Os posts do Mansueto Almeida a respeito da necessidade de
reformar a previdência (link aqui e aqui) acenderam a luz amarela em quem tem juízo e
acompanha o assunto. Que previdência é uma bomba relógio na maioria dos países
do mundo é coisa que já se sabe faz mais de trinta anos, que a situação do
Brasil é ainda mais ameaçadora do que no resto do mundo é coisa que sabemos pelo
menos desde o começo dos anos 90, basta ler a série de textos para discussão do
IPEA escrita pelo Francisco Oliveira e pelo Kaizô Beltrão na década de 1990. Para
os que não estão convencidos e não querem ler os textos para discussão recomendo
o post do Terraço Econômico (link aqui) sobre o assunto como foco no Brasil. O
post mostra vários indicadores de como a mudança demográfica que estamos
passando exige que a previdência seja reformada. Um dos sinais mais
impressionantes a respeito do tamanho do nosso problema está no segundo gráfico
do post onde fica claro que gastamos muito com previdência dado a estrutura etária
de nossa população. Pelos cálculos dos autores do post gastamos 10,2% do PIB
com previdência enquanto, considerando o percentual de idosos em nossa
população, deveríamos gastar 3,7% do PIB.
Para reforçar os pontos levantados pelo Mansueto e outros
autores resolvi fazer alguns gráficos rápidos com os dados disponibilizados no
post do Mansueto. Comecemos pelo ponto levantado no post, qual seja, a
seguridade social compreendida como um todo apresenta déficit. É preciso algum
malabarismo para chegar a conclusão contrária, como, por exemplo, adicionar as
receitas da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e retirar os gastos com
as pensões dos servidores públicos. Se considerarmos os números sem nenhum ajuste
o resultado é o que aparece na figura abaixo: o déficit da seguridade social
está na casa de 2,8% do PIB (pouco mais que R$ 16,5 bilhões).
Evito trabalhar com números da seguridade como um todo,
somar coisas tão distintas como pagamentos de pensões e pagamentos do Bolsa
Família, ambos inclusos na seguridade social, é uma estratégia para desviar o
foco da questão previdenciária. Nossa Constituição erra ao não destacar a
previdência da assistência social, um erro grave que costuma ser usado por quem
deseja colocar uma cortina de fumaça na questão previdenciária. Se olharmos
apenas para a previdência social fica claro o problema que precisa ser
resolvido. A figura abaixo mostra o pagamento de pensões do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS) como proporção do PIB, tal regime exclui os
funcionários públicos que possuem um regime próprio do qual falarei mais na
frente. Em 2000 gastávamos 5,5% do PIB com pensões no RGPS, em 2015 o gasto já
era de 7,5%, a tendência de alta só não foi observada entre 2005 e 2010, um período
excepcional de nossa economia em parte possibilitado por extravagâncias pelas
quais estamos pagando com a atual crise.
Como resultado do aumento dos gastos temos um aumento do déficit
do RGPS que já chega a 1,5% do PIB, menor que o observado em 2005, é verdade,
mas com tendência crescente. O gráfico abaixo mostra o déficit do regime geral,
observe que ocorre uma queda no mesmo período onde o gasto fica estabilizado.
Se conseguíssemos crescer de forma sustentada como crescemos entre 2005 e 2010
o problema da previdência estaria controlado, mas tal crescimento, como os
fatos mostram com clareza, não foi sustentado. Desde o final da década de 1990
que estudo e acompanho o crescimento da economia brasileira, lá por 2006
alertei que o crescimento que então vivíamos não era sustentável no longo
prazo, infelizmente não temos perspectivas de uma trajetória de crescimento
sustentável nos próximos anos. Não aproveitamos o período de bonança para fazer
o ajuste estrutural na previdência, nos resta fazer o ajuste no meio de uma
crise sob pena da própria previdência se tornar um obstáculo ao crescimento por
conta da pressão nas contas públicas.
Uma reforma da previdência que torne nosso sistema
equilibrado e ainda contribua para elevar a taxa de poupança no país deveria
buscar combinar o atual sistema onde uma geração financia a outra (regime de
repartição) com um sistema de contas individuais onde cada um financia a
própria previdência (regime de capitalização). Em minha tese de doutorado
sugeri um sistema misto onde a previdência por repartição garantiria
aproximadamente 30% da renda quando da ativa e o resto seria feito por um
sistema de capitalização. Uma versão resumida da tese foi publicada em coautoria
com a Profa. Mirta Bugarin, minha orientadora, na Revista Brasileira de
Economia, se alguém ficou curioso o link está aqui. Pedir tal reforma seria
querer demais de um governo de transição como o atual, porém é perfeitamente
possível fazer uma reforma mais modesta que inclua uma idade mínima de
aposentadoria aproximando o Brasil do padrão mundial. Tal reforma não
resolveria o problema, mas traria mais justiça ao sistema e ainda nos daria
tempo para fazer a reforma ideal.
Um outro problema sério do nosso sistema previdenciário é a previdência
especial dos servidores públicos. Uma série de reformas que começaram ainda no
governo Collor, seguiram com FHC e culminaram com a reforma de Lula em 2003 que
foi regulada por Dilma por volta de 2011 ajudaram a amenizar o problema. A
figura abaixo mostra a queda do déficit dos servidores públicos.
Uma olhada rápida pode induzir a pensar que a previdência do
funcionalismo é um problema resolvido, em um sentido bem estrito pode até ser,
mas em um sentido mais amplo a previdência dos servidores coloca uma injustiça que
não pode ser ignorada. Comparando o déficit da previdência do funcionalismo com
o déficit da previdência do RGPS vemos que são quase do mesmo tamanho, se não
ficou claro repare na figura abaixo. O problema é que o regime geral atende a
um número muito maior de beneficiários do que o regime dos servidores, ou seja,
para sustentar um punhado de pensionistas do serviço público gastamos pouco
menos que para sustentar todos os pensionistas do RGPS. Já foi pior, já
gastamos mais com os servidores do que com todo o resto, mas ainda é uma
distorção grave.
Resolver esse problema não é trivial pois envolve direitos
adquiridos e/ou expectativas de direitos adquiridos, não sou jurista para saber
o quão difícil é mudar tais direitos, mas pelo que tenho acompanhado não é algo
fácil de se fazer, principalmente quando os próprios juízes estão entre os
prejudicados. Minha sugestão seria buscar formas de transferir todos os
servidores, inclusive os mais antigos, para a Fundação de Previdência
Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp, link aqui), por certo haverá resistência,
mas é uma resistência que cedo ou tarde terá de ser enfrentada. O governo Dilma
chegou a tentar um programa voluntário de adesão ao Funpresp, dado o histórico
petista de usar fundos de pensão para financiar campanhas e a vida boa dos
companheiros não é surpresa que o programa tenha sido um fiasco. Creio que uma
nova edição do programa melhor trabalhada e acompanhada de uma legislação que impeça
indicações políticas para o Funpresp, na linha do projeto contra influência
política recentemente aprovado no Senado (link aqui), poderia ter melhor sucesso.
Existem vantagens para o servidor, dentre as quais destaco o maior controle da
conta, mais flexibilidade na escolha do plano e a possibilidade de recuperar
pelo menos parte das contribuições caso o servidor deseje sair do serviço
público. Não deve ser tão difícil arrumar um plano que atraia os servidores e
tenha menos pressão fiscal o atual sistema, pelo menos para os servidores com
menos de 50 anos.
Enfim, o tema da previdência é sério e uma reforma é
urgente. Fiquei feliz de ver que o governo resolveu encarar o assunto a
despeito de eventuais dificuldades com sindicatos e outros grupos de interesse.
Entendo que a reforma ideal não é algo possível no momento, talvez nunca seja,
mas colocar idade mínima de aposentadoria e começar um programa de transição dos
servidores antigos para o Funpresp é algo viável e já ajudaria bastante no
curto e médio prazo.