quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O déficit caiu, mas o gasto não.


Os resultados fiscais da União para 2019, divulgados pelo Tesouro Nacional, trouxeram uma excelente notícia: o déficit primário caiu de R$ 126 bilhões em 2018 para R$ 96 bilhões em 2019 (despesa total menos receita líquida, valor sem ajuste metodológico), uma queda de quase 25% em um ano! A figura abaixo mostra esse feito, porém, antes de soltar fogos, botar a camisa amarela e sair nas ruas a gritar “é o maior, é o maior”, talvez seja útil conhecer algumas observações de um economista chato.




A figura abaixo mostra a receita e a despesa do governo e começa a acender uma luz amarela para quem está com pressa de comemorar a redução do déficit.  O gasto continuou a subir em 2019, a queda do déficit veio por conta da elevação da receita. O quadro fica ainda mais preocupante quando lembramos o papel das receitas extraordinárias no reforço de caixa do governo. É claro que é sempre melhor um déficit baixo do que um déficit alto, a dívida pública agradece, mas, olhando para frente, receitas extraordinárias não vão resolver nosso problema fiscal. Mal comparando, é como vender o carro para abater parte da dívida e continuar gastando mais do que ganha, o alívio é bem-vindo, mas é temporário.




Ficou preocupado? Não? Então repare na próxima figura. Nela estão as principais despesas primárias do governo. A previdência é aquela em verde claro que é maior de todas e segue subindo, o governo fez o que deu para segurar esse gasto. Em azul escuro esta a folha de pagamento, teve uma subida entre 2016 e 2017 por conta de reajustes concedidos pelo Temer, mas ficou comportada em 2018 e 2019. Apesar de um aumento generoso para os militares, o governo tem mostrado preocupação com a folha e mandou a PEC Emergencial para aumentar o controle sobre o pagamento dos servidores. Em azul claro estão as outras despesas obrigatórias, teve aquele pico em 2015, salvo engano por conta do reconhecimento das pedaladas, mas depois seguiu caindo e está menor do que em 2014. Até aqui os problemas ou estão controlados ou o governo está trabalhando para resolver.




A linha em verde escuro é que é o problema, nela estão as despesas do poder executivo sujeitas à programação financeira, o nome assusta, mas é onde estão as despesas discricionárias e as despesas obrigatórias com controle de fluxo. Repare que essa linha, onde teoricamente o governo tem mais controle, subiu esse ano, algo frustrante para um governo que afirma ter compromisso com ajuste fiscal. Vai piorar, em 2018 as despesas obrigatórias com controle de fluxo foram R$ 145,13 bilhões, já corrigidos pela inflação, em 2019 foram R$ 145,58 bilhões, não foi daí que veio o problema. As despesas discricionárias, aquelas que o governo realmente tem mais controle, foram de R$ 139,97 bilhões em 2018 e chegaram a R$ 166,14 bilhões em 2019. O aumento real foi de mais de 20%.

A figura abaixo mostra o gasto mês a mês em 2018 e 2019. Repare que até novembro o gasto vinha sendo controlado, até novembro a despesa tinha sido de R$ 126,23 bilhões contra R$ 127,53 bilhões em 2018, em dezembro que a coisa desandou. Boa parte desse pulo de gasto em dezembro foi por conta das despesas discricionárias, R$ 23,5 bilhões em dezembro de 2018 contra R$ 71,2 bilhões em 2019.




O que aconteceu? Parte disso foi capitalização de estatais, em dezembro foram R$ 9,6 bilhões dos quais R$ 7,6 bilhões para a Emgepron (o “m” também me incomodou, mas é da sigla, o link está aqui para quem quiser conferir) que é ligada à Marinha, como podemos ver a generosidade do governo com a corporação do Presidente não se limita a aumentos salariais. Mesmo descontando esses R$ 10 bilhões a diferença para 2018, tanto comparando ano a ano como dezembro a dezembro, ficou muito grande. O que aconteceu? Será que além do BC afrouxando a política monetária a Economia resolveu afrouxar a política fiscal? Como vai ser este ano?

Não vou me desculpar caso tenha estragado a festa de alguém, era essa a intenção. Melhor prevenir do que remediar, o combo de 2019 com inflação acima do centro da meta, gasto primário aumentando e déficit em conta corrente lá em cima pede muito cuidado e precaução. Não é hora de festa.

P.S. O aumento de gasto de fato ocorreu, mas é explicado pela capitalização da Petrobras feita em 2010 e a cessão onerosa. As explicações estão em outro post (link aqui).

Um comentário:

  1. Com despesas rígidas é realmente difícil fazer o ajuste.
    Soma-se a isso a cultura paternalista com o Estado - nutrida pela população.

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