terça-feira, 30 de julho de 2013

IDHM e as Reformas ou Nunca antes na história deste país...

Com a divulgação do índice de desenvolvimento humano municipal brasileiro (IDHM) ganhamos mais um indicador do desempenho da economia brasileira pós-reformas. Depois de pelo menos quarenta anos de políticas desenvolvimentistas o Brasil resolveu dar uma oportunidade as reformas pró-mercado. Longe de ter sido uma escolha espontânea a opção pelas reformas foi tomada por falta de qualquer outra opção disponível após o colapso da estratégia desenvolvimentista na década de 1980. É importante ressaltar este ponto, pois ajuda a explicar a razão de não termos investido a fundo nas reformas, fizemos o mínimo de reformas necessárias para tirar a economia brasileira do atoleiro em que estava. Mas fizemos, e vinte anos depois é possível ver como este modesto ímpeto reformista mudou a economia brasileira.

A figura (tirada do Atlas de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro) mostra o IDHM em 1991, 2000 e 2010. Temos um retrato dos municípios brasileiros no início das reformas, no meio e no final do período de revisão (mas não reversão) das reformas. Em 1991 o IDHM do Brasil como um todo era 0,492, o Brasil era então um país de muito baixo desenvolvimento humano, em 2000 o IDHM era 0,612, dez anos de reforma o Brasil já era um país de médio desenvolvimento humano, por fim, em 2010, o IDHM era de 0,727. Em vinte anos de reformas o Brasil deixou de ser um país de desenvolvimento humano muito baixo (a pior classificação) e passou a ser um país de médio desenvolvimento humano (a segunda melhor classificação). Entre 1991 e 2000 o IDHM aumentou 24,4%, entre 2001 e 2010 aumentou 18,8%, considerando o período como um todo o IDHM aumentou 47,8%.



Ao contrário do crescimento concentrador de renda pessoal e regional que ocorreu no período desenvolvimentista o crescimento do IDHM beneficiou todas as regiões brasileiras e abarcou todos os indicadores considerados no IDHM. A expectativa de vida ao nascer subiu de 64,7 para 73,9 anos. A população com idade de 5 a 6 anos que frequenta escola subiu de 37,3% do total em 1991 para 71,5% em 2000 e chegou a 91,1% em 2010. Em 1991 85,8% dos municípios brasileiros tinham desenvolvimento humano muito baixo, esta percentagem caiu para 41,8% em 2000 e incríveis 0,6% em 2010. Na outra ponta não tínhamos municípios com desenvolvimento humano alto ou muito alto em 1991, em 2010 estes municípios somaram 34,7% do total de municípios (33,9% de alto desenvolvimento e 0,8% com desenvolvimento muito alto).


Os números são acachapantes. Por qualquer critério usado no índice de desenvolvimento chega-se a conclusão que vinte anos após as reformas o Brasil está muito mais desenvolvido do que quando as reformas começaram. Lembrem destes números toda vez que alguém falar que as reformas só beneficiaram os mais ricos e quebraram o Brasil, foi o contrário. A partir de 2006 o governo brasileiro começou a abandonar a agenda de reformas e a partir de 2011, com Dilma, começou uma agenda de contra reformas. Proteger a indústria voltou a ser mais importante que proteger os cidadãos. A quem interessa o abandono das reformas? Quem ganha com isto? Pensem nisto.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Conversa com Marco Martins e uma Provocação sobre o Déficit da Previdência

Após publicar o post sobre o Impasse tive a satisfação de receber um retorno do Marco Martins (autor do texto original do Impasse a que me referi no post). Para minha sorte o mecanismo de comentários do blog estava com problemas e o Marco resolveu me mandar o comentário por e-mail, o que acabou por me propiciar a oportunidade de marcar uma conversa com ele para falarmos de economia brasileira. O comentário que ele mandou segue abaixo:

"Olá, Roberto, aqui é o Marco Antonio. Acabo de saborear seu post sobre o meu "Impasse",  fiquei muito agradecido e estimulado pelas suas palavras. Minha sensação é a de que ele traz muito mais perguntas do que respostas, perguntas que, se respondidas, poderiam ajudar a compreensão dos porquês das duas décadas perdidas e da falta de dinamismo da economia brasileira, sempre carente de um poderoso mercado interno, sempre refém dos preços das commodities. Quando escrevi o texto pensava que tudo se tratava de um grande erro de política econômica, mas quando descobri que todo aquele prejuizo astronômico foi imposto só para beneficiar algumas poucas empresas da petroquímica, levei um susto. Nunca pensei que negócios e governos pudessem ser tão irresponsáveis com a economia e com o povo. "Impasse" mostra apenas a ponta do iceberg, há muito mais ainda para ser pesquisado e entendido. O "Impasse - II" pode ser encontrado em http://www.aeconomiadobrasil.com.br/artigo.php?artigo=44. Não é apenas um resumo, pois traz informações muito importantes a respeito da literal destruição, pelo governo Geisel, das regras de formação dos preços dos derivados do petróleo. Novamente, obrigado pelas suas palavras e quem sabe, seu post vai estimular outros pesquisadores a mergulharem no assunto."


O resultado da conversa aparecerá nos próximos posts. Falamos sobre subsídio ao petróleo e como isto afeta alocações de recursos e a balança comercial, sobre os subsídios do BNDES, sobre câmbio e sobre privatizações concessões. Como não podia deixar de ser falamos sobre previdência e sobre este tema recebi uma provocação que quero compartilhar aqui.

Em determinado momento ele me perguntou quanto paguei para nascer. Respondi que eu não tinha pago nada, mas que meu pai tinha. A provocação continuou, não se tratava do custo do hospital. O ponto é que quando nasci já existiam ruas, hospitais, penicilina,viadutos, delegacias de polícia, telefone e várias outras coisas comuns à vida civilizada do início da década de 1970. A pergunta é: quanto vale nascer em mundo que tenha tudo isto? Quanto paguei por isto?

Quando falamos de déficit da previdência está implícita a ideia que os mais jovens financiam os aposentados. Entretanto não se contabiliza a dívida que os jovens tem com os velhos por nascer em um mundo com muitas coisas já feitas e muito conhecimento acumulado. Se for feita esta contabilidade quem acaba financiando quem? O que pagamos de contribuição previdenciária é suficiente para pagar a dívida com as gerações passadas?

Visto desta forma a questão previdenciária passa a ser uma questão de quem tem direito sobre o que. Se ao nascer cada pessoa recebesse o valor de uma dívida a ser paga durante os anos de trabalho o problema demográfico deixaria de ser um problema de jovens financiando velhos e passaria a ser um problema de jovens financiando a própria dívida. Em termos atuariais pode até ser o mesmo problema (não estou certo, é preciso fazer algumas contas), em termos econômicos são problemas diferentes. Antes que alguém grite "sunk costs" lembro que previdência é um problema de política pública e, nestes problemas, o discurso importa.

Agradeço muito a resposta do Marco Martins e agradeço mais ainda nossa conversa de hoje a tarde, ganhei assuntos para pensar por mais dez anos.

sábado, 27 de julho de 2013

Indústria de Transformação e Renda do Trabalho no Governo Lula: O "X" da Questão.

Análises de crescimento econômico devem ser feitas olhando o longo prazo e tomando cuidado para não confundir relações de longo prazo com relações de curto prazo entre variáveis. Infelizmente para fins de avaliar políticas é difícil escapar de análises de curto/médio prazo. Tome por exemplo alguém que queira avaliar a economia brasileira durante o governo Lula. Qualquer conclusão pode ser questionada a partir do fato que Lula governou durante um período de aumento dos preços das commodities. Infelizmente não podemos repetir as mesmas políticas de Lula em uma realidade alternativa onde o preço das commodities não subiu tanto. Esta impossibilidade de experimentos controlados é que torna as ciências sociais tão predispostas a debates inconclusivos. Claro que sei que existem várias técnicas para se realizar exercícios contrafactuais, ocorre que, para dizer o mínimo, são técnicas limitadas, principalmente quando o assunto é macroeconomia. Não temos milhares de países no mundo e só temos uma história que afeta todos os países.

Por outro lado a existência de determinadas relações, mesmo que apenas por seis ou sete anos, cria desafios para os que estudam o crescimento da economia. Não posso dizer que a existência de uma determinada relação entre duas variáveis por um determinado tempo estabeleça uma verdade universal. Mas posso dizer que se alguém quer explicar aquele período é preciso explicar porque aquela relação aconteceu. Considere um exemplo ao qual dedico muito de meu tempo: a existência de políticas desenvolvimentistas por quase toda América Latina do final da II Guerra ao início da década de 1990 e o baixo crescimento dos países latino-americanos neste período. Isto não pode ser usado como prova que qualquer política desenvolvimentista em qualquer tempo e lugar levará ao baixo crescimento da economia em um período de 40 anos. Mas qualquer teoria que queira explicar o que aconteceu na América Latina naquele período tem que ser capaz de explicar este fenômeno. Em resumo, a experiência da América Latina não prova a tese que políticas desenvolvimentistas não geram crescimento de longo prazo, mas refuta a tese de que estas políticas sozinhas criam este desenvolvimento.

Argumento semelhante pode ser usado no meu post anterior, que chamei de “Mito da Indústria de Transformação”. Os dados não dizem que indústria de transformação não é importante para o crescimento. Os dados dizem que o aumento da participação da indústria de transformação no PIB não levou a um processo de crescimento da economia brasileira sustentado no longo prazo, nem mesmo da produtividade, acrescento.

Neste espírito gostaria de comentar a relação entre participação da indústria de transformação no PIB e o valor da renda destinada aos salários durante o governo Lula (exclui 2010 porque nos dados que eu tinha no computador faltava à participação do trabalho para este ano, não creio que a exclusão mude a figura). Durante o governo Lula (2003 a 2009) a participação dos salários na renda dos fatores (sei a diferença entre PIB e renda dos fatores, estou intercambiando os termos para facilitar a leitura, isto é um post em um blog não é um artigo científico) subiu de 40% para 45%. No mesmo período a participação da indústria de transformação no PIB caiu de 18% para 16%. A Figura ilustra os dados.



Isto significa que a redução da participação da indústria de transformação no PIB levou ao aumento dos salários? Não. É possível, a partir destes dados, afirmar que o fenômeno é sustentável ou seria possível em outra conjuntura econômica? Não. Então para que servem estes dados? Para estabelecer que qualquer teoria que queira explicara relação entre participação da indústria de transformação no PIB e a participação dos salários na renda tem que ser capaz de explicar porque esta relação tem a forma de X em um período de quase oito anos (de 2004 a 2009, é um X perfeito). Se a teoria não for capaz de explicar isto um mínimo de honestidade intelectual exige que o pesquisador reconheça e fragilidade de sua teoria e, de preferência, se abstenha de propor políticas (que custam caro e alteram as vidas das pessoas) tomando por base estas teorias. Apelar para possíveis efeitos de curto e longo prazo sem explicitar de forma clara o que distingue um do outro pode até agradar a claque, mas não acrescenta nada a discussão. Tampouco ajuda definir longo prazo como o período em que tudo o que eu digo vai acontecer.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Mito da Indústria de Transformação

Uma tese que está sempre presente a respeito da economia brasileira é que é preciso estimular a indústria de transformação para que ocorra crescimento de longo prazo na economia brasileira. O argumento é simples. A indústria de transformação é o setor dinâmico da economia. É na indústria de transformação que estariam os melhores salários e onde surgem as novas tecnologias. A indústria de transformação também teria um papel estratégico por ligar os outros setores da economia. Isto é verdade porque esta indústria de transformação demanda matéria prima da indústria extrativa e da agricultura e oferta bens industrializados para o setor de serviços.

A partir de meados do século XX a ideia de que para que ocorra crescimento é preciso fortalecer a indústria de transformação virou dogma. Com exceção de Eugenio Gudin todos os pensadores da economia brasileira em algum momento defenderam a necessidade de industrializar o Brasil a qualquer preço. Além das razões citadas acima dois motivos colaboraram para construir este consenso. O primeiro é que naquela época prevalecia a tese que todas as nações desenvolvidas tinham a indústria de transformação como base de sua economia, ainda não existiam bases de dados internacionais que permitissem questionar esta tese. O segundo motivo é que as esquerdas abraçaram a tese da necessidade de fortalecer a indústria de transformação.

A posição da esquerda a primeira vista pode parecer estranha. Por quê pensadores de esquerda, que em tese estão preocupados com os mais pobres, iriam apoiar um modelo de crescimento baseado em massiva transferência de renda para a burguesia nacional os industriais? No campo teórico a resposta a esta pergunta vem da ideia de que a revolução comunista é posterior ao capitalismo industrial e, portanto, para que um dia tivéssemos a revolução antes teríamos de ter uma indústria sólida. Mas existe outro motivo bem mais pragmático para q eu a esquerda defenda a transferência de recursos para a burguesia nacional a indústria de transformação. A sobrevivência política da esquerda costuma depender de sindicatos fortes, trabalhadores da indústria de transformação costumam formar as bases destes sindicatos. A história de Lula e do PT é um exemplo perfeito da relação entre sindicatos e partidos de esquerda.

O fato é que a partir deste consenso o Brasil investiu pesado em uma política de industrialização a qualquer preço. Foram feitas transferências maciças de recursos para a indústria de transformação. Quando estas transferências mostraram-se incompatíveis com a ordem democrática sacrificamos a democracia para manter o processo de industrialização. E assim a industrialização foi feita. No início dos anos 1950 a indústria de transformação respondia por aproximadamente 20% do PIB brasileiro, no início da década de 1960 já passava de 25% chegando a 35% em meados da década de 1980 (estou ciente de distorções de preços relativos e mudanças metodológicas na série que usei, as séries corrigidas não mudam os argumentos e as conclusões deste post). A parte de cima da figura mostra a história deste sucesso.



Mas ao contrário do que previam os defensores da indústria o tal crescimento de longo prazo que viria como consequência da industrialização não veio. Nem ao menos a indústria de transformação conseguiu manter-se sem a superproteção do e as gigantescas transferências de renda do governo. Foi como se uma família tivesse escolhido um filho para mandar estudar na cidade e depois de adulto este filho não só não sustenta a família como ainda precisa pedir dinheiro aos pais para sobreviver. A figura ilustra isto. A parte debaixo da figura mostra que as taxas de crescimento da economia não ficaram maiores após a industrialização forçada. A parte de cima mostra que com um pouco de abertura e a redução nas transferências de renda, a participação da indústria no PIB despencou, em 2011, apesar da bolsa-empresário dada pelo BNDES, a indústria de transformação respondia por 15% do PIB.

A despeito da industrialização não ter cumprido a promessa de levar o Brasil ao grupo dos países desenvolvidos de uns tempos para cá os defensores da industrialização voltaram a influenciar a política econômica brasileira. Grosso modo repetem os mesmos argumentos da década de 1950 e propõem as mesmas políticas daquela época. Até agora conseguiram criar um rombo nas contas públicas mal encoberto pela contabilidade criativa governo, ameaçar a estabilidade e nos tornar mais pobres em relação ao resto do mundo. Nem sequer reverter a queda relativa da indústria de transformação eles conseguiram. Mas ainda assim insistem em pedir mais transferência de renda para indústria de transformação, redução dos salários, desvalorização do câmbio e proteção contra importação.

Podiam pelo menos explicar as razões da industrialização dos anos 1950 – 1980 não ter cumprido a promessa de crescimento.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Mudanças Necessárias

"Productivity isn’t everything, but in the
long run it is almost everything. A
country’s ability to improve its standard
of living over time depends almost
entirely on its ability to raise its output
per worker"
Paul Krugman

A macroeconomia tem dois campos bem distintos: crescimento e flutuações. O primeiro tenta explicar como os países ficam ricos e a razão de existirem países ricos e pobres. O segundo tenta explicar mudanças no produto e emprego que ocorrem em períodos curtos.

No campo das flutuações existe muito pouco consenso. Alguns economistas acreditam que nada deve ser feito além de observar as flutuações acontecerem. Outros acreditam que o governo deve usar de políticas monetária e fiscal para amenizar as flutuações. Entre estas duas visões existe uma infinidade de opiniões sobre a combinação de políticas a ser usada para reduzir as flutuações do produto e do emprego.

No campo de crescimento econômico também existem visões diferentes, mas com menos conflitos e menos diferenças em prescrições de políticas do que no campo das flutuações. Este trecho de um artigo de Krugman sobre a China ilustra meu ponto:

"And the answer, increasingly, seems to be no. The need for rebalancing has been obvious for years, but China just kept putting off the necessary changes, instead boosting the economy by keeping the currency undervalued and flooding it with cheap credit. (Since someone is going to raise this issue: no, this bears very little resemblance to the Federal Reserve’s policies here.) These measures postponed the day of reckoning, but also ensured that this day would be even harder when it finally came. And now it has arrived."


Krugman é uma espécie de líder dos keynesianos nos EUA. Todas suas intervenções recentes tem sido no sentido de pedir mais estímulos para economia americana. Porém, quando o assunto é crescimento, Krugman deixa claro que estímulos não são a política adequada. Crédito barato e desvalorizações cambiais podem até ser recomendáveis (não estou dizendo que são) para economias com alto nível de desemprego e baixas taxas de juros, mas não são políticas de longo prazo. No longo prazo o que conta é a produtividade, e ganhos de produtividade só aparecem quando são feitas as "necessary changes" ou como falamos por aqui as reformas necessárias.

Ao usar políticas de estímulo em uma economia com baixa taxa de desemprego (nem falo dos juros altos) Dilma e sua equipe econômica aplicaram o remédio errado. O Brasil já perdeu muito tempo para fazer as "necessary changes" mas nunca é tarde para fazer o que é necessário. Está na hora de parar de perder tempo com mágicas e tratar do realmente importa. Um bom começo seria reduzir a burocracia e as regulações desnecessárias, investir em capital humano e em infraestrutura.

sábado, 20 de julho de 2013

Crescimento do PIB brasileiro, preços e PWT 8.0 ou a ingratidão brasileira com as commodities.

Como o Brasil é um grande produtor de commodities a forte elevação nos preços destas mercadorias que marcou o começo do século XXI certamente afetou a economia brasileira. Pouca gente discorda disto, a questão é saber se o tamanho deste efeito e como a esta elevação de preços se espalha para economia. Apesar do efeito direto do aumento dos preços das commodities claramente aumentar o PIB é comum ler na imprensa textos de economistas reclamando deste fenômeno.

Existem duas reclamações básicas. A primeira trata do efeito inflacionário do aumento dos preços das commodities. É um argumento que não me impressiona, como os preços locais são medidos em reais é a política monetária brasileira que vai determinar a inflação no Brasil. O aumento de um conjunto de preços só vai se tornar inflação se a política monetária assim permitir. Isto significa que choques de oferta não afetam a inflação? Não. Em termos teóricos choques de oferta estão relacionados a deslocamentos da oferta agregada, por exemplo, uma contração da oferta agregada reduz a renda da economia, se a oferta de moeda permanecer constante então haverá um aumento do nível geral de preços. Note que falei um aumento do nível geral de preços e não do aumento de preços específicos. Não seria este o caso do aumento dos preços das commodities? Não, pelo contrário. Como o Brasil é um grande produtor de commodities o aumento dos preços destas mercadorias equivale a uma expansão da oferta agregada no Brasil. Se o Banco Central não fizer haverá mais renda haverá mais renda para o mesmo tanto de moeda e, portanto, deverá ocorrer uma redução no nível geral de preços.

O outro argumento diz respeito a uma tal doença holandesa. A ideia é que por aumentar o valor das exportações o aumento dos preços das commodities traz mais dólares ao Brasil levando a uma valorização do real. Esta valorização do real tornaria as importações mais baratas e teria um efeito negativo sobre a indústria local. Desta forma a elevação dos preços das commodities levaria a uma desindustrialização no longo prazo. Este é outro argumento que não me comove. A renda extra obtida com a venda das commodities poderia inclusive ser usada para investir na indústria, se insto não acontece é porque a indústria não gera retornos suficientes para atrair estes investimentos. Não estou convencido que este não investimento na indústria é um problema (voltarei a este assunto no futuro). Se for a solução não passa por mudar a realidade por meio de mágicas cambiais, a solução passa por aumentar a produtividade da indústria por meio de redução da burocracia, aumento do capital humano e melhora da infraestrutura. Estas medidas teriam o efeito extra de melhorar a produtividade de toda a economia.

Afastados as duas objeções mais comuns ao aumento dos preços das commodities voltemos à tentativa de medir os efeitos deste aumento sobre o PIB. São dois tipos de efeito de natureza diferente. O primeiro é direto: o aumento dos preços aumenta o valor do que é produzido, como o PIB é a soma do valor de tudo que é produzido ocorre um aumento do PIB. O outro efeito é indireto: o aumento da quantidade produzida em decorrência do aumento do preço. Para deixar simples vou dar um exemplo. Suponha um agricultor que planta, colhe e vende maçãs em sua própria terra. O “PIB” deste agricultor é o valor das maçãs. Se as maçãs ficam mais caras o “PIB” deste agricultor aumenta, este é o primeiro efeito, mas com as maçãs mais caras é possível que o agricultor resolva produzir mais maçãs (ele pode abrir mão de parte de seu descanso para produzir mais ou mesmo contratar um ajudante), este é os segundo efeito.

A nova versão da Penn World Table (uma famosa base de dados internacional) apresenta o PIB deflacionado tanto pelo lado da despesa (que sempre esteve na base) e o PIB deflacionado pelo lado da oferta (que tinha saído, mas agora voltou). É uma demanda antiga de quem trabalha com crescimento. Com estes dois números é possível medir o primeiro efeito que falei acima. Para isto basta comparar o PIB deflacionado pela ótica das despesas (levando em conta os bens e serviços consumidos no país) com o PIB deflacionado pela ótica da oferta (levando em conta os bens produzidos pelo país). A diferença entre o PIB deflacionado pelos preços do que consumimos e o PIB deflacionado pela ótima do que produzimos é uma medida do aumento do PIB causado diretamente pelo aumento dos preços do que é produzido no país. Dito de forma mais técnica a diferença representa os ganhos causados pela melhora nos termos de troca.



A figura mostra esta diferença. A linha azul é o índice do PIB deflacionado pelos preços do que consumimos e a linha vermelha mostra o índice do PIB deflacionado pelos preços do que produzimos. Note que pela linha azul ocorre uma inflexão em 2005, mas pela linha vermelha esta inflexão não ocorre. Esta inflexão costuma ser creditada ao PAC e outras medidas do governo Lula, mas pelos dados ela é quase que totalmente explicada por mudanças nos preços do que produzimos. Desta forma se alguém quiser explicar o crescimento no Brasil pós 2005 é melhor olhar para os preços das commodities do que para as medidas do governo brasileiro. Em termos de número a taxa de crescimento média da economia brasileira cai de 3,4% ao ano para 2,6% ao ano se for retirado o efeito direto dos preços. Até mesmo o espetacular crescimento de 7,1% em 2010 cai para bem mais modestos 4,5% se for considerada a variação nos preços do que produzimos.


Lembre-se disto da próxima vez que ouvir que o aumento dos preços das commodities é um problema, principalmente se quem estiver falando for alguém ligado ao governo.

P.S. Tenho planos de expandir esta análise para toda a América Latina a partir dos anos 1990. Se algum aluno de mestrado da UnB ficar interessado favor me procurar.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Eike Batista recorre ao último refúgio

"Patriotism is the last refuge of the scoundrel."
Samuel Johnson


Li o artigo de Eike Batista em O Globo onde ele apresenta a própria versão para o naufrágio da OGX e o desempenho ruim de suas outras empresas. Antes de qualquer comentário gostaria de listar as seguinte passagens do artigo:

Título: "O Brasil como prioridade: ontem, hoje e sempre"

No segundo parágrafo: "Acabei por me tornar proprietário de minas em diversos países e decidi estabelecer-me em definitivo no Brasil e me desfazer das participações que detinha na área de mineração."

No décimo parágrafo: "Sou um otimista incorrigível em relação a meu país, a meus negócios e às pessoas que me cercam."

No décimo segundo parágrafo: "Estes últimos investimentos que efetuei tiveram como importante motivação contribuir para um Brasil mais competitivo, estruturado logisticamente e capaz de proporcionar um futuro melhor para o conjunto de sua população."

No décimo quarto parágrafo: "São empreendimentos para o Brasil, para o futuro do país. Meu sentimento é de que, em pouco tempo, as pessoas vão olhar para trás e pensar que pude oferecer minha contribuição ao desenvolvimento do sistema logístico brasileiro."

No décimo quinto parágrafo: "Tomei a decisão de reestruturar o controle das companhias. Faço isso com a certeza de que tenho um legado a deixar ao país, e não abrirei mão de colaborar na condição de acionista relevante em cada companhia. Honrarei todos os meus compromissos. Não deixarei de pagar um único centavo de cada dívida que contraí. Acredito no meu país e nunca desistirei de investir recursos próprios em ativos que contribuem para toda a sociedade."

No décimo sexto parágrafo: "Eu me enxergo e continuarei a me enxergar como um parceiro do Brasil. Acho que cumpri esse papel ao conceber e entregar projetos que terão uma importância crucial nas próximas décadas."

No décimo sétimo parágrafo: "Com minha estrutura de capital equacionada, continuarei a empreender e tenho convicção de que ainda vou gerar riqueza novamente e deixar um país melhor com estes ativos que criei do zero."

No décimo oitavo parágrafo: "O orgulho de erguer do nada tantas empresas em tempo tão curto me colocou no centro do palco e eu me vi como o porta-voz de um novo empreendedor, que não tem vergonha de expor suas conquistas e mostrar que é possível gerar riqueza e ao mesmo tempo contribuir com o desenvolvimento do país. Tenho consciência de que fui um símbolo para as pessoas, a representação de um Brasil que prospera, que dá certo e está preparado para desempenhar um papel de preponderância global."

Pois é. Tinha pensado em falar dos bilhões de reais dos contribuintes que Eike Batista aplicou em busca de suas quimeras. Também tinha pensado em perguntar dos acionistas crédulos que perderam seus patrimônios por conta dos enganos de Eike Batista, dentre os quais destaca-se o BNDES. Cheguei até a considerar fazer o comentário no sentido de apontar que jogar a culpa nos outros não é maneira que um homem que mais parece saído de um livro de auto-ajuda devia se comportar quando as coisas dão errado. Mas lendo e relendo o texto percebi que tudo que podia ser dito a respeito já tinha sido resumido por Samuel Johnson em apenas uma frase. 







quarta-feira, 17 de julho de 2013

Conversa com Adolfo Sachsida

Meu amigo Adolfo Sachsida me mandou três perguntas para que eu respondesse no Blog. As duas primeiras parecem provocações (parece que meu período café-com-leite acabou), já manifestamos opiniões diferentes. A terceira é para provocar os outros, pois provavelmente pensamos de forma parecida. Vamos às perguntas:

1. Você andou postando que nenhuma ditadura te representa. Qual sua opinião sobre o golpe militar no Egito. Como o golpe no Egito pode ser comparado com o Golpe de 1964 no Brasil?
Maldade pura, mas vou responder. De fato sou contra toda e qualquer ditadura, sou adepto da frase que costuma se atribuída a Churchill: “It has been said that democracy is the worst form of government except all the others that have been tried.. Dito isto é preciso pensar sobre como agir no caso de um governo democraticamente eleito tentar se utilizar das instituições democráticas para implantar uma ditadura. Existem vários exemplos: Hitler e seus Nazistas devem ser o mais famoso, mas Chávez e seus bolivarianos em tempos e locais mais recentes usaram dos mesmos artifícios com sucesso. Considerando este problema (que insisto não ser uma possibilidade teórica nem um problema do passado distante) é necessário que exista alguma forma de tirar do governo quem quer tente implantar uma ditadura, mesmo que o candidato a tirano tenha sido democraticamente eleito. Infelizmente é difícil tratar destes problemas dentro da estrita legalidade e mesmo quando é o caso não falta quem acuse golpe no país (Honduras e Paraguai se livraram de seus presidentes de forma constitucional e até hoje tem quem veja golpe naqueles países). Tudo indica que Mohamed Morsi e sua Irmandade Muçulmana estavam seguindo o caminho dos que usam a democracia para destruí-la. Se for este o caso sou favorável à remoção do presidente desde que os interventores chamem uma nova eleição e reestabeleçam a democracia o mais rápido possível, mais que um ano entorna o caldo.
Passemos para o Brasil. De saída considero necessário diferenciar entre o golpe e a ditadura. Não vejo um motivo aceitável para justificar uma intervenção de 20 anos. Nada justifica a perseguição, tortura e assassinato de oposicionistas. A ditadura brasileira foi criminosa (como são todas as ditaduras) e deve ser denunciada para que nunca passemos novamente por este horror. Da mesma forma, se os golpistas do Egito resolverem estabelecer um governo sem chamar eleições livres, eu acredito que devam ser denunciados (em tempo: os “golpistas” de Honduras e Paraguai não estabeleceram governos e realizaram eleições livres). Voltemos então ao golpe de 1964. Já li um bocado sobre a história daqueles anos e não consigo ver um indício qualquer que João Goulart estivesse prestes a dar um golpe, muito menos estabelecer um governo comunista. Também não acredito que as organizações comunistas tivessem em condições de tomar o poder, no máximo repetiriam o fracasso da intentona comunista dos anos 1930. Desta forma, conquanto o golpe do Egito possa ser justificado (não conheço o Egito o suficiente para afirmar com certeza) o golpe brasileiro não teve justificativa nenhuma. Sendo assim repito: 1964 não me representa!


2. Você acha que o Brasil deve dar asilo a Snowden? Como você compara Snowden a Assange?
Minha crítica ao governo brasileiro foi mais pela a inconsistência das ações do que pelas ações propriamente ditas. Meu ponto é que ou nosso governo considera Snowden um herói e teria obrigação moral de conceder asilo ou considera Snowden um terrorista traidor e teria obrigação moral de defender os EUA. Mostrar indignação com os EUA por ter espionado brasileiros e negar asilo a quem denunciou a espionagem é hipocrisia covarde. Agora tentarei responder a pergunta. Espionagem é um terreno delicado e dar palpites sem conhecer bem o caso (ninguém fora dos governos conhece bem o caso) envolve alguma irresponsabilidade, como não tenho nenhuma responsabilidade neste assunto posso me dar ao luxo de ser irresponsável. Considero Snowden um herói da liberdade. Ao revelar o que o governo americano estava fazendo Snowden atrapalhou a vida de quem atentava contra a privacidade de milhões de cidadãos ao redor do mundo. Desta forma sou favorável que o asilo seja concedido. O caso de Assange é mais complicado. Se as revelações de Assange levaram a exposição de agentes americanos ou de outros países (parece que foi o caso) considero que as revelações foram, no mínimo, irresponsáveis, porém irresponsabilidade não é crime. Assange é procurado por estupro. Este é um crime grave que não pode ser minimizado por conta da atuação política do acusado. A Suécia é uma democracia respeitável e tem todas as condições de realizar um julgamento justo. Sou contra o asilo para Assange.


3. Qual o valor do câmbio de equilíbrio?
Esta é mais fácil, pelo menos conceitualmente. O câmbio de equilíbrio é o câmbio em que a moeda for negociada na ausência de intervenção do Banco Central. Caso queira considerar o equilíbrio condicionado pela intervenção do Banco Central (algo do tipo: Dada a intervenção do BC, qual o câmbio de equilíbrio?), então o câmbio de equilíbrio é R$ 2,23 por dólar (valor que fechou hoje). Amanhã o valor será outro e, sinceramente, não aconselho que tentem prever.


Espero ter respondido as perguntas do meu amigo Adolfo Sachsida, de qualquer forma a bola agora está com ele.

Conversa de Bar

Tinha pensado em comentar a debandada dos desenvolvimentistas. Depois que o governo fez tudo o que eles pediram e o resultado foi mais inflação e menor crescimento começou uma história de eu não tenho nada com isto que só não é engraçada pelos custos que o governo impôs a todos nós por seguir estes conselhos. Felizmente não tive tempo, Alexandre Schwartsman fez a crônica da debandada de forma muito melhor do que eu teria feito. Até a imagem que acompanha o texto foi perfeita. Para não passar batido deixo uma historinha que veio a minha mente por nenhuma razão que eu consiga perceber.

Primeiro ato
Em uma tarde de quinta-feira em um campus qualquer.
Amigo 1: Aquela menina do quarto semestre é muito gata, faria qualquer coisa para ficar com ela este final de semana.
Amigo 2: Procurou o cara certo, conheço a menina. Ela gosta do tipo playboy, daqueles que esbanjam grana tipo música de funk ostentação.
Amigo 1: Então estou fora, como você sabe sou meio nerd e o típico classe média sofre.
Amigo 2: Tenha criatividade. Pegue emprestado o Camaro Amarelo do teu primo, arranja umas roupas de grife com ele e paga uma noitada de whisky em um camarote da melhor boite da cidade.
Amigo 1: Meu primo é parceiro e ajuda, mas para pagar o noitada vou ficar sem comer o resto do mês, vai ficar difícil.
Amigo 2: Você não disse que faria qualquer coisa? A hora é esta, se for covarde vai perder sua chance. Você tem que arriscar tudo, confia em mim vai vale cada centavo. A menina é muito gata.
Fim do primeiro ato

Segundo ato
Domingo à tarde no bar do bairro
Amigo 2: Aí cumpadi, hoje vai dar mengão!!!
Amigo 1: Tem que ser, o campeão volta hoje.
Amigo 2: Como foi o final ontem? Pegou a gata?
Amigo 1: Nada, ela não se amarrou.
Amigo 2: Como assim? Você não fez o que eu falei?
Amigo 1: Fiz tudo, meu primo me emprestou tudo e ainda me arranjou o camarote dele.
Amigo 2: Então o que deu errado?
Amigo 1: A menina é cabeça feita, não gosta de playboy, parece que ela gosta mesmo é de vídeo game e falar de Guerra dos Tronos. Meio nerd, como eu. A amiga dela me disse que ela era meio ligada em mim, mas nunca pensou que eu fosse um playboy babaca. No final paguei whisky para todo mundo menos ela que preferiu tomar caipirinha.
Amigo 2: Não acredito, o que você fez de errado? Qual a cor da cueca que você usou?
Amigo 1: Branca.
Amigo 2: Como assim branca!? Playboy não usa cueca branca. Vacilou meu irmão, se tivesse me escutado estava com a gata.
Goooooool do Flamengo! [Não se ouve a comemoração, apenas um silêncio constrangido]
Amigo 2: O garção! Me manda o de sempre.

Amigo 1: Para mim uma água, estou quebrado.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Um novo impasse?

Marco Antonio Martins é uma referência para os economistas de minha geração que vivem em Brasília. PhD em Chicago e orientando de Robert Lucas, Marco Martins, apesar de ter publicado no JPE, preferiu não seguir carreira na academia. Fez sua carreira no IPEA e no Senado. Na virada dos anos 1970 para os anos 1980, Marco Martins protagonizou uma das mais importantes críticas à política desenvolvimentista de subsídios ao preço do Petróleo. Tive oportunidade de conversar com ele sobre este assunto e é impressionante a lucidez com que Marco Martins analisou e antecipou as conseqüências desastrosas de subsidiar um insumo fundamental como o Petróleo. O primeiro grande problemas foi a sinalização errada para a indústria e consumidores, estes não adotaram tecnologias poupadoras de energia por não terem recebidos os incentivos vindos dos preços. O segundo problema é o custo gigantesco dos subsídios, principalmente em um país importador de petróleo. Uma das provocações de Marco Martins é que a crise do balanço de pagamentos dos anos 1980 foi devida a esta política de subsídios. Nada supera uma conversa com Marco Martins para aprender sobre o Impasse, para os que não podem vir a Brasília para a conversa recomendo assistir esta entrevista e ler o texto do Impasse.

Fiz esta introdução para comentar notícia de O Globo sobre o atual subsídio à gasolina. Aparentemente mais de vinte anos depois os técnicos do governo não aprenderam nada com os erros de Geisel. Mais uma vez o governo entra em uma política suicida de subsidiar derivados de petróleo para tentar incentivar setores da indústria e para controlar preços. Assim como ocorreu na década de 1970 o governo está impondo custos altíssimos à Petrobras, custos que serão pagos pelos contribuintes, está criando déficits na balança comercial e, pior, está sinalizando errado para os agentes econômicos. Como diria Belchior: "Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais".

E o gasto público continua aumentando...

E continua o ajuste fiscal onde as despesas aumentam. A política fiscal é decisão do executivo e desde que executada dentro das leis é legitima. Óbvio que qualquer cidadão, inclusive economistas ortodoxos, tem direito de criticar a política fiscal ou qualquer política de estado, afinal estas políticas são feitas com o dinheiro dos cidadãos que pagam impostos. Até aí estamos no reino da democracia. Digo isto para que fique claro que reconheço o direito que o governo tem de expandir gastos quando entender que deve, mesmo que eu não aprove. Porém não reconheço o direito do governo mentir descaradamente para a população, ajuste fiscal implica em corte de gastos, se os gastos estão aumentando então não existe ajuste fiscal, muito pelo contrário, existe uma expansão fiscal. Mente o governo que anuncia ajustes enquanto aumenta os gastos e mentem ou se iludem analistas que analisam a economia brasileira como se estivesse ocorrendo um ajuste fiscal.

Capitalismo de Compadres na Prática

Mais um exemplo de como funciona o capitalismo de compadres. Além de emprestar a juros camaradas e aceitar ações como garantia (ações que viraram pó, diga-se de passagem) BNDES também adia prazos para pagamentos de dívidas das empresas de Eike Batista. Em outras bandas isto pode dar cadeia ou pelo menos exige uma explicação do banco público, por aqui fica o dia pelo não dito.

domingo, 14 de julho de 2013

Somos todos Buendía

Em boa hora a Globo trás de volta a novela Saramandaia. Não estou me referindo a passeatas nem muito menos a plebiscitos de ocasião, me refiro ao realismo mágico como expressão de um pensar latino-americano e, portanto, brasileiro. Assim como a Macondo de Gabriel García Márquez a Bole-Bole de Dias Gomes não obedece às leis da física, da biologia, da química nem das ciências em geral. Matriarcas vivem 120 anos, homens têm asas, notícias se perdem da noite para o dia, moças pegam fogo, mortos voltam à vida e por aí vai. Por não obedecerem às leis naturais que valem no resto do mundo Macondo e Boloe-Bole precisam de regras próprias, são mundos em si mesmas. Desta forma a experiência do mundo de nada vale para estas duas cidades.

Vargas Llosa em uma série de crônicas e ensaios (vários estão no excelente Sabres e Utopias) já mostrou como o realismo mágico reflete características profundas de nuestra América. Assim como o mundo não tem quase nada a ensinar a Macondo ou Bole-Bole, o Brasil, e a América Latina em geral, se recusam a querer aprender com o mundo. A discussão da reforma política desnuda esta característica.

Comecemos pelo financiamento público das campanhas. O argumento é interessante, como a remuneração do deputado em quatro anos de mandato é menor que o custo da campanha alguém tem que pagar a diferença. Naturalmente quem pagar a diferença vai querer algo em troca e nada garante que este algo será bom para maioria dos brasileiros. Assim o financiamento público das campanhas cortaria este mal pela raiz e, de quebra, nos livraria da corrupção por afastar os nobres candidatos a parlamentar das garras de empresários malvados e gananciosos. Tive a oportunidade de conversar com vários defensores desta reforma fazendo sempre a mesma pergunta: existe alguma evidência internacional que relacione financiamento privado de campanhas a corrupção? Não sei a resposta e, apesar das insistentes perguntas, continuo sem saber. Do pessoal do governo às representantes da UNE ninguém me deu a resposta (na verdade a representante da UNE foi quem chegou mais perto falando de um estudo da OAB mostrando a relação entre financiamento das campanhas e corrupção, mas não me falou de nenhum estudo internacional). Um estudo deste tipo é barato, não seria de se esperar que o governo ou ONGs que defendam a proposta fizessem um antes de defender a proposta?

Outro ponto que tenho visto é a proibição de reeleições consecutivas para o Congresso. A princípio a proposta me parece de uma ingenuidade absurda, conhecer os meandros da máquina pública exige tempo e dedicação, um Congresso formado por eternos neófitos seria a vítima perfeita de burocratas e lobistas de todas as espécies. Mas isto é só minha opinião, a chance que eu esteja errado é grande, pois não estudo este tema com a profundidade necessária. Procuro nos textos dos defensores da proposta algum estudo que mostre que esta prática funciona nas democracias mais bem sucedidas, não encontro nada. Não seria o caso de mostrar um destes estudos já na apresentação da proposta?

O mesmo vale para reeleição no executivo, voto distrital, orçamento mandatório e etc. Tirando as honrosas e conhecidas exceções todos estes temas são tratados como se fossem problemas exclusivos do Brasil, são como as formigas que saem do nariz do coronel ou a moça que come apenas areia.

Publicado originalmente no Facebook em 27/06/2013. 

Finalmente meu Blog

Depois de algum tempo no Facebook resolvi, graças a sugestões de vários amigos, fazer um blog. A ideia do blog é comentar as notícias relacionadas à economia e política com foco no Brasil e na América Latina e de vez em quando, sem periodicidade definida, fazer algumas análises mais profundas de temas relacionados ao crescimento econômico também com foco no Brasil na América Latina.

Como os amigos do Facebook e Twitter já devem ter percebido meu tempo nas redes sociais é dedicado a denunciar as artimanhas do populismo econômico, do dito desenvolvimentismo e de como estas ideias contribuíram e continuam contribuindo para a estagnação econômica de nuestra América. O populismo parte da ideia de que é possível agradar a determinados grupos sem que nenhum outro grupo pague a conta. Como isto é impossível acaba que a conta é cobrada dos grupos que menos podem se defender, via-de-regra os mais pobres. Assim em nome de uma pretensa defesa dos mais pobres os regimes populistas espalham a miséria pelo continente, miséria esta que cobra sua fatura exatamente dos descamisados e dos pés-descalços que o populismo pretendia ajudar. Por desenvolvimentismo entendo o conjunto de políticas que visam estimular o crescimento transferindo renda para os setores considerados como polos dinâmicos da economia. Como os tais polos dinâmicos nunca incluem os mais pobres tais políticas acabam por gerar uma enorme concentração de renda na economia que, segundo os desenvolvimentistas, seria um preço a pagar no curto prazo por um crescimento econômico de longo prazo que, pelo menos na América Latina, nunca foi entregue.

A decisão de manifestar no Facebook, e agora neste blog, foi motivada pela profunda decepção de ver estas duas ideias voltarem à moda no Brasil depois de aparentemente abandonadas em decorrência da grande crise da década de 1980. Após mais de uma década de inflação gigantesca e estagnação econômica o Brasil resolveu arriscar, timidamente eu sei, o caminho de uma economia de mercado. A estabilidade econômica foi considerada um valor em si, as privatizações foram feitas, iniciou-se um processo de abertura da economia e uma agenda de reformas buscando a eficiência. O resultado foi um período de crescimento modesto, porém maior que o dos anos 1980, e um processo de desconcentração de renda sem paralelos em outros períodos com disponibilidade de dados. Pela primeira vez em muitos anos os pobres participavam dos ganhos gerados pelo crescimento. A reversão destas políticas coloca em risco todas estas conquistas.

Os primeiros sinais do retrocesso já estão disponíveis. Um leitor atento de jornais já percebeu que paramos de falar de reformas e inclusão e voltamos a falar de inflação e necessidade de estimular o crescimento. O combate à inflação, maior garantia que os mais pobres não terão redução de renda, deixou de ser um objetivo e passou a ser um elemento no estímulo ao crescimento e a indústria. Como brasileiro não gostaria de viver no país que parecia ter sido superado nos anos 1990, este blog é aminha contribuição para evitar que sigamos este caminho. É uma contribuição pequena e modesta, mas é o que posso fazer no momento.