Em boa hora a Globo trás de volta a novela Saramandaia. Não
estou me referindo a passeatas nem muito menos a plebiscitos de ocasião, me
refiro ao realismo mágico como expressão de um pensar latino-americano e,
portanto, brasileiro. Assim como a Macondo de Gabriel García Márquez a
Bole-Bole de Dias Gomes não obedece às leis da física, da biologia, da química
nem das ciências em geral. Matriarcas vivem 120 anos, homens têm asas, notícias
se perdem da noite para o dia, moças pegam fogo, mortos voltam à vida e por aí
vai. Por não obedecerem às leis naturais que valem no resto do mundo Macondo e
Boloe-Bole precisam de regras próprias, são mundos em si mesmas. Desta forma a
experiência do mundo de nada vale para estas duas cidades.
Vargas Llosa em uma série de crônicas e ensaios (vários
estão no excelente Sabres e Utopias) já mostrou como o realismo mágico reflete
características profundas de nuestra América. Assim como o mundo não tem quase
nada a ensinar a Macondo ou Bole-Bole, o Brasil, e a América Latina em geral,
se recusam a querer aprender com o mundo. A discussão da reforma política
desnuda esta característica.
Comecemos pelo financiamento público das campanhas. O
argumento é interessante, como a remuneração do deputado em quatro anos de
mandato é menor que o custo da campanha alguém tem que pagar a diferença.
Naturalmente quem pagar a diferença vai querer algo em troca e nada garante que
este algo será bom para maioria dos brasileiros. Assim o financiamento público
das campanhas cortaria este mal pela raiz e, de quebra, nos livraria da
corrupção por afastar os nobres candidatos a parlamentar das garras de
empresários malvados e gananciosos. Tive a oportunidade de conversar com vários
defensores desta reforma fazendo sempre a mesma pergunta: existe alguma evidência
internacional que relacione financiamento privado de campanhas a corrupção? Não
sei a resposta e, apesar das insistentes perguntas, continuo sem saber. Do
pessoal do governo às representantes da UNE ninguém me deu a resposta (na
verdade a representante da UNE foi quem chegou mais perto falando de um estudo
da OAB mostrando a relação entre financiamento das campanhas e corrupção, mas
não me falou de nenhum estudo internacional). Um estudo deste tipo é barato,
não seria de se esperar que o governo ou ONGs que defendam a proposta fizessem
um antes de defender a proposta?
Outro ponto que tenho visto é a proibição de reeleições
consecutivas para o Congresso. A princípio a proposta me parece de uma
ingenuidade absurda, conhecer os meandros da máquina pública exige tempo e
dedicação, um Congresso formado por eternos neófitos seria a vítima perfeita de
burocratas e lobistas de todas as espécies. Mas isto é só minha opinião, a
chance que eu esteja errado é grande, pois não estudo este tema com a
profundidade necessária. Procuro nos textos dos defensores da proposta algum
estudo que mostre que esta prática funciona nas democracias mais bem sucedidas,
não encontro nada. Não seria o caso de mostrar um destes estudos já na
apresentação da proposta?
O mesmo vale para reeleição no executivo, voto distrital,
orçamento mandatório e etc. Tirando as honrosas e conhecidas exceções todos
estes temas são tratados como se fossem problemas exclusivos do Brasil, são
como as formigas que saem do nariz do coronel ou a moça que come apenas areia.
Publicado originalmente no Facebook em 27/06/2013.
Acho que nossa economia também vive sob um realismo fantástico. Boa sorte e vida longa ao Blog!
ResponderExcluirConcordo, precisamos acordar para realidade com máxima urgência. Muito obrigado.
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