Hoje mais uma vez a presidente falou que esgotou todos os
recursos para combater a crise, ela já tinha dito o mesmo em outras ocasiões
(link aqui). A constatação de Dilma merece reflexão. Desde antes do PT chegar
ao poder eu estudo grandes depressões, um dos meus textos mais importantes está
em um livro editado pelo Timothy Kehoe e o Edward Prescott (link aqui) com
estudos de caso de grandes depressões em vários países. Quando veio a grande
crise de 2008 foi natural querer saber quais as lições das grandes depressões
para a crise. O que fazer para que a crise não vire outra grande depressão?
O Timothy Kehoe e o Gonzalo Fernández de Córdoba escreveram um
texto a respeito das lições das grandes depressões para a crise de 2008 (link
aqui), Harold Cole e Lee Ohanian também sobre o assunto para o Wall Street
Journal (link aqui e aqui). Grosso modo o recado dos autores é que se o governo
perder o foco no longo prazo no afã de minimizar os efeitos de curto prazo da
crise o resultado pode ser uma grande crise no futuro. Impedir o ajuste do
mercado de trabalho pela destruição de firmas ou plantas ineficientes salva
emprego no presente, mas dificulta o crescimento da produtividade e a retomada
do crescimento no futuro. Facilitar ou mesmo estimular concentração de mercado
pode salvar lucros e até mesmo estimular o investimento, mas as custas de uma
redução na produção e de perda de bem-estar. Subsidiar e estimular crédito pode
manter o consumo no curto prazo, mas também pode criar bolhas financeiras e/ou
imobiliárias. Cada medida de curto prazo tem sua contrapartida cruel no longo
prazo.
Não é melhor adiar o sofrimento? É uma boa pergunta, em
algum grau todos os governos tentam adiar o sofrimento causado por uma crise, principalmente nas
proximidades de eleições, mas adiar o sofrimento tem seus custos. Um exemplo comum é adiar a ida ao dentista, se cada vez que o dente dói usamos um
analgésico podemos escapar por um longo tempo da cadeira e dos malditos motores
do dentista. O custo é que uma cárie pode virar um canal, um canal pode virar
uma coroa e uma coroa pode virar um dente perdido.
Em economia a questão é menos visível, porém o exemplo
brasileiro serve de ilustração. Suponha que no lugar de usar todo o instrumental
disponível até o esgotamento, conforme disse a própria presidente, Dilma
tivesse começado um ajuste em 2011. Muito provavelmente o desemprego teria sido
maior e nem mesmo o IBGE conseguiria um crescimento maior que 2% em 2011. Por
outro lado em 2011 a economia vinha de um crescimento de 7,5% em 2010, o governo
tinha mais folga para “proteger” os desempregados, a população estava menos
endividada e a margem para aumentar os juros era maior. Acredito que se o
governo tivesse feito o ajuste em 2011 já estaríamos saindo da crise e
certamente estaríamos melhor do que estamos hoje.
O governo escolheu outro caminho e adiou o quanto pôde o
ajuste. O que aconteceu? Na hora que o desemprego começa a subir o governo se
viu obrigado a reduzir o público alvo do seguro desemprego. A inflação está bem
acima do teto da meta e o governo teme aumentar juros e aprofundar ainda mais a
recessão. Da mesma forma a desvalorização do Real, algo que já foi desejado
pelo governo, assusta pelo potencial de afetar a já alta inflação, sendo um
economista que segue o lema “deixa o câmbio flutuar” não posso deixar de
registrar como um governo que dizia que a desvalorização do câmbio era a saída
para indústria tem um Banco Central que aposta milhões de dólares na tentativa
de impedir a desvalorização do Real. Se estivéssemos com uma inflação de 3,5% a
4% o governo poderia apenas sentar e olhar a disparada do dólar, não estamos.
Depois de quatro anos estimulando o endividamento o governo não sabe o que
fazer com uma população endividada que vê a renda cair, como resultado foi
obrigado a suspender programas de crédito como Minha Casa Melhor (link aqui) e reduzir
o FIES (link aqui) no exato momento em que as taxas de juros estão subindo.
Talvez o exemplo mais cruel tenha sido o estímulo a
indústria por meio do BNDES e da Petrobras. Ao usar dinheiro público para
viabilizar projetos incapazes de se sustentar por conta própria o governo armou
uma gigantesca bomba relógio. O encolhimento do Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro (link aqui) é caso de livro texto, venderam sonhos e entregaram
pesadelos. Quantidades significativas de capital e trabalho alocadas para
atender as empresas do Complexo Petroquímico agora estão sem uso, a perda de
capital é crítica, as perdas humanas de quem direcionou a vida profissional
para o setor são catastróficas. O cancelamento da refinaria que seria
construída no Ceará é outro exemplo (link aqui), a Unifor, universidade privada
mais tradicional do estado, chegou a criar cursos de engenharia do petróleo para
formar profissionais que atenderiam a refinaria e outras empresas que seriam
criadas no setor. Quanto desperdício de capital humano em um país e em um
estado onde a carência de capital humano é crítica. Os estaleiros oferecem
ainda outro exemplo do desastre que foi usar todo o arsenal disponível para
adiar a crise, além de aumentar os custos da Petrobras contribuindo assim para
o drama da empresa, os estaleiros se veem obrigados a realizar demissões em grandes
números (link aqui) no exato momento que o governo está sem instrumentos para
combater a crise.
Enfim, poderia continuar listando exemplos de intervenções
que visavam adiar a crise indefinidamente e não apenas não conseguiram como
cobram seus preços na pior hora possível, tenho certeza que os leitores têm
outros exemplos para colocar na lista. Quem estiver interessado em uma
abordagem mais profunda para a questão pode olhar o livro e os textos que citei
no início do post. O fato é que infelizmente, porém por escolha própria, o
Brasil parece que vai oferecer mais um exemplo de que um combate a crise que
ignora os efeitos de longo prazo das medidas emergenciais é o caminho para
colocar o país em uma grande depressão.
Prezado, muito bom! Impressionante como a admissão de erro da presidente, embora de jeito sibilino, esteja passando em branco. Os fracassos, recuos e omissões citados em seu artigo explicam mais que ódio, a imensa frustração da sociedade. Ódio, no caso, só cabe como a expressão marota, meio que expressando "que merda!" que acabamos assim. Abs.
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