quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

2016 - O ano em que voltamos a falar de reformas

A valer as previsões do Relatório Focus, divulgado pelo Banco Central, este ano vamos terminar em média 3,49% mais pobres do que começamos. Dois anos seguidos de queda do PIB era algo que não se via desde a década de 1930, não por acaso estamos assustados e preocupados com a economia. Porém eu arrisco dizer que, apesar dos números ruins de crescimento e emprego, 2016 pode ainda vir a ser lembrado como o ano em que começamos a tentar arrumar o desastre econômico que foi construído entre 2006 e 2015, vou além, se o governo tivesse forçado a barra para ter números melhores para crescimento e emprego ainda em 2016 eu estaria mais preocupado do que estou. De certa forma 2016 foi o tipo de ano em que quanto melhor, pior.

Para facilitar meu ponto será preciso fazer uma breve explicação da origem da crise, para uma explicação mais cuidadosa recomendo um post de 2015 chamado “Billie Jean“ (link aqui), um post de 2016 chamado “Sobre a dupla natureza da crise econômica” (link aqui) e um post de 2013 chamado “Oferta, Demanda e o Erro de Diagnóstico de 2011” (link aqui). Grosso modo a crise tem duas origens. A primeira e mais importante foi uma série de investimento ruins estimulados por políticas erradas, a partir de 2006 o governo resolveu tomar a liderança no processo de crescimento da economia e começou uma política de escolher empresas campeãs e setores que deveriam crescer. O resultado desta política foi uma série de investimento em projetos de baixo retorno ou sem retorno, uma má alocação de capital a nível macroeconômico. Na lista estão o Grupo X de Eike Batista, a Oi, os estaleiros construídos para “retomada da indústria naval”, o Comperj, a refinaria de Abreu Lima em Pernambuco, as refinarias prometidas para o Ceará e Maranhão, bem como obras gigantescas que nunca ficam prontas (ver link aqui), das quais destaco a transposição do rio São Francisco. Todo esse capital mal direcionado comprometeu a produtividade de nossa economia, que desde muito já não vinha bem, e criou a crise de médio e longo prazo. A outra origem da crise está nas políticas que o governo usou para minimizar os efeitos da crise de 2008 e criar a sensação que a guinada de 2006 estava dando resultados. Neste grupo está a redução forçada de juros que comprometeu a credibilidade do Banco Central, as operações de swap para influenciar o câmbio que pesaram na dívida pública e o adiamento do ajuste nos gastos que levou à crise fiscal.

Em 2015 o governo parece ter chegado ao limite das políticas que levaram à crise, na verdade já tinha ultrapassado tal limite, e precisou começar o processo de ajuste. Ocorre que, depois da campanha presidencial de 2014, era impossível para a presidente Dilma Roussef liderar um esforço de ajuste fiscal, aperto monetário e acabar com os instrumentos de direcionamento do investimento, ou seja, Dilma não tinha como liderar uma agenda que visava destruir tudo que ela tinha feito pelo menos desde 2005 quando derrotou a proposta de ajuste fiscal de longo prazo apresentado por Palocci, então ministro da Fazenda. Esta impossibilidade fez com que a crise econômica virasse uma crise política que culminou com o impeachment de Dilma e chegada ao poder de Michel Temer. O vice-presidente de Dilma, agora ocupando a presidência, sofre do mesmo mal que Dilma: venceu as eleições garantindo que não existia crise e que não havia necessidade de ajustes e mudanças de rumo e tem que governar fazendo o oposto do que prometeu na campanha. A situação de Temer é agravada por não ter o apoio da máquina petista que o considera traidor de Dilma e do PT e amenizada por não ter a mesma resistência das forças políticas e dos eleitores que se sentiram trapaceados em 2014.

Temer teve de escolher entre dois caminhos quando chegou ao poder. O primeiro seria tomar medidas de curto prazo para aliviar a crise, é o caminho das saídas fáceis, e o segundo seria apostar em medidas de médio e longo prazo para resolver os problemas criados nos últimos dez anos de governos petistas, é o caminho das reformas. Tivesse tomado o primeiro caminho, Temer estaria com melhores índices de popularidade, porém teria colocado o país em rota de uma crise ainda mais profunda que quase certamente viria acompanhada de taxas de inflação altas e crescentes, não falo de uma Venezuela, mas provavelmente teríamos tido uma inflação semelhante a observada na Argentina. Até agora tudo indica que Temer escolheu o segundo caminho, montou uma equipe econômica que impressiona qualquer observador que entenda do assunto e tem usado capital político para bancar as decisões da equipe liderada por Henrique Meirelles. A decisão de vetar a manobra de Rodrigo Maia, deputado do DEM do RJ que preside a Câmara, é um sinal forte do compromisso de Temer com as reformas.

Qualquer um que me acompanhe ou tenha prestado atenção nos parágrafos anteriores sabe que considero que o segundo caminho, o caminho das reformas, é o que eu considero correto. Infelizmente, apesar de correto, o caminho das reformas é longo e árduo, pior, é cheio de promessas de atalho que levam a lugar nenhum e oportunidades de retorno ao caminho das saídas fáceis. O grande desafio de Temer é não cair na tentação de pegar os atalhos e retornos. Assim como Thatcher, que até hoje é lembrada pelo “You turn if you want to. The lady's not for turning” em referência à possibilidade de retorno (U-turn), Temer terá de convencer que não fará retorno, até agora ele parece que vai conseguir.

A primeira grande medida de Temer foi aprovar a PEC do teto de gastos, com a provação a Constituição quase que obriga a aprovação de outras reformas que permitam o ajuste fiscal, destaque para a reforma da previdência. Na sequência Temer propôs as medidas de "Crescimento, Produtividade e Desburocratização", o fato de ligar crescimento à produtividade e desburocratização no lugar de investimento e valores específicos para preços como juros e câmbio ilustra o compromisso do governo com as reformas. Analisando as medidas (link aqui) é possível perceber a preocupação com a melhora do ambiente de negócios, fator que considero fundamental para o crescimento da produtividade. Como não poderia deixar de ser os retornos e os atalhos estão presentes nas medidas, especificamente no item oito que trata do BNDES e direciona crédito para micro, pequenas e médias empresas não sem antes definir que uma empresa com faturamento de R$ 300 milhões é uma média empresa. No lado monetário o Banco Central resistiu às pressões iniciais para reduzir juros, quando começou o processo de redução o compromisso do governo com o ajuste fiscal estava bem sinalizado e, mesmo assim, está fazendo a redução lentamente. O resultado é que mesmo com a queda de juros a inflação deve fechar o ano dentro do intervalo da meta, algo que era considerado impossível não faz muito tempo. Assim como no lado real é preciso tomar cuidado no lado monetário, os atalhos e retornos estão convidativos, mesmo dentro do intervalo da meta nossa inflação continua muito alta, um descuido do Banco Central pode comprometer todo o esforço dos últimos meses. É certo que a pressão por redução dos juros vai crescer nos próximos meses, mas o Banco Central já mostrou que resiste a pressões, melhor assim.

Salvo alguma surpresa, especialmente no ritmo de elevação de juros nos EUA, 2017 pode começar com um cenário fiscal mais promissor do que 2016, a inflação estará dento da meta, em 2016 foi de 10,6%, a taxa de juros caindo e o ambiente de negócios, principalmente na questão trabalhista, um pouquinho melhor. Então em 2017 a crise acaba? Creio que não, talvez lá pelo segundo semestre apareça algum crescimento, mas não é o crescimento que precisamos ou queremos. O estrago da década de contrarreformas, grosso modo de 2006 a 2015, foi grande, todo aquele capital mal direcionado ainda tem que ser recriado e/ou redirecionado, vários postos de trabalho e respectivas qualificações de mão de obra também terão de ser recriados e/ou redirecionados, um processo longo e penoso. Muitos servidores públicos foram contratados não necessariamente para os postos onde se fazia necessário contratar, o que significa mais um longo processo de ajuste.

Me parece justo dizer que 2016 foi o ano em que o governo voltou a falar seriamente de reformas para melhorar o ambiente de negócios, reformas para flexibilizar as relações de trabalho, reformas para melhorar a educação, reformas para controlar a questão previdenciária, reformas para permitir o ajuste fiscal e outras reformas importantes. Espero que 2017 seja o ano da volta definitiva das reformas e decrete o tardio fim da agenda de contrarreformas que durou uma década e pode ter nos tomado mais de duas décadas. Se assim for em 2018 o terreno estará favorável para que plantemos um crescimento saudável, um crescimento puxado pela oferta via aumento da produtividade. Se persistirmos no caminho das reformas e escaparmos dos cantos de sereia de aventureiros e da turma da contrarreforma nas eleições de 2018, na próxima década estaremos no caminho que abandonamos lá por 2006 e podemos ter um crescimento sustentado de longo prazo. Quase certamente Temer não estará no Planalto quando os frutos das reformas começarem a aparecer. Se tudo ser certo será um daqueles governantes que ajudaram a construir suas nações, mas foram repudiados quando no poder. Pode não ser uma boa perspectiva para um político profissional, mas é o suficiente para que eu diga que 2016, no que tange à economia, foi um ano melhor que 2015.




quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Investimento e saldo em transações correntes pelo mundo

Peço aos amigos que assistam o vídeo abaixo:



Aos 42 segundos começa a seguinte conversa entre Bresser-Pereira e Alexandre Schwartsman que segue até 1:10:

- (Schwartsman). Se fosse verdade o que você está falando Bresser, você não veria uma relação negativa entre a taxa de investimento e o saldo em conta corrente. Essa relação existe.
- (Bresser). Não existe essa relação, absolutamente não existe não existe esta relação, não existe.
- (Schwartsman). Não estou nem dizendo que esta seja uma relação de causa e efeito, provavelmente as duas coisas estão acontecendo simultaneamente.
- (Bresser). Está mais do que verificado que quando maior o déficit em conta corrente...
- (Schwartsman). A relação existe e é negativa. Quanto maior o investimento, maior o déficit em conta corrente.
- (Bresser). Está mais do que verificado que quanto maior o déficit em conta corrente, menor o investimento.

As últimas frases ficaram confusas porque a conversa começa com o saldo em conta corrente e termina com o déficit em conta corrente, mas na conversa Bresser defende uma tese desenvolvimentista que critica o uso de poupança externa para financiar o investimento. Schwartsman pondera que se reduzirmos a poupança externa então nosso investimento, que já é baixo, vai cair ainda mais, pois não teríamos como financiar o investimento apenas com poupança interna. A conversa pode ser vista como um debate teórico, há uma série de detalhes que torna muito difícil testar tais hipóteses. Porém no trecho que destaquei a coisa muda de figura e a conversa passa a ter afirmações falseáveis. Schwartsman afirma que a correlação é negativa e Bresser afirma que é positiva. O que dizem os dados?

Um monte de gente mostrou que no Brasil a correlação é negativa, para quem estiver curioso recomendo olhar os comentários no post do Alexandre Scchwartsman (link aqui e aqui) ou nos comentários no post do Vitor Wilher (link aqui, aqui e aqui). Porém, tomado pelo Espírito de Natal, decidi salvar o mentor do novo desenvolvimentismo e fui procurar por países onde a correlação é positiva. Como de costume peguei a base de dados do FMI e selecionei os países com mais de 10 milhões de habitantes com dados disponíveis para saldo em conta corrente e taxa de Investimento entre 1995 e 2015. Ficaram 67 países, para cada país fiz a regressão entre o saldo em conta corrente com proporção do PIB e a taxa de investimento, a figura abaixo mostra o coeficiente da conta corrente em cada regressão.





Em 57 países, incluindo o Brasil e todos os países da América Latina, a correlação é negativa como afirmou Schwartsman e em 10 países Bresser estaria vingado, são eles: Bangladesh, Egito, Reino Unido, Uzbequistão, Iêmen, Quênia, Uganda, Arábia Saudita, Sudão e República Democrática do Congo. Resolvi então refinar minha busca e selecionei apenas os países onde o coeficiente era significante a 10%, ficaram 48 países dos quais cinco apresentam coeficiente positivo. Não satisfeito fiquei mais exigente e selecioneis países com coeficiente significantes a 5%, sobraram 40 dos quais 4 apresentaram coeficiente positivos. Por fim apelei e fiquei só com coeficientes significativos a 1%, sobraram 31 países, apenas Bangladesh e Reino Unido com coeficiente positivo.


Quais minhas conclusões? A primeira e mais robusta conclusão é que realmente sou muito chato, um sujeito normal acharia coisa melhor para fazer na semana de Natal e um sujeito apenas chato faria o gráfico para o Brasil. A segunda conclusão é que Bresser não estava errado nem mentindo, estava apenas perdido. Tivesse o debate ocorrido no Reino Unido ou em Bangladesh o ex-ministro de Sarney e FHC estaria certo e os defensores dele não estariam pagando mico tentando defender o indefensável nas redes sociais. Por fim, abusando da boa vontade do leitor e pegando carona na famosa Belíndia do Edmar Bacha concluo que o desenvolvimentismo de Bresser talvez seja a melhor política para um país imaginário chamado de Ingladesh, um país tão rico quanto a Inglaterra, tão exótico quanto Bangladesh e que só existe na imaginação de economistas muito criativos.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Cometários a respeito das medidas de "Crescimento, Produtividade e Desburocratização"

Ontem o governo anunciou um conjunto de medidas para estimular a economia. Li muita gente reclamando que o pacote era modesto e não trazia nada de impacto para retomar o crescimento de curto prazo. Na minha avaliação a modéstia e falta de medidas de impacto de curto prazo são os pontos forte do conjunto de medidas. O foco em reformas e produtividade, por mais que tenham um tanto de retórica, mostram de forma clara a mudança na estratégia de construção na política econômica, porém, como ninguém é de ferro, alguns pontos ficaram parecidos com políticas que deram errado no passado recente, pior, a festa dos compadres se infiltrou nas medidas. A seguir comento os dez eixos do programa Crescimento, Produtividade e Desburocratização conforme a apresentação na página do Ministério da Fazenda (link aqui).

1. Regularização Tributária
O Programa de Regularização Tributária (PRT) é mais um REFIS. Programas assim sempre podem ser criticados pela possibilidade de risco moral, ou seja, de algumas empresas ou indivíduos deixarem de pagar impostos esperando uma próxima anistia do tipo. Por outro lado, o PRT pode ser uma maneira de aliviar o problema fiscal de curto prazo, todas as formas de adesão exigem entrada à vista ou parcelada em até 36 meses, e organizar empresas e famílias que estão com dificuldades financeiras, vale lembrar que carga tributária brasileira é muito alta em comparação com outros países emergentes.

2. Incentivo ao Crédito Imobiliário
O título desse eixo dá nervoso ao remeter para experiências ruins do passado recente, mas a medida não trata de mais crédito a juros subsidiados. Na verdade, a ideia é regulamentar a Letra Imobiliária Garantida (LIG), um título com garantias dadas pelos ativos do banco emissor e que direcionaria poupança para o crédito imobiliário. No lugar de estimular demanda via manipulação de preços o governo está tentando estimular a oferta criando novos ativos. Não sei avaliar o impacto da medida, mas, conceitualmente, é muito superior às políticas que foram aplicadas para o setor em passado recente.

3. Redução do Spread
Não se trata de uma intervenção tentando tabelar o spread, o que seria repetir o erro que Mantega cometeu lá por 2012. O objetivo é criar um ambiente centralizado para registro de duplicatas de forma a facilitar que o credor tenha mais informações sobre a qualidade do ativo e, por consequência, tenha mais segurança sobre o retorno do empréstimo. Também serão feitas mudanças no cadastro positivo como forma de aumentar a adesão ao sistema e reduzir riscos dos credores. Se bem sucedidas as medidas podem reduzir o spread. Se acompanhadas de medidas de aumento da competição no setor bancário, reduzindo o ganho de poder de mercado dos bancos, podem ter um impacto forte nos juros cobrados a empresários e famílias.
Termino fazendo um registro sobre o risco de sistemas de informações centralizados, de fato é possível que governos e empresas usem o sistema contra outras empresas e os cidadãos. Exemplos recentes mostram que esse risco existe e não é paranoia de liberais. Pelo que sei a adesão será voluntária, o que é muito bom, também seria bom que o governo deixasse claro que autoridades, especialmente as fiscais, não poderão usar as informações do cadastro contra empresas ou famílias que se inscreverem.

4. Cartões de Crédito
A esta altura já está claro o tom das medidas, de forma que o título não me assustou. A primeira medida permite que lojas cobrem preços diferentes de clientes que usam diferentes meios de pagamento. Na prática a medida revoga decisões absurdas que impedem um lojista de dar descontos para quem paga em dinheiro, repare que a medida permite, não obriga, a diferenciação, sendo assim se o lojista quiser continuar cobrando o mesmo de quem paga com dinheiro ou cartão não será punido nem nada do tipo. Leis que permitem algo costumam ser boas leis, esta não é exceção.
Reduzir o prazo para reembolsar os lojistas ou reduzir os juros cobrados é uma medida técnica, a princípio parece ir na direção correta, impressão reforçada pela informação que em outros países os prazos são mais curtos. Por outro lado é perigoso quando o governo começa a regular questões tão específicas como o prazo de reembolso e é assustador quando o governo tenta regular preços. Aqui o ideal seria permitir que bancos, lojistas e consumidores se entendessem enquanto o governo tomaria medidas para aumentar a competição no setor. Entendo, porém, que o ideal nem sempre é possível e que algumas vezes não fazer o possível por não ser o ideal leva a resultados ruins.
A universalização das formas de pagamento, ou seja, obrigar que as máquinas aceitem todas as bandeiras de cartão, me parece uma intervenção indevida. Entendo que o governo tenta estimular a concorrência, mas não se deve obrigar uma firma a trabalhar com outra por força de lei. A medida pode criar custos desnecessários, habilitar máquinas para trabalhar com cartões não utilizados na região e pode dar um excessivo poder de barganha aos donos das bandeiras de cartões.

5. Desburocratização
Medidas para reduzir burocracia são sempre bem-vindas, tenho dúvidas se a plataforma do eSocial de fato simplificas as coisas, pelo que me lembro empresários reclamam da plataforma e quando famílias foram obrigadas a usar foi um caos, também me incomoda o uso que pode ser feito das informações em sistemas do tipo. Creio que tais problemas poderiam ser reduzidos tornando a adesão voluntária e fazendo leis claras a respeito de quem e como pode usar as informações no eSocial. As preocupações anteriores também se aplicam à Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e), cujo a implementação nacional é uma das propostas desse eixo.
O Sistema Público de Escrituração Contábil (SPED) pode de fato reduzir o tempo gasto com burocracia no Brasil com efeitos positivos no longo e, tentando ser otimista, no médio prazo. Quem me acompanha sabe que reduzir o tempo gasto com burocracia é uma das medidas que considero essenciais para o crescimento. Agilizar a compensação e restituição de tributos é outra boa medida que pode ajudar muito as famílias e as empresas. A última medida do eixo é implantação da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). Assim como outras medidas deste eixo a Redesim está na direção correta, facilitar o processo de abrir e fechar empresas facilita a chegada de novas ideias no mercado, nunca esqueçam que a transformação de ideias em produtos e serviços é o principal motor do crescimento econômico de longo prazo.

6. Melhoria de Gestão
Pelo menos pela apresentação da página da Fazenda esse eixo ficou frustrante. Há tanta coisa para fazer na melhoria da gestão que implementação do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), por mais que possa ser uma boa ideia, fica minúscula diante do problema. O Sinter propriamente dito segue a linha de outras medidas que visam simplificar e facilitar o acesso a informação reduzindo burocracia ao custo de dar mais informações ao governo. É um dilema de nossa época, quanto mais tecnologia mais simplicidade e agilidade às custas de menos privacidade, todo usuário de redes sociais sabe bem disso. Uma alternativa que também pode ser o caminho em algumas das medidas anteriores é que a informação fique com o setor privado e o governo possa consultá-las por meio de convênios. Antes de me acusar de pregar uma utopia anarquista considere o funcionamento do FB ou do WhatsApp, se ainda assim quiser me acusar, tudo bem, mas leve em conta que se o governo vai fazer um convênio é porque existe um governo.

7. Competitividade e Comércio Exterior
A expansão do Portal Único do Comércio Exterior é mais uma medida que usa da tecnologia para reduzir os custos da burocracia. A promessa de reduzir em 40% o tempo para procedimentos relacionados a importação e exportação é animadora, acredito que medidas como esta tem mais impacto nas exportações que as aventuras cambiais que fazemos de tempos em tempos com a vantagem que não criam crises nem aumentam a inflação quando dão errado. A expansão do Operador Econômico Autorizado, outra medida do eixo, promete reduzir o tempo de desembaraço das mercadorias, quem já comprou no exterior sabe dos problemas causados por longos períodos para que uma mercadoria saia da alfândega.

8. BNDES – Acesso ao Crédito e Renegociação de Dívidas
Lembra de um personagem da Escolinha do Professor Raimundo, salvo engano interpretado pelo Brandão Filho, que sempre errava no final e se lamentava dizendo que “vinha tudo tão bem”? É o meu sentimento com este eixo.
A primeira medida do eixo é facilitar o a cesso ao crédito para MICRO, PEQUENAS e MÉDIAS EMPRESAS (assim em caixa alta). O destaque para micro, pequenas e médias empresas perdem parte do apelo quando recebemos a informação que nesta categoria estarão empresas que faturam até R$ 300 milhões por ano, atualmente são R$ 90 milhões. Não é uma piada. No mais um monte de facilidades para dar crédito subsidiado aos amigos pequenos empresários que faturam R$ 300 milhões por ano. O mesmo vale o refinanciamento de dívidas. Podemos resumir este eixo dizendo que empresários amigos que pegaram dinheiro a juros subsidiados poderão para mais dinheiro e terão condições favoráveis para renegociar as benesses que receberam. Esse eixo é um escândalo!

9. FGTS
A redução da multa adicional de 10% é uma medida que já deveria ter sido tomada há muitos anos. Indenizar o empregado demitido sem uma causa que o legislador de plantão considere justa já é para lá de questionável, indenizar o governo por isso é expropriação. Salvo engano a tal multa foi criada no governo FHC para ajudar a cobrir o rombo do FGST e foi ficando assim como quem não quer nada. A distribuição de 50% dos resultados do FGTS para os trabalhadores que dinheiro no fundo reduz um pouco o confisco do FGTS pois aumenta a rentabilidade do dinheiro tomado dos trabalhadores para alimentar o fundo. Fique claro que a medida não garante uma rentabilidade decente e nem muito menos muda o caráter confiscatório do FGTS. Imagine seu dinheiro aplicado em um fundo que rende menos que a inflação e o gestor do fundo te oferece metade do resultado do fundo. Mande o governo para o mesmo lugar que você mandaria o gestor.
Não está na apresentação, mas foi divulgado na imprensa que o governo vai permitir o uso do FGTS para saldar dívidas. A este respeito repito o que disse no FB: “Permitir o uso do FGTS para pagar dívidas antes de uma questão econômica é uma questão moral. Tomar parte do salário de um cidadão para colocar em fundo que rende TR mais 3% enquanto o sujeito paga mais de 400% de juros nas dívidas que tem no cartão de crédito é imoral.”

10. Microcrédito Produtivo
Microcrédito é uma coisa boa, mas não é para governo. A burocracia do governo é muito pesada para agilidade exigida pelo microcrédito, mantenho a afirmação mesmo se tirarmos o excesso de burocracia que existe no Brasil. É da natureza do setor público o controle rígido das operações feitas por servidores públicos, por exemplo, corretamente o governo é obrigado a cobrar judicialmente de seus devedores, imaginem o perigo de um burocrata decidindo quem vai e quem não vais ser cobrado na justiça, porém não judicialização é quase uma característica de programas de microcrédito. A incompatibilidade da ação do governo com a natureza do microcrédito aparece de forma clara no limite de R$ 200 mil de faturamento por ano para ter direito ao microcrédito o no limite de endividamento de R$ 87 mil.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

PIB per capita e desempenho no PISA: Uma primeira olhada nos dados do PISA 2015

Hoje um post muito útil no R-bloggers dava dicas de como usar os dados do PISA 2015 no R (link aqui). Tem muita coisa interessante para ser feita e recomendo fortemente a quem se interessa por educação que dê uma olhada no post e tire um bom tempo para explorar as muitas variáveis disponíveis na base de dados do PISA. Ter livros de poesia em casa influenciam a nota em matemática no PISA? Questões como esta podem ser discutidas usando os dados do PISA 2015. No devido tempo tentarei tratar de assuntos do tipo aqui no blog, mas, para começar, fiquei em terreno conhecido e resolvi cruzar os dados do PISA por disciplina e país com os dados do FMI de PIB per capita para observar a correlação (não é causalidade!) entre a nota no PISA e o PIB per capita. Como de costume darei destaque ao Brasil.

Para fazer isso considerei as notas de todos os países em matemática, ciências e leitura e a média entre 2011 e 2015 do PIB per capita corrigido por poder de compra que consta na versão de abril de 2016 da base de dados do FMI. A versão de outubro já está disponível, mas eu ainda não formatei do jeito que gosto de trabalhar. Como era de se esperar nas três disciplinas a nota é positivamente correlacionada com o PIB per capita, como também era de se esperar nas três disciplinas o Brasil fica abaixo do esperado para um país com nosso PIB per capita.

A figura abaixo mostra a relação entre nota de matemática e PIB per capita. Além do Brasil a figura destaca Cingapura, Vietnam, Portugal, Chile, México e Estados Unidos. Não tenho uma boa razão para justificar a escolha dos países destacados que não minha curiosidade. Repare que os países da América Latina e Caribe (pontos azuis) estão todos abaixo da reta, arrisco dizer que isso reflete a escolha do continente de apostar mais no uso de subsídios e proteção comercial para estimular setores escolhidos do que na criação de condições gerais para o crescimento da economia, opção que inclui a melhora do capital humano. No caso do Brasil a situação é ainda mais dramática, apenas três países ficaram com notas menores que a nossa em matemática: Tunísia, Argélia e República Dominicana, todos três mais pobres que o Brasil. No grupo de países pobres o destaque positivo da figura é o Vietnam, mesmo com o PIB per capita de quase um terço do brasileiro o país que costumava ser conhecido por filmes de guerra conseguiu décima oitava melhor nota em matemática.




A próxima figura mostra o desempenho de cada país na prova de leitura. O único país da América Latina e Caribe que fica acima da linha, ou seja, com nota maior que a esperada se consideramos apenas o PIB per capita, é o Chile. Novamente o Vietnam se destaca de forma positiva e o Brasil de forma negativa. Oito países ficaram com notas inferiores à nossa em leitura: Líbano, Argélia, República Dominicana, Tunísia, Indonésia, Peru, Geórgia e Albânia, com exceção do Líbano, todos têm PIB per capita menor que o Brasil.




A última figura mostra o resultado em ciências, o padrão é o mesmo das anteriores. Os países da América Latina e Caribe novamente apresentam desempenho baixo se considerado apenas o PIB per capita. O Vietnam ficou com a sexta maior nota. Apenas cinco países ficaram com notas inferiores à do Brasil, forma eles: República Dominicana, Argélia, Tunísia, Líbano e Peru.




Os resultados do PISA 2015 dão duas pistas importantes para pensar a educação no Brasil. A primeira está em Cingapura, o país protagonizou um verdadeiro milagre econômico que desafia a ideia que apenas com liberdade econômica um país não consegue uma trajetória de crescimento capaz de colocá-lo no grupo de países desenvolvidos. No lugar de criar instituições extrativas para tirar o máximo possível dos moradores de Cingapura, Lee Kuan Yew usou seu poder para impor instituições típicas de países livres como respeito à propriedade e uma moeda forte e estável. Nunca entendi porque defensores de tiranos e regimes autoritários em geral preferem buscar inspiração em tipos como Fidel, Mao e Chávez, psicopatas que destruíram a economia de seus países, do que em Lee Kuan Yew. Mentira! Eu entendo, mas... deixa quieto. O fato é que uma das reformas que Cingapura fez no caminho para o sucesso foi na educação, não por acaso o país teve a melhor nota nas três disciplinas avaliadas. É verdade que comparar Cingapura, uma cidade com pouco mais de cinco milhões de habitantes, com o Brasil, um país continental com mais de duzentos milhões de habitantes, é uma tarefa quase impossível, mas isso não impede que estudemos a experiência de Cingapura na educação e tentemos ver o que é possível aproveitar por aqui.

A outra pista importante está no Vietnam. Um país com quase cem milhões de habitantes marcado por guerras e uma das mais cruéis tiranias já conhecidas e que vem tentando implementar uma agenda de reformas nas últimas décadas. Mesmo ainda sendo um país muito pobre com uma renda média de $5.339, a do Brasil é de $15.689, o Vietnam conseguiu um bom desempenho nas disciplinas avaliadas. Por certo não é trivial comparar o Vietnam com o Brasil, mas é certo que se estudarmos direito o que está sendo feito por lá talvez consigamos boas ideias para oferecer uma educação de qualidade mesmo com poucos recursos disponíveis.

Meu foco de pesquisa é em crescimento econômico, e é pelas lentes de quem tem foco em crescimento que enxergo a educação, sendo assim estou mais preocupado em medir e entender os efeitos na educação na criação e distribuição de riquezas do que em como criar um bom sistema de educação. Porém, na condição de cidadão e de professor de uma universidade federal, acompanho com interesse o debate a respeito da reforma da educação. Não tenho uma opinião sólida suficiente sobre o assunto para fazer um post analisando ou sugerindo como deva ser tal reforma. Entretanto espero que a equipe que preparou a reforma tenha olhado com muito cuidado para exemplos de países que, como Cingapura e Vietnam, conseguiram encontrar boas soluções para o problema de como oferecer uma educação de qualidade para a população.


domingo, 4 de dezembro de 2016

O ajuste fiscal, cedo ou tarde, será feito. A questão é saber como será feito.

Via de regra governos não desejam fazer ajustes fiscais, talvez seja possível pinçar um ou outro governo em algum país que tenha escolhido fazer um ajuste fiscal, mas são exceções, o governante típico está preocupado em permanecer no poder e cortar gastos dificilmente ajuda nesse objetivo. Temer, assim como Dilma antes dele, certamente não está entre as exceções, o ajuste fiscal proposto por ambos decorreu dar necessidade e não de escolhas. A verdade é que desde muito sabemos que o Brasil precisava de um ajuste fiscal, a primeira tentativa séria, ainda no governo Lula, foi feita pelo ministro Palocci e derrotada por Dilma, então ministra da Casa Civil. Na sequência vimos uma série de tentativas tímidas que não tiveram sucesso em ajustar as contas públicas.

Uma rápida pesquisa na internet revela tais tentativas no governo Dilma. Em agosto 2011 o Valor anunciava que “Mantega pede sintonia fiscal entre os poderes para enfrentar a crise” (link aqui). Em 2013 o site O Economista citava o G1 para dizer que “Mantega pede a presidente da Câmara ajuda no corte de gastos” (link aqui). Em fevereiro de 2014 o Estadão anunciou que “Mantega 'venderá' ajuste fiscal no G-20” (link aqui). Convido o leitor a procurar mais exemplos, é fácil. Daí chega a campanha e Dilma resolve negar a necessidade de ajuste fiscal que o próprio ministro da Fazenda dela vinha pregando nos anos anteriores, em outubro de 2014, no meio da companha para presidente a Exame noticiou que “Dilma nega fazer ajuste fiscal caso seja eleita” (link aqui). Como entender a mudança? Política, é claro, Dilma sabia que o ajuste era necessário, mas para quem estava disposta a fazer o diabo para se reeleger negar que vai fazer o ajuste é fichinha. Se o leitor duvida de minha interpretação sugiro que dê uma olhada no que disse o Infomoney em setembro de 2015 em uma matéria com o título “’Você quer que eu perca eleição?’, rebateu Dilma sobre sugestão de Mantega para cortes” (link aqui).

Da proposta de Palocci em 2005 à tentativa de ajuste feita por Levy em 2015 foram dez anos. De 2005 a 2007 perdermos a oportunidade de ajustar em uma época de bonança, em 2011 perdemos a oportunidade de fazer o ajuste antes da crise chegar ao PIB, em 2012 e 2013 perdermos a oportunidade de fazer o ajuste antes da crise chegar no emprego, em 2014, por cálculo eleitoral de Dilma, perdemos a última oportunidade de fazer a juste antes da crise tomar conta do país. O cálculo eleitoral funcionou, Dilma foi eleita, mas as consequências foram desastrosas, inclusive para ela e o partido dela.

Já no final de 2014 o governo foi obrigado a negar o discurso de campanha e aumentar os juros para tentar controlar a inflação e cortar direitos de desempregados e viúvas para tentar ajustar o lado fiscal. O efeito político foi devastador e Dilma começou a caminhada para o impeachment que se consolidou por conta de fraude fiscal cometida no primeiro mandato dela e incrivelmente repetida em 2015. O efeito econômico mal foi sentido, tivessem sido tomadas antes, as mesmas medidas implementadas no final de 2014 poderiam ter sido vistas como o começo de um ajuste sério e ter surtido os impactos desejados pela equipe econômica do governo petista. Infelizmente no final de 2014 já era muito tarde, a cárie já tinha chegado na raiz e uma obturação não era mais suficiente.

Assim chegamos em 2015. Um governo desacreditado com um ministro acreditado, Joaquim Levy, tentando fazer das tripas coração para implementar o ajuste fiscal. Como já dizia o professor Mário Simonsen, infelizmente corações não são feitos de tripas e o esforço de Levy não deu os resultados desejados. O ano de 2016 começa com a possibilidade concreta de queda do governo Dilma, na Fazenda toma posse Nelson Barbosa, segundo os bastidores de Brasília já fazia muito tempo que Dilma o queria como responsável pela economia. O que Nelson Barbosa fez? Propôs um ajuste fiscal! O leitor incrédulo pode checar a matéria de dezembro de 2015 da revista Época intitulada “Nelson Barbosa reforça foco no ajuste fiscal” (link aqui), na própria página do Ministério da Fazenda em fevereiro de 2016 com a chamada “Governo contingencia R$ 23 bilhões em 2016 e propõe limitar gasto no longo prazo” (link aqui), repare na proposta de limitar gastos no longo prazo, ou na matéria do UOL de março de 2016 com o título “Conheça as 4 novas medidas fiscais anunciadas pelo governo” (link aqui). Nesta última são apresentadas as propostas de Barbosa para os estados, dentre elas destaco: “limitar o crescimento de outras despesas correntes à variação da inflação.”. Parece familiar?

A longa introdução mostra que a necessidade de ajuste fiscal no curto prazo e no longo prazo é conhecida dos economistas, inclusive dos economistas ligados ao PT, notadamente Mantega e Barbosa, muito do que estamos vendo com economistas dizendo que o ajuste fiscal de longo prazo será o fim das políticas sociais, o fim do contrato social brasileiro, seja lá o que for isso, e mesmo o fim do mundo é pouco mais do que teatro mal encenado. A verdade é que não apenas o ajuste fiscal é necessário como é inevitável. A questão relevante é como será feito o ajuste fiscal.

Para financiar o gasto crescente o governo pode se endividar, porém, como já mostrei aqui no blog, para um país emergente nosso governo está muito endividado (link aqui). A outra opção é aumentar impostos, não falo desses impostos para animar militância como o imposto sobre grandes fortunas e sobre heranças, impostos complicados em todo o mundo e ainda mais complicados em um país onde funcionários públicos que ganham mais de R$ 10.000,00 por mês acreditam piamente que são classe média baixa. Falo de impostos que realmente tragam receitas. Apesar de ser um caminho teoricamente possível a elevação de impostos não me parece provável, nem razoável e nem muito menos desejável. Não é provável nem desejável porque já pagamos impostos demais no Brasil, não creio que é razoável pois tenho dúvidas a respeito da capacidade do governo aumentar arrecadação via aumento de impostos.

A figura abaixo, feita com dados do FMI e considerando médias entre 2011 e 2015, mostra as receitas do governo como proporção do PIB em diversos grupos de países e no Brasil. Repare que nossa arrecadação de 33,83% do PIB está acima da média de todos os grupos com exceção dos países avançados e dos emergentes da Europa.




Sem apelar para dívida ou aumento de receita o governo terá de escolher entre cortar gastos ou ver a inflação fazer o serviço de ajustar o lado fiscal. A inflação tem o dom de reduzir o gasto real sem causar tanta comoção social. Ano passado a maioria das categorias de servidores públicos federais teve um reajuste de 5,5% contra uma inflação de 10,6%, uma redução de aproximadamente 5% no salário real sem que escolas e universidades fossem invadias e a Esplanada dos Ministérios depredada. Em março deste ano o governo adiou o reajuste dos servidores por cerca de seis meses, reajuste que foi inferior à inflação, mais uma vez não se viram atos de vandalismo nem ninguém falou de fim de mundo.

Se a inflação faz o trabalho sem tanta sujeira então por que não deixar que ela resolva o problema? Porque para resolver o problema não basta uma inflação alta, é preciso uma inflação crescente. Repare que, de acordo com os dados do FMI, entre os anos de 2011 e 2015 nossa inflação foi, em média, de 7,06% ao ano. Ficamos muito acima dos países avançados e dos países emergentes da Europa, aqueles com cargas tributárias próximas às nossa, também ficamos acima dos países emergentes da Ásia e da América Latina e Caribe (neste último grupo eu excluí a Venezuela). Definitivamente não temos inflação baixa e mesmo assim temos um problema fiscal, a razão, nunca esqueçam, é que para fazer efeito a inflação não precisa apenas ser alta, precisa ser crescente.




Corremos o risco de termos inflação crescente? Sim, foi esse caminho que ameaçou se impor entre 2015 e 2016. Alguns vão dizer que a inflação de 2015 foi puxada por preços administrados e câmbio, o que é verdade, mas sempre existem preços puxando a inflação. O objetivo da política monetária é impedir que tais preços contaminem os outros em um processo onde todos correm para não ficar atrás da média e assim puxam a média cada vez mais para cima. Reparem que nem mesmo as “taxas de juros reais mais altas do mundo”, como alguns gostam de dizer (há controvérsias!), estavam conseguindo impedir o processo de contaminação dos outros preços e consequente aumento da inflação. Em parte, pela ação do Banco Central, em parte, pela mudança nas expectativas após a saída de Dilma (link aqui) o problema da inflação parece estar momentaneamente controlado, mas uma virada no câmbio, talvez causada pelo aumento da taxa de juros nos EUA, pode tirar a inflação de controle novamente.

O processo inflacionário tem sido a principal ferramenta de ajuste das contas públicas no Brasil. De fato, se consideramos o pós-guerra, só tivemos inflação razoavelmente controlada a partir de meados da década de 1990, após o Plano Real. Um dos efeitos colaterais do processo inflacionário é a redução de renda real de assalariados, pensionistas e beneficiários de programas sociais. Em geral podemos dizer que todos que não reajustam suas rendas com frequência alta são penalizados pela inflação, neste grupo estão os mais pobres. É preciso reconhecer que tal redução de renda dos mais pobres não parece ter intimidado governos no passado, por ouro lado, nunca tivemos um conjunto tão amplo de eleitores e tantas formas de expressão e de organização da sociedade. Será que nossa democracia resiste a um processo inflacionário? Não sei dizer, mas as manifestações de 2013, a dos vinte centavos, sugerem que não.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

É o primário!

Vez por outra aparece alguém propondo alguma variação da tese que basta o governo pagar menos juros para não ter que se preocupar com o primário, da minha parte creio que é o contrário: para que os juros caiam o governo precisa controlar o primário. De toda forma o fato é que os juros pagos pelo governo federal estão caindo como proporção do PIB e, como bem sabemos, isso não decore do aumento do PIB, pelo contrário. Depois de alcançar um pico de 7,34% do PIB (acumulado em 12 meses) em janeiro de 2016 o pagamento de juros começou a cair chegando a 4,93% do PIB (acumulado em 12 meses) em outubro de 2016. Por outro lado, o primário segue a trajetória de aumento iniciada por volta de julho de 2011. A figura abaixo, elaborada com dados do Banco central, mostra o resultado nominal, o pagamento de juros e o resultado primário a nível federal.




Naturalmente a figura não prova a tese que o controle do primário leva à queda dos juros pagos pelo governo, porém mostra que descuido com o resultado primário temperado com tentativas de baixar juros na marra, como sabemos ter sido o caso, pode ser seguido por uma tendência de aumento do déficit primário e também por mais pagamento de juros. Antes de reclamar leia novamente a frase anterior e repare que não falei de causalidade, apenas de precedência. Naturalmente o padrão de precedência pode ser constrangedor para quem diz que o aumento do gasto primário leva a um crescimento do PIB que, turbinado por um suposto aumento de receitas, pode até mesmo reduzir o primário como proporção do PIB, mas isso é outra conversa, por enquanto peço apenas que o leitor tenha esta figura em mente quando pensar sobre a necessidade de controle de gastos... e também quando ouvir a delirante história que houve um golpe de estado para dar mais dinheiro a banqueiros.


sábado, 26 de novembro de 2016

PIB per capita na ilha do tirano ou 1959, o ano que não começou

Avaliar números de países controlados por tiranos não é tarefa simples. Os dados oficias costumam ser inúteis pois são manipulados pelos lacaios dos tiranos, os dados de organismos internacionais também são suspeitos pois a convivência diplomática faz com que tais organismos sejam coniventes com as verdades oficiais. Porém, para registrar a morte do maior tirano da América Latina, resolvi correr o risco e comentar o desempenho do PIB per capita de Cuba desde a tomada de poder por Fidel e seus guerrilheiros.

Como é bem conhecido na virada do ano de 1958 para 1959 o Movimento 26 de Julho, liderado por Fidel Castro, tirou do poder o ditador Fulgencio Batista que, como tantos outros ditadores destas bandas, primeiro foi eleito e depois resolveu tomar o poder à força. A resistência durou pouco, nas primeiras horas de 1959 Batista fugiu para República Dominicana, no dia oito de janeiro os guerrilheiros já controlavam Havana. Como era Cuba antes daquele réveillon? O que aconteceu depois.

Vou tentar responder o que aconteceu com o PIB per capita disponível na base de dados do Projeto Maddison (link aqui), uma base que costuma ser usada por quem estuda história econômica. Selecionei todos os países da América Latina com exceção de Porto Rico e Trinidade e Tobago, o primeiro por ser praticamente um território dos EUA e o segundo por ser muito pequeno e distorcer a amostra. A figura abaixo mostra a taxa de crescimento do PIB per capita de todos os países selecionados usando como base de comparação e média 1954-58 e 2004-08.




Como pode ser visto o crescimento de Cuba foi medíocre quando comparado ao dos outros países da amostra, de fato, apenas Venezuela, Nicarágua e Haiti cresceram menos que Cuba. A lista dos países que cresceram menos que Cuba dispensa explicações. Repare que a figura revela uma ironia do destino: a República Dominicana, país para onde fugiu o ditador cubano, foi o que mais cresceu dentre os países da amostra. Na época da revolução cubana a República Dominicana era mais pobre do que Cuba e também era governada por um ditador, no caso Rafael Trujillo que governou o país de 1930 a 1961.

A figura abaixo mostra o PIB per capita médio entre 1954 e 1958 dos países selecionados. Repare que no período anterior a revolução cubana, mesmo com a ditadura de Fulgencio Batista, Cuba tinha a nona maior renda per capita dentre os vinte países da amostra, inclusive era mais rica que o Brasil e muito mais rica que a República Dominicana.




Passados cinquenta anos, se olharmos o PIB per capita médio do período 2004 a 2008 (último ano com dados para Cuba na base de dados utilizada), Cuba tinha caído para a décima quarta posição. Como pode ser visto na figura abaixo Cuba ficou para trás de países como Brasil, Guatemala, Panamá, e, quem diria, da República Dominicana. Será que se Fulgencio Batista tivesse derrotado Fidel os cubanos teriam seguido o caminho da República Dominicana seguiu com Trujillo e hoje estariam em um dos países mais ricos da América Latina? Difícil dizer...




Naturalmente o desastre econômico de Cuba é pelo menos parcialmente explicado pela reação da comunidade internacional e especialmente dos EUA à revolução, mas esta reação é mais uma consequência da própria revolução e do caminho seguido pelos governantes da ilha. Uma das reações que, creio eu, foi importante para selar o destino da economia cubana foi o embargo impostos pelos EUA. Dito isso registro que apontar o embargo como uma das causas do fracasso da economia cubana implica em negar uma das teses mais caras aos revolucionários (e muitos não revolucionários) da América Latina, qual seja: que o comércio internacional é prejudicial para as economias do continente. Mais uma vez cabe lembrar da República Dominicana, longe de ser uma potência industrial, a valer as teses contra o comércio, o país deveria ser um grande perdedor com as “trocas injustas impostas pelos países ricos aos países pobres”, os dados deixam parecer que os “explorados” da República Dominicana se saíram muito melhor que os não explorados de Cuba. O mesmo vale para vários outros países de nuestra América.

Comparações em intervalos de cinquenta anos, como as que fiz acima, são úteis para observar efeitos de longo prazo, mas não contam o que aconteceu no meio do período. Para tratar desta questão comparei o desempenho do PIB per capita de Cuba com a de alguns países selecionados. Começo com os dois imediatamente abaixo de Cuba no ranking de PIB per capita dos anos 1954-58: Panamá e Guatemala. Ambos tiveram melhor sorte que Cuba. O PIB per capita do Panamá, mesmo na crise da década 1980, período terrível para América Latina, ficou consideravelmente acima de Cuba. Na Guatemala a crise da década de 1980 ameaçou tornar o país tão pobre quanto Cuba, mas o país se recuperou e Cuba sofreu com o fim da URSS. Aliás é curioso como a revolução que tornaria Cuba independente dos “imperialistas americanos do norte” tornou Cuba dependente do império soviético. Por falar nisso repare aquele crescimento impressionante no começo do século XXI em Cuba, se eu fosse chato diria que decorreu do Chavismo e, quem diria, do boom das commodities que, mesmo com o embargo, beneficiou Cuba.







As próximas comparações são com os países que estavam imediatamente acima de Cuba no ranking de PIB per capita do período 1954-58: Colômbia e Costa Rica. Tanto a Colômbia quanto a Costa Rica tiveram desempenho visivelmente superior ao de Cuba. No caso da Costa Rica os cinquenta anos fizeram com que os costa-riquenhos tivessem uma renda média que é mais que o dobro da dos cubanos. Já a Colômbia, mesmo tendo de enfrentar os carteis do tráfico, guerrilhas e grupos paramilitares, conseguiu uma renda média cerca de 80% maior que a dos cubanos. Ao que parece uma guerrilha no poder é bem mais danosa para a economia do que uma guerrilha tentando tomar o poder.







Para não dizer que esqueci o Brasil a figura abaixo compara o PIB per capita brasileiro com o de Cuba. Em 1958, último ano antes da revolução cubano, tínhamos uma renda média menor que a de Cuba, hoje nossa renda média é o dobro da dos cubanos. Sim, isso mesmo, mesmo com tipos estranhos como Jânio, um golpe seguido de uma ditadura, Sarney, Collor, FHC e Lula crescemos muito mais que os cubanos com o regime de Fidel. Como a amostra termina em 2008 não tem o efeito de Dilma, ela bem que tentou diminuir nossa diferença para Cuba, sem sucesso.




Agora a cereja do bolo. Lembra da República Dominicana? O país para onde fugiu Fulgencio Batista? O país que foi vítima de Trujjilo? Que como outros da América Latina passou por severas instabilidades na segunda metade do século XX? Que era mais pobre do que Cuba? Do país explorado pelo comércio internacional? A figura abaixo compara o desempenho do PIB per capita na República Dominicana e em Cuba. Melhor não falara nada.




É difícil não classificar a tirania de Castro como um desastre econômico. Se não fosse trágica seria uma coleção de ironias. Da revolução que prometia tornar Cuba independente e acabou tornando a ilha completamente dependente da União Soviética até o embargo que pode explicar parte do fracasso econômico dos guerrilheiros ao custo de sacrificar a base da “teoria econômica” que anima revolucionários que se inspiram em Fidel e sua turma.



quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Abaixo assinado de professores da FACE/UnB pedindo aprovação da PEC 55

PEC 55: ruim com ela? Pior se ela não for eficaz.

Após uma série de erros de avaliação e de condução da política econômica o Brasil se encontra em uma das maiores crises de sua história. Como costuma ser o caso em recessões profundas vivemos uma crise fiscal com graves implicações políticas. Menos do que escolha de um governo a contenção de gastos é uma imposição da própria crise que não permite a continuação da política de aumentos de gastos públicos como proporção do PIB com financiamento por meio de endividamento e aumento de arrecadação. Política essa que vinha sendo aplicada quase que ininterruptamente desde a estabilização da economia em 1994.

A necessidade de ajuste foi reconhecida pelo governo no final de 2014 ainda no primeiro mandato de Dilma Roussef. Em 2015, já com Joaquim Levy no ministério da Fazenda, o governo anunciou várias medidas de corte de gastos incluindo reajustes abaixo da inflação para professores e demais servidores públicos. No entanto, os cortes efetivamente realizados não foram suficientes para resolver a crise fiscal. No início de 2016, com Nelson Barbosa na Fazenda, o governo anunciou outro pacote de cortes, inclusive adiando o reajuste salarial de professores e outras categorias, mais uma vez sem alcançar o resultado necessário.

A proposta do governo Temer e da equipe do ministro Meirelles parte do reconhecimento da dificuldade de cortar gastos e substitui a estratégia de cortes radicais de curto prazo por um limite de crescimento do gasto nos próximos vinte anos, com uma revisão em dez anos. É uma proposta ousada que busca diluir no tempo os sacrifícios do ajuste fiscal. Se der certo testemunharemos um exemplo de uso de engenharia fiscal para facilitar a adoção de medidas de alto custo político, quase uma anestesia. Se der errado estaremos diante de uma crise fiscal ainda mais grave que pode levar a medidas drásticas como as que estão sendo tomadas em vários estados, particularmente no Rio de Janeiro, ou a uma redução da despesa real via altas taxas de inflação. Sendo assim e na falta de outras alternativas factíveis, nós, professores da FACE/UnB abaixo assinados, pedimos ao Senado que aprove a PEC 55.


Antônio Nascimento Junior, ADM
César Tibúrcio, CCA
Daniel Cajueiro, ECO
Diana Vaz de Lima, CCA
Eda Castro Lucas de Souza, PPGA
Geovana Lorena, ECO
Jomar Miranda Rodrigues, CCA
Jorge Madeira Nogueira, ECO
José Carneiro da Cunha Oliveira Neto, ADM
José Guilherme Lara Resende, ECO
Marcelo Torres, ECO
Marilson Dantas, CCA
Marina Rossi, ECO
Maurício Bugarin, ECO
Milene Takasago, ECO
Moisés da Andrade Resende Filho, ECO
Otávio Ribeiro de Medeiros, CCA
Paulo Coutinho, ECO
Ricardo Gomes, GPP
Roberto Ellery Jr, ECO
Rodrigo Peñaloza, ECO
Rodrigo de Souza Gonçalves, CCA
Tomas de Aquino Guimarães, ADM
Vander Lucas, ECO
Victor Gomes, ECO


domingo, 20 de novembro de 2016

Comportamento das expectativas após o impeachment de Dilma.

Como se comportaram as expectativas após a substituição de Dilma por Temer? Para tentar responder esta pergunta vou usar as expectativas de inflação de crescimento apresentadas no Boletim Focus (link aqui) que é elaborado e divulgado pelo Banco Central. As expectativas apresentadas no boletim representam a mediana das expectativas apresentadas por várias instituições que participam da pesquisa feita pelo Banco Central. A divulgação é feita a cada semana.

A figura abaixo mostra as expectativas para inflação, medida pelo IPCA. As expectativas para 2016 estão em azul, as expectativas para 2017 estão em laranja, a linha pontilhada marca o dia que o impeachment foi aprovado na Câmara, ou outros períodos relevantes estão marcados na figura. O fato da Câmara receber o impeachment não parece ter tido nenhum efeito relevante nas expectativas de inflação que continuaram crescendo por mais dois meses, de fato o máximo da série ocorre em 19/02/2016 quando a expectativa para inflação de 2016 chega a 7,62%. É difícil dizer se a reversão das expectativas que começa em entre o final de fevereiro e o começo de março de 2016 foi consequência da volta da atividade do Congresso e do fortalecimento da possibilidade de impeachment por conta das trapalhadas políticas do governo, de novas denúncias e do aumento da pressão popular ou se foi consequência da dinâmica da economia. Considerando que os modelos do pessoal de mercado são bem desenhados é de se esperar que os efeitos da dinâmica econômica, particularmente o ajuste do câmbio e dos preços administrados, já estivessem incorporados nas expectativas antes dos eventos que fortaleceram a possibilidade de impeachment. Na dúvida arrisco dizer que a reversão foi causada por uma mistura do aumento de possibilidade de impeachment e da dinâmica da economia.




No dia 17/04/2016 a Câmara aceita o pedido de impeachment, o que já era esperado desde a véspera. Aqui acontece um fato interessante, as expectativas de inflação para 2016 começam a subir e para 2017 começam a cair. Uma possível explicação é que o pessoal do mercado passou a creditar que a chegada de Temer poderia reduzir a inflação, mas que, talvez por conta da instabilidade política, a redução talvez demorasse e só fosse sentida em 2017. A medida que o tempo passa, Temer assume como interino e apresenta sua equipe econômica as expectativas para 2016 começam a se estabilizar e para 2017 começam um processo de queda mais consistente. Na sequência da posse definitiva de Temer as expetativas de inflação para 2016 começam a cair e as expectativas de inflação para 2017 continuam caindo. Em resumo, no dia em que a Câmara aprovou o impeachment o mercado esperava inflação de 7,08% em 2016 e 5,93% em 2017 (Boletim Focus de 15/04/2016), hoje o mercado espera inflação de 6,84% para 2016 e 4,93% em 2017 (Boletim Focus de 11/11/2016). Mesmo um sujeito chato como eu sou obrigado a reconhecer que após a chegada de Temer as expectativas para inflação tiveram uma redução considerável.

Olhemos agora para o crescimento. A figura abaixo mostra as expectativas para crescimento do PIB em 2016 e 2017, o tempo e as marcas são as mesmas da figura anterior. Repare que ocorre uma clara mudança na tendência de queda das expectativas de crescimento após a Câmara aceitar o impeachment de Dilma, isso vale tanto para 2016 quanto para 2017. Porém há uma dinâmica interessante que merece ser comentada, os últimos boletins mostram eu as expectativas de crescimento do PIB pararam de crescer e começaram a cair tanto para 2016 quanto para 2017. Parte deste fenômeno pode ser explicado por fatores alheios à política brasileira, porém, é possível que seja o primeiro sinal que o mercado está perdendo a paciência com o governo Temer.




É certo que o discurso da equipe econômica mudou para muito melhor. É um alívio não ver mais ministros da área econômica apresentando previsões dignas de risos e chamando os outros de piadistas ou terroristas. É uma tranquilidade saber que quem comanda nossa economia não acredita que é possível sair de uma crise gastando cada vez mais. É reconfortante saber que Fazenda e Banco Central estão cientes que não se combate inflação por controle de preços e não se reduz juros à base de canetadas. Tudo isso deve ter tido um papel importante na reversão das expectativas após a substituição de Dilma por Temer, mas, por melhor que seja, a mudança no discurso sozinha não vai resolver os graves problemas da economia brasileira. É preciso sair do simbolismo e partir para ações imediatamente. Por exemplo, adotar um teto de gastos é uma boa medida, mas importante mesmo é saber o que o governo vai fazer para reduzir o ritmo de crescimento dos gastos.


domingo, 6 de novembro de 2016

O gasto do governo no Brasil também é alto!

No último post comparei a dívida pública no Brasil com a dos outros países na base de dados do FMI, nesse post vou comparar o gasto de nosso governo com os gastos dos governos dos outros países. Assim como o post anterior esse post foi motivado pelo debate em torno da PEC do teto dos gastos, tenho visto muita gente dizendo que não temos problemas de gastos, nosso problema foi a queda na receita. É certo que sem a queda da receita que acompanhou a crise econômica não estaríamos com tanta urgência para o ajuste fiscal, porém essa leitura não aborda a questão do tamanho do gasto propriamente dito. Quando muito diz que quando a economia está crescendo é possível manter o nível de gastos do nosso governo, não diz se é desejável ou se é viável manter a economia crescendo com o governo gastando quase 40% do PIB. Menos do que dizer se o nível de gasto no Brasil é desejável ou viável (creio que não viável nem desejável, mas isso é assunto para outra conversa) o objetivo do post é avaliar o gasto do governo brasileiro em relação ao gasto dos governos de outros países.

Comecemos olhando o gasto por grupos de países conforme definidos pelo FMI, mais uma vez os países com menos de cinco milhões de habitantes foram excluídos da amostra e foi considerada a média dos valores observados nos anos de 2011 a 2015, os dados estão disponíveis na página do FMI. O grupo com maior gasto médio do governo é o de países avançados (41,9%), depois vem os emergentes da Europa (40,5%), esses são os únicos dois grupos onde o gasto médio supera o do Brasil (38,7%), todos os outros grupos possuem gastos médios do governo inferiores ao do Brasil. No grupo a que pertencemos, América Latina e Caribe, o gasto médio é de apenas 28,2%. Nosso governo é um latino que gasta como um europeu. A figura abaixo mostra o gasto médio de cada grupo, repare que apenas duas colunas ultrapassam os 38,7% do Brasil.




A figura abaixo mostra o gasto do governo como proporção do PIB e a renda per capita dos diversos países da amostra. Assim como no caso da dívida o Brasil aparece bem acima da reta, ou seja, nos países onde a renda per capita é próxima à do Brasil ($15,6 mil) o governo gasta uma proporção do PIB bem menor que os 38,7% gastos por aqui. Repare que boa parte dos países onde o governo gasta uma proporção do PIB maior que no Brasil sã países avançados.




Para observar melhor o Brasil a figura abaixo retira da amostra os países avançados e os países do Oriente Médio. É fácil ver que na grande maioria dos países emergentes o governo gasta uma proporção do PIB menor do que é gasto no Brasil, de fato, dos 74 países representados na figura apenas em nove o governo gasta mais que o do Brasil como proporção do PIB, são eles: Hungria, Ucrânia, Sérvia, Polônia, Equador, Venezuela, Bielorrússia, Bolívia e o Quirguistão. Não custa lembrar que os três latinos do grupo são países que aderiram em algum grau ao bolivarianismo de origem venezuelana.




A figura abaixo mostra apenas os países da América Latina e Caribe. Fica claro como o governo brasileiro gasta mais do que o padrão dos outros governos de “nuestra” América. Em nenhum país da América Central o governo gasta uma parte do PIB maior que no Brasil, na América do Sul apenas Equador, Bolívia e Venezuela possuem governos mais gastadores que o nosso. No México, um país grande e com renda per capita próxima à do Brasil, o governo gasta apenas 27,7% do PIB. No Chile, o eterno exemplo se sucesso no continente, o governo gasta 23,9% do PIB. Apesar dos governos do México e do Chile gastarem menos que o nosso em proporção ao PIB ambos os países estão na nossa frente no PISA (ranking que mede a qualidade da educação) e no IDH (medida de qualidade de vida).




Para terminar vale dar uma olhada no comportamento do gasto do governo no Brasil ao longo do tempo. Desde 1996, primeiro ano da amostra do FMI, até o final da amostra incluindo o período estimado, o gasto de nosso governo ficou entre 35% e 40% do PIB. É muito. Um gasto de 35% do PIB é maior que a média dos países da Comunidade Independente de Estados (os governos dos antigos membros da União Soviética gastam menos que o nosso!), do Oriente Médio, da América Latina e Caribe, do Sub-Saara e do Emergentes da Ásia, grupo que costuma ser um celeiro de milagres econômicos e onde a média de gastos do governo é de 23,2% do PIB. Repare que mesmo acontecendo o ajuste fiscal previsto pelo FMI, em 2021 o governo gastará uma proporção do PIB maior que a já alta média do período 2011-2015.



Podemos continuar tampando o sol com a peneira alegando que nosso governo gasta pouco e o problema é a crise, também podemos continuar buscando novas vítimas para pagar a conta do governo. Porém, enquanto falamos de novos impostos ou buscamos saídas mágicas para nossos problemas continua valendo que o governo brasileiro gasta bem mais que o governo de países semelhantes ao Brasil. Como proporção do PIB entre 2011 e 2015 gastamos mais que a Rússia (35,1%), a China (29,2%) e os Estados Unidos (36,7%), países onde os governos financiam gigantescas máquinas de guerra, só isso já deveria ser motivo para questionarmos se nosso governo não gastando demais.

É claro que existe uma demanda gigantesca por mais gastos públicos, mas não deve ser diferente nos outros países com renda semelhante à nossa. O ponto é que para gastar mais o governo precisa tirar mais recursos das famílias e das empresas, talvez nossas famílias e nossas empresas não tenham tanto dinheiro para dar ao governo sem comprometer o funcionamento de nossa economia.


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Sobre a absurdamente alta dívida pública do Brasil

Há cerca de um ano fiz um post argumentando que a dívida pública do Brasil é alta (link aqui), hoje, por conta do debate a respeito da PEC do teto de gastos, volto ao assunto. Assim como naquela época estou vendo pessoas comparando a dívida pública no Brasil com a de outros países para argumentar que nossa dívida é baixa. Feita a comparação, tentam-induzir o leitor a acreditar que não precisamos de um esforço de ajuste fiscal pois, como nossa dívida é baixa, podemos nos endividar para manter o ritmo de crescimento dos gastos até que a economia volte a crescer.

Via de regra o argumento é acompanhado de um gráfico ou uma tabela mostrando a dívida pública como proporção do PIB em um conjunto e países. Aí está o truque, o conjunto de países costuma estar repleto de países ricos com dívidas altas em relação ao PIB induzindo o leitor a pensar que se países como Japão, Estados Unidos e Itália podem viver com dívida pública maior que o PIB o Brasil, com uma dívida de aproximadamente 70% do PIB, não está tão mal. Levado pelo exemplo o leitor pode acabar esquecendo que comparar dívida de rico com dívida de pobre é um erro tolo e comprar o argumento, a depender do nível de empolgação o leitor pode até sair invadindo escolas e universidades por aí.

Ampliemos então o horizonte de comparação, no lugar de um punhado de países coloquemos todos os países com dados disponíveis na base de dados do FMI. Para tirar efeitos de um eventual ano ruim trabalhei com valores médios para o período de 2011 a 2015, também exclui os países com menos de cinco milhões de habitantes. Na amostra a dívida do Brasil ficou em torno de 64%, média de 2011 a 2015, o número atual já passa dos 70%, mas deixemos isso para o final do post. A figura abaixo mostra a média da relação dívida/PIB dos países de cada grupo conforme a definição do FMI.




Repare que apenas o grupo dos países avançados tem uma razão dívida/PIB média maior que os 64% do Brasil, para ser preciso a razão dívida/PIB neste grupo foi de 78%. Em todos os outros grupos a média ficou inferior a razão observada no Brasil, destaque para o grupo da América Latina e Caribe onde a dívida pública é, em média, 35% do PIB. A leitura de grupos pode ser enganosa, a figura abaixo mostra a razão dívida/PIB e o PIB per capita em todos os países da amostra.




Repare que com uma dívida de 64% do PIB o Brasil está bem acima da reta que relaciona PIB per capita e razão dívida/PIB, mas não fique tão impressionado com isso, retas de regressão como a do gráfico podem ser úteis, mas não costumam ser muito confiáveis. Preste atenção como a maioria dos países com razão dívida/PIB são países do grupo de países avançado, se excluirmos os países avançados sobram menos de dez países com razão dívida/PIB maior que a nossa. A próxima figura coloca uma lupa na figura anterior, para isso foram excluídos os países avançados e os países do Oriente Médio.




Repare como fica claro que nossa dívida é muito alta em relação a nosso PIB. Ficamos bem acima da massa de países, de fato, apenas cinco países apresentam razão dívida/PIB maiores que a nossa, são eles: Índia (67%), Sri Lanka (77%), Hungria (78%), Maláui (87%) e Eritreia (128%). Com a possível exceção da Índia, o único da lista com razão dívida/PIB abaixo de 70%, nenhum dos países é exemplo para o Brasil. Também é válido registrar que, ao contrário do Brasil, a dívida da Índia está caindo em relação ao PIB, sim, caso alguém tenha ficado curioso, a dívida da Hungria também deve crescer menos que o PIB de lá. Na foto dos países emergentes fica claro que o Brasil está devendo muito, se olharmos para América Latina o destaque do Brasil fica ainda mais impressionante conforme ilustra a figura abaixo.




A figura me parece autoexplicativa, mas, é sempre bom repetir: dos dezesseis países que ficaram na amostra nenhum teve uma razão dívida/PIB maior que a do Brasil! Antes de tentar culpar os últimos dois anos lembre que estou trabalhando com uma média de cinco anos, antes de tentar arrumar outra desculpe se pergunte se não é estranho devermos tão mais que os outros países de “nuestra” América. Além do Brasil o único que está acima de 50% é El Salvador. Desastres econômicos como a Venezuela (47%) e Argentina (43%) devem menos que o Brasil como proporção do PIB. Antes de se animar com os números de Argentina e Venezuela tenha em mente que se não fizermos nada em relação aos gastos públicos vamos reduzir nossa dívida com combinações das políticas usadas na Argentina e na Venezuela, ou seja, com uma combinação de inflação e calote.

Se após estas comparações internacionais você ainda não estiver convencido que nossa dívida é muito alta talvez seja melhor parar por aqui, não há mais nada que eu possa fazer para te convencer. Se, por outro lado, você estiver muito assustado com o tamanho de nossa dívida também pode ser o caso de parar, daqui para frente a coisa vai ficar mais assustadora. O FMI oferece cálculos e projeções para a razão dívida/PIB no Brasil entre 1980 e 2021. A figura abaixo mostra os números do FMI.




Isso mesmo. De acordo com as projeções do FMI em 2021 nossa dívida vai ultrapassar 90% do PIB, mais do que a média atual dos países avançados usada na primeira figura. Segundo o FMI, sem uma reversão da trajetória da razão dívida/PIB, em 2021 estaremos como a França está hoje (na França a razão dívida/PIB terá caído para 85%), porém com bem menos da metade da renda média que os franceses possuem hoje.

Como resolver? Isso é assunto para outro post, mas não será fácil. Para que o leitor tenha uma ideia do tamanho da encrenca que nos metemos se a dívida para de crescer hoje, algo que nem os mais radicais defensores do ajuste fiscal estão propondo, e o PIB crescer conforme previsto pelo FMI em 2021 nossa dívida seria de 53% do PIB. Se o leitor não lembra dos números anteriores eu ajudo, hoje, de todos os países da América Latina e Caribe da amostra, apenas El Salvador possui uma dívida maior que 53% do PIB. Quer mais? De todas as médias de grupos da primeira figura apenas a do grupo dos países avançados é maior que 50% do PIB.

Espero ter ajudado a mostrar o tamanho do problema que atinge nossas contas públicas. Se consegui, espero que quem leu até o fim lembre disso antes de afirmar que a PEC do teto dos gastos é muito dura ou muito radical. Não é. Se tivermos de criticar a PEC é pelo motivo oposto, o reajuste pela inflação do gasto público pode não ser capaz de reverter a trajetória da dívida. No limite, se isso ocorrer, não conseguiremos mais financiar nossa dívida e faremos o ajuste de forma caótica com perdas muito maiores para os mais pobres e/ou mais necessitados.