesma tese. Caso tenha interesse no tema recomendo fortemente que leiam o texto no link. Mas, como falo sempre de produtividade e tem gente que não gosta muito do assunto vou destacar outras diferenças entre os países da América Latina e do Caribe e os países emergentes da Ásia. Nesse post vou caracterizar a aproximação na renda dos dois grupos de países e tratar da poupança e investimento, em posts futuros farei outras comparações.

Os dados utilizados são do FMI (link aqui), selecionei as variáveis já agregadas por grupos de países. Para uma lista dos países de cada grupo ver aqui, vale registrar que na lista dos países asiáticos não estão países considerados avançados como Japão, Coreia do Sul e Singapura. A figura abaixo mostra o PIB per capita, corrigido por paridade do poder de compra, dos países da América Latina e Caribe e dos países emergentes da Ásia, repare que ainda somos mais ricos, mas a diferença está diminuindo.




Caso a aproximação da renda não tenha ficado visível a figura abaixo mostra o PIB per capita dos países emergentes da Ásia como proporção do PIB per capita dos países da América Latina. É fácil ver que tal proporção cresce com o tempo. Em 1980, primeiro ano da amostra, os países emergentes da Ásia tinham um PIB per capita que era aproximadamente 12% do PIB per capita dos países da América Latina e Caribe, e, 1990 essa proporção tinha subido para 21%, em 2000 já era de 31% e em 2016, último ano da amostra, chegou a 70%. Se esta proporção continuar subindo assim nossos netos, ou mesmo nossos filhos, vão olhar para o Vietnã como hoje olhamos para Coreia do Sul, uma mistura de admiração e inconformismo de porque não fizemos o mesmo.




Para quem gosta de taxas de crescimento a figura abaixo mostra o que aconteceu em cada grupo de países entre 1980 e 2016. Repare que em praticamente todos os anos do período analisado os países emergentes da Ásia cresceram mais que os países da América Latina e Caribe. Não é período homogêneo, aqui no Brasil durante este tempo tivemos o final do regime militar, a transição democrática de Sarney, a crise política de Collor, o período reformista de FHC e Lula, a guinada desenvolvimentista no segundo mandato de Lula, o governo Dilma e a crise política de Dilma e Temer. Outros países do continente também passaram por mudanças do tipo, alternando governos autoritários, reformistas e populistas. Tivemos a crise da década de 1980, o boom das commodities e o colapso dos regimes populistas. Porém, em todos estes períodos, não conseguimos crescer consistentemente mais do que os países emergentes da Ásia. Qual o nosso problema? Quais as virtudes deles?




Comecemos pelo suspeito usual. A figura abaixo mostra a taxa de investimento nos dois grupos de países. Notem como a taxa de investimento subiu nos países emergentes da Ásia e comparem com a trajetória de nossa taxa de investimento. Enquanto eles saem de um patamar próximo a 30% e vão para um nível próximo a 40%, nós ficamos estagnados em torno de 20%. Investir mais significa mais capacidade de produção e, talvez mais importante, incorporar novas tecnologias ao processo produtivo, claro, desde que o investimento seja bem feito. Naturalmente investir mais também significa sacrifícios presentes em nome da construção do futuro, os asiáticos poderiam ter um melhor padrão de consumo se investisse menos, mas, muito provavelmente, não estariam crescendo tão mais que a América Latina e Caribe se tivessem feito isso. Se nossos filhos se perguntarem porque ficamos para trás talvez seja o caso de respondermos dizendo que escolhemos pensar mais em nós do que neles.




Sempre que falamos em investimento pensamos em poupança. Existe muito debate sobre se poupança determina investimento ou se investimento determina poupança, eu estou entre os que acreditam que ambos são determinados conjuntamente como costuma ocorrer com quaisquer quantidades demandas e ofertadas que estejamos analisando. Porém, deixando de lado o debate teórico, é fato que poupança financia investimento no sentido que para alguém investir é preciso que exista poupança. Se todos consomem completamente a própria renda não existe investimento. Claro que um país pode financiar seu investimento pegando emprestado com cidadãos de outros países, é a chamada poupança externa, mais uma vez o campo aqui é minado em termos de teoria, mas do ponto de vista de financiar o investimento, que é o que interessa aqui, mais poupança, interna ou externa, permite que sejam feitos mais investimentos. A figura abaixo mostra a taxa de poupança nos países emergentes da Ásia e nos países da América Latina e Caribe, repare que os asiáticos não apenas investem como poupam mais que o latino americanos e os caribenhos. Notem que eles são mais pobres que nós, logo dizer que somos pobres e por isso não poupamos não é um bom argumento.





A questão da taxa de poupança é particularmente relevante para os desenvolvimentistas. É fácil olhar para países asiáticos e falar do câmbio, ocorre que câmbio é preço, e, como todo preço é determinado por vários fatores que interagem no mercado. Um destes fatores é a poupança. Se um país poupa o suficiente para financiar seu investimento talvez não precise atrair poupança externa, quando acontece o contrário, caso do Brasil e de boa parte da América Latina, o país precisa atrair capital externo, ou seja, precisa atrair dólares, isso aumenta a oferta de dólares e age no sentido de valorizar a moeda local. Levando isso em conta é um espanto que tantos economistas que se dizem desenvolvimentistas tenham se omitido, ou mesmo aplaudido, o aumento dos gastos, particularmente dos gastos públicos da década anterior.

Voltando a atenção para o Brasil é válido registrar que sofremos de dois males quanto ao nosso investimento. Não apenas investimos pouco como também investimos mal, o aumento na taxa de investimento que ocorreu na década passada poderia ter ajudado muito no crescimento desta década. Não foi o que aconteceu, no lugar de empresas sustentáveis investimos nas tais campeãs nacionais, no lugar de infraestrutura de transportes ou energia investimos em estádios. Deu no que deu, mas isso é assunto para outro post.


domingo, 11 de junho de 2017

Temer no Planalto é retrocesso na agenda de reformas!

Durante a década de 1990 vários países da América Latina fizeram reformas no sentido de facilitar o funcionamento do mercado, as ditas reformas liberalizantes. Abertura da economia, controle da inflação, taxas de juros realistas, controle ou pelo menos reconhecimento da questão fiscal e outras medidas do tipo deram o tom daquela década em “nuestra” América. Como resultado a combinação de recessão com (hiper)inflação que marcou o continente na década de 1980 saiu de cena, mas não veio o crescimento sonhado na maioria dos países (sobre este período no Brasil ver aqui, para uma palestra minha sobre o tema ver aqui). O crescimento frustrante levou vários economistas a buscar entender o que tinha acontecido. Para uma discussão mais ampla sobre o tema recomendo o livro “Left Behind: Latin America and the False Promise of Populism” (link aqui) escrito pelo Sebastian Edwards. Para uma referência em forma de artigo científico recomendo “Why Have Economic Reforms in Mexico Not Generated Growth?” (link aqui), Timothy Kehoe e Kim Ruhl, e “The Interaction and Sequencing of Policy Reforms” (link aqui) de  Jose Asturias, Sewon Hur, Timothy Kehoe e Kim Ruhl.

Grosso modo a literatura concluiu que reformas, particularmente abertura econômica, possuem efeitos grandes em países muito pobres, como China e Índia, ocorre que, a medida que a renda do país aumenta, o efeito não apenas diminui como passa a depender muito de outras reformas. Para deixar a questão mais concreta suponha um país muito pobre que resolve abrir a economia, em um primeiro momento a chegada de novas empresas, talvez atraídas pelos baixos salários, tem um impacto muito grande na economia do país que passa a experimentar um crescimento significativo. Porém, a medida que a renda aumenta, ou se o país que fez a reforma já tiver uma renda mais alta, será necessário que empresas cada vez mais sofisticadas e competitivas comecem a operar no país. Tais empresas precisam de mão-de-obra qualificada, estabilidade política e macroeconômica, garantias de direito de propriedade e outras medidas que dependem de novas reformas. Uma economia sem essas características, por mais que tenha baixos salários, terá dificuldades em ter empresas altamente produtivas que criem e usem tecnologia de ponta.

O Brasil e boa parte da América Latina estão exatamente nesse segundo grupo, os ditos países de renda média. Não somos pobres o suficiente para atrair empresas com salários baixíssimos como fez a China, porém não temos as condições necessárias para atrair ou criar empresas que pagam salários mais altos e trabalham próximas a fronteira tecnológica. Existem várias estratégias para resolver esse problema. Em uma ponta está a agenda de reformas que busca criar as condições para atrair ou permitir o desenvolvimento de empresas de ponta; economistas que seguem essa linha estão sempre a pedir reformas que melhorem o ambiente de negócios, garantam estabilidade macroeconômica, qualifiquem a mão-de-obra, aumentem a produtividade e etc. Na outra ponta está o que vou chamar com alguma impropriedade de desenvolvimentismo; economistas dessa linha acreditam que via controle de preços, especialmente câmbio e juros, e subsídios o governo pode atrair de empresas de ponta que não viriam em condições normais, uma vez que as empresas tivessem instaladas seria mais fácil criar as condições para que continuassem operando. Entre as duas pontas existem uma infinidade de possibilidades que costumam aparecer em vários países, inclusive no Brasil e na América Latina.

Pois bem, a partir de 2006 o Brasil largou a agenda de reformas e tomou o caminho do desenvolvimentismo. Vários economistas desenvolvimentistas, ressabiados com os anos onde a agenda de reformas predominou, correram para apoiar os governos que aplicaram a estratégias de subsídios e controle de preços. Alertados para os vários escândalos que tais governos estavam envolvidos, inclusive comprometendo a aplicação da agenda desenvolvimentista, muitos deles preferiram fazer vista grossa em nome do que acreditavam, ou queriam acreditar, ser a oportunidade de implementar políticas econômicas que consideravam corretas. Por conta disso economistas desenvolvimentistas, inclusive os que pularam do barco antes do naufrágio, acabaram pagando a conta perante a opinião pública quando a experiencia de política econômica pós-2006 desaguou na maior crise econômica de nossa história.

Aqui chego ao ponto central do post de hoje: eu não vou cometer o mesmo erro dos desenvolvimentistas. Desde o final de 2014 o governo vem acenando uma guinada na direção da agenda de reformas. Porém, apenas após a posse de Temer, foi possível ver o governo realmente empenhado com as reformas. O teto de gastos, a reforma de previdência e a reforma trabalhista são as mais visíveis, mas o tom reformista do governo apareceu em outras ações. Mesmo com críticas pontuais apoiei cada uma das reformas propostas pelo governo Temer. Fiz isso por acreditar que tais reformas tornarão o Brasil um país melhor e mais rico.

Desde a divulgação do áudio da JBS a coisa mudou de figura. A permanência de Temer no governo pode até ajudar com algumas reformas, particularmente a trabalhista, mas definitivamente vai na contramão da melhora do ambiente institucional que tanto precisamos. A lei trabalhista brasileira espanta empresas, mas a existência de empresas cujos donos se reúnem com o Presidente da República na calada da noite para discutir crimes e tratar de interesses da empresa espanta mais ainda. Pior, as empresas que mais fogem de coisas assim são as que mais precisam de estabilidade institucional, exatamente as empresas que usam e criam tecnologia de ponta. Da mesma forma são tais empresas que fogem de cortes que julgam de acordo com a conveniência dos poderosos de plantão. Para extrair minério a condição institucional do país talvez não seja tão importante, abundância de recursos naturais e salários baixos podem ser mais do que suficientes para garantir boas margens de lucro. Para produzir tecnologia e/ou trabalhar na fronteira salários baixos e abundância de recursos naturais talvez sejam irrelevantes, é preciso um bom ambiente de negócios, são necessárias instituições que garantam o direito de propriedade, enfim, é preciso que exista confiança.

Manter o governo Temer depois de tudo que aconteceu é assinar mais um atestado de República de Bananas, o tipo de coisa que vai contra tudo que acredito ser a agenda reformista. Por isso, e por outros motivos, creio que mesmo que as reformas em andamento sejam prejudicadas o melhor para o Brasil é a retirada de Temer do Palácio do Planalto.



segunda-feira, 5 de junho de 2017

Percepção de Corrupção e Liberdade de Imprensa

Esta semana as críticas à Lava Jato subiram de tom, parece que a medida que os procuradores e delegados envolvidos na operação ampliam o leque das investigações, atingindo o PMDB e o PSDB, as forças políticas se unem contra a Lava Jato. Tal fenômeno era esperado e cabe à sociedade resistir fazendo valer a tese de que tiramos Dilma e depois, se fosse o caso, tiraríamos os outros. É o caso. Na guerra contra a Lava Jato vale tudo, de ameaças a estabilidade da economia (ver link) a teorias a respeito de que a imprensa é culpada pela sensação de que vivemos em um mar de lama.

A ideia que acobertar a corrupção possa de alguma forma ser bom para economia chega a ser ofensiva. Boa parte dos avanços mais recentes da teoria do crescimento econômico mostram que quanto mais inclusivas as instituições de um país mais próspera será a economia deste país. É difícil não pensar a corrupção com seus acordos de bastidores como exemplo de uma instituição extrativa, é impossível não pensar que a transparência trazia pelos investigadores do Ministério Público, mesmo com alguns exageros pontuais, é uma tentativa de substituir instituições extrativas por instituições inclusivas.

Efeito parecido vale para a imprensa. Parece fácil pensar que a imprensa desestabiliza o país com tantas notícias de corrupção e cair na tentação de que é preciso controlar a imprensa. Nada mais longe da realidade. Uma imprensa livre é peça fundamental na construção da credibilidade das instituições e leva a uma situação de mais estabilidade e menos corrupção no longo prazo.

Para ilustrar meu ponto peguei os dados de liberdade de imprensa do Repórteres sem Fronteira (Reporters without borders, link aqui) e os dados de percepção da corrupção da Transparência Internacional (Transparency International, link aqui). O primeiro é elaborado a partir de questionários preenchidos por especialistas em 180 países que avalia indicadores de pluralismo, independência da imprensa, ambiente e auto censura, legislação, transparência infraestrutura e abusos. O segundo considera várias fontes de informação e leva em conta a percepção de empresários e especialistas a respeito da corrupção. A valer a tese que a imprensa é responsável pela sensação de corrupção seria de se esperar que países com mais liberdade de imprensa tivessem mais percepção de corrupção. Não é o que mostra a figura abaixo, pelo contrário, quanto maior a liberdade de imprensa menor a percepção de corrupção.




Alguém poderia imaginar estarmos diante de um exemplo do Paradoxo de Simpson (link aqui), que a relação da figura acima só existe porque misturamos países com características diferentes. É uma hipótese, não nego, para verificar se é o caso fiz a regressão para grupo de países. Em todos os grupos a relação ficou negativa, mais liberdade de imprensa menos percepção de corrupção, apenas nos países emergentes da Ásia e nos países emergentes da Europa a relação foi não significativa, sendo que esse último grupo tem apenas cinco países o que torna difícil achar qualquer relação significativa. A figura abaixo ilustra a regressão por grupos.





Naturalmente a análise desse post não permite afirmar que mais liberdade de imprensa causa menos percepção de corrupção, muito embora eu acredite que seja o caso, pois, com o tempo, a sensação que a imprensa divulga tudo o que acontece faz com que as pessoas acreditem mais nas instituições em tempos que o noticiário policial não se confunde com o noticiário político. O que a análise faz é dificultar um pouco mais a vida de quem quer calar a imprensa em nome de uma ilusão de estabilidade e tranquilidade econômica. Assim como em tanto outros casos, a perseguição de ilusões desse tipo pode ser fatal.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Contas Nacionais do primeiro trimestre de 2017: ainda não temos o que comemorar.

Saíram as contas nacionais relativas ao primeiro trimestre de 2017 (link aqui e aqui), depois de uma sequência de quedas o PIB voltou a crescer. Foi o suficiente para o governo comemorar e anunciar o fim da recessão (link aqui), eu não seria tão rápido em abrir o champanhe. Primeiro porque os dados não refletem os impactos da delação da turma da JBS; segundo porque, mesmo ignorando as delações, o crescimento do primeiro trimestre não parece muito robusto; terceiro porque houve mudanças metodológicas que afetam o resultado e por fim depois de tantas quedas um crescimento em um trimestre relativo ao anterior não é exatamente algo a ser comemorado com muito barulho.

A figura abaixo mostra o crescimento do PIB quando comparados os últimos quatro trimestres com os quatro trimestres anteriores, o atual trimestre com o trimestre anterior, o atual trimestre com o mesmo trimestre do ano anterior e o acumulado ao longo deste ano com o acumulado ao longo do mesmo período do ano anterior. Repare que pelo primeiro critério, o que captura os últimos doze meses, o PIB caiu 2,3%. Repare também que quando comparado ao trimestre anterior o PIB caiu 0,4%. O aumento só aparece quando são comparados o primeiro trimestre de 2017 com o último trimestre de 2016 e após o ajuste de sazonalidade.




Comecemos analisando o festejado 1% de crescimento neste trimestre em comparação ao trimestre anterior. A figura abaixo mostra o crescimento dos componentes do PIB pela ótica da despesa e pela ótica da produção. Pelo lado da despesa houve queda no investimento, no consumo das famílias e no consumo do governo, vale destacar que desta vez o esforço de contenção de gastos do governo foi maior que o das famílias. Como as importações entram de forma negativa no cálculo do PIB o único componente que puxou a despesa para cima foram as exportações. Isso significa que o crescimento da despesa ocorreu por conta do resto do mundo, isso não necessariamente é bom ou ruim, mas merece registro.




Na ótica da produção os serviços, maior de todos os setores, teve crescimento zero, ou seja, ficou parado e a indústria cresceu 0,9%. O crescimento significativo ocorreu na agropecuária que aumentou o valor da produção em 13,4% quando comparado ao último trimestre de 2017. Juntando o lado da produção com o da despesa é possível concluir que o crescimento for praticamente todo devido ao aumento da venda de produtos agropecuários para o exterior. Nada de muito surpreendente, mas não pode ser creditado à política econômica. O festejado crescimento foi um choque externo positivo.

Quando comparamos o primeiro trimestre de 2017 com o primeiro trimestre de 2016 observamos uma queda de 0,4% no PIB. A figura abaixo mostra o crescimento do PIB pela ótica da despesa e pela ótica da produção. Assim como na comparação com o trimestre anterior a análise pela ótica da despesa mostra queda no consumo das famílias, no consumo do governo e no investimento. Porém, nesta comparação, o esforço das famílias foi maior que o do governo, o que mostra que o governo vem aumentando o esforço de contenção de gastos de consumo. A queda significativa do investimento mostra que uma recuperação consistente da economia ainda não está no horizonte.



Pelo lado da produção houve queda 1,7% nos serviços e de 1,1% na indústria, mais uma vez a agropecuária salvou o período com crescimento de 15,2%. Confundir choques positivos vindos do exterior com uma trajetória de crescimento sustentando é um erro que não podemos cometer novamente. Tais choques devem ser vistos como uma oportunidade de compensar efeitos negativos de curto prazo de reformas estruturais e do ajuste fiscal.

Na agricultura receberam destaque do IBGE a soja, crescimento de 17,5% na quantidade produzida, o milho (46,8%), o arroz (13,5%) e o fumo (28,4%). Na indústria a queda não foi maior por conta da indústria extrativa mineral, que cresceu 9,7%, assim como a agropecuária tal crescimento foi devido a fatores externos. A indústria da construção civil uma queda de 6,3% e, o aprofundamento da incerteza por conta da crise política, pode adiar a recuperação desse setor. No setor de serviços vale destacar a queda de 2,5% no comércio, atacado e varejo, comportamento consistente com a contração o consumo das famílias.

A comparação com os quatro últimos trimestres, que reflete o desempenho da economia no último ano corrido o PIB caiu 2,3%. Assim como as figuras anteriores a figura abaixo ilustra a variação do PIB nesta comparação. Tanto pela ótica da despesa quando pela ótica da produção o único crescimento observado foi na agropecuária. A queda de 6,7% do investimento dá a dimensão da crise que estamos passando.




Olhando um maior período de tempo fica claro que menos que uma recuperação estamos vivendo uma diminuição da intensidade da queda, tal diminuição começou no terceiro trimestre de 2016. Como já foi discutido aqui no blog o Brasil passa por duas crises econômicas (link aqui). Uma de curto/médio prazo que está associada aos desequilíbrios macroeconômicos do governo Dilma e dos erros de política que começaram lá por 2006, outra de longo prazo que é caracterizada pelo baixo crescimento da produtividade nas últimas décadas. A redução no ritmo de queda do PIB está relacionada as expectativas de melhoras na política macroeconômica e na reversão das políticas erradas, mas, por mais importante que sejam, expectativas sozinhas não movem moinhos. Para que saiamos da crise de curto médio/prazo é necessário que pelo menos ocorra um ajuste fiscal e um controle da inflação. Os números mostram que tais medidas estão em andamento, o grande perigo é que a crise política leve o governo a rever tais medidas e a apostar em estímulos que podem ter efeitos de curtíssimo prazo ao preço de agravar mais ainda as duas crises que vivemos.



Um último ponto a ser comentado é o aumento da taxa de poupança que foi de 13,9% no primeiro trimestre de 2016 para 15,7% no primeiro trimestre deste ano. O valor ainda é baixo, mas o aumento da taxa de poupança no meio de uma crise pode ser um sinal que estamos começando a nos preocupar mais com o futuro. Ademais, por conta da queda na taxa de investimento, a taxa de poupança ficou maior que a taxa de investimento que foi 15,6% neste trimestre. Assim como outros números de comércio exterior a taxa de poupança ficar acima da taxa de investimento não é algo necessariamente bom ou ruim, mas merece ser registrado.