É comum encontrar explicações para nosso baixo PIB per
capita que partem da ideia que brasileiro trabalha pouco, ou seja, não somos
ricos por sermos malandros. Parte dessa ideia deve vir da simpatia que temos
com os malandros, embora pareça que tal simpatia está diminuindo nos últimos anos.
Veja o Rio de Janeiro, a cidade que serviu de cenário para a Ópera do Malandro
e para os filmes do Hugo Carvana, hoje tem como prefeito um pastor evangélico
fazendo parecer que a ética protestante chegou do lado de baixo do equador. Apesar
disso a imagem do brasileiro malandro persiste. Nem mesmo trabalhando, morando
lá longe e chacoalhando num trem da Central, dizem as más línguas, conseguimos
perder a fama de malandros, talvez por culpa dos malandros com aparato de
malandro oficial.
Para checar se nossa suposta malandragem pode ser a causa de
não sermos um país rico resolvi dar uma olhada nos dados da PWT 9.0 (link
aqui). Nesta versão da PWT constam dados de horas médias trabalhadas para
alguns países. Selecionei o período entre 2010 e 2014, últimos cinco anos
disponíveis, e o PIB, a população, as horas trabalhadas médias e a população
ocupada, eliminando os países sem esses dados disponíveis fiquei com 68 países.
O primeiro exercício foi comparar as horas médias trabalhadas no Brasil com as
de outros países. Ficamos abaixo da média, mas não ficamos entre os que menos
trabalham. Segundo a PWT 9.0 no Brasil cada pessoa empregada trabalha em média
1.723 horas por ano, a média do mundo 1.875, a mediana é 1.846 e o primeiro
quartil é 1.686, ou seja, se dividirmos os países em quatro grupos onde o
primeiro é o dos países que menos trabalham e o quarto é o dos países que mais
trabalham estaremos no segundo grupo. A figura abaixo compara as horas
trabalhadas médias no Brasil e nos grupos de países conforme a classificação do
FMI.
Observando a figura vemos que nossas horas trabalhadas
médias são menores que as do grupo América Latina e Caribe, na verdade são
menores do que a de qualquer grupo de países que escolhamos. O grupo com a
média mais próxima da nossa é o de países avançados, alguém pode dizer que
somos pobres querendo trabalhar como ricos, mas não vou nesse caminho. Meu questionamento
vai na direção oposta, quero analisar como é possível que países ricos
trabalhem menos que os países do Sub-Saara ou que os países emergentes da Ásia.
Se somos pobres porque não trabalhamos, qual a razão de alemães, holandeses,
noruegueses e dinamarqueses trabalharem em média menos que nós e mesmo assim
possuírem uma renda muito maior que a nossa? Será que trabalhar mais não
implica em ser mais rico?
A figura abaixo mostra a relação entre horas trabalhadas
médias e PIB per capita, como podem ver a relação é negativa, ou seja, em média,
nos países mais ricos os trabalhadores dedicam menos horas por ano a seus
empregos. O resultado pode parecer estranho, se trabalham menos deveriam
produzir menos e, logo, ter menos renda. Porém existe um outro efeito
importante. Lazer definitivamente não é um bem inferior, ou seja, quanto maior
a renda de uma pessoa, mais lazer a pessoa quer desfrutar. Sendo assim faz
sentido pensar que em países ricos os trabalhadores demandam mais lazer e, por
isso, trabalham menos. É como dizer que eles trabalham pouco porque podem.
Podemos ser mais cuidadosos em nossa análise. Considere uma
família de quatro pessoas que tem uma única pessoa trabalhando 60 horas por
semana e uma outra família de quatro pessoas onde tem duas pessoas trabalhando
40 horas por semana. Se olharmos as horas trabalhadas médias por pessoa
empregada em cada família vamos dizer que a primeira família tem 60h horas
trabalhadas médias e a segunda família tem 40h trabalhadas médias. Se olharmos
totais trabalhadas a primeira família trabalha 60h e a segunda família trabalha
80h, sendo assim seria razoável que mesmo com menos horas trabalhadas médias a
segunda família tenha maior renda, afinal a segunda família trabalha mais. O raciocínio
pode ser repetido em termos per capita, ou seja, por membros da família. Na
primeira família cada membro trabalha, em média, 15h e na segunda família cada
membro trabalha, em média, 20h, logo as horas trabalhadas per capita na segunda
família também são maiores que a horas trabalhadas per capita na segunda
família.
Para abordar esta questão vamos calcular as horas trabalhadas
per capita dos países da amostra e comparar com a renda per capita. A figura abaixo
faz isso, repare que a linha é quase horizontal, ou seja, quase não existe
relação entre horas trabalhadas per capita e PIB per capita (para os curiosos o
p-value da regressão entre PIB per capita e horas trabalhadas per capita é 0,77).
Repare que as horas trabalhadas per capita no Brasil são maiores que as de
países como Chile, Estados Unidos, Suécia e Alemanha. De fato, no Brasil
trabalhamos 88r per capita, a média da amostra é 851h e a mediana é 804h. Isso
em parte se deve ao chamado bônus demográfico, ou seja, a “família” brasileira
tem muita gente trabalhando porque a soma de velhos de crianças não é tão alta
quanto em outros países. Outra parte é devido a não sermos ricos, em países
ricos as famílias podem esperar mais antes de mandar os filhos para o mercado
de trabalho.
Vimos que os trabalhadores nos países ricos não trabalham em
média mais horas que o dos países pobres, também vimos que as horas trabalhadas
por pessoa não tem muita influência no PIB per capita. Então por que os países
ricos são ricos? Por que são produtivos! A verdade é que existe uma diferença significativa
entre trabalhar muito e trabalhar bem, dito de outra forma, esforço não é eficiência.
As horas trabalhadas a menos nos países ricos são mais que compensadas pela
maior produtividade do trabalho nesses países. A figura abaixo mostra a
produtividade do trabalho e as horas trabalhadas per capita.
A relação levemente negativa pode ser explicada por conta de
trabalhadores de países menos produtivos terem de trabalhar mais para conseguir
melhorar a renda. Chama atenção no gráfico a dominância dos países avançados na
parte de cima da linha, isso ajuda muito a explica por que países ricos são
ricos mesmo trabalhando menos. A guisa de exemplo considere Brasil e Alemanha. O
trabalhador alemão trabalha em média 1.378h por ano enquanto o trabalhador
brasileiro trabalha e média 1.723 h por ano, ou seja, um trabalhador brasileiro
passa 25% mais tempo trabalhando que um alemão. Se considerarmos a horas
trabalhadas per capita veremos que na Alemanha são 710h por pessoa por ano, no
Brasil 886h por pessoa por ano, ou seja, aqui é 24,8% maior que lá. Por outro
lado, na Alemanha um trabalhador produz $61,5 por hora de trabalho, no Brasil
um trabalhador produz $16,4 por hora de trabalho, ou seja, a produtividade lá é
3,75 vezes a produtividade de cá. Com tanta produtividade é possível trabalhar
menos e ter um PIB per capita de $43,7 mil contra nossos $14,6 mil.
Uma figura com PIB per capita e produtividade do trabalho
pode ser questionável por vários motivos, mas aqui no blog será útil para
ilustrar o argumento do post e para permitir uma provocação final. A figura
abaixo mostra a produtividade do trabalho e o PIB per capita, reparem bem nela:
Nossa baixa produtividade faz com que mereçamos ser um país
com renda per capita abaixo da média!
No exterior é comum ver lojas grandes, tipo a Zara, com não mais que meia dúzia de pessoas trabalhando. Lojas grandes mesmo.
ResponderExcluirJá por cá é comum ver lojas desse porte com um verdadeiro exército de funcionários (Normalmente é fácil contar 15 pessoas).
Não sei se exatamente porque produzimos pouco, ou porque aqui temos pessoas específicas pro caixa, pro estoque, pra área de atendimento, pro provador... enquanto lá a mesma pessoa assume várias funções.
Roberto, legal sua pesquisa, mas a produtividade depende muito do bom gerenciamento e do acesso às melhores tecnologias, que no Brasil são medíocres. O sistema produtivo como um todo no Brasil é improdutivo, não acho que seja por conta do trabalhador.
ResponderExcluirAbrs
Caríssimo Roberto,
ResponderExcluirNão sabia que tinha blog. Legal.
Boa análise. Aguardo sua contribuição para o nosso livro sobre Comércio Exterior, irmão.
A parte sobre produtividade é bem importante.
Mas, by the way, não me venha com essa de ética protestante, hehe. Weber estava errado,hehe.
Aguardo seu trabalho irmão.
Abraço,
Pedro Erik