quarta-feira, 4 de março de 2020

Contas nacionais do quarto trimestre de 2019: é devagar que se vai ao longe


O IBGE divulgou hoje as contas nacionais referentes ao quarto trimestre de 2019 (link aqui), com isso temos o quadro completo do PIB no ano passado. Houve um crescimento de 0,5% em relação ao trimestre anterior, já corrigido por sazonalidade, no acumulado de quatro trimestres, ou seja, durante todo o ano de 2019, o PIB cresceu 1,1%. No total o PIB de 2019 foi de R$ 7,257 trilhões, sendo que R$ 322 bilhões vieram da agropecuária, R$ 1,301 trilhão veio da indústria e R$ 4,590 trilhões vieram dos serviços. Na divisão do bolo o consumo das famílias ficou com R$ 4,712 trilhões, o investimento com R$ 1,114 trilhão e o consumo do governo com 1,472 trilhão.

Quando da divulgação dos números do terceiro trimestre alertei sobre os necessários cuidados com a empolgação, desta vez alerto para os riscos das frustrações. A escolha pela agenda de reformas implica na recuperação lenta, não estamos tentando mais um surto de crescimento que termina em grandes crises e décadas perdidas. O plano é arrumar a casa para depois crescer de forma consistente, embora não necessariamente rápida, como a casa estava (e ainda está) muito bagunçada ainda temos um longo caminho de crescimento baixo. Repito o que venho dizendo há mais de dez anos: para economia brasileira um crescimento muito alto é mais perigoso que um crescimento muito baixo. Se você está dirigindo um fusca velho não tente correr mais que uma Ferrari, caso consiga o motor do seu carro vai fundir e você vai ficar a pé.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. Repare que o crescimento está estabilizado em torno de 1% ao ano, a agenda de reformas tenta elevar esse valor por meio do aumento da produtividade, por isso os efeitos desta agenda são demorados. O risco de adotar estímulos é repetir o padrão de alto crescimento seguido de grande crise como aconteceu entre 2010 e 2015. De toda forma é sempre bom registrar que as reformas iniciadas em 2016 no governo Temer reverteram a trajetória de queda do PIB e aumento da inflação que foi o legado da hoje infame Nova Matriz Econômica.




Ao contrário de outros analistas que tentam entender como o bolo foi feito estudando a divisão do bolo aqui tenho insistido em começar a análise das contas nacionais pela produção, ou seja, pelo lado da oferta. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. A agropecuária, que respondeu por 5,2% do valor agregado e 4,4% do PIB, cresceu 1,3% no período; o setor de  serviços, 73,9% do valor agregado e 63,3% do PIB, também cresceu 1,3%; finalmente, a indústria, que responde por 20,1% do valor agregado e 17,9% do PIB, cresceu 0.46%. Repare que, por modesto que tenha sido, o crescimento ocorreu em todos os setores da economia.




No acumulado de quatro trimestres a construção cresceu 1,6% e teve o melhor desempenho entre os setores da indústria, como esse é um setor que está recebendo estímulos do governo há um risco de crescimento artificial o que pode ser um problema mais na frente. A indústria de transformação cresceu 0.1%, o baixo crescimento ou mesmo queda da indústria de transformação é parte fundamental da arrumação da casa. Muito investimentos ruins foram realizados neste setor no período de 2006 a 2014, são empresas sem perspectivas, algumas criadas apenas para viabilizar corrupção, que devem quebrar de forma a liberar capital e trabalho para empresas produtivas que ainda serão criadas. A indústria extrativa teve queda 1,1%, em parte por conta de Brumadinho. As quedas de 3% e 9,3$ no primeiro e segundo trimestres de 2019 não foram recuperadas pelo crescimento de 4% e 3,4% nos trimestres seguintes.




Nos serviços o maior crescimento novamente ficou por conta do setor de informação e comunicação que cresceu 4,1% no acumulado de quatro trimestres. As atividades imobiliárias também tiveram um bom desempeno com crescimento de 2,3%, vale aqui o alerta feito para construção. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços.




Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O maior crescimento foi no investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, que cresceu 2,2% no acumulado em quatro trimestres reforçando a tendência iniciada no segundo trimestre de 2018. O consumo das famílias cresceu 1,8% e o consumo do governo caiu 0,4%, ou seja, a fatia do bolo que vai para o governo caiu. Isso não significa que o governo está contribuindo menos para o PIB, para fazer essa afirmação seria necessário avaliar a contribuição do governo pela ótica da oferta, a contribuição direta, medida pelo setor administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social ficou estável com crescimento de 0,04%. As exportações caíram 2,5% e as importações subiram 1,1%.




Os números das contas nacionais reforçam que estamos em recuperação lenta, mas sólida. O choque do coronavírus deve comprometer o começo de 2020 aumentando a pressão na equipe econômica por parte dos que, dentro e fora do governo, pedem uma política que leve a um crescimento mais rápido. Da capacidade do time de Paulo Guedes resistir a essa pressão depende o futuro da economia brasileira. Lembro aos apressados que a experiencia recente nos mostra que crescimento rápido pode terminar muito mal e que os maiores beneficiados com os estímulos são os que correm para dizer que não vão pagar a conta.


Um comentário:

  1. Boa Roberto! Poderia fazer um post sobre como seria uma reforma tributária sua.

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