quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Conta Nacionais o terceiro trimestre de 2021: estagnação com inflação.

O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao terceiro trimestre de 2021 (link aqui). A recuperação da queda causada pela Coviv-19 no primeiro semestre de 2019 continua perdendo fôlego. Em relação ao trimestre anterior o PIB teve uma queda de 0,1%, o resultado traz dúvidas pertinentes a respeito do desempenho da economia.

O índice de PIB com ajuste sazonal chegou a 171,8 no primeiro trimestre de 2021 contra 171,3 no quarto trimestre de 2019 o que caracterizou a recuperação em “V”, porém nos trimestres seguintes houve queda, 171,2 no segundo e 171,2 no terceiro trimestre deste ano. A dinâmica da economia brasileira fica cada vez mais parecida com a esperada após um choque negativo de oferta, queda do PIB e aumento no nível de preços. Nesse caso as políticas de expansão da :demanda, especialmente no caso da política monetária, são pouco úteis para estimular a economia, porém são fatais para o controle da inflação.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado houve um crescimento de 3,9%, o número reflete o forte crescimento do final de 2020.que refletia a recuperação da grande queda do primeiro semestre e não mudanças estruturais da economia brasileira.


Como é tradição no blog a análise será feita pelo lado da produção. A análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é interessante para entender como foi a distribuição do PIB. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no terceiro trimestre de 2021 respondeu por6,6% do valor agregado e 5,6% do PIB, cresceu 0,2%; o setor de serviços, 69,2%% do valor agregado e 58,8% do PIB, cresceu 3,3%; finalmente, a indústria, que responde por 24,2% do valor agregado e 20,6% do PIB, cresceu 5,1%. Na comparação com o trimestre anterior a agropecuária teve queda de 8,0%, a indústria ficou estagnada e nos serviços o crescimento foi de 1,1%. A forte queda da agropecuária, relacionada à crise hídrica, é o destaque no comportamento do PIB, porém a estagnação da indústria, após queda no segundo trimestre, reforça a tese de perda de folego da recuperação da economia.

 

Analisando a desempenho de setores da indústria é possível perceber que no acumulado de quatro trimestres a construção cresceu 5,6% e a indústria de transformação cresceu 5,1%, esses números devem ter lido tendo em mente a recuperação do final de 2020. A indústria extrativa cresceu 0,2%. Na comparação com o trimestre anterior a construção cresceu 3,9%, a indústria teve queda de 0,4% e a indústria de transformação teve queda de 1%. No terceiro trimestre de 2021 a indústria extrativa correspondeu a 26,6% da indústria total, a construção por 10,8% e a de transformação por 51,5%. Não fosse o grande crescimento da construção o setor de indústria também teria tido queda, isso é preocupante porque o crescimento da construção pode estar associado a distorções como os juros (que ainda estã0) baixos e ações de bancos estatais. 


Nos serviços o destaque foi da “Informação e comunicação“, cresceu 9,6% no acumulado de quatro trimestres, “Transporte, armazenagem e correio”, 8%, e “Comércio”, 7,1%. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social teve crescimento de 0,07%. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na comparação com o trimestre anterior todos os setores que compõem os serviços apresentaram crescimento. A recuperação do setor de serviços é particularmente importante para a redução do desemprego. 


Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, cresceu 20,2% no acumulado em quatro trimestres. Na comparação com o trimestre anterior o investimento caiu 0,1%. O forte crescimento no acumulado de quatro trimestres e a queda na comparação com o trimestre anterior é mais um sinal de que a recuperação teve pernas curtas e está mais associada à queda de primeiro semestre de 2020 do que a mudanças estruturais.

No acumulado de quatro trimestres o consumo das famílias cresceu 2,1% e o consumo do governo, não confundir com o gasto do governo, cresceu 0,4%. As exportações cresceram3,8% e as importações 10,3%. Na comparação com o trimestre anterior o consumo das famílias cresceu 0,9%l, o consumo do governo cresceu 0,8%, as exportações e as importações caíram 9,8% e 8,3%, respectivamente.


Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017, mas que ocorreu uma boa recuperação em relação a queda causada pela pandemia. Os números do segundo e do terceiro trimestre de 2021 sugerem que acabou o fôlego da recuperação e que estamos entrando em uma dinâmica de estagnação ou coisa pior.

Nos últimos posts sobre contas nacionais registrei os riscos da inflação, o que era risco agora é fato com a expectativa da inflação medida pelo IPCA acima de 10% para este ano. A dinâmica de um choque de oferta é muito diferente da dinâmica de uma crise associada à retração da demanda agregada. A queda do produto deixa de ser vista como um aumento do hiato entre produto observado e produto potencial, que teoricamente pode ser resolvido com estímulos à demanda, e passa a ser lida como uma queda do produto potencial, pelo menos no curto prazo. Mais adequado seria entender que o produto é condicionado ao choque de oferta, de forma que um choque negativo reduz o produto sem que isso signifique um crescimento do hiato.

A devida compreensão da natureza do choque é fundamental para evitar a insistência em políticas de expansão da demanda que só levam à aceleração da inflação. Dado que o controle da política fiscal é muito difícil pela fragilidade política do governo (estou sendo generoso ao supor que o governo deseja um ajuste fiscal) e proximidade do ano eleitoral resta ao BC acionar o freio antes que seja tarde demais.

  

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Inflação no Brasil e nos países do G20

Resolvi dar outra olhada na inflação pelo mundo, os dados estão no Trading Economics (link aqui). Na grande maioria dos países a inflação acumulada em 12 meses está abaixo de 10%. Nas Américas, apenas Venezuela, 2.720%, Suriname, 59,8%, Argentina, 51,4%, Haiti, 12,2%, e Brasil, 10,25%, estão com inflação acima de 10% no acumulado de 12 meses. No México a inflação acumulada em 12 meses é de 6%, na Colômbia, aqui do lado, é de 4,51%, no Chile está em 5,3%. Não vou falar da Bolívia com 0,18%, até agosto, e do Equador com 1,07% para não me acusarem de chutar na canela.

A figura abaixo mostra a inflação acumulada em 12 meses nos países do G20. A maioria dos dados são referentes a setembro de 21, alguns outros são de agosto e apenas a Austrália é junho. Apenas Argentina, Turquia e Brasil estão com inflação acima de 10%.


 A inflação no Brasil já passou de 10% no acumulado de 12 meses outras vezes. O pior caso desde a estabilização foi de 17,3% em maio de 2003, o mais recente foi 10,4% em fevereiro de 2016. Nas duas vezes o Banco Central retomou o controle e a inflação voltou para o intervalo da meta, da última vez voltou bem rápido. É verdade que nos dois casos uma mudança de governo deu “vida nova” ao BC e isso pode ter facilitado a controle da inflação. Nada indica que vamos ter mudança de governo nos próximos meses e esperar até uma possível mudança em 2023 pode ser uma espera muito longa.

A boa notícia é que o atual BC parece ainda ter a confiança do mercado e tem gente de qualidade para correr atrás do prejuízo. A má notícia é que as eleições no próximo ano podem aumentar a pressão para aliviar o ajuste dos juros. Talvez seja a hora de descobrir se a autonomia do Banco Central vai dizer a que veio. Um perigo que me deixa particularmente preocupado é alguém sacar a obrigação de perseguir o pleno emprego, cavalo de Tróia na lei da autonomia do BC, para tentar intimidar o Copom.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

A Selic sorriu outra vez, isso é triste.

Em janeiro de 2014 fiz um post aqui no blog onde comentei o sorriso da Selic (link aqui). Usei a expressão para comentar o processo de queda e alta da Selic que ocorreu naquela época. O ponto do post era que para reduzir a Selic seriam necessárias reformas que tornassem a economia brasileira compatível com baixas taxas de juros, especialmente reformas que ajustassem a trajetória do gasto, a um equilíbrio que dispensasse o Banco Central de manter juros altos (conceito delicado, mas creio que dá para entender) sem pressionar a inflação.

Quando o BC começou a reduzir juros em 2016, ainda com Ilan Goldfjan no comando, pensei que repetiríamos a trajetória de juros com o jeito de sorriso. Estava errado, minha explicação é que na época subestimei o impacto do novo regime fiscal (aka teto de gastos ou PEC do fim do mundo) na formação de expectativas. O teto realmente “vendeu” a ideia de mudança para um regime onde seria possível manter a inflação controlada com juros mais baixos. O BC viu muito melhor e mais longe do que eu, é do jogo, passei a brincar dizendo que Ilan ‘Chuck Norris’ Goldfjan não precisava baixar a inflação, era a inflação que se baixava quando ele passava.

Em 2019 o BC voltou a uma trajetória de redução de juros, eu voltei a alertar para o risco de repetir a experiência do governo Dilma e aparecer um novo sorrido da Selic. Amigos me alertaram que a reforma da previdência podia ter mudado o equilíbrio, era uma hipótese, mas não me convenci completamente. Minha leitura era que a reforma da previdência tinha sido “precificada” quando da aprovação do teto de gastos. Com a pandemia a situação fiscal piorou muito. O aumento de gastos era inevitável, mas isso não muda o fato de que a situação fiscal, que já era ruim, foi agravada. A resposta inicial do BC me incomodou, mas havia uma boa causa em defesa da continuidade da redução de juros, ninguém sabia bem o que era a pandemia e, no primeiro momento, o “fique em casa” retraiu a demanda. O efeito imediato dessa retração foi a queda de preços em abril e maio do ano passado.

Com o passar do tempo foi ficando mais claro que a maior parte do que estávamos vivendo era um choque de oferta, a insistência do BC em segurar os juros em um patamar muito baixo começou a me incomodar mais a cada reunião do Copom e eu fiquei mais vocal sobre o assunto. Infelizmente, como em 2012/14 e ao contrário de 2016/18, desta vez a Selic sorriu. A figura abaixo mostra Selic desde 2011 e destaca os dois sorrisos com um círculo vermelho.


 

O que acontece daqui em diante? A resposta depende dos rumos da política econômica, já sabemos que com o teto é possível controlar a inflação com a Selic em torno de 6,5% ao ano. Com a piora da situação fiscal imagino que seja necessária uma Selic um pouco maior. A questão central é se será possível manter o teto de pé, especialmente com a proximidade de eleições presidenciais. Caso não seja, a meta da Selic para manter a inflação controlada deve ser bem maior que 6,5%, tanto maior quanto maior for o rombo do lado fiscal. Para complicar ainda mais, o risco de dominância fiscal é bem maior do que era em 2017, é possível que a elevação da Selic tenha um teto mais baixo do que o necessário para controlar a inflação.

Em qualquer caso é fundamental que a sociedade acredite que o BC vai levar a meta da Selic onde for preciso para controlar a inflação, mesmo que isso signifique voltar a faixa de 14% pré-teto ou ainda mais alto. Como o BC vai fazer para passar essa credibilidade diante do risco de explosão da dívida e dominância fiscal? Não sei. Talvez seja melhor acelerar para 10% agora do que esperar para ver até onde vai dar para chegar.

 

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

É prudente guiar a política monetária pela expectativa de inflação para o ano seguinte?

Tenho visto alguns analistas de mercado e pessoas do BC argumentando que a inflação deste ano já era, mas as previsões de inflação para 2022 estão dentro do intervalo da meta. Não que eu goste de ser chato (mentira, eu gosto), mas tenho lá minhas dúvidas se expectativas para inflação do ano seguinte são um bom guia para política monetária. Por conta dessa dúvida resolvi dar uma olhada no Relatório Focus para dar avaliar a relação entre expectativa de inflação na última semana de agosto de cada ano e a inflação do ano seguinte. Sei que já estão disponíveis dados para setembro, mas, como além de chato sou velho, guardo os dados do Focus em uma planilha Excel com a última semana de cada mês. Um dia vou atrás de usar os pacotes do R que pegam dados do Focus, até lá sigo com minha velha planilha.

A figura abaixo mostra a previsão de inflação na última semana de agosto e a inflação do ano seguinte. A relação é positiva, mas não impressiona muito. Em uma regressão entre as duas variáveis não foi possível rejeitar a hipótese que não existe relação entre previsão de inflação no ano anterior e inflação no ano seguinte, o coeficiente estimado deu 1,12 (positivo, como é possível ver na figura), mas o p-valor foi de 0,172. Em português isso significa que a previsão de inflação na última semana de agosto não ajuda a saber quanto vai ser a inflação no ano seguinte. A correlação entre as duas variáveis é 0,33, usando o teste t padrão do R não foi possível rejeitar a hipótese que a correlação seja zero. O intervalo de confiança para a correlação vai de -0,15 a 0,68, repare que o zero está no intervalo.


Alguns exemplos podem ilustrar o problema para amigos que não ficam confortáveis com estatísticas e coisas do tipo. Na última semana de agosto de 2001 o Focus previa inflação de 4,5% em 2002, a inflação de 2002 foi 12,5%. Para quem não lembra, 2002 foi o ano da primeira eleição do Lula. Outro ano complicado em que a inflação passou de 10% foi 2015, naquele ano a inflação foi de 10,6%, na última semana de agosto de 2014 a previsão do Focus para inflação de 2015 foi de 6,3%. Em tempos problemáticos o ajuste das expectativas pode demorar, por exemplo, na última semana de agosto de 2002 o Focus previa 5% de inflação para 2003, deu 9,3%. Na última semana de agosto de 2003 a previsão para inflação de 2004 foi de 6,2%, deu 7,3%, só em 2004 as coisas começaram a se arrumar. Se alguém ficou curioso, informo que mesmo tirando 2002 e 2015 da amostra não foi possível rejeitar a hipótese que a correlação entre a previsão de inflação na última semana de agosto e a inflação do ano seguinte é zero.

Não é difícil perceber que estamos em um período de alta incerteza. Como vimos, em tempos assim é extremamente arriscado confiar nas estimativas de inflação para o ano seguinte. A figura abaixo mostra as previsões de inflação para 2021 entre janeiro de 2020 e agosto de 2021, a série começa em 3,8% e termina em 7,3%. É muito provável que a inflação de 2021 fique acima 7,3%, de fato, na primeira semana de setembro deste ano a expectativa de inflação já estava em 7,6%.


Torço muito para a pandemia ser controlada de forma que 2022 tenha menos incertezas que 2021 e 2020, o que deve facilitar as previsões. Mesmo assim, as eleições devem garantir um bocado de incerteza no próximo ano. A figura abaixo mostra a previsão de inflação para 2022 durante este ano de 2021. Como podem ver, essa projeção mês após mês, o que é mais um indício de não ser um bom guia para política monetária. 


O post termina repetindo um apelo que venho fazendo há um bom tempo. A mudança de regime trazida por Paulo Guedes, de juros altos/câmbio valorizado para juros baixos/câmbio desvalorizado, somada à incerteza trazida pela pandemia comprometem o uso de modelos econométricos (talvez mais ainda os DSGE) para prever inflação e outras variáveis macroeconômica. As relações estimadas no passado não mais valem para o futuro, um exemplo é o efeito do câmbio na inflação que o BC (e boa parte do mercado) dizia não ser um problema e agora é usado para explicar a alta da inflação.

O comprometimento dos modelos coloca o BC como um piloto voando sem instrumentos, é preciso usar o máximo de prudência. Está cada vez mais claro que estamos em uma crise de oferta, nesses casos a teoria ensina que uma política monetária expansionista tem pequeno (ou nulo) efeito no desemprego e aumenta a inflação. Um mínimo de prudência faria o BC parar com o estímulo monetário, infelizmente tudo indica que um mínimo de prudência é pouco.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Estimular a demanda não funciona quando o choque é de oferta.

Logo no começo da pandemia houve um forte choque de demanda, evidência disso foi a queda de preços nos primeiros meses, mas na sequência, fica cada vez mais claro, o cenário é de choque de oferta. Nesses casos olhar para hiato de produto, seja lá o que for isso, ou desemprego para desenhar política monetária é um erro perigoso. A maneira adequada de ler a queda da produção, que algum pensam ser o tal hiato, é condicionar aos choques que mudaram as condições de oferta.

Um exemplo mais simples do que a pandemia é um eventual racionamento de energia. Não faz muito sentido ler a queda de produção advinda desse choque como uma diferença do produto observado em relação ao produto potencial, mais correto é entender que, pelo menos enquanto durar o racionamento, o produto potencial diminuiu. O caso da pandemia é mais complicado, inclusive por conta do choque de demanda muito forte no início, mas a lógica é a mesma: pelo menos temporariamente há uma redução do produto potencial. Dito de outra forma, o produto deve ser lido como condicionado ao choque de produtividade.

O perigo da confusão vem do tipo de política que acaba sendo usada. Se a queda de produção (ou aumento do desemprego) tem origem na demanda há justificativas teóricas para defender a expansão da demanda, e.g. política monetária expansionista, como solução. No caso de um choque de oferta negativo, porém, esse tipo de política vai bater forte nos preços. É o que está acontecendo no Brasil e em outros países.

Não é algo novo. Fenômeno semelhante aconteceu quando do Choque do Petróleo no começo (e no final dos anos 70), naquela época também fizeram essa confusão e o resultado foi inflação em vários países, em alguns casos ocorreu a estagflação. Outra consequência foi o “renascimento” dos modelos macroeconômicos com foco em choques de oferta que mudaram o jeito de fazer macroeconomia. 

Aparentemente os métodos desenvolvidos nesse “renascimento” ficaram, vide modelos DSGE, mas as lições relativas aos choques de oferta foram esquecidas. Pena. Tivesse feito a leitura pelo lado do choque de oferta, a que eu considero adequada, o BC (e a turma do mercado) não teria errado tanto.




Contas Nacionais referentes ao segundo trimestre de 2021: está completo o quadro de choque de oferta.

O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao segundo trimestre de 2021 (link aqui). A recuperação da queda causada pela Covid-19 no primeiro semestre de 2019 perdeu fôlego. Em relação ao trimestre anterior o PIB teve uma queda de 0,1%, o resultado traz dúvidas pertinentes a respeito do desempenho da economia.

Uma delas é se após voltar aos níveis pré-crise da pandemia, o índice de PIB com ajuste sazonal chegou a 171,5 no primeiro trimestre de 2021 contra 171,6 no quarto trimestre de 2019, a economia perdeu o fôlego para continuar crescente, ou seja, a crise que apareceu em meados da década passada continua. Outro ponto importante é que a dinâmica da economia brasileira fica cada vez mais parecida com a esperada após um choque negativo de oferta, queda do PIB e aumento no nível de preços, nesse caso as políticas de expansão da demanda, especialmente no caso da política monetária, são pouco úteis para estimular a economia (faz sentido estimular a economia de um país com risco de racionamento de energia?), porém são fatais para o controle da inflação.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado houve um crescimento de 1,8%, o que mostra que a queda do segundo trimestre, apesar da frustração, não reverteu a tendência de crescimento dos trimestres anteriores.

 

Como é tradição no blog a análise será feita pelo lado da produção. A análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é interessante para entender como foi a distribuição do PIB. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no segundo trimestre de 2021 respondeu por 9,7% do valor agregado e 8,4% do PIB, cresceu 2%; o setor de serviços, 68,1%% do valor agregado e 58,7% do PIB, cresceu 0,5%; finalmente, a indústria, que responde por 22,1% do valor agregado e 19,1% do PIB, cresceu 4,7%. Na comparação com o trimestre anterior a agropecuária teve queda de 2,8%, a indústria teve queda de 0,2% e nos serviços o crescimento foi de 0,7%. Repare que no acumulado de quatro trimestres o setor que mais cresceu foi a indústria. 


Analisando a desempenho de setores da indústria é possível perceber que no acumulado de quatro trimestres a construção teve queda de 0,7% e a indústria de transformação cresceu 8,1%. O crescimento da indústria de transformação no acumulado de quatro trimestres é o maior desde o final de 2010, é preciso analisar com cuidado esse crescimento porque ocorreu no segundo semestre de 2020 como parte da recuperação após a queda no primeiro semestre. Os efeitos da crise hídrica no setor de energia elétrica é outro motivo para desconfiar da sustentabilidade do crescimento da indústria de transformação. A indústria extrativa teve queda de 0,2%. Na comparação com o trimestre anterior a construção cresceu 2,7%, a indústria extrativa cresceu 5,3% e a indústria de transformação teve queda de 2,2%. No primeiro trimestre de 2021 a indústria extrativa correspondeu a 25,4% da indústria total, a construção por 11,1% e a de transformação por 51,8%. Os números mostram que a indústria extrativa evitou uma queda maior da indústria.

 

Nos serviços o maior crescimento ficou por conta do setor de comércio que cresceu 5,7% no acumulado de quatro trimestres, o segundo melhor desempenho ficou com informação e comunicação que cresceu 5,4%. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social teve queda de 2,5%. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na comparação com o trimestre anterior apenas o setor todos os setores que compõem os serviços apresentaram crescimento. A recuperação do setor de serviços é particularmente importante para a redução do desemprego.

 

Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, cresceu 12,8% no acumulado em quatro trimestres. Na comparação com o trimestre anterior o investimento caiu 3,6%. O forte crescimento no acumulado de quatro trimestres e a queda na comparação com o trimestre mostra que a recuperação do trimestre anterior perdeu o fôlego, mais uma vez é importante registrar que parte da queda pode ser por conta da crise hídrica. É difícil investir sem garantia de oferta de energia elétrica.

No acumulado de quatro trimestres o consumo das famílias caiu 0,4% e o consumo do governo, não confundir com o gasto do governo, caiu 2,6%. As exportações cresceram 2,4% e as importações caíram 1,7%. Na comparação com o trimestre anterior o consumo das famílias ficou estável, o consumo do governo cresceu 0,7%, as exportações cresceram 9,4% e as importações tiveram queda de 0,6%. 


Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017, mas que ocorreu uma boa recuperação em relação a queda causada pela pandemia. Os números do segundo trimestre de 2021 sugerem que acabou o fôlego da recuperação, porém é difícil dizer quanto desta perda de fôlego ocorreu por conta de choques como a seca, a pandemia e a crise hídrica, e quanto é devida a incapacidade de gerar crescimento de longo prazo por conta da estagnação da produtividade.

Quando comentei as contas nacionais referentes ao primeiro trimestre apontei para os riscos da inflação que já dominava os preços no atacado chegasse nos preços aos consumidores, o que era um risco se tornou um fato. A dinâmica de um choque de oferta é muito diferente da dinâmica de uma crise associada à retração da demanda agregada. A queda do produto deixa de ser vista como um aumento do hiato entre produto observado e produto potencial, que teoricamente pode ser resolvido com estímulos à demanda, e passa a ser lida como uma queda do produto potencial. Mais adequado seria entender que o produto é condicionado ao choque de oferta, de forma que um choque negativo reduz o produto sem que isso signifique um crescimento do hiato.

A devida compreensão da natureza do choque é fundamental para evitar a insistência em políticas de expansão da demanda que só levam à aceleração da inflação. Dado que o controle da política fiscal é muito difícil pela fragilidade política do governo (estou sendo generoso ao supor que o governo deseja um ajuste fiscal) e proximidade do ano eleitoral resta ao BC acionar o freio antes que seja tarde demais.

 

P.S. Mudeis os gráficos setoriais, tive de abri mão de parte das séries, mas creio que ficaram melhores.

 

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Inflação em 12 meses nos grupos que compõem o IPCA

Post rápido só para mostrar a inflação em cada um dos grupos que compõem o IPCA. Em quatro dos sete grupos a variação do IPCA acumulada em 12 meses está acima do teto da meta para 2021, em um está acima do centro da meta e abaixo do teto e em dois grupos está abaixo do centro da meta. É isso.





terça-feira, 10 de agosto de 2021

Inflação no Brasil comparada com a dos países do G20 e das Américas

A inflação no Brasil está alta. Pelos padrões definidos pelo Conselho Monetário Nacional a inflação medida pelo IPCA deveria ser 3,75% com tolerância até 5,25%, a inflação acumulada em 12 meses até julho deste ano é 8,99% e a previsão de inflação pelo pessoal do mercado está em 6,88%. Por qualquer critério é justo dizer que o BC não está conseguindo cumprir com a obrigação em relação ao controle da inflação.

Não é só no Brasil que a inflação está alta, nos EUA a inflação está em 5,4%, bem mais alta do que os 2% em média, não necessariamente no ano, prevista após a flexibilização do regime de metas em agosto de 2020. No resto do mundo, porém, encontramos países com valores mais baixos. De acordo com o site Trading Economics (link aqui) na Zona do Euro a inflação está em 2,2%, na China 1% e mesmo na Rússia está 6,46%, consideravelmente menor que os 8,99% do Brasil.

A figura abaixo mostra a inflação nos países do G20, o último dado é referente a junho ou julho de 2021. Apenas na Argentina. 52,2%, e na Turquia, 18,95%, a inflação está maior do que no Brasil. Mesmo com a Argentina puxando para cima a média das inflações dos países do G20 é de 6,01%, a mediana é 3%, a inflação por aqui está bem acima da média e muito acima da mediana. Aparentemente, mesmo que existam efeitos internacionais, não é razoável descartar os efeitos internos como, por exemplo, o BC ter reduzido demais os juros e segurado os juros baixos por muito tempo ou as aventuras fiscais do governo Bolsonaro.


 Caso o leitor esteja incomodado com o G20 ser usado como grupo de referência refiz a figura com os países das Américas, deixei de fora a Venezuela, por motivos, óbvios, e os países com último dado anterior a maio de 2021. Além da Argentina, apenas Suriname, 43,63%, Haiti, 12,7%, e República Dominicana, 9,32%, estão com mais inflação do que o Brasil. Mais uma vez, mesmo com Argentina e Suriname puxando para cima, a inflação do Brasil ficou acima da média dos países da América que estão na amostra, 7,41%. Também ficou acima da mediana que foi 3,94%.

 

Olhar para ouros países sugere que existe um componente interno na perda de controle da inflação no Brasil. Mal comparando, a situação lembra a que aconteceu em 2014/15 quando apontavam uma crise internacional para justificar o fraco desempenho da economia, mas os outros países cresciam bem mais do que o Brasil. É claro que desta vez existe uma crise internacional que explica, por exemplo, a queda do PIB em 2020, mas quem quer mandar a conta da inflação para o resto do mundo precisa explicar porque nossa inflação é tão mais alta do que a da maioria dos países do G20 e das Américas.

 

domingo, 8 de agosto de 2021

Medalhas, medalhas, medalhas: desempenho do Brasil e país "vencedor" de cada Olimpíada.

Animado pelo espírito olímpico resolvi dar uma olhada no desempenho do Brasil em todas as Olimpíadas. Encontrei no Kaggle (link aqui) uma base de dados com nome, país, modalidade e demais informações de todos os atletas que ganharam medalhas olímpicas de 1896 a 2016 (link aqui). Da Wikpedia peguei as medalhas por países na Olimpíada de Tóquio. Depois de arrumar os dados percebi algumas imprecisões, com mais análise notei que a grande maioria dessas imprecisões decorria de medalhas canceladas após os jogos ou de empates na mesma categoria. Como a distorção ficou muito pequena resolvi seguir adiante, por exemplo, para o Brasil a conta bateu com o dado da Wikipedia em todas as Olimpíadas que chequei, para a China achei apenas uma inconsistência entre meus números e os da Wikipedia. Ainda pensei em procurar uma base histórica com medalhas por países e não por atleta, mas arrumar a base que encontrei me pareceu mais divertido.

De posse dos dados parti para analisar o desempenho do Brasil e, no caminho decidi checar qual o país com melhor desempenho em cada edição dos jogos. Começo com o Brasil. A figura abaixo mostra as medalhas de ouro ganhas por atletas individuais ou equipes representando o Brasil em cada edição onde ganhamos pelo menos uma medalha. Por esse critério os melhores desempenhos ocorreram em 2016 e 2020, o que é interessante, pois seria razoável esperar que o desempenho de 2016 porque naquele ano os jogos foram no Rio de Janeiro. Outro aspecto interessante é a melhora no desempenho depois dos jogos de 2000 quando ficamos sem medalhas de Ouro. Se o amigo está pensando que eu deveria ter levado em conta o aumento no número de medalhas, informo que fiz e está mais abaixo, mas, antes, vou mostrar o total de medalhas.

 


Considerando a soma de todas as medalhas ganhas pelos atletas e equipes que representam o Brasil o melhor desempenho correu em Tóquio, quando ganhamos 21 medalhas, duas a mais do que no Rio de Janeiro. A figura também mostra a melhora do Brasil nas últimas olimpíadas.

 


Como alertei acima, o número de medalhas distribuídas a cada ano aumento e isso pode influenciar na avaliação do desempenho de um país pelo número de medalhas. Por exemplo, na minha base de dados foram distribuídas 120 medalhas em 1896, 532 em 1968 e 1080 agora em Tóquio. Com isso em mente repeti os dois exercícios acima levando em conta a proporção no total de medalhas. A figura abaixo mostra as medalhas de ouro ganhas pelo Brasil como proporção do total de medalhas de ouro ganhas por todos os países. Por esse critério o desempenho no Rio de Janeiro foi superior ao desempenho em Tóquio, o que não chega a se rum surpresa. Também é possível perceber que o desempenho do Brasil no século XXI, em média, foi melhor do que no século XX, até agora.

 


Considerando o total de medalhas do Brasil como proporção do total de medalhas o desempenho em Tóquio foi melhor do que no Rio de Janeiro. Vale registrar que, pelo critério de proporção das medalhas totais, o resultado das Olimpíadas de 2000 não foi ruim, o que mostra que medidas importam. Assim como as outras, a figura abaixo mostra que o desempenho dos atletas brasileiros vem melhorando nas últimas Olimpíadas.

 


Conhecido o desempenho do Brasil é hora de procurar saber qual país teve o melhor desempenho em cada uma das edições dos jogos. Inicialmente será considerada a proporção de medalhas de ouro, na sequência apresento a proporção de medalhas totais. Com dezoito vitórias, Estados Unidos aparece como o maior vencedor de Olimpíadas, a antiga União Soviética ganhou seis, mais a de 1992 com a Comunidade de Países Independentes que jogou como “Unified Team”, a sigla é EUN. França ganhou duas, e China, Reino Unido e Alemanha cada um ganhou uma. A hegemonia americana na Olimpíada de 1904 me chamou atenção, pensei que tinha achada um erro grave na forma que arrumei os dados. Fui conferir na Wikipedia e o resultado é esse mesmo, os Estados Unidos levaram 78 das 96 medalhas de ouro distribuídas nos jogos de St. Louis no estado do Missouri. Não encontrei uma explicação para tamanha discrepância em relação a outros jogos.

 


Considerando a número total de medalhas o resultado não muda muito. Os americanos continuam na liderança, porém agora com dezesseis vitórias. A União Soviética levou sete, mais a de 1992 com a Comunidade de Países Independentes. A China sai da lista, mas entram a Grécia que teve o maior número de medalhas nas Olimpíadas de 1896 em Atenas e a Suécia que, por esse critério, ganhou na Olimpíadas de Estocolmo em 1912.

 


Economia dos esportes é um assunto interessante, mas não é algo que eu domine ou sequer possa dizer que conheço. Para falar a verdade a razão post, mais do que o espírito Olímpico que citei no começo, foi arrumar os dados de medalhas por atletas em medalhas por países. Os esportes por equipe me deram um certo trabalho, pois na base aparece uma medalha por cada membro da equipe. Eu me diverti fazendo o post, espero que a leitura tenha sido interessante.

 


domingo, 1 de agosto de 2021

Em tempos normais a inflação aumentaria no segundo semestre, mas não estamos em tempos normais.

O padrão da inflação no Brasil é de queda até julho e subida a partir de agosto, esse padrão está associado a fatores não necessariamente relacionados à política econômica como safras e estações do ano, também pode ser afetado por reajustes salarias em algumas categorias e coisas do tipo. A figura abaixo mostra o padrão da inflação medida pelo IPCA no Brasil, são considerados três períodos: desde a estabilização (1996 a 2020), no século (2001 a 2020) e na década (2011 a 2020). A mudança significativa é que a subida em julho não está presente quando olhamos a década encerrada em 2020, não sei explicar por que o pico desapareceu, mas fica claro que a queda no primeiro semestre e subida no segundo semestre é um padrão presente em todos os períodos considerados.

 


A valer esse padrão a expectativa de aceleração da inflação a partir de agosto, mas talvez esse não seja o caso. Choques ou decisões de políticas econômicas podem fazer com a inflação de um determinado ano saia desse padrão. O fato de o desenho da curva não ser consequência da política econômica não quer dizer que a política econômica não possa mudar o desenho da curva. Confuso, eu sei, mas imagine que existe um padrão natural que pode ser alterado pela política econômica ou por choques que afetem a economia.

Um exemplo disso foi 2016, o ano do impeachment da Dilma. Segundo o padrão das médias, naquele ano a inflação deveria ter começado uma tendência de alta em agosto e chegado a dezembro mais alta do que em janeiro. Uma olhada na figura abaixo é suficiente para ver que isso não aconteceu, para facilitar o padrão das médias está na figura em azul escuro. Repare que não ocorreu a tradicional subida do segundo semestre. A razão provável é que a mudança no governo e política econômica levou a uma menor inflação esperada e isso jogou a curva para baixo. A subida que começou em setembro foi bem modesta.

 


Outro ano que saiu do padrão foi 2020, o choque da pandemia jogou a inflação para baixo já em abril e maio, nos dois meses a variação do IPCA foi negativa, a subida começa a partir de maio e é bem mais forte que a do padrão usual. Minha explicação para uma subida tão forte, mesmo com a pandemia e as restrições à abertura do comércio, foi a condução da política monetária que exagerou na redução dos juros e, mais importante, no tempo que segurou os juros muito baixos. Aqui vale uma nota: o BC se comporta como a maioria dos bancos centrais e usa juros como instrumento de política monetária, nesse sentido “aumentar os juros” é o equivalente do “reduzir a oferta de moeda” que aparece nos livros textos de macroeconomia. A figura abaixo mostra a inflação de 2020, mais uma vez o padrão médio da década aparece em azul escuro para facilitar a comparação.

 


O ano 2021 já começa como um ano fora de padrão. A segunda onda da pandemia mantém um alto nível de incerteza na economia e o BC começou uma reversão da política monetária com seguidos aumentos de 1% na meta para taxa Selic. A figura abaixo mostra a inflação em 2021 (até junho) e o padrão médio da década, a diferença é clara. Mesmo assim, tudo mais constante, acredito que o caminho natural seria uma elevação a partir de agosto ou, mais tardar, setembro, mas o “tudo mais” não está constante. A guinada na política monetária pode repetir 2016, sem a mudança de governo, e evitar, ou pelo menos suavizar muito, a elevação da inflação no segundo semestre. Para que isso aconteça é fundamental que sociedade acredite que o BC está disposto a dar um grande choque de juros se necessários for. 


Olhando de fora do BC e do mercado acredito que o atual ciclo de elevação não passa a mensagem que o BC está disposto a fazer o que for preciso para segurar a inflação, mas pode ser porque sou chato. Como bom botafoguense sigo dizendo que vai dar errado e, lá no fundo, torcendo (e até acreditando) que pode dar certo.

 

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Recuperações do PIB pelo mundo

Curioso com a recuperação da crise causada pela pandemia resolvi dar uma olhada nos dados da OCDE a respeito do PIB trimestral dos diversos países. Como a pandemia começou ainda em 2019 na China e em outros países da Ásia tomei como ponto de partida o terceiro trimestre de 2019. Em apenas 15 dos 48 países da amostra o PIB no primeiro trimestre de 2021 foi maior do que no terceiro trimestre de 2019, entre eles o Brasil.

A figura abaixo mostra a queda e recuperação do PIB em todos os países da amostra com destaque para o Brasil. Os países com melhores desempenho, a curva azul claro termina bem acima de 100, são Irlanda, Turquia e China. Em nenhum trimestre o PIB da Irlanda ficou abaixo do nível do terceiro trimestre de 2019, isso não quer dizer que não houve queda do PIB por lá, mas as quedas ocorridas no segundo e no quarto trimestre de 2020 não foram suficientes para compensar o crescimento dos períodos anteriores. Na China, onde pandemia começou, a queda forte ocorreu no primeiro trimestre de 2020, na grande maioria dos países a queda grande aconteceu no segundo trimestre de 2020, nos trimestres seguintes o PIB chinês cresceu. A Turquia teve uma queda forte no segundo trimestre de 2020, mas o forte crescimento no terceiro trimestre mais do que compensou a queda.



O Brasil segue o padrão geral de queda forte no segundo trimestre de 2020 com recuperação posterior. No terceiro trimestre de 2021 o PIB estava 0,38% acima do terceiro trimestre de 2019, pode parecer pouco, mas foi o suficiente para vingar a previsão de recuperação em “V” feita pelo ministro Paulo Guedes e colocar o Brasil no grupo dos países com crescimento no período. O campeão de crescimento foi a Irlanda, 14%, seguida pela Turquia, 9%, e a China, 8%. A média da taxa de crescimento de todos os países foi de -1,4%, considerando apenas os países que cresceram a média foi de 3,4%. A figura abaixo mostra a variação do PIB no grupo de países que cresceram no período. Os únicos países latino-americanos do grupo são Brasil e Colômbia.

 


Entre os países com queda de PIB, 33 países da amostra, a média foi de -3,6%. A menor queda ocorreu nos Estados Unidos, 0,3%, e maior na Espanha 8,9%. No Chile a queda foi de 0,9%, na Argentina foi de 3,7% e no México foi de 5%. A diferença entre a recuperação do PIB no Brasil e outros países da América Latina sugere que ou o Brasil (e a Colômbia) aproveitaram melhor a subida de preços das commodities ou a dinâmica interna dos países foi relevante para explicar a recuperação.



Em resumo me parece justo afirmar que o Brasil ficou bem na foto da recuperação do PIB após a grande queda do segundo trimestre do ano passado. Não é o melhor, 11 países tiveram maior crescimento do PIB, mas está longe de ser o pior, 36 tiveram desempenho pior. Como sempre registro o crescimento de curto prazo pode sinalizar problemas de longo prazo. Isso acontece se os incentivos usados ara obter crescimento de curto prazo causarem fortes distorções na alocação de fatores a ponto de comprometer o crescimento da produtividade, o tempo dirá se esse foi o caso no Brasil.

Outros possíveis efeitos colaterais de estímulos para recuperação no curto prazo são inflação e crescimento insustentável da dívida pública. A inflação já é um problema, projeções do mercado apontam que, apesar das seguidas elevações na meta para Selic, o IPCA o ano vai fechar o ano bem acima do teto da meta de inflação. A análise do lado fiscal é mais delicada, a reforma da previdência, aprovada em 2019, pode ser decisiva no controle das contas do governo. A crise fiscal nos estados parece ter batido no fundo do poço antes da pandemia, talvez esse poço não tenha um alçapão. Por outro lado, a generosidade do governo ao conceder aumentos para carreiras militares bem como com gastos de defesa, incluindo capitalização de estatais, é um problema que, junto com o uso de emendas nos moldes do Tratoraço/Bolsolão, pode ser fatal para o ajuste fiscal. Nunca é demais lembrar que parte significativa da melhora nos indicadores fiscais decorre da inflação, uma estratégia com desagradável hábito de ser desastrosa no longo/médio prazo.

terça-feira, 15 de junho de 2021

Não comemos PIB, mas...

Vez por outra a frase “não comemos PIB” aparece nas redes e nos jornais, lembro que apareceu quando o PIB começou a cair no governo Dilma e agora no governo Bolsonaro quando o PIB subiu acima do esperado. Curiosamente a frase não lembro da frase ter ganho destaque quando o PIB crescia bem no governo Lula, deve ser porque sou esquecido. De toda forma a frase é interessante e merece atenção. Realmente não comemos PIB, também não vestimos PIB, não moramos no PIB e não sairmos para dançar no PIB. PIB é uma construção teoria usada por economistas para tentar mensurar o quanto é produzido em uma região. 

No PIB estão computadores, relógios, trigo, cortes de cabelos, massas e maças. Quem é tanta coisa acaba por não ser nada, pode dizer algum observador, mas, creio eu, esse observador estaria sendo injusto. Como outras medidas do tipo o PIB simultaneamente carece e abunda de significados. A frase “não comemos PIB” é correta e bastante útil para apontar que existem coisa que o PIB não capta bem, porém a frase se torna enganosa quando usada para tirar relevância de uma queda ou de um aumento do PIB.

Logo no primeiro capítulo do livro Introduction to Modern Economic Growth (link aqui), Daron Acemoglu, economista merecidamente festejado pelo livro Por que as nações fracassam? (link aqui), trata de relação entre PIB per capita, que nada mais é do que o PIB dividido pela população, e os níveis de bem-estar de um país. Para ilustrar o ponto ele apresenta dois gráficos que vou reproduzir aqui, o primeiro mostra a correlação (que não é causalidade!) entre o logaritmo do PIB per capita e o logaritmo do consumo per capita. Fica clara a relação positiva entre as duas variáveis, ou seja, não comemos PIB, mas onde o PIB por pessoa é maior o consumo por pessoa também é maior.


 O segundo gráfico mostra a correlação entre PIB per capita e expectativa de vida ao nascer. PIB não comida nem remédio, mas onde o POB per capita é maior as pessoas tendem a viver mais. Isso óbvio, alguém pode dizer, correto, responderia eu, mas também deveria ser óbvio que crescimento do PIB é uma boa notícia e queda do PIB é uma notícia ruim.

 

Como sou chato, não sou tão cuidadoso quanto o Acemoglu e isso é um blog onde tento conversar com leitores e não um livro tomei a liberdade de mostrar outras correlações entre o PIB per capita e variáveis que alguém pode considerar relevantes. A figura abaixo mostra a correlação entre PIB per capita e o percentual da população com acesso a saneamento básico. Além de consumir mais e viver mais, quem vive em locais com PIB per capita maior tem menos problemas de acesso a água tratada. Por causa do PIB? Não dá para dizer isso, lembre que correlação não é causalidade, mas se é difícil, talvez impossível, estabelecer empiricamente uma relação de causalidade, não é tão difícil teorizar sobre tal relação, mas deixo isso para outra ocasião.

 

Consumir mais é bom, viver mais é bom, ter acesso a esgoto e água tratada é bom... mas o que vale tudo isso sem tomar uma? Pensando nisso fui olhar a correlação entre PIB per capita e consumo de álcool. Deu positiva, sim meu caro, se nada que falei até aqui te convenceu da importância do PIB talvez saber que onde o PIB per capita é maior se bebe mais mude sua opinião.

 

Belchior, meu conterrâneo, cantou que nada é maravilhoso, temo que ele esteja certo, mas definitivamente não é em conceitos econômicos que vamos encontrar algo para contradizer o poeta cearense. O PIB também está correlacionado com coisa indesejáveis, como, por exemplo, a poluição. Países com maior PIB per capita emitem mais CO2. Muita gente acredita que isso é motivo para não comemorar aumento de PIB, nem tanta gente parece disposta a migrar para países que emitem pouco CO2. Não sou especialista no assunto, mas creio que sacrificar PIB para preservar meio ambiente é uma estratégia complicada e limitada, resta apostar que a chegada de novas tecnologias, em parte estimuladas pelo aumento de custos do uso de tecnologias poluentes que é induzido por políticas ambientais, resolvam o problema e permitam a redução da correlação entre PIB e emissão per capita de CO2.

 

A última figura retorna à frase que motivou o post (já dizia meu saudoso pai que a maior prova que o mundo é redondo é que andamos muito e retornamos ao mesmo lugar). Não comemos PIB, fato, mas onde o PIB per capita é maior o percentual da população subnutrida é menor.

 

Paro aqui, as provocações do post não têm como objetivo contestar a frase que não comemos PIB, que é obviamente verdadeira, mas contextualizar a importância do crescimento do PIB e como uma maior PIB per capita está correlacionado com algumas características desejáveis de uma sociedade. Nunca é demais lembrar que, como também está registrado no livro de crescimento do Acemoglu, o processo de aumento do PIB per capita, embora geralmente bom para o bem-estar, cria perdedores e ganhadores, daí, talvez as resistências.

 

P.S. Se você é aluno de graduação da UnB o post também é uma propaganda do curso de crescimento que vou oferecer no próximo semestre (começa em julho, mas é o 2021/1). Os gráficos estarão lá e, nas aulas, “práticas” você vai aprender a fazer gráficos do tipo.

 

terça-feira, 1 de junho de 2021

Deu "V"!

Em dezembro do ano passado fiz um post dizendo que ainda era cedo para falar de recuperação em “V” (link aqui), pois bem, agora já dá para falar. A figura abaixo mostra o índice do PIB com ajuste sazonal do primeiro trimestre de 2019 ao primeiro trimestre de 2021. O valor da série no primeiro trimestre deste ano, 171,6, ficou igual ao do quarto trimestre de 2020. É claro que não é um “V” perfeito, mas o formato da recuperação vinga a tese defendida por Paulo Guedes de que a recuperação seria em “V”.

 


Sou chato, mas tento não ser de todo injusto.

 

Contas Nacionais no Primeiro Trimestre de 2021: Agropecuária, Indústria Extrativa e o Resto.

O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao primeiro trimestre de 2021 (link aqui). A recuperação da queda causada pela Coviv-19 no primeiro semestre de 2019 aparece nos números do PIB. Em relação ao trimestre anterior o PIB cresceu 1,2%, o crescimento faz parte do mesmo movimento que levou à queda recorde de 9,6% no segundo trimestre de 2020 e ao crescimento, também recorde, de 7,7% no terceiro trimestre daquele ano.

Assim como nos trimestres anteriores, o crescimento do primeiro trimestre de 2021 dificilmente pode ser analisado na perspectiva da dinâmica de crise e recuperação que costumo usar nos posts sobre contas nacionais. O máximo que pode ser feito é entender como será a recuperação da crise causada pela pandemia e tentar especular sobre como esta recuperação pode afetar a dinâmica da economia brasileira na ótica das contas nacionais.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado houve uma queda 3,8%, o que mostra que, apesar do crescimento nos últimos trimestres, a crise do Covid-19 ainda não está no retrovisor. 


 

Como é tradição no blog a análise será feita pelo lado da produção. A análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é interessante para entender como foi a distribuição do PIB. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no primeiro trimestre de 2021 respondeu por 11,9% do valor agregado e 10,2% do PIB, cresceu 2,3%; o setor de serviços, 68,2%% do valor agregado e 58,4% do PIB, teve uma queda de 4,5%; finalmente, a indústria, que responde por 19,9% do valor agregado e 17% do PIB, teve uma queda de 2,7%. Na comparação com o trimestre anterior a agropecuária teve crescimento de 5,7%, a indústria teve crescimento de 0,7% e nos serviços o crescimento foi 0,4%. O forte crescimento da agropecuária, que atingiu recorde em participação no PIB, explica boa parte do crescimento no primeiro trimestre de 2021.

 


No acumulado de quatro trimestres a construção teve queda de 6,9%. Na indústria de transformação a queda foi de 2,7%. Ao contrário de outros períodos quando a queda na indústria de transformação podia ser vista como parte da arrumação de casa após a sequência de investimentos questionáveis, para dizer o mínimo, da primeira metade da década., esta queda ainda reflete o impacto da pandemia no setor A indústria extrativa teve queda de 0,3%. Na comparação com o trimestre anterior a construção cresceu 2,1%, a indústria extrativa cresceu 3,2% e a indústria de transformação teve queda de 0,5%. No primeiro trimestre de 2021 a indústria extrativa correspondeu a 21,5% da indústria total, a construção por 13,1% e a de transformação por 51,9%. Os números mostram que a indústria extrativa foi fundamental para o resultado positivo do trimestre.

 


Nos serviços o maior crescimento ficou por conta do setor de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados que cresceu 5% no acumulado de quatro trimestres, também houve crescimento de 3% nas atividades imobiliárias. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social teve queda de 5,5%., as maiores quedas foram de 8,6% no setor de transportes e 13% em outras atividades de serviços A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na comparação com o trimestre anterior apenas o setor “Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social” registrou queda Mais uma vez o crescimento faz parte do mesmo movimento que causou a queda no trimestre anterior.

 


Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, cresceu 2% no acumulado em quatro trimestres. Na comparação com o trimestre anterior o investimento cresceu 4,6. O crescimento do investimento costuma ser um importante sinalizador para recuperação da economia, mas nunca é demais lembrar que é preciso analisar a qualidade do investimento.

O consumo das famílias e do governo caíram 5,7% no acumulado de quatro trimestres. As exportações caíram 1% e as importações caíram 9,2%. Na comparação com o trimestre anterior o consumo das famílias caiu 0,1%, o consumo do governo caiu 0,8%, as exportações cresceram 3,7% e as importações tiveram aumento de 11,6%.

 


Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017, mas sugerem uma boa recuperação em relação a queda causada pela própria pandemia. Essa recuperação pode ser comprometida pelo recrudescimento da pandemia. De fato, o comportamento da economia depende essencialmente dos rumos da pandemia. Sem uma campanha de vacinação em massa só um milagre pode nos tirar da crise.

O crescimento do trimestre veio acima do esperado, a agropecuária e a indústria extrativa tiveram um forte papel neste resultado. Isso sugere que o bom resultado pode estar mais associado à dinâmica do resto do mundo, visto que os dois setores são exportadores de commodities, do que à dinâmica da economia interna. Não que tal dependência seja ruim ou mesmo um problema, mas é uma característica que merece registro.

Para ter crescimento de longo prazo o governo precisaria liderar uma sólida agenda de reformas, nesse sentido ao trocar a agenda de abertura pela necessidade de proteger o patrimônio da indústria é um péssimo sinal. Continua valendo que se o governo partir para políticas de estímulos turbinadas por planos como o Pró-Brasil, Casa Verde e Amarela e uso de estatais podemos até ter bons números no curto prazo, ainda assim condicionados à dinâmica da pandemia, mas começaremos outra caminhada em direção ao abismo. A disparada dos preços no atacado, levando junto o IGP-M, mostra que, além da recuperação do PIB, o governo deve se preocupar em evitar que a inflação que já atinge os preços aos consumidores.

 

P.S. Os gráficos setoriais não são os ideais, continuo procurando uma forma melhor de passar os desempenhos dos setores sem abrir mão de grande parte da série.

 

sexta-feira, 28 de maio de 2021

O IGP-M continua subindo muito!

A notícia que o IGP-M subiu 4,1% em maio deveria causar apreensão em todos que tenham algum interesse nos rumos da economia brasileira. Neste século apenas em três oportunidades o IGP-M subiu mais de 4% em um único mês. A primeira foi um aumento de 5,19% em novembro de 2002, as outras duas aconteceram nos últimos doze meses: 4,34% em setembro de 2020 e 4,14% e maio deste ano. No acumulado de doze meses o IGP-M atingiu a máxima do século, na verdade a máxima desde a estabilização.

O IGP-M é uma média de três índices: o IPA-M que mede os preços no atacado e responde por 60% do IGP-M, o IPC-M que mede os preços aos consumidores e responde por 30% do IGP-M e o INCC-M que mede os preços na construção civil e responde por 10% do IGP-M. O IPA-M é o responsável pela disparada do IGP-M, o índice que mede os preços no atacado acumula alta de mais de 50% nos últimos doze meses, outro recorde do século. A figura abaixo mostra o IGP-M e os componentes.

 


 

O aumento de preços estar muito concentrado nos preços no atacado leva alguns analistas a desprezarem o problema, não é difícil encontrar quem diga que esse aumento é passageiro e não vai chegar nos preços aos consumidores tomando por base relações estimadas durante a vigência de outro regime de política econômica, monetária e fiscal, e com menos incerteza do que vivemos atualmente. A dependência do comportamento econômico de empresas e famílias em relação à política econômica é bem conhecida dos economistas, o tema recebeu atenção de Robert Lucas, Thomas Sargent, Edward Prescott e Finn Kydland para ficar apenas nos que foram laureados com o Nobel. Um trecho no artigo “The End of Four Big Inflations” publicado pelo Thomas Sargent em 1982 resume essa ideia:

"Recent work in dynamic macroeconomics has discovered the following general principle: whenever there is a change in the government strategy or regime, private economic agents can be expected to change their strategies or rules for choosing consumption rates, investment rates, portfolios, and so on. The reason is that private agents' behavior is selfish, or at least purposeful, so that when the government switches its strategy, private agents usually find it in their best interests to change theirs. One by-product of this principle is that most of the empirical relations captured in standard econometric models cannot be expected to remain constant across contemplated changes in government policy regimes."

Voando sem instrumentos, pois a mudança de regime de política econômica e o brutal aumento de incerteza trazido pela pandemia tornaram os resultados obtidos por modelos econométricos pouco confiáveis, caberia ao BC ter adotado uma política de prudência. Não foi o que ocorreu, mesmo com a moeda derretendo e com os preços no atacado disparando o BC apostou que os preços aos consumidores ficaram blindados. No segundo semestre de 2020 estava claro que a inflação não ficaria baixa, ainda assim o BC segurou a Selic em inacreditáveis 2% ao ano. Quando finalmente resolveu ajustar, já em 2021, teve que correr com dois aumentos seguidos de 0,75% na Selic e muito provavelmente um terceiro está a caminho. Mesmo com os três aumentos a Selic vai ficar abaixo da inflação prevista para este ano, isso dá uma noção de quão baixa a Selic ficou e/ou de quanto a inflação está acima do que imaginava a vã filosofia dos que acreditavam que inflação não seria um problema.

O quadro descrito na figura deveria por um ponto final nas ilusões quanto a inflação. O IPC-M subiu mais de 7% nos últimos doze meses, o IPCA está próximo, é um valor muito alto ainda mais no meio de uma crise com desemprego crescendo. É cada vez mais urgente que o BC faça o que tem de ser feito para colocar a Selic pelo menos acima da inflação o quanto antes, sei que é difícil e a pressão será enorme, ainda mais com ano eleitoral chegando. Não acelerar o ajuste agora pode marcar Roberto Campos como mais um banqueiro central que entre inflação e desemprego escolheu a primeira e ficou com os dois.

 

sexta-feira, 7 de maio de 2021

O BC voltou!

O segundo aumento consecutivo da Selic em 0,75 pontos marca uma guinada correta e necessária na política monetária. O discurso de que a inflação resulta de um choque e voltará naturalmente a um patamar mais baixo não mais corresponde às decisões do Copom, isso é bom, mas seria ainda melhor se representantes do BC parassem de dizer que está tudo bem ou coisas do tipo (ver aqui). Entendo que a intenção pode ser acalmar o mercado, mas, na prática, a falta de consistência entre discursos e ações pode fazer mais mal do que bem.

Para ilustrar o tamanho da virada na política monetária fui buscar as decisões do Copom em relação à Selic desde janeiro de 2001. A decisão mais frequente é manter a taxa inalterada, ocorreu em 68 das 184 reuniões consideradas, em seguida vem a decisão de subir ou descer 0.5 pontos, cada uma ocorreu 27 vezes. A mais extrema foi aumentar em 3 pontos, ocorreu duas vezes: outubro e dezembro de 2008 quando o BC resolveu tirar o atraso de decisões que deveriam ter sido tomadas anteriormente. A maior queda foi de 2,50 em agosto de 2003, seguida por uma queda de 2 pontos em setembro do mesmo ano. A decisão de subir a taxa em 0,75 pontos ocorreu em apenas 7 ocasiões, a última antes das decisões deste ano foi em 2010 quando a Selic estava em torno de 10% ao ano. A figura abaixo mostra a variação da meta de Selic e quantas vezes cada variação ocorreu.

 


Diante dos números é difícil negar o caráter excepcional das decisões do Copom nas últimas duas reuniões. Minha leitura é que a razão para essa pressa é que o BC tenha finalmente percebido que segurou a Selic por muito tempo em um valor muito baixo e que, sem uma mudança drástica na política monetária, poderia perder o controle das expectativas e, por consequência, da inflação. Entendo que alguns colegas não gostem da minha leitura, afinal estamos em crise e as expectativas de inflação não deram sinais de alerta. Quanto a crise, bem... o que não faltam são exemplos de inflação fora de controle com desemprego nas alturas e PIB caindo ou patinando, se não acredita em mim dá uma olhada no vizinho do norte ou do sul.

Em relação às expectativas o problema é que os modelos de previsão perdem poder diante de mudanças de regime, o próprio Paulo Guedes anunciou a mudança de regime em 2019 e reforçou em 2020 (link aqui e aqui), e na presença de incerteza, não preciso dizer que a pandemia mandou a incerteza lá para cima. Essa é a razão do “pessoal do mercado” ter errado consistentemente para baixo a previsão de inflação.

Para visualizar o que estou dizendo peço que o leitor se coloque no lugar de um empresário que depende de insumos importado de forma que uma desvalorização do real representa um aumento nos custos de produção. É razoável supor que decisão do empresário de repassar para os preços o aumento dos custos dependa do que ele espera acontecer com o câmbio. Se ele entender que a desvalorização é passageira, o repasse para os preços deve ser pequeno ou mesmo nulo, se entende que é permanente talvez ele tente repassar para os preços no menor prazo possível. Como a natureza da desvalorização, transitória ou permanente, depender do regime é justo supor que a decisão de ajuste de preços por conta da desvalorização também dependa do regime. Se o exemplo for representativo as estimativas de que o efeito do câmbio nos preços é baixo, realizadas com dados do regime anterior, talvez não valham mais no regime de “juros baixos e câmbio desvalorizado”.

A questão é saber o tamanho do atraso que BC deve recuperar e quanto tempo há para que o ajuste possa ser feito sem comprometer a credibilidade da política monetária. Estimativas de colegas sugerem que a Selic deve chegar em 6,5% ao ano para estancar a pressão nos preços, o problema é que essa estimativa depende da previsão de inflação e essa, como nos mostra a experiência recente, não é muito confiável. O lado bom é que a atual direção do BC conta com a confiança do mercado, o que dá uma margem maior de manobra, Tombini e Mantega devem ficar intrigados com a paciência que turma tem com Campos e Guedes. O lado ruim (e perigoso) é que ainda não sabemos o tamanho do rombo fiscal causado pela pandemia e pela política de usar o orçamento agradar os amigos tocada pelo atual governo.

Embora a principal alavanca para controlar a inflação ainda seja a política monetária é inegável que a pressão fiscal ajuda a jogar os preços para cima. Na falta de ajuste fiscal resta ao BC apertar a política monetária, no atual modelo (que é o padrão nos bancos centrais de economias desenvolvidas) isso significa aumentar a meta para Selic. Até quando o BC vai conseguir segurar a inflação com política monetária é coisa que não sei dizer, mas se esse dia chegar temos que vamos ficar sabendo rapidamente. Se permite terminar com um conselho, torçam para esse dia nunca chegar.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Boletim Focus aumenta expectativa de inflação para este ano. Voltamos ao padrão da época do governo Dilma?

O Boletim Focus divulgado hoje mostra que o “pessoal do mercado” mais uma vez atualizou para cima a expectativa de inflação para 2021. Começar com um valor baixo para inflação esperada e atualizar para cima durante o ano foi o padrão no governo Dilma. Em 2016, ano do impeachment, e nos dois anos do governo Temer o padrão ficou invertido: a expectativa de inflação começava alta e caia durante o ano. No governo Bolsonaro voltou o padrão de expectativas baixas (eu chamo de excesso de otimismo) no começo do ano e ajuste durante o ano. A figura abaixo ilustra esses padrões, note que por usar escalas diferentes no eixo vertical a figura não deve ser usada para comparar as expectativas de inflação de cada ano e sim a dinâmica destas expectativas em cada um dos anos.

 


Por que o Banco Central de Roberto Campos não consegue entregar a inflação igual ou menor do que a esperada pelo “pessoal do mercado” no começo de cada ano? Difícil responder. É fácil encontrar declarações de figurões do BC colocando a culpa no lado fiscal. De fato, a política fiscal é um problema, mas o BC não sabe disso? O quão razoável foi apostar a estabilidade do real em um ajuste fiscal no meio de uma pandemia e liderado por um governo com notória dificuldade em liderar? O quão razoável foi imaginar que uma moeda emitida por um dos países emergentes mais endividados do mundo e sem grau de investimento nas agências de risco atrairia investidores por ser uma espécie de porto seguro?

A verdade é que já faz algum tempo a política fiscal do Brasil é problemática, tentativas de ajuste fiscal são barradas pelos mais diversos lobbys. Com a chegada de Bolsonaro ao Planalto, a despeito dos desejos da equipe econômica, a situação piorou. Incapaz de gerenciar conflitos naturais em uma democracia o governo ficou refém de interesses pontuais e agora sequer consegue ter um orçamento. O problema é que a questão fiscal já deve estar embutida nas expectativas de inflação do começo do ano, é preciso entender qual foi a surpresa que levou o mercado a “errar para baixo” no começo de 2019, 2020 e, aparentemente, 2021. Alguém pode dizer que em 2020 teve a pandemia, não compro a tese, o efeito da pandemia foi de baixar a inflação como mostram os números do IPCA em abril e maio do ano passado, porém, mesmo que tenha sido a pandemia a surpresa ocorreu em março e até outubro as expectativas estevam bem abaixo da inflação que ocorreu em 2020.

Uma comparação de 2020 e 2018 pode ser didática. Em 2018 a greve dos caminhoneiros pegou o mercado de surpresa, a resposta foi um aumento da expectativa de inflação para aquele ano. O susto do mercado foi justificado, mas a política econômica soube controlar as expectativas e entregou uma inflação de 3,75%. Repare quem 2020 o movimento foi diferente, logo após o choque não houve um crescimento forte das expectativas de inflação. A reação inicial do mercado foi projetar que a pandemia levaria a uma queda na variação do IPCA. O que aconteceu?

Como disse acima é difícil explicar o que está acontecendo. O problema pode estar nas projeções do “pessoal do mercado” que parece insistir em ignorar a mudança de regime que ocorreu no governo Bolsonaro segundo o próprio Paulo Guedes. Para piorar a incerteza aumentou muito por conta da pandemia. Outra possibilidade é que política econômica, fiscal e monetária, tiveram uma melhor condução no governo Temer no sentido de surpreender o mercado com menos e não com mais inflação. Enfim deixo mais perguntas do que respostas, mas vale registrar que talvez seja o momento para o BC colocar a barba de molho. A barba da vizinha política fiscal já está pegando fogo faz tempo.

 

sábado, 17 de abril de 2021

Como a pandemia afetou a relação dívida/PIB dos diversos países?

Em post anterior explorei a base de dados do FMI para avaliar o impacto da pandemia no crescimento das economias em 2020 (link aqui). Nesse post farei exercício semelhante, porém o foco será na relação dívida/PIB. É importante ter em mente que a relação dívida/PIB á afetada pela variação do PIB e da dívida, desta forma o crescimento desta relação pode ocorrer por conta do crescimento da dívida ou da queda do PIB. Como na maioria dos países ocorreu queda do PIB e aumento dos gastos para combater e amenizar os efeitos da pandemia, o crescimento da relação dívida/PIB observado nos dados era esperado. Mesmo assim o exercício pode ser interessante por mostrar o que aconteceu nos diversos países e o tamanho do aumento da relação dívida/PIB.

Para fazer o exercício selecionei os países com mais de 10 milhões de habitantes em 2020, mais uma vez a Venezuela foi excluída da amostra, o que me deixou a amostra com 87 países. Em 2019 a média da relação dívida/PIB nos países da amostra foi de 59,6%, em 2020 subiu para 69,1%. Na comparação de 2020 com 2019 a relação dívida/PIB caiu em apenas 7 dos 87 países da amostra, desses cinco estão na África Subsaariana (Zimbabwe, Etiópia, Chade, República Democrática do Congo e Tanzânia), um na América Latina e Caribe (Haiti) e um no Oriente Médio (Irã). A figura abaixo mostra o deslocamento da distribuição da relação dívida/PIB entre 2020 e 2019 com destaque para as médias de cada ano.

 


Os três países com maior crescimento da relação dívida/PIB ficam no Oriente Médio: Iraque (70%), Emirados Árabes Unidos (43%) e Arábia Saudita (32%). No Brasil o crescimento desta relação foi de 13%, o que nos coloca na parte inferior da turma, ou seja, entre os países onde a relação dívida/PIB cresceu menos. Para ser preciso em 33% dos países a relação dívida/PIB cresceu menos do que a do Brasil. A figura abaixo mostra o crescimento da relação dívida/PIB nos países da amostra com destaque para alguns países, quanto mais para esquerda (ou para baixo) menor o crescimento da relação dívida/PIB. Repare que esta relação cresceu menos no Brasil do que nos Estados Unidos e na China, países onde o PIB teve melhor desempenho do que no Brasil em 2020.

 


Na comparação com os países da amostra que pertencem ao grupo América Latina e Caribe o Brasil teve o menor crescimento da relação dívida/PIB dentre os países onde essa relação cresceu. Isso é bom porque mostra que a deterioração do quadro fiscal no Brasil foi menor do que em países que normalmente são usados como referência em comparações internacionais. Entre os países do BRICS, outro grupo de comparação, o Brasil teve o menor crescimento na relação dívida/PIB como pode ser visto na figura acima.

 


O resultado relativamente bom no crescimento da razão dívida/PIB significa que temos melhores condições fiscais que outros países semelhantes? Não creio que seja o caso. Apesar de ter crescimento menos do que na maioria dos países da amostra, a relação dívida/PIB no Brasil é alta quando compara à dos mesmos países. Em cerca de 80% dos países da amostra a relação dívida/PIB é menor do que no Brasil, quase todos são países avançados ou estão na África Subsaariana. Temos a maior relação dívida/PIB entre os países do BRICS.

 


Considerando apenas os países da América Latina e caribe que estão na amostra, apenas a Argentina tem uma relação dívida/PIB maior do que a nossa. Mesmo tendo crescido mais em 2020 a relação dívida/PIB no Chile ainda é cerca de um terço da nossa. A figura abaixo mostra a relação dívida/PIB nos países da América Latina e Caribe.

 


Os números relativos à dívida como proporção do PIB mostram que essa relação cresceu menos por aqui do na maioria dos países, porém continuamos com uma relação muito alta em comparação com América Latina e com países emergentes em geral. A elevada relação dívida/PIB acaba funcionando como um limite para o aumento da dívida e, por consequência, dificulta medidas para amenizar o sofrimento da população com a pandemia. Como mostra o aumento da inflação: existe mais limites para a política fiscal do que parecem pensar os críticos do teto de gastos.