quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Explicando o aumento do gasto em 2019

Hoje mais cedo fiz um post chamando atenção que o aumento do gasto em 2019 foi o maior desde o começo da ajuste fiscal. Logo depois, pelo Twitter, o Alexandre Schwartsman me alertou que o resultado tinha sido afetado pela cessão onerosa. Outros amigos fizeram o alerta até que o pessoal do Tesouro entrou em contado comigo, uma das coisas boas de ser professor em Brasília é que sempre tem um ex-aluno disposto a ajudar quando a oportunidade aparece, e me passaram os números da cessão onerosa e como esses números impactaram o resultado primário em 2019.

O aumento da despesa primária de fato foi 2,7%, conforme está no post, mas parte significativa do aumento foi por conta da capitalização da Petrobras de 2010 e da cessão onerosa. A figura abaixo, elaborada pelo pessoal do Tesouro, mostra a variação da despesa primária sem considerar esses gastos.


A próxima figura, também elaborada pelo pessoal do Tesouro, reproduz a que está no meu post. Repare que na primeira figura ainda aparece um crescimento da despesa de 0,33%, menor que os 2,7% da segunda figura (que é o número que mostrei no meu post) e menor do que o aumento de 2018 e 2015.


A figura acima (que reproduz a do meu post) está errada? Não, o gasto realmente aumentou 2,7%, mas a primeira figura (com a correção), faz mais justiça ao esforço fiscal do atual governo. Devo registrar que a preocupação em explicar o ocorrido para um professor que tem um blog com acesso bem menor que o de qualquer jornal ou de influenciadores com espaço permanente na mídia é uma demonstração e tanto de compromisso com ajuste fiscal.

A equipe da STN também fez o ajuste nos gráficos com a decomposição da despesa. A figura abaixo mostra a variação de cada item após a exclusão da capitalização da Petrobras de 2010 e da cessão onerosa.


A próxima figura é uma reprodução da figura do meu post feita pela equipe da STN. Repare que para os três primeiros itens a variação é a mesma. A diferença está na quarta coluna, a que mostra avariação das despesas do executivo sujeitas à programação financeira.


Comparando as duas figuras fica claro que o aumento na despesa discricionária, que de fato ocorreu, foi por conta da capitalização da Petrobras de 2010 e da cessão onerosa. Para efeitos práticos faz pouca diferença com que foi o gasto, importa que o gasto ocorreu, mas, para efeito de mostrar compromisso com o ajuste fiscal faz diferença e o registro deve ser feito.

Termino dizendo o que disse para um dos meus amigos que está no governo e falou do assunto e para a equipe do Tesouro: É fundamental que a pressão para o ajuste fiscal continue, é ano eleitoral e o pior que pode acontecer é um "consenso" que o problema fiscal está controlado o que fatalmente vai abrir as portas para todo tipo de pressão por aumento de gastos.

O mínimo que posso fazer é continuar sendo chato e neurótico com aumento de gastos e inflação. Agradeço aos amigos que me explicaram a origem do aumento do gasto, só coloquei o nome do Alexandre Schwartsman porque ele foi o único que fez o registro em público, mas quem falou comigo e quem me mandou os dados sabe o que fez e, se leu o primeiro post, imagino que vai ler esse também.




Mais sobre o resultado fiscal de 2019


Ontem fiz um post mostrando que, apesar da queda do déficit, ocorreu um aumento do gasto primário (link aqui). Hoje volto ao assunto olhando a variação do gasto primário e principais componentes. A figura abaixo mostra a variação do gasto primário entre 2011 e 2019, o crescimento observado este ano foi o maior desde o começo dos esforços de ajuste fiscal. Nem mesmo em 2015, com o reconhecimento das pedaladas, o gasto cresceu tanto com em 2019.




A próxima figura mostra a variação dos componentes do gasto desde 2015. Repare que em 2015 teve um pico nas “Outras Despesas Obrigatórias” que comprometeu o resultado daquele ano.  Em 2019 foi o contrário, as despesas obrigatórias caíram e o aumento do gasto veio do item “Despesas do Poder Executivo Sujeitas à Programação Financeira”, mais precisamente das despesas discricionárias.




Os números estão aí e mostram que Paulo Guedes e Bolsonaro entregaram em 2019 o maior aumento de despesa primária desde o começo do ajuste fiscal.

P.S. O aumento de gasto de fato ocorreu, mas é explicado pela capitalização da Petrobras feita em 2010 e a cessão onerosa. As explicações estão em outro post (link aqui).

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O déficit caiu, mas o gasto não.


Os resultados fiscais da União para 2019, divulgados pelo Tesouro Nacional, trouxeram uma excelente notícia: o déficit primário caiu de R$ 126 bilhões em 2018 para R$ 96 bilhões em 2019 (despesa total menos receita líquida, valor sem ajuste metodológico), uma queda de quase 25% em um ano! A figura abaixo mostra esse feito, porém, antes de soltar fogos, botar a camisa amarela e sair nas ruas a gritar “é o maior, é o maior”, talvez seja útil conhecer algumas observações de um economista chato.




A figura abaixo mostra a receita e a despesa do governo e começa a acender uma luz amarela para quem está com pressa de comemorar a redução do déficit.  O gasto continuou a subir em 2019, a queda do déficit veio por conta da elevação da receita. O quadro fica ainda mais preocupante quando lembramos o papel das receitas extraordinárias no reforço de caixa do governo. É claro que é sempre melhor um déficit baixo do que um déficit alto, a dívida pública agradece, mas, olhando para frente, receitas extraordinárias não vão resolver nosso problema fiscal. Mal comparando, é como vender o carro para abater parte da dívida e continuar gastando mais do que ganha, o alívio é bem-vindo, mas é temporário.




Ficou preocupado? Não? Então repare na próxima figura. Nela estão as principais despesas primárias do governo. A previdência é aquela em verde claro que é maior de todas e segue subindo, o governo fez o que deu para segurar esse gasto. Em azul escuro esta a folha de pagamento, teve uma subida entre 2016 e 2017 por conta de reajustes concedidos pelo Temer, mas ficou comportada em 2018 e 2019. Apesar de um aumento generoso para os militares, o governo tem mostrado preocupação com a folha e mandou a PEC Emergencial para aumentar o controle sobre o pagamento dos servidores. Em azul claro estão as outras despesas obrigatórias, teve aquele pico em 2015, salvo engano por conta do reconhecimento das pedaladas, mas depois seguiu caindo e está menor do que em 2014. Até aqui os problemas ou estão controlados ou o governo está trabalhando para resolver.




A linha em verde escuro é que é o problema, nela estão as despesas do poder executivo sujeitas à programação financeira, o nome assusta, mas é onde estão as despesas discricionárias e as despesas obrigatórias com controle de fluxo. Repare que essa linha, onde teoricamente o governo tem mais controle, subiu esse ano, algo frustrante para um governo que afirma ter compromisso com ajuste fiscal. Vai piorar, em 2018 as despesas obrigatórias com controle de fluxo foram R$ 145,13 bilhões, já corrigidos pela inflação, em 2019 foram R$ 145,58 bilhões, não foi daí que veio o problema. As despesas discricionárias, aquelas que o governo realmente tem mais controle, foram de R$ 139,97 bilhões em 2018 e chegaram a R$ 166,14 bilhões em 2019. O aumento real foi de mais de 20%.

A figura abaixo mostra o gasto mês a mês em 2018 e 2019. Repare que até novembro o gasto vinha sendo controlado, até novembro a despesa tinha sido de R$ 126,23 bilhões contra R$ 127,53 bilhões em 2018, em dezembro que a coisa desandou. Boa parte desse pulo de gasto em dezembro foi por conta das despesas discricionárias, R$ 23,5 bilhões em dezembro de 2018 contra R$ 71,2 bilhões em 2019.




O que aconteceu? Parte disso foi capitalização de estatais, em dezembro foram R$ 9,6 bilhões dos quais R$ 7,6 bilhões para a Emgepron (o “m” também me incomodou, mas é da sigla, o link está aqui para quem quiser conferir) que é ligada à Marinha, como podemos ver a generosidade do governo com a corporação do Presidente não se limita a aumentos salariais. Mesmo descontando esses R$ 10 bilhões a diferença para 2018, tanto comparando ano a ano como dezembro a dezembro, ficou muito grande. O que aconteceu? Será que além do BC afrouxando a política monetária a Economia resolveu afrouxar a política fiscal? Como vai ser este ano?

Não vou me desculpar caso tenha estragado a festa de alguém, era essa a intenção. Melhor prevenir do que remediar, o combo de 2019 com inflação acima do centro da meta, gasto primário aumentando e déficit em conta corrente lá em cima pede muito cuidado e precaução. Não é hora de festa.

P.S. O aumento de gasto de fato ocorreu, mas é explicado pela capitalização da Petrobras feita em 2010 e a cessão onerosa. As explicações estão em outro post (link aqui).

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Poupança e investimento: quem vai financiar uma eventual retomada do crescimento?


Se o Brasil vai mesmo entrar em uma trajetória mais forte de crescimento, tenho minhas dúvidas, é de se esperar um aumento da taxa de investimento. Nas contas nacionais referentes ao terceiro trimestre de 2019, últimas disponíveis, é possível observar um aumento significativo dessa taxa que, pela primeira vez desde 2015, ultrapassou os 17%. Ainda está longe do nível pré-crise, quando andava acima de 20%, mas cresceu tanto em relação ao trimestre anterior quando em relação ao mesmo trimestre de 2018.

O aumento da taxa de investimento e a necessidade de mais aumento dessa taxa para que a economia volte a crescer, crescimento puxado por produtividade ainda deve demorar, coloca questões importantes. Uma delas é como fazer para evitar os investimentos ruins que nos levaram a atual crise, esse é um tema fundamental que tratei em outros lugares e que não vou discutir nesse post. A questão que quero colocar aqui é como será financiado esse aumento do investimento. A taxa de poupança não mostra o mesmo crescimento da taxa de investimento e a queda dos juros dificulta a atração de dólares do exterior, de fato, temos notícia de grande saída de dólares em 2019 (link aqui).

A figura abaixo ilustra o problema, seguindo a estratégia do IBGE na apresentação das contas trimestrais para deixar a figura menos confusa, estão ilustrados apenas as taxas referentes ao terceiro trimestre de cada ano. Repare o crescimento da taxa de investimento maior que o da taxa de poupança. Salvo uma grande e inesperada reviravolta no comportamento da taxa poupança essa diferença deve ficar ainda maior se a economia voltar mesmo a crescer. No último trimestre de 2019 a diferença entre taxa de investimento (17,6%) e taxa de poupança (13,5%) chegou a 4,1% do PIB.




Como essa diferença é financiada? Grosso modo, deixando de lado detalhes técnicos de contabilidade nacional, dá para dizer que para bancar essa diferença temos que pegar dinheiro com os estrangeiros. Por que “os gringos” nos emprestariam esse dinheiro? Essa pergunta é mais difícil de responder. Nos últimos anos as altas taxas de juros atraiam o capital necessário para financiar nosso investimento, como vimos essa alternativa pode ser comprometida por conta da queda de juros. A forte saída de dólares no ano passado reforça essa suspeita.

Considerando apenas dados de terceiro trimestre a diferença entre taxa de investimento e taxa de poupança passou dos 4% apenas em 2001, ano do racionamento e de problemas nas contas externas; 2010, ano que o governo usou e abusou de estímulos para conseguir um crescimento de mais de 7%; e 2014, outro ano em que o governo usou e abusou de estímulos para tentar adiar a crise que já era inevitável. Que o terceiro trimestre de 2019 esteja em tão más companhias é motivos para que chatos, como eu nunca neguei que sou, fiquem com a pulga atrás da orelha.

A figura abaixo mostra a série completa da diferença entre a taxa de investimento e a taxa de poupança. Quem tem mais idade ou acompanha a economia brasileira talvez lembre que 2001 foi o ano que FHC decretou o “exportar ou morrer” (link aqui), um período atribulado onde a restrição externa era ameaça constante. Com a recuperação da economia e as reformas do primeiro mandato de Lula o cenário reverteu e passamos a precisar de pouco financiamento externo, em alguns trimestres tivemos mais poupança do que investimento. A partir de meados da década passada começa a guinada na política econômica de Lula que é reforçada com a crise de 2008, a necessidade de financiamento externo começa a aumentar. Após o pico pré-crise, onde a diferença chegou a 5% do PIB, a forte queda da taxa de investimento reduziu nossa necessidade de buscar financiamento externo.




O aumento da necessidade financiamento externo ocorrido nos últimos trimestres significa que estamos repetindo erros do passado? Não. É perfeitamente possível depender de capital externo desde que o país seja atrativo e que os recursos não sejam destinados a projetos ruins. Os esforços da equipe econômica para tornar o país mais atrativo e reduzir as causas dos investimentos ruins são dignos de registro, não são poucas as declarações do Paulo Guedes ou do Adolfo Sachsida apontando nessa direção.

O problema é que, como dizia Mario Henrique Simonsen, coração não é feito de tripas. Mesmo com a reforma da previdência, a MP da Liberdade Econômica, a flexibilização de algumas leis trabalhistas, o teto de gastos e outras medidas importantes tomadas desde o governo Temer, o Brasil continua tendo uma dívida pública gigantesca para padrões de países emergentes e nosso ambiente de negócios ainda é muito hostil aos empreendedores. Estariam os estrangeiros dispostos a mandar dólares para cá com juros a 4,5% e o sobe e desce do real junto com nossos problemas fiscais? Estariam os estrangeiros dispostos a investir em projetos por aqui com nosso caos jurídico? Quanto mais pode subir nossa poupança? Qual a diferença entre taxa de investimento e taxa de poupança que podemos suportar e por quanto tempo? O quanto deve subir a taxa de investimento para a economia crescer?

São perguntas importantes com respostas difíceis. A saída de dólares sugere que os estrangeiros não estão muito dispostos a nos financiar com essa combinação de taxa de juros e ambiente macroeconômico. O aumento do investimento estrangeiro direito sugere que “os gringos” podem estar tomando coragem de investir por aqui, mas é preciso ajustar por privatizações que podem ter distorcido o número e saber o tamanho da coragem. As outras perguntas eu não arrisco responder, no máximo registro que se a taxa de investimento tiver de chegar a 20% vamos precisar de uma taxa de poupança de pelo menos 15% para não voltarmos ao “exportar ou morrer” do começo do século. Não é impossível, mas também não é fácil.