sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Sobre Fadas e Anões: Confiança e os problemas reais da economia brasileria

Vez por outra leio textos de economistas dentro e fora a do governo apontando a confiança como o motor da economia. Sem confiança estamos destinados a estagnação, com confiança o céu é o limite. Como em um passe de mágica a confiança faz com que empresários decidam investir mais aumentando a produção e criando novos empregos, a mesma confiança faz com que os consumidores gastem mais garantindo a demanda necessária para o aumento de produção, mas fica melhor, com o aumento da produção, do emprego e dos gastos o governo arrecada mais e presta melhores serviços à população. É claro que em uma sociedade onde a produção aumenta, a demanda acompanha o aumento da produção, empregos são criados e os serviços públicos não param de melhorar a confiança cresce ainda mais e ciclo virtuoso se estabelece. Confiança gera prosperidade que gera ainda mais confiança.

Sendo assim a saída para tirar uma economia de uma crise é reestabelecer a confiança. Paul Krugman, prêmio Nobel em economia e ativista keynesiano por aumento de gastos públicos, cunhou a expressão “fada da confiança” (no original “confidence fairy”, link aqui e aqui) para ironizar os economistas que defendem austeridade como forma de estimular a economia. Krugman argumenta que nas condições dos EUA (e também da Europa) não existem bases teóricas para sustentar a tese que o corte nos gastos do governo levaria a um aumento de confiança nos investidores que colocaria em funcionamento a mágica da confiança. O debate por lá pegou fogo e muita gente boa entrou na discussão de um lado ou de outro. Não vou discutir economia americana ou europeia aqui, como de costume vou tratar da economia brasileira.

A fada da confiança que Krugman usou para ironizar os defensores da austeridade por lá tem uma irmã que vive por aqui, para facilitar vou chamar a versão original de fada azul e a irmã que vive por aqui de fada vermelha. A mágica da fada azul consiste em fazer que ao testemunhar cortes nos gastos públicos empresários passem a investir mais e consumidores passem a gastar mais pois antecipam redução na taxa de juros e nos impostos. Assim como a água que por aqui gira em direção contrária a que gira no hemisfério norte, a fada vermelha faz uma mágica que funciona de forma contrária a da fada azul. A mágica da fada vermelha faz que o aumento dos gastos do governo aumente a confiança dos empresários e dos consumidores. Empresários sob feitiço da fada vermelha investem mais por acreditarem que aumento do gasto representa garantia de demanda futura, consumidores encantados pela fada vermelha gastam mais por acreditarem que a aumento do gasto público garantirá empregos no futuro. Apesar da fada azul e da fada vermelha usarem truques diferentes para invocar a magia da confiança ambas garantem o mesmo resultado: a confiança aumentará investimentos, consumo e nos abençoará com um ciclo virtuoso.

Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, era um devoto fiel da fada vermelha. Apostou suas fichas que aumento dos gastos e discursos para lá de otimistas fariam funcionar a mágica da fada vermelha. Joaquim Levy, atual ministro da Fazenda, parece ser discípulo da fada azul, porém até agora acendeu mais velas para o aumento de impostos do que para o corte de gastos. Talvez o novo ministro seja discípulo de uma fada verde que ainda não foi bem descrita. Seja lá a fada que siga Joaquim Levy, assim como Guido Mantega, parece acreditar que negar a existência de problemas é uma boa forma de ajudar as fadas da confiança (falei a respeito aqui).

O tempo ainda não permite saber a efetividade da magia da fada de Levy. Porém podemos tentar ver se a fada vermelha teve sucesso em trazer confiança a nossos empresários. A figura abaixo mostra o nível de confiança de nossos industriais durante o governo Dilma.




 A tendência de queda é inegável, quando a presidente tomou posso o índice de confiança do empresário industrial (ICEI) era de 61,7; hoje o ICEI está em 40,2. A tendência de queda do ICEI durante o primeiro governo Dilma sugere que a fada vermelha pode ser daquelas fadas atrapalhadas que fazem o encanto ter resultados opostos aos desejados. Será que a fada azul (ou seria verde?) de Joaquim Levy terá resultados melhores? Espero que sim, em geral aumento de confiança é um bom sinal.

Aqui entram em cena os anões. Nos mundos de fantasia anões são descritos como gananciosos, trabalhadores e não raro possuem aversão a mágica. Enquanto as fadas são descritas como seres delicados que costumam voar entre as flores os anões possuem trações grosseiros e geralmente aparecem enfiados em alguma montanha em busca de ouro ou pedras preciosas. Acredito que em nossa condição atual precisamos mais de anões do que de fadas. Não me entendam mal, o ajuste fiscal é necessário e será feito de um modo ou de outro, apenas não acredito que resolvido o problema fiscal a mágica da confiança nos fará retomar o crescimento. No mundo dos anões só consegue as coisas com trabalho.

O que impede nossos anões de trabalhar? De saída digo que nossa insistência em ver a ganância como algo a ser combatido é um banho de água fria em nossos anões. Qual a razão de enfrentar os riscos das montanhas se ficar com o ouro e as pedras preciosas é feio? Nossa cruzada contra a ganância faz com que criemos cada vez mais dificuldades para os anões. Exigimos licenças redundantes, criamos regras que retroagem contra os anões, taxamos em demasia o ouro dos anões... é difícil escavar por aqui. As dificuldades não param, existem alguns anões que são gananciosos mas preferem viver da amizade do Rei do que dos riscos de enfrentar as montanhas, destinamos recursos valiosos para estes anões. Tais anões aplicam estes recursos para que possam ficar ainda mais amigos do Rei e para que dificultar o trabalho dos outros anões de forma a não sofrer concorrência. Ao contrário dos anões normais os anões amigos do Rei escondem sua ganância e falam que trabalham em nome da sociedade e dos pobres do reino.

Não bastasse as dificuldades e a concorrência com os amigos do Rei nossos anões ainda sofrem para encontrar anões bem treinados que possam ajudar nas escavações. Os sábios da terra dizem que não é preciso treinar os novos anões pois não existem escavações para empregar anões treinados, estes mesmos sábios sentem dificuldade em entender a razão de anões sem treinamento não conseguirem criar novas tecnologias ou mesmo dominar tecnologias existentes. Tais sábios gostam de invocar feiticeiros que tornariam os anões amigos do Rei em grandes campeões que levariam a glória do reino para outras terras, os sábios garantem que os feiticeiros existem e já fizeram proezas em outras terras, por aqui ainda não se viu a mágica dos feiticeiros funcionar, mas este é assunto para outras conversas. Sem incentivos e sem anões treinados nossos valentes escavadores se deparam com ameaça de falta de energia e água para escavações e, quando conseguem retirar algo, faltam os trilhos para levar o ouro ao mercado. Diz-se que alguns anões tentaram construir tais trilhos, mas o Rei os ameaçou com o inferno eterno da burocracia infinita.

A verdade é que a situação desesperadora de nossos anões faz com que muitos prefiram apostar nas fadas. É pena. Melhor seria se enquanto Levy faz o ritual de invocação da fada azul o resto do governo buscasse uma forma de atrapalhar menos a vida dos anões.




terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O Sustentáculo do Poder dos Ditadores

Como um ditador se mantém no poder? Evidentemente, não é apenas devido ao uso da força bruta. Em qualquer ditadura do mundo, os ditadores são auxiliados por pessoas normais, daquelas que tomam cafezinho contigo e contam piadas. Contudo, muitos desses indivíduos, inofensivos em ambientes normais, assumem posturas agressivas e perigosas numa ditadura. O exemplo mais óbvio é representado por uma parcela dos burocratas a serviço do governo.

Foram os burocratas nazistas um importante sustentáculo de Hitler no passado. Atualmente, funcionários públicos ávidos por poder, ou se corrompendo em troca de uma simples gratificação salarial, ajudam Nicolas Maduro a incrementar ainda mais o regime bolivariano na Venezuela. Tudo isso sob o silêncio covarde e muitos observadores externos.

No Brasil, diversos burocratas justificam a ditadura bolivariana na Venezuela. Ou são cegos ou apenas querem o óbvio: sua gratificação. Protestar contra tal ditadura é perigoso mesmo no Brasil. Funcionários públicos que se posicionam publicamente contra essa afronta são marcados no serviço público. Outros burocratas chegam a escrever para jornais elogiando a “democracia” venezuelana.

Tal como apontou brilhantemente Edmund Burke “A única condição para o triunfo do mal é que os homens de bem não façam nada”. Neste texto nós cobramos dos burocratas brasileiros uma condenação firme e veemente da ditadura venezuelana. Como pesquisadores, como intelectuais, como cidadãos de bem exigimos que a ditadura bolivariana instalada na Venezuela seja denunciada.

O recente episódio da prisão arbitrária e imoral do prefeito da região metropolitana de Caracas é apenas mais um episódio desta triste história. Sabe como Hitler controlava os alemães? Ele os controlava por meio de conselhos (conselho de ética, conselho de cidadãos, etc.). Era assim que a máquina nazista enquadrava e perseguia os inimigos do regime. No Brasil estamos caminhando para situação idêntica.

Os cidadãos venezuelanos já são obrigados a combater uma tirania, não é necessário que sejam também obrigados a sofrerem com o apoio de burocratas brasileiros que apoiam esse regime. Você apoia Nicolas Maduro? Então saiba que apoias um ditador, um criminoso, um inimigo dos direitos humanos e da liberdade individual. E a história tem um nome para você: crápula.

Adolfo Sachsida
Roberto Ellery Jr.
Rodrigo Saraiva Marinho

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Se quer ganhar confiança aprenda a fazer discursos... e evite mentiras óbvias

Gosto de política e de história, creio que por isso gosto de ler sobre grandes discursos feitos por estadistas de primeira linha e mesmo por políticos menores. Dos grandes estadistas tenho preferência por dois:  Abraham Lincoln e  Winston Churchill. O primeiro liderou o Norte na Guerra Civil Americana no século XIX, um conflito que mudou a história da humanidade e "criou" os EUA como o país que veio a se tornar a grande potencia do século XX. O segundo liderou as forças da liberdade contra a tirania nazista que aliada à tirania comunista ameaçava dominar a Europa. Longe de mim cobrar de algum de nossos políticos a grandeza de Lincoln ou de Churchill, até porque não vivemos nada parecido com as situações dramáticas que eles enfrentaram. Porém, os grandes discursos que fizeram podem (devem) servir de referência para que outros políticos criem seus próprios discursos e para que nós possamos avaliar os discursos de nossos políticos.

Tratei do assunto quando Dilma fez o discurso na seqüência das manifestações de 2013. Dilma foi a televisão pedir união e fez um discurso apagado que não surtiu efeito algum e que duvido muito que alguém lembre de algum trecho sem recorrer à internet ou outros arquivos. Na época falei que longe de mim cobrar de Dilma a grandeza de Lincoln e que as manifestação eram nada comparadas à Guerra Civil Americana, mas que qualquer político que fosse fazer um discurso a uma nação dividida deveria antes buscar inspiração no discurso da Casa Dividida de Lincoln, segue trecho do discurso:

"A house divided against itself cannot stand. I believe this government cannot endure, permanently, half slave and half free. I do not expect the Union to be dissolved — I do not expect the house to fall — but I do expect it will cease to be divided. It will become all one thing or all the other. Either the opponents of slavery will arrest the further spread of it, and place it where the public mind shall rest in the belief that it is in the course of ultimate extinction; or its advocates will push it forward, till it shall become lawful in all the States, old as well as new — North as well as South."

Abaixo a tradução que achei na Wikipédia:

"Uma casa dividida contra si mesma não pode permanecer. Eu acredito que este governo não pode suportar, permanentemente, ser metade escravo e metade livre. Eu não espero a divisão da União - Eu não espero ver a casa cair - mas espero que ela deixe de ser dividida. Ela terá que se tornar toda uma coisa ou outra.
Ou os adversários da escravidão irão deter a propagação da mesma, e a opinião pública deve repousar na crença de que deva ser extinta definitivamente, ou seus defensores irão estendê-la adiante, até que ela se torne legal em todos os Estados, velhos ou novos - Norte como no Sul."

Percebam que Lincoln não esconde os problemas vividos pelo governo dos Estados Unidos, porém não é um discurso pessimista, pelo contrário, é um discurso que mostra confiança em uma tarefa difícil mas necessária para o país.

Considerem agora o discurso que Churchill fez em 1940 a respeito da II Guerra Mundial. Era um momento critico. O exército alemão parecia invencível, a URSS de Stalin era aliada de Hitler, os Estados Unidos mantinham a política de não intervir militarmente, de fato a Inglaterra estava sozinha contra a ameaça nazista. Vejam o trecho mais conhecido do discurso:

"Even though large tracts of Europe and many old and famous States have fallen or may fall into the grip of the Gestapo and all the odious apparatus of Nazi rule, we shall not flag or fail. We shall go on to the end. We shall fight in France, we shall fight on the seas and oceans, we shall fight with growing confidence and growing strength in the air, we shall defend our island, whatever the cost may be. We shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender, and if, which I do not for a moment believe, this island or a large part of it were subjugated and starving, then our Empire beyond the seas, armed and guarded by the British Fleet, would carry on the struggle, until, in God's good time, the New World, with all its power and might, steps forth to the rescue and the liberation of the old."

Novamente a tradução da Wikipédia:

"Muito embora grandes extensões da Europa e antigos e famosos Estados tenham caído ou possam cair nos punhos da Gestapo e de todo o odioso aparato do domínio nazista, nós não devemos enfraquecer ou fracassar. Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito nem por um momento, esta ilha, ou uma grande porção dela fosse subjugada e passasse fome, então nosso Império del além-mar, armado e guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em frente para o resgate e libertação do Velho."

Churchill não esconde os perigos, não tenta vender uma confiança sem fundamentos, pelo contrário, fala de lutar até o fim, reconhece a possibilidade que a Inglaterra seja subjugada mesmo se negando a acreditar que a possibilidade venha a se tornar um fato. Com este discurso (na realidade foram três grandes discursos, além desse teve o do "sangue, suor, trabalho e lágrimas"  e o do "melhor momento") Churchill ajudou a recuperar a confiança dos ingleses e tornou possível a mudança de rumo que levou à derrota final do nazismo.

Toda esta conversa a respeito de discursos marcantes veio para que eu tentasse passar ao leitor como estou contrariado com o discurso de Joaquim Levy feito hoje para uma platéia de empresário. Segue o trecho que me incomodou a ponto de fazer este post:

"Não há nada de problemático na economia brasileira. Ainda há inúmeras vantagens no país, como nosso capital humano. Temos certeza de que temos condições de fazer essa reengenharia da nossa economia sem grande dificuldade. No ano passado, o governo fez alguns ajustes em programas de transferência, e atacou situações em que havia distorções para garantir sua efetividade conhecida pela população."

Ao contrário de Churchill e Lincoln o discurso de Joaquim Levy começa negando sequer a existência dos problemas. Se não temos problemas então por que nos impor sacrifícios? É uma pergunta legítima. Por que eu vou pagar mais impostos? Por que o jovem empregado vai ter de ficar mais tempo no emprego para receber seguro desemprego? Por que um terço dos recursos das universidades federais estão bloqueados (link aqui)? Por que os caminhoneiros estão bloqueando as estradas (link aqui)? Por que as viúvas vão ter suas pensões reduzidas? Por que os moradores da maior cidade do país estão sendo obrigados a poupar água? Por que tudo isto se "não há nada de problemático na economia brasileira"? Faria sentido Chruchill negar que a Inglaterra estava ameaçada e depois pedir o sacrifício dos ingleses? Faria sentido Lincoln negar que a União estava ameaçada e depois pedir o sacrifício dos americanos?

Não satisfeito em afirmar que não temos problemas o ministro segue dizendo que podemos fazer a "reengenharia da nossa economia sem grandes dificuldades". Hoje a noite o ministro que afirmou que não temos problemas e que não temos grandes dificuldades para fazer a reengenharia de nossa economia vai jantar com políticos do PMDB para pedir apoio as medidas do governo. Se eu estivesse na reunião levaria este trecho do discurso e perguntaria qual a razão dos sacrifícios pedidos.

Negar a existência dos problemas não foi o pior que o ministro fez. Sendo um economista brilhante é possível veja soluções fáceis para nossa economia e esteja nos impondo os sacrifícios por alguma razão que desconheço. Talvez por culpa de FHC, vai saber. Entre as duas frases que comentei o ministro coloca o capital humano como uma vantagem do país. De que país ele está falando? Do Brasil? O ministro ignora que nosso ensino é constantemente mal avaliado nas avaliações internacionais? O ministro ignora que não temos uma universidade entre as melhores do mundo? É assustador, mas ou o ministro está mentindo descaradamente ou não tem a menor ideia sobre o que está falando. É assim que o ministro quer ganhar a confiança do mercado? É assim que o ministro acredita que vai ganhar nossa confiança?

Não sei se vocês lembram de um porta voz do Iraque que durante a invasão americana dava declarações garantindo que o Iraque estava vencendo a guerra e destruindo as tropas invasoras. Era patético. É triste constatar que em uma escala com os discursos de Churchill como valor máximo e as declarações do tal porta voz iraquiano como valor mínimo a fala de nosso ministro está muito mais próxima do mínimo do que do meio da escala.





domingo, 22 de fevereiro de 2015

Com a palavra, Dilma

A era da internet é espetacular por vários motivos, um deles é que nossa capacidade de guardar e recuperar informações aumentou de modo espantoso. Enquanto no passado éramos obrigados a arquivar o que nos pareceria interessante e recorrer a nossa memória ou horas de pesquisa para recuperar um informação hoje podemos contar com informações armazenadas na rede e com a memória coletiva ou com o esforço de pesquisa coletivo para recuperar estas informações. Exemplo disto são os vários vídeos que circulam na internet com trechos de entrevistas dadas por autoridades onde o sábio inquilino do poder ensina a plebe ignara sobre a verdade das coisas, pobres sábios, suas certezas foram destruídas pelo desvendar dos fatos permitindo que a plebe se divirta um pouco. Como parte da plebe resolvi juntar e comentar alguns vídeos onde a suprema mandatária da nação, Dilma Roussef da Casa da Estrela Vermelha, divide a sapiência dela conosco e nos mostra como os poderosos podem falar tantas ou mais bobagem que uma criança, antes que alguém me critique por sugerir que a presidente fala bobagens lembro que esta é a melhor das hipóteses para justificar falas que se mostraram tão incompatíveis com os fatos.

1. Petrobras: No vídeo abaixo a presidente, então ministra chefe da Casa Civil, começa falando contra a necessidade de uma CPI da Petrobras, até aí tudo bem, o fato da Petrobras ser palco de diversos casos de corrupção não necessariamente implica que uma CPI teria sido útil. Na seqüência a presidente resolver falar sobre a contabilidade da Petrobras. Quem acreditou no discurso da presidente aprendeu que a Petrobras era uma empresa com excelentes práticas de governança corporativa e que se assim não fosse não atrairia investidores do mundo todo. Dilma não era alguém distante da empresa, quando ela deu as declarações já tinha experiência como ministra das Minas e Energia, presidente do Conselho da Petrobras e estava na Casa Civil.



Daí e veio o tempo cruel e mostrou que as práticas de governança da Petrobras eram muito ruins, a própria empresa reconheceu o problema e criou uma nova diretoria para cuidar da governança. O que fez a presidente? Reconheceu que errou ao afirmar que a empresa tinha excelentes práticas de governança? Longe disto, acusou o antecessor de não ter combatido os problemas na empresa. Agora eu pergunto ao amigo, se você recebesse uma empresa de alguém que não confia (ou mesmo de quem confia) não seria o caso de fazer uma auditoria completa para levantar todos os problemas antes de sair dizendo que empresa estava muito bem? Por quase dez anos Dilma teve todas as oportunidades de ver se tinha algum problema na Petrobras, depois de todo este tempo concluiu e disse para quem quis ouvir que a empresa não tinha problemas. Como eu fico? Acredito na Dilma que disse que a empresa não tinha problema ou na Dilma de hoje? Particularmente não acredito em nenhuma das duas...


2. Energia: Dilma se considera uma especialista em energia, deve ser, do contrário Lula nunca a teria posto como ministra das Minas e Energia (viram com eu sou um sujeito crédulo?). No vídeo abaixo Dilma garante que sua política para o setor nos garantiria uma energia mais barata, que éramos uma potência energética e que não havia "nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio ou no longo prazo". Ouvindo as palavras da presidente especialista em energia homens ainda mais crédulos do que eu só tinham uma coisa a fazer: gastar mais energia! Era o momento de investir em produção intensiva em energia, de comprar eletrodomésticos sem ligar para consumo de energia e etc. Foi nos dada a garantia de energia elétrica abundante e barata.



Novamente o tempo foi cruel e aprontou a presidente. O risco de racionamento é reconhecido pelas próprias autoridades do setor, as seguidas elevações no preço da energia destruíram a promessa da energia barata, mais uma vez a realidade foi o contrário do que a presidente afirmou. Pensa que ela reconheceu o erro e pediu desculpas? Que entendeu que a intervenção que o governo dela fez no setor elétrico foi das políticas mais desastrosas que temos registros? Se pensas assim estás muito enganado, a presidente simplesmente não fala mais no assunto, os apoiadores do governo que defenderam a intervenção também não gostam de falar no assunto e, se forçados a se pronunciar, se limitam a acusar quem mostra os fatos ou um governo que saiu do poder já faz mais de uma década.


3. Crescimento e Inflação: Durante a campanha Dilma foi entrevistada pelo Jornal Nacional, na entrevista William Bonner a questionou sobre o estado da economia. A resposta pode ser vista no vídeo abaixo lá pelo décimo segundo minuto (não encontrei uma versão do vídeo só com a parte da economia). Dilma nega a crise e fala que os indicadores de antecedentes apontam para a retomada do crescimento no segundo semestre de 2014, notem que ela parece se orgulhar do governo dela não ter aumentado impostos. A economista Dilma também rebate o comentário que a inflação estava no teto da meta argumentando que olhada mês a mês a inflação estava caindo (comentei aqui sobre a queda da inflação a que a presidente se referiu).



Sem dó nem piedade da presidente economista o tempo mais uma vez desvendou uma realidade contrária a que ela previu. A recuperação da economia não veio, pelo contrário, hoje já se fala de crescimento negativo em 2014 e 2015, crescimento negativo por dois anos seguido é algo que há muito não se vê por nossas bandas. A inflação ficou mesmo no teto da meta e queda prevista pela presidente não aconteceu, para 2015 mesmo o ministro da Fazenda já fala em inflação acima do teto da mera. E quanto a não aumentado impostos? Pois é, agora teve de aumentar... e cortar os direitos trabalhistas que em outro lugar ela garantiu não cortar "nem que a vaca tussa". Assim como nos outros casos Dilma nunca se desculpou e nunca reconheceu o erro. Sabe como é, os nobres não erram os fato é que conspiram contra os sábios líderes da Casa da Estrela Vermelha.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Salário Mínimo e Preço da Gasolina

Nas últimas semanas recebi vários pedidos para comentar a respeito de um meme que está circulando na internet mostrando que hoje um salário mínimo compra mais gasolina do que comprava em 2002. Meu comentário é que isto é mais uma forma de desviar o assunto do aumento do preço da gasolina e desviar a discussão para um outro assunto, qual seja, a valorização do salário mínimo. O fato é que o salário mínimo tem aumentado de forma quase constante desde 1995 quando ocorreu a estabilização, é natural que nos últimos dez anos seja possível a quantidade de gasolina que pode ser comprada com o salário mínimo tenha aumentado. Arrisco que o mesmo pode ser dito para a quantidade de Coca Cola ou de bacon que é possível comprar com o salário mínimo.

A figura abaixo mostra a evolução do salário mínimo desde 1995, considerei o último salário do ano (a data de reajuste mudou no período, ignorei este fato). A linha azul usa o IPCA, índice oficial de inflação, a linha laranja usa o INPC, um índice voltado para famílias com renda entre 1 e 5 salários mínimos (o IPCA pega até 40 salários mínimos) e a linha cinza mostra o salário mínimo em dólares, não vem muito ao caso, está aí porque já vi outros memes comparando salário mínimo em dólares. Note que pela linha azul, a que considera a inflação oficial, o processo de aumento real do salário mínimo começa em 1995, pela linha laranja começa em 1997.



Visto que o aumento do salário mínimo começa antes dos governos do PT é razoável supor que não foi uma consequência do petismo, na realidade a medida fundamental para permitir o aumento do salário mínimo foi a desvinculação do reajuste dos benefícios previdenciários do reajuste do salário mínimo. Quando todos os benefícios da previdência (regime geral) eram reajustados pelo salário mínimo o impacto do aumento do salário mínimo nas contas públicas era muito grande, isto quase forçava o governo a dar reajustes pequenos para o salário mínimo. A desvinculação em si é tema polêmico e não vão discutir aqui, quem sabe em outro post, mas é muito difícil negar que o fim da vinculação permitiu maiores aumentos para o salário mínimo.

Visto que a tendência de aumento do salário mínimo é anterior à chegada do PT ao poder resta outra pergunta: o crescimento ficou mais intenso nos governos petistas? A resposta é sim, mas deve ser qualificada. A primeira qualificação seria dizer que sim no governo Lula e não no governo Dilma. Usando a série corrigida pelo IPCA como referência o aumento médio do salário mínimo entre 1995 e 2002 foi de 3% ao ano, entre 2003 e 2010 foi de 6,4% e entre 2011 e 2014 foi de 2,9% ao ano, se consideramos o INPC o crescimento médio foi maior tanto com Lula quanto com Dilma, mas também ocorre uma queda no governo Dilma em relação aos governos Lula (os números são 1,9%, 5,3% e 2,9%, respectivamente).

A segunda qualificação diz respeito a natureza do momento econômico em cada governo. Como já falei várias vezes aqui no blog o governo FHC tem de ser analisado em um contexto de combate à inflação. Depois de décadas de inflação descontrolada e uma série de fracassos de combater a inflação via controle de preços o governo FHC era o primeiro a tentar combater a inflação por meios convencionais. Os meios convencionais de combater a inflação costumam funcionar, mas tem efeitos colaterais, entre eles aumento no desemprego e queda no salário real, é cruel, mas, como mostra a experiência brasileira, as técnicas alternativas não funcionam. Por sua vez Lula governou em um período de expansão e não teve de combater uma hiperinflação, a inflação alta de 2002 foi pontual e em menos de um ano foi controlada, os efeitos da retomada do crescimento (abortada em 2001 por conta do racionamento) e da recuperação dos salários depois do período de combate à inflação (um efeito que eu demorei para compreender, confesso) não podem ser ignorados na comparação dos dois governos. Já o governo Dilma conseguiu ter o ritmo de crescimento do salário mínimo real um pouco menor que o do governo FHC enquanto via a inflação aumentar, é um feito. Como eu já disse aqui, entre inflação e recessão o governo Dilma escolheu os dois.

A terceira qualificação diz respeito a definição dos períodos. Quem me acompanha aqui no blog ou no FB sabe que não considero adequada a divisão por governos, prefiro dividir por políticas econômicas. Pensando assim trato o período 1995 a 2005 como o período das reformas, 2006 como o início da transição que foi comprometida pela crise de 2008 de forma que o período das contra reformas começa mesmo com Dilma em 2011 e dura até hoje. Por esta classificação o salário mínimo real cresceu a uma taxa de 4,1% ao ano no período das reformas, 6,2% ao ano durante a transição (5% se tiramos o reajuste excepcional de 2006) e 2,9% durante o período de contra reformas. Os contra reformistas de Dilma prometeram reduzir juros na marra para reduzir os ganhos do rentistas e entregaram redução no crescimento do salário mínimo real, a vida é dura.

Uma quarta qualificação seria quanto a sustentabilidade do aumento do salário mínimo e da renda do trabalho como um todo. Participei de um estudo junto com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) a respeito do tema (link aqui), grosso modo a conclusão é que o aumento da renda do trabalho só será sustentável se ocorrer um aumento na produtividade do trabalho. Particularmente (é redundante, mas ressalto que o que segue é conclusão minha e não da SAE/PR) acredito que os ganhos de produtividade necessários para manter o crescimento da renda do trabalho só virão com a retomada da agenda reformista, mas isto é outra conversa.


E a gasolina? A esta altura espero que tenha percebido que uma questão não tem relação com a outra, o problema da gasolina é que o governo quase quebrou a Petrobras tentando controlar o preço para abaixo e agora vai quase quebrar um monte de gente controlando o preço para cima. Como assim? O governo erra quando coloca o preço para baixo e quando coloca o preço para cima?! Não tem um pouco de má vontade aí? Não. O erro do governo não é colocar o preço para cima ou para baixo, o erro é tentar determinar o preço, o resto é consequência.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Billie Jean

A década de 1980 foi uma espécie de fim do Brasil. Depois de anos de crescimento acelerado por meio de transferências de renda para setores da indústria na década de sessenta população sinalizou que não estava satisfeita em pagar a conta do desenvolvimento alheio. O clima de “muda tudo que pior não fica” colocou Jânio Quadros, um político “contra tudo que está aí” no poder, com um discurso bom para fazer e oposição e ganhar eleições, porém inviável para governar, Jânio preferiu sair do poder do que entrar em choque com o próprio discurso e renunciou. No lugar de Jânio entrou João Goulart que tentou transferir renda para os trabalhadores sindicalizados, grande parte trabalhadores da indústria, por meio das famosas Reformas de Base, uma agenda reformista com viés de esquerda. Não deu certo. Os beneficiários do crescimento acelerado aparentemente não estavam dispostos a dividir o bolo e acabaram articulando a queda de João Goulart. A articulação deu certo e um governo militar tomou conta do país.


Capitaneado por Delfim Netto o desenvolvimentismo voltou a nos presentear com o crescimento acelerado no que ficou conhecido como Milagre Brasileiro. Ocorre que nem tudo são flores, a indústria do "país que vai para frente" era dependente de transferências de renda cada vez maiores sob forma de subsídios e proteção. Como tudo que é ruim pode piorar além de viciada em benesses públicas nossa indústria tinha uma incapacidade crônica de se ajustar a choques. Daí veio o choque do Petróleo de 1973, para não sacrificar crescimento o governo assumiu boa parte da conta. Parte da estratégia foi usar a Petrobras para estimular setores estratégicos da indústria e para absolver o custo do aumento do preço do petróleo. O resultado imediato deve ter agradado os economistas do governo, o Brasil sofreu bem menos com o Primeiro Choque do Petróleo que os países desenvolvidos, a euforia foi tanta que o governo lançou um monstrengo chamado Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), a estrovenga que nos tornaria desenvolvido e que levou a economia brasileira ao que foi chamado de marcha forçada [tarefa de gincana: peça para um economista heterodoxo explicar porque o II PND não gerou crescimento sustentado]. Como costuma ser o caso a marcha forçada fez barulho e bateu o motor da economia brasileira nos jogando na fatídica década de 1980.

Não falta quem culpe a dívida pública pelo desastre da década de 1980, não por acaso a maioria dos livros de economia brasileira se refere à Crise da Dívida nos anos 80. Não estão de todo errado, mas pecam por colocar os efeitos no lugar das causas. Ficar insolvente não é uma maldição divina, pelo contrário, ficar insolvente é o resultado de uma série de decisões erradas tomadas quando da construção de uma dívida. Não acumule dívidas que você não ficará insolvente, se tiver de endividar tome cuidado para não ir além de sua capacidade de pagamento. São conselhos óbvios, se ignorados de forma consistente levam quem ignorou à insolvência. Se for um indivíduo o chamaremos de irresponsável e apontaremos os excessos como responsáveis pelos dias ruins, se for um país dizemos que é uma “Crise da Dívida” e culpamos os credores. Vida que segue...

Deixando de lado os “entretantos” e indo para os” finalmentes” o fato é que na década de 1980 o Brasil quebrou. Para dar uma ideia do tamanho do problema informo que entre 1981 e 1990 a PIB per capita decresceu a uma taxa de 0,3% ao auno, ou seja, a taxa de crescimento da economia foi de -0,3% ao ano, a inflação média do período foi de 583,1% ao ano. Alguns nomes e algumas políticas marcantes do período merecem registro:

(i)                  Em 1984 foi criada a Política Nacional de Informática (Lei 7.232 de 29/10/1984). A política entrou para história da infâmia por isolar o Brasil do mercado de informática com o objetivo de criar uma indústria local de informática, difícil pensar ideia mais infeliz. Tal política foi implementada pela Secretaria Especial de Informática. Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES, participou ativamente da história. Lembra quando em pleno século XXI você tinha de comprar peças avulsas para montar um computador que mal e porcamente rodava seu jogo favorito? Agradeça à Política Nacional de Informática.

(ii)                Em 1983 Delfim Netto, conselheiro informal da presidente Dilma, apostou todas as fichas em uma maxi desvalorização do cruzeiro. Vendo a crise que estava por vir, Delfim determinou uma desvalorização de 30% de nossa moeda visando alavancar as exportações, fortalecer a indústria e nos salvar da crise. Nos anos seguintes vimos a economia decrescendo e a inflação saindo de controle. Cabe o registro que foi por esta época que começou a queda da participação da indústria de transformação no PIB, fenômeno que dura até hoje e que muitos economistas, inclusive Delfim, culpam a valorização do câmbio que ocorreu na década de 1990.

(iii)               Com a economia parada e a inflação fora de controle, em 1985 o IPCA foi de 242%, a equipe econômica do governo Sarney coloca uma ideia que hoje parece estúpida, na época parecia estúpida e é realmente muito estúpida: congelar todos os preços da economia. Não precisa ser Hayek ou Mises para ver a estupidez da ideia, não precisa nem mesmo ser economista ou entender um pouco da ciência triste, basta não estar completamente tomado por uma cegueira dogmática e por uma fé insana em uma infinita capacidade do Estado. Como não podia deixar de ser o Plano Cruzado, nome que recebeu tão despropositada ideia, fracassou miseravelmente. Em 1987, ano seguinte ao Cruzado, o IPCA foi de 363%, em 1988 foi de 980% e em 1989 chegou a 1.972%. Nunca tão poucos deveram tanto a tantos. Quem era o Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda em 1986? Luiz Gonzaga Belluzo.

Luciano Coutinho e a Política Nacional de Informática, Delfim Netto e a maxidesvalorização de 1983 e Luiz Gonzaga Belluzo e o Plano Cruzado de 1986 foram protagonistas da economia brasileira na década de 1980. Não foram os únicos e talvez nem mesmo os mais importantes, merecem destaque aqui por seus papéis nos eventos atuais. Os três participaram da retomada do desenvolvimentismo em 2006, os três foram consultados por Dilma na construção da Nova Matriz Econômica que nos levou à crise atual. Voltemos ao curso da história.


A mudança da década não levou ao fim das ideias ruins na condução da política econômica. A Política Informática, a maxi do Delfim e o congelamento de preços do Plano Cruzado e outros que o seguiram eram prenuncio do horror que estava por vir. Em 1990 o presidente Fernando Collor resolver congelar praticamente todo o dinheiro depositado nas constas correntes, na caderneta de poupança, no overnight e em outras aplicações. O termo congelar foi o eufemismo usado para confiscar, na realidade de um dia para o outro praticamente todos os poupadores brasileiros e mesmo quem tinha dinheiro na conta corrente perderam os direitos sobre seus ativos em um dos maiores ataques ao direito de propriedade dos tempos recentes. É difícil descrever o horror do período, listar sonhos desfeitos e falar dos efeitos deletérios de um confisco da poupança em um país que sofre cronicamente de falta de poupança não dariam ao leitor uma ideia apropriada do horror da época. Economistas bem formados deveriam saber que controle da inflação depende essencialmente do Banco Central ter credibilidade perante a sociedade, confiscar a poupança alheia dificilmente é uma boa maneira de conquistar confiança de alguém. Como era de se esperar o Plano Collor não foi capaz de controlar a inflação, pelo contrário, em 1992 a inflação chegou a incríveis 2.477%.

Além de uma péssima política econômica Collor tinha uma péssima estratégia política e acabou sendo posto para fora do Planalto ante de terminar seu mandato. Itamar Franco toma posse em um clima de desconfiança generalizada, seria o político mineiro capaz de colocar o Brasil na linha? Experiente no Congresso mas sem apelo popular coube a Itamar começar a reescrever nossa história. Visto mais de 20 anos depois era tudo muito improvável. Fernando Henrique, um acadêmico de tradição marxista, liderava uma equipe de economista dos quais vários tinham ajudado a conceber e cometer o Plano Cruzado e alguns chegaram a aplaudir o Plano Collor. Negando a máxima de onde menos se espera é que não vem nada mesmo FHC e sua turma resolveram abandonar as soluções simples e erradas repetidamente aplicadas nos anos anteriores e enfrentar o problema como manda a receita.

Era preciso resgatar a credibilidade e isto não se faz com surpresas ou confiscos. Seguindo as linhas gerais da receita de Thomas Sargent (economista de Chicago que junto com Robert Lucas e Edward Prescott e outros reconstruiu a macroeconomia a partir de meados da década de 1970) a equipe econômica de Itamar colocou na praça o Plano Real, um plano sem surpresas. No lugar de congelamento explicações detalhadas de como seria a transição para nova moeda. Deu certo. Em 1995 a inflação já tinha caído para 22%, depois disso o maior valor foi em 2002 quando chegou a 12%. Curiosamente muitos dos economistas que criticaram o Plano Real e profetizaram que a inflação voltaria com mais força como nos planos anteriores protagonizaram a volta do desenvolvimentismo a partir de 2006 e tomaram conta do governo Dilma, pelo menos até agora. São vários, mas destaque deve ser dado a Guido Mantega e Aloizio Mercadante, ambos não entenderam o que estava acontecendo em 1994 e, tudo indica, continuam sem entender até hoje o que aconteceu. Assim como os Bourbos eles não aprenderam nada e não esqueceram nada.

Não se faz omelete sem quebrar ovos e não se combate inflação sem sacrificar emprego e crescimento. Para o tamanho da inflação nosso sacrifício até que não foi dos maiores, entre 1995 e 2005, período que gosto de chamar reformista mas que no contexto poder ser chamado de período ortodoxo, a taxa de crescimento do produto per capita ficou em torno de 1% ao ano e a inflação média foi de 8,78%, em condições normais nada para comemorar, dados que vínhamos de crescimento negativo e inflação acima de 1.000% é motivo para festa. É como um sujeito que perde 80Kgs e passa a pesar 100Kgs, está gordo, mas tem muitos motivos para comemorar.

Em 2006 a economia brasileira não era uma maravilha, mas já começava a parecer com uma economia normal. Naquele ano tivemos um crescimento do PIB per capita de aproximadamente 3% e uma inflação de 3,14%. A agenda que nos tirou da crise das décadas de 80 e 90 e nos colocou de volta ao mundo dos normais apontava na direção de mais reformas, inclusive as que permitissem uma juste fiscal de longo prazo, e redução da meta de inflação. Infelizmente não foi isto que aconteceu, o ano de 2006 marcou a volta do desenvolvimentismo, no lugar de reformas e estabilidade voltaram aos holofotes o BNDES, as benesses a setores estratégicos e o Estado indutor do crescimento.


Aqui é preciso um esclarecimento, existe um grande debate a respeito do papel do Estado no processo de desenvolvimento econômico, é um debate importante e que não está resolvido, há dez anos eu praticamente não via funções para o Estado neste processo que não atrapalhar, acreditava que bastava ao Estado garantir segurança em um sentido amplo (incluindo segurança jurídica) que o mercado fazia o resto. Hoje não penso mais assim, entendo que o debate é mais complexo do que parecia naquela época e que o Estado pode ter outros papéis importantes. Não me refiro “apenas” a educação, o setor privado pode (e deve poder) construir estradas, mas construir o Canal do Panamá é outra história. Wiilian Easterly no excelente “Tyrany of Experts” (comentei aqui) trata do assunto usando como exemplo o Canal de Erie, o ponto dele é que as intervenções estatais podem ser boas desde que respeitem os direitos individuais. Porém a existência de um debate vivo a respeito do papel do Estado no crescimento econômico não pode ser um salvo conduto para qualquer tipo de política que o governo de plantão e seus apoiadores digam é pró-crescimento. Uma discussão que gira em torno do Estado fazer o que o setor privado pode não ser capaz de fazer (e.g. obras complexas de infraestrutura como a transposição do São Francisco ou atividades de alto risco como algumas pesquisas básicas) não pode servir de base para o Estado financiar frigoríficos ou bancar projetos que são realizados pelo setor privado corriqueiramente em outros países. Se não tivesse financiando as aventurar do Grupo X talvez, só talvez, nosso Estado tivesse conseguido terminar a transposição do São Francisco ou pelo menos a ligação entre o Sistema Cantareira e o Paraíba do Sul.

Findo o esclarecimento voltemos à nossa história. A crise de 2008 parou momentaneamente a reconstrução do desenvolvimentismo. Quando uma grande crise aparece governos não costumam se guiar por estratégias de longo prazo, fica tudo na base do salva-se quem puder, como acadêmico creio ser minha obrigação denunciar o erro que é ignorar as consequências de longo prazo das políticas de combate à crise, porém, se estivesse no governo não seria o quão diferente eu faria. Passado o susto o experimento desenvolvimentista volta com mais força, em 2010 a economia brasileira cresceu 6,2% com uma inflação de 5,9%. O vigor do crescimento fez lembrar os tempos áureos do desenvolvimentismo, poucos pareceram se incomodar com a inflação beirando 6% ao ano. Se apesar de altos e baixos o desenvolvimentismo das décadas de 50 a 70 entregou crescimento alto (inflação alta também) por 30 anos a versão século XXI parece ter naufragado antes de sair do porto, as razões para tamanha diferença ficam para outro post, este já está muito grande. O fato é que a economia brasileira estagnou, entre 2011 e 2014 crescemos menos de 1% ao ano (considerei crescimento zero em 2014, é uma hipótese otimista visto que estou trabalhando com PIB per capita e tudo indica que o PIB cresceu menos que a população em 2014). Sim, o desenvolvimentismo de Dilma entregou um crescimento menor que o período de ajuste “ortodoxo”.


Todo este post foi motivado por uma notícia que saiu hoje a respeito de um grupo de economistas heterodoxos que está tentando jogar nos braços da tal ortodoxia econômica o fracasso da experiência desenvolvimentista de Dilma. Lembra que eu pedi para guardar os nomes de Luciano Coutinho (o homem da proteção à indústria), Delfim Netto (o homem do câmbio) e Luiz Gonzaga Belluzo (o homem do controle de preços)? Pois bem, o governo Dilma tal como Delfim apostou em uma desvalorização do câmbio (no lugar de 30% em um dia 60% em quatro anos, mas o tamanho da dose não muda o princípio ativo do remédio), o governo Dilma controlou preços para segurar a inflação (energia e combustíveis são os exemplos mais drásticos) e o governo Dilma transferiu centenas de bilhões de reais pana “indústria nacional” além de ter aumentado à proteção ao nosso mercado (a expressão nosso mercado me incomoda muito, sugere que eu e você somos propriedade do governo e das indústrias locais). De quebra o governo ainda tentou reduzir os juros na marra, outra prescrição comum a economistas heterodoxos.

Deu tudo errado. A redução dos juros teve de ser revertida. A desvalorização do câmbio não teve efeito sequer na balança comercial, da prometida recuperação da indústria nem se fala mais. O controle de preços está sendo cobrado com juros e correção nos gigantescos reajustes de energia previstos para este ano e colaborou para afundar a Petrobras em uma crise gigantesca. A proteção à indústria sequer foi capaz de estancar a destruição de empregos no setor que dirá desenvolver a indústria local. As benesses sem fim do BNDES não conseguiram nem ao menos impactar a taxa de investimento, investimos menos do que nossos vizinhos e menos do que investíamos em passado recente. Como não bastasse tudo isto ocorreu uma deterioração das contas públicas que passou despercebida por muito por conta da contabilidade criativa (maquiagem de balanços) intensificada no governo Dilma.

Após seguir os conselhos de Belluzo, Delfim e outros da turma e bancar os devaneios de Luciano Coutinho no BNDES o governo fica sem dinheiro em não tem mais como pagar a conta e começa a dizer que vai cortar gastos. O que fazem os valentes heterodoxos? Tentam tirar o corpo fora e denunciam uma rendição do governo a não sei bem quem o quê. A única rendição do governo foi aos fatos, nada mais. Depois de contar minha história só tenho uma resposta à tentativa desenvolvimentista: toma que o filho é teu.