Alguns amigos me dizem que defender a TLP é um erro pois o
correto seria defender o fim do BNDES, outros dizem que tentar facilitar a
captação e uso de recursos próprios pelas universidades federais é um erro e
que o correto seria defender a privatização destas universidades. O padrão
segue em vários outros temas, há quem diga que não devemos resistir a criação
ou aumento de impostos porque “imposto é roubo” e o certo seria acabar com os
impostos, também há quem diga que não devemos reformar a previdência e sim
extinguir o que seria um sistema de pirâmide. Eu poderia seguir com mais
exemplos, mas creio que o leitor já pegou meu ponto. Não é que eu discorde dos
amigos que dizem isso, em alguns casos eu até concordo, mas é que não vejo as
duas opções como mutuamente exclusivas e, mesmo que fossem em algum horizonte
de tempo, não creio que seja válido deixar de andar na direção certa porque não
vamos chegar imediatamente no que consideramos.
Não é exatamente uma questão de estratégia gradualista
contra uma estratégia de choque, para que eu pudesse escolher entre as duas
estratégias ambas teriam que estar disponíveis. Não é o que acontece, longe
disso, em todos os casos que citei e tantos outros que eu poderia ter citado a
alternativa a reforma modesta é manutenção do status quo. A alternativa a
aprovar a TLP é manter o BNDES com poder de decidir sobre subsídios da ordem de
centenas de bilhões de reais sem ter que disputar os recursos com outras áreas
quando da discussão do orçamento e sem ter ao menos que se explicar no
Congresso. A alternativa a captação de recursos pelas universidades federais é
mandar para o pagador de impostos uma conta cada vez mais alta por serviços
cada vez mais precários. A alternativa a reforma da previdência é manter um
sistema que nos leva a gastar com previdência muito mais do que países com
estrutura demográfica semelhante à nossa e manter privilégios indefensáveis. A
alternativa a não aumentar impostos é aumentar a quantidade de recursos que os governantes
tiram dos pagadores de impostos.
Não se iludam. A resistência a cada uma das tímidas reformas
citadas é gigantesca, a defesa do status quo é feita por diversos interesses
que não necessariamente estão articulados, mas que invariavelmente estão bem
representados. Os argumentos em defesa do status quo são vários, vão de
críticas pontuais ou gerais às propostas de mudança até os argumentos que dizem
concordar com a necessidade de mudanças, mas que é preciso discutir mais ou pensar
em termos mais amplos. Até mesmo os que não querem fazer pouco por só aceitarem
fazer tudo acabam engrossando a defesa de manter tudo como está.
Tome como exemplo a questão da TLP. Não são poucos os
críticos da mudança que dizem concordar com o princípio, mas que talvez fosse
melhor pensar em reestruturar o BNDES de forma que não se repita o que ocorreu
nas últimas décadas. Sempre que vejo argumentos desse tipo me pergunto se pulei
a parte da MP 777 que acaba com o BNDES, não pulei, a aprovação da medida provisória
não acaba o BNDES e não impede em nada que se repense o BNDES e tentemos
entender se o que o correu nos últimos anos pode ser evitado com mudanças na
forma do banco operar ou se as instituições profundas brasileiras são incompatíveis
com um banco com as caraterísticas do BNDES operando sem influência política.
Ao final desse debate talvez estivéssemos em melhor condição para pensar um
novo modelo ou o fim do BNDES. Mas o que fazer até lá? Quando um cano estoura
eu corto a água e depois tento consertar o cano ou mudar o encanamento, não
conheço quem faça o contrário, mas, por algum motivo, quando o assunto é
reforma muita gente prefere pensar como fazer para o cano nunca mais estourar enquanto
a agua fica jorrando. Talvez porque os efeitos negativos de cada um dos temas
que aparecem em cada reforma proposta não sejam tão fáceis de perceber quanto a
água correndo pela sala.
Um exemplo que gosto de citar é o processo de reformas da
previdência do funcionalismo público. Começou com Collor colocando as
contribuições, seguiu com FHC cortando acumulações e dificultando
aposentadorias precoces e com pouco tempo de contribuição no regime dos
servidores, continuou com Lula acabando com a aposentadoria integral para
futuros contratados, deu mais um passo com Dilma regulamentando, segue com
Temer reduzindo os ganhos de quem ficou no sistema especial e, espero, deve
continuar com um próximo presidente “forçando” a transição de todos os
servidores para o regime geral com possível adesão ao Funpresp. Acompanhei o
processo de reformas de FHC em diante, boa parte dele aqui de Brasília. Em todas
estas etapas vi gente dizendo que nãos e podia tomar a decisão sem debater mais
o assunto, vi gente dizendo que era preciso uma reforma mais profunda e vi
gente dizendo que tinha era de acabar com o regime especial. Nada contra nenhum
dos argumentos, mas como uma maneira de pensar depois da mudança, não como uma
maneira de barrar a mudança. Tivessem Collor, FHC, Lula, Dilma e agora Temer
parado com suas propostas estaríamos melhor? Teria Lula conseguido acabar o
regime especial sem as reformas de FHC? Teria Dilma feito a regulamentação do
Funpresp sem a mudança constitucional feita por Lula? Temer teria tido condições
de apresentar as propostas que fez sem os passos dados por seus antecessores? Algum
desses presidentes teria condições de sair do que era o regime em 1990 para o
que está proposto por Temer ou para o que Dilma já regulamentou em uma cartada?
Eu digo que não.
Mesmo em uma ditadura mudar leis que atingem grupos de
interesse não é tarefa trivial. Em uma sociedade plural que admite o
contraditório e permite o debate aberto em um sistema representativo como a que
estamos construindo e, creio eu, a maioria de nós deseja, fazer mudanças
bruscas é quase impossível. Aos amigos que desejam mudanças radicais eu
recomendo uma ida ao Congresso para ver o tamanho da resistência as mudanças
pontuais que estão sendo propostas. Aos amigos que temem a mudança por não ter
sido suficientemente debatida ou por ter possíveis consequências indesejadas
peço que pensem em como foi estabelecida legislação atual e nas consequências indesejadas
que já conhecemos de tal legislação.
O Congresso não para de funcionar após uma reforma, o
processo político de discussão na sociedade também não. No dia seguinte a
aprovação de uma reforma outra que leve a reforma mais a frente, mais para um
lado ou até mesmo mais para trás já podem ser discutidas. O que não podemos é nos
recusarmos a mudar práticas reconhecidamente problemáticas em um país que faz
décadas não consegue crescer de forma sustentada, que está com a infraestrutura
destruída, que aparece mal em qualquer ranking de instituições e/ou ambiente de
negócios, que tem uma educação muito mal avaliada em comparação com a de outros
países no mesmo nível de renda, que está afundado em corrupção, que usa
dinheiro do pagador de impostos para subsidiar a criação de monopólios em
setores como frigorífico e a construção de estádios que não são usados, que
apresenta índices de violência mais assustadores que países em guerra, enquanto
esperamos que alguma alquimia que mude preços macroeconômicos resolvam nossos
problemas.
Excelente! É isso aí, o ótimo é inimigo do bom. Um passo de cada vez.
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