O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao terceiro
trimestre de 2020 (link aqui). A recuperação dos efeitos da Covid-19 na
economia (pelo menos da primeira onda) aparecem nos números do PIB. Em relação
ao trimestre anterior o PIB cresceu 7,7%, o maior número da série que começa em
1996, o valor exagerado do crescimento faz parte do mesmo movimento que levou à
queda recorde de 9,6% no trimestre anterior e, de fato, não chega a compensar aquela
queda.
Assim como a queda no trimestre anterior, o crescimento do terceiro
trimestre deste ano dificilmente pode ser analisado na perspectiva da dinâmica
de crise e recuperação que costumo usar nos posts sobre contas nacionais. O
máximo que pode ser feito é entender como será a recuperação da crise causada
pela pandemia e tentar especular sobre como esta recuperação pode afetar a
dinâmica da economia brasileira na ótica das contas nacionais.
A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as
barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste
sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No
acumulado houve uma queda 3,4%, o que mostra que, apesar do crescimento de 7,7%
no trimestre, a crise do Covid-19 ainda está longe de ser vista pelo retrovisor.
É fácil observar nas barras como tanto a queda de 9,7% como o crescimento de
7,7% destoam do resto da série.
Como é tradição no blog a análise será feita pelo lado da
produção, a análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é
interessante para entender como foi a distribuição do PIB. A figura
abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de
quatro trimestres a agropecuária, que no terceiro trimestre de 2020 respondeu
por 6,5% do valor agregado e 5,6% do PIB, cresceu 1,8%; o setor de serviços, 71,8% do valor agregado e 61,7% do
PIB, teve uma queda de 3,5%; finalmente, a indústria, que responde por 21,8% do
valor agregado e 18,7% do PIB, teve uma queda de 3,5%. Na comparação com o
trimestre anterior a agropecuária teve queda de 0,5%, a indústria teve crescimento
de 14,8% e nos serviços o crescimento foi 6,3%. Vale notar que a indústria teve
a maior queda no segundo trimestre, 13%, e o maior crescimento no terceiro
trimestre 14,8%.
No acumulado de quatro trimestres a construção teve
queda de 5,8%. Na indústria de transformação a queda foi de 5,4%. Ao contrário
de outros períodos onde a queda na indústria de transformação podia ser vista
como parte da arrumação de casa após a sequência de investimentos
questionáveis, para dizer o mínimo, da primeira metade da década., esta queda
reflete o impacto brutal da pandemia no setor A indústria extrativa teve
crescimento de 4,3%. Na comparação com o trimestre anterior a construção cresceu
5,6%, a indústria extrativa cresceu 2,5% e a indústria de transformação cresceu
23,7%. Vale registrar que no terceiro trimestre de 2020 a indústria extrativa
correspondeu a 13% da indústria total, a construção por 15,4% e a de
transformação por 58%. O crescimento extraordinário da indústria de transformação
só pode ser compreendido se levarmos em conta a queda de 19,1% no período
anterior, grosso modo esse setor da indústria parou boa parte da produção no
segundo trimestre, por conta das medidas para contenção da pandemia, e retomou
a atividade no terceiro trimestre. Considerando o índice encadeado também divulgado
pelo IBGE, a produção da indústria de transformação foi menor do que no
terceiro trimestre de 2019.
Nos serviços o maior crescimento ficou por conta do setor de atividades
financeiras, de seguros e serviços relacionados que cresceu 4% no acumulado de
quatro trimestres. Também foi registrado crescimento de 0,5% no setor de informação
e comunicação e de 2% nas atividades imobiliárias. Administração, defesa, saúde
e educação públicas e seguridade social teve queda de 3,7%., a maior queda foi
de 8% no setor de transportes A figura abaixo mostra o crescimento no setor de
serviços. Na comparação com o trimestre anterior todos os subsetores dos serviços
cresceram, o maior crescimento foi no comércio, 16%, seguido por transportes,
12,5%. Mais uma vez o crescimento faz parte do mesmo movimento que causou a
queda no trimestre anterior.
Por fim, passemos a análise pelo
lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O
investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, teve
queda de 4% no acumulado em quatro trimestres. Em tempos normais isso seria
preocupante, pois sugeriria redução da capacidade de produção nos próximos
períodos e pouca confiança no futuro da economia, em tempos de pandemia o
resultado pode ser visto como um adiamento do investimento para o pós-pandemia.
Na comparação com o trimestre anterior o investimento cresceu 11%, isso reforça
a ideia que a pandemia levou a um adiamento do investimento.
O consumo das famílias caiu 4,1% e
o consumo do governo caiu 3,7%, ou seja, no acumulado de quatro trimestres a
fatia do bolo que vai para as famílias caiu pouco mais do que a fatia que vai
para o governo. As exportações caíram 1,9% e as importações caíram 9%. Na
comparação com o trimestre anterior o investimento cresceu 11%, após queda de
16,5% no segundo trimestre, o consumo das famílias cresceu 7,6%, após queda de 11,3%,
o consumo do governo cresceu 3,5%, após queda de 7,7%, as exportações caíram 2,1%
e as importações tiveram queda de 9,6%.
Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do
coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo
desde 2017, mas sugerem uma rápida recuperação em relação a queda causada pela
própria pandemia. Para ter crescimento de longo prazo o governo precisaria
investir nas reformas, algo que é cada vez mais claro que não vai acontecer. Continua
valendo que se o governo partir para políticas de estímulos turbinadas por
planos como o Pró-Brasil, Casa Verde e Amarela e uso de estatais podemos até
ter bons números para o PIB em 2021, mas começaremos outra caminha em direção
ao abismo. O descaso com o lado fiscal, ilustrado pelo não andamento do
orçamento de 2021, pode cobrar um preço alto ainda no governo Bolsonaro. A disparada
dos preços no atacado, levando junto o IGP-M, mostra que, além da recuperação
do PIB, o governo deve se preocupar em evitar que a inflação chegue nos preços aos
consumidores.