sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Contas Nacionais do segundo trimestre de 2019: Stay cool e siga com as reformas.


As contas trimestrais divulgas pelo IBGE trouxeram um surpreendente crescimento do PIB, enquanto as expectativas apontavam para um crescimento de no máximo 0,2% ou mesmo queda o número apurado mostrou um crescimento de 0,4% em relação ao trimestre anterior. A notícia é boa, mas não é para soltar fogos. O cenário é de recuperação lenta, isso é bom dado que nas contas referentes ao primeiro trimestre havia uma ameaça de novo mergulho da economia em uma recessão. Também é bom evitar a tentação de creditar o resultado a expectativas positivas por conta da agenda de reformas que está andando, ainda é cedo para isso.

A figura abaixo mostra o crescimento do PIB em comparação com o trimestre anterior e com o mesmo trimestre do ano anterior. Fica claro o padrão de recuperação lenta, aqui cabe lembrar que, ao contrário de alguns colegas de profissão, eu não considero que a recuperação lenta seja um problema, pelo contrário, uma recuperação rápida provavelmente seria a construção de uma nova crise no futuro próximo repetindo um padrão que já é comum no Brasil e na América Latina. A melhor notícia do número do PIB é que devem cair as pressões para que a equipe econômica aposta em uma agenda de estímulos de curto prazo.




A figura abaixo mostra o crescimento de cada setor. O setor de serviços mantém o ritmo de crescimento que vem seguindo desde o começo da recuperação. Indústria e Agropecuária que encolheram no trimestre anterior passaram a crescer neste trimestre. O crescimento espalhado em todos os setores, mesmo que baixo, sinaliza para uma recuperação equilibrada.




Por ser particularmente sensível a crises internas e por ser um dos setores com mais capacidade de pressionar o governo por políticas de estímulos de curto prazo é válido dar uma olhada mais cuidadosa no comportamento da indústria. A figura abaixo mostra o crescimento na indústria de transformação, construção e extrativa desde 2014. Dois pontos merecem atenção: (i) o crescimento da indústria de construção e (ii) a queda da indústria extrativa.



A recuperação da construção pode ser um sinal de recuperação da confiança e costuma antecipar uma recuperação do emprego. É fato que o governo tem anunciado medidas de estímulo para o setor, porém não é trivial determinar se o crescimento já pode ter sido uma resposta a esses estímulos. Se for uma resposta aos estímulos podemos ter problemas nos próximos períodos, como bem deveríamos saber bolhas não levam muito longe. Caso a recuperação tenha uma dinâmica própria o governo deveria rever os estímulos para não contaminar um processo saudável. Em qualquer caso o governo deveria rever estímulos à construção.

A queda da indústria extrativa, que cresceu durante boa parte da crise, ajudando a evitar um desastre ainda maior, frustrou um crescimento que poderia ter sido maior que o anunciado, mas reforça a tese que a recuperação está ocorrendo mais por fatores internos do que por fatores externos. Não há problema em crescer com ajuda de fatores externos, pelo contrário, mas é importante que a dinâmica interna da economia também aponte para o crescimento.
  
A figura abaixo mostra o crescimento dos principais componentes da demanda. Destaque para o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) que voltou a crescer, desde o último trimestre de 2017 que oi crescimento vem crescendo, mas a queda na taxa de crescimento no trimestre anterior ligou um sinal amarelo para a possibilidade de reversão desse padrão. Um novo ciclo de queda do investimento seria um forte indicador de uma volta ao quadro de recessão. O crescimento de 5% do investimento pode ser um sinal que o trimestre anterior foi apenas um susto. A queda no consumo do governo em contraste com um aumento do investimento e do consumo das famílias pode ser vista como um sinal de que não estamos em uma nova bolha.




No setor externo o valor das exportações continua acima do valor das importações, o que não quer dizer muita coisa, mas pode ser útil em tempos de volatilidade cambial. O aumento da taxa de investimento, que chegou a 15,9%, não foi acompanhado pelo aumento da taxa de poupança, que caiu de 15,8% para 15,2%. Nada que preocupe, mas sinaliza que vamos ter de pegar dinheiro no resto do mundo para financiar o aumento da taxa de crescimento ou vamos ter de arrumar um jeito de aumentar a taxa de poupança.

Em resumo os números mostram uma recuperação lenta, mas aparentemente equilibrada e que não decorre de choques externos. Aparentemente o primeiro trimestre de 2019 foi mais um susto do que uma reversão da recuperação iniciada em 2017. O desafio continua sendo manter a agenda de reformas e fugir das tentações de adotar estímulos de curto prazo.


sábado, 10 de agosto de 2019

Uma contribuição à causa contra a volta de um imposto sobre transações


Nos últimos meses vários economistas se manifestaram a respeito da volta de um imposto sobre transações nos moldes da infame CPMF. Vídeo do Marcos Lisboa na Globonews com críticas duras e consistentes ao imposto sobre transações (link aqui), Armínio Fraga declarou à Jovem Pan que “Qualquer imposto na linha do CPMF é um lixo” (link aqui), Bernardo Appy não poupou de críticas a proposta de Imposto Único sobre Transações Financeiras que corretamente classificou como desastrosa (aqui e aqui), Affonso Pastore, no Estadão, chamou impostos na linha da CPMF de “esparrela simplista” (link aqui) e, finalmente, Maílson da Nóbrega, na Veja fala de tributo disfuncional (link aqui). A lista pode crescer com mais tempo no Google, na Folha tem textos do Marcos Lisboa que não cito porque não tive acesso e não pude ler.

Empenhado em seguir colecionando avaliações a respeito de impostos sobre transações saí do Google e fui para o Ideas/Repec (link aqui) procurar textos acadêmicos. O mais recente que encontrei é de 2019, foi citado pela Pastore no artigo do Estadão e creio que eu já tinha compartilhado no FB. Trata-se de um artigo do Felipe Restrepo publicado no Journal of International Money and Finance (link aqui). Nele o autor usa a experiência de países da América Latina para avaliar o impacto de taxar transações bancárias sobre o crédito e o crescimento industrial. Já no abstract ele deixa claro o que encontrou:

“I find that taxing bank transactions has a significant negative effect on economic growth, mainly by reducing the growth prospects of industries that are more susceptible to financing frictions.”

O tipo de imposto que o governo parece querer trazer de volta tem impacto negativo no crescimento econômico. O autor identifica uma redução no crédito disponível para o setor privado com aumento da retenção de dinheiro vivo e redução do uso de depósitos bancários. Essa redução no crédito afeta o crescimento penalizando principalmente indústrias mais sensíveis a distorções no mercado de crédito. O autor faz testes para verificar se os resultados são robustos e se não podem ser explicados por outros fatores, esses testes não mudam a conclusão que imposto sobre transações reduz crescimento.

Andrei Kirilenko e Victoria Summers escreveram um capítulo do livro “Taxation of Financial Intermediation: Theory and Practice for Emerging Economies” intitulado “Bank Debit Taxes: Yield versus Disintermediation” (link aqui). Não tive acesso ao livro completo, no capítulo em questão os autores encontram que a introdução de impostos sobre depósitos bancários aumentou a quantidade de dinheiro fora dos bancos e que estimulou a abertura de contas bancárias em outros países. Os autores também encontraram evidências de criação de novos tipos de operações para driblar o imposto, entre elas passar o mesmo cheque várias vezes antes de descontá-lo. Os autores concluem que as perdas de peso morto relacionadas a esses impostos foram altas e que houve desintermediação financeira na maioria dos países que adotaram o imposto. Esses últimos efeitos não foram encontrados no Brasil, os autores acreditam que por falta de dados, a isso eu acrescentaria que as altíssimas taxas de juros da época podem ter amenizado os efeitos da CPMF. Com as taxas de juros atuais os estragos da nova CPMF, parece que vai se chamar CP, devem ser bem maiores.

Em um texto intitulado “The Rates and Revenue of Bank Transaction Taxes” que está na série de textos para discussão da OCDE, Jorge Baca-Campodónico, Luiz de Mello e Andrei Kirilenko também estudam as experiencias da América Latina com impostos sobre transações (link aqui). Os autores encontram que para uma dada alíquota os valores arrecadados caem com o tempo de forma que para manter a arrecadação a alíquota precisa subir de tempos em tempos. Fica pior, os aumentos sucessivos de alíquotas não compensam a redução da base de arrecadação e quanto mais rápido ocorrem, mais rápido a base de arrecadação diminui. A redução da base ocorre por conta das mudanças de comportamento que comentei nos parágrafos anteriores. Vale ressaltar que esse comportamento da arrecadação pode justificar o apelo para esse tipo de impostos em casos de emergência, mas deixa claro o erro de colocá-lo como parte de uma reforma que pretende reorganizar o sistema tributário do país.

A conclusão que tais impostos podem funcionar em tempos de crise por levantarem receitas rapidamente pode ser encontrada em um texto assinado por Isaias Coelho, Liam Ebrill e Victoria Summers disponível na página do FMI (link aqui). Em 2001 ainda não era possível avaliar os efeitos de médio e longo prazo dos impostos sobre transações, mas os autores alertam para distorções alocativas e para o risco de desintermediação financeira. Vale registrar que autores recomendam evitar esse tipo de tributo.

Também em 2001, Sérgio Mikio Koyama e Márcio Nakane escreveram o texto “Os Efeitos da CPMF sobre a Intermediação Financeira” (link aqui) para a série de trabalhos para discussão do Banco Central. As conclusões dos autores foram que: “i) a CPMF corrói a sua própria base de arrecadação; ii) a CPMF reduziu o número de cheques utilizados na economia; iii) o efeito da CPMF sobre o M1 é positivo, porém de pequena magnitude; iv) do ponto de vista de alocação de SRUWIROLR, a CPMF provocou um deslocamento das aplicações financeiras dos depósitos a prazo para os fundos financeiros; v) a CPMF aumenta o VSUHDG bancário bruto e reduz o VSUHDG bancário líquido, implicando uma menor rentabilidade para todas as partes envolvidas, ou seja, para os tomadores de empréstimos, aplicadores e os intermediários financeiros.” Cabe registrar que taxas de juros de 2001 eram bem mais altas que hoje, naquele ano a meta para Selic variou entre 15,25% e 19% contra 6% de hoje. Com taxas maiores o efeito da CPMF nos empréstimos fica menos perceptível.

Estudando o caso da Colômbia Luis Ignacio Lozano e Jorge Enrique Ramos escreveram o texto “Análisis sobre la incidencia del impuesto del 2 x 1000 a las transacciones Financieras” (link aqui) que está disponível na página do Banco de la República, o Banco Central da Colômbia. Assim como outros artigos foi encontrado o padrão de arrecadação alta logo após a implementação do imposto com queda na sequência. Padrão compatível com a tese que as famílias e as empresas reagem ao imposto buscando formas de driblar as transações que passam a ser tributadas. Os autores destacam a queda no número de cheques compensados. Também é observada uma mudança na composição nos portfólios das famílias e empresas.

O artigo “Bad Taxation: Disintermediation and Illiquidity in a Bank Account Debits Tax Model” do Pedro Albuquerque e publicado no “International Tax and Public Finance” (link aqui) não podia ficar de fora. O BAD em “BAD taxation” é um acrônimo para “bank account debits” que não foi escolhido por acaso e dá bem o tom das conclusões do artigo. O autor usa um modelo de equilíbrio geral dinâmico e faz avaliações empíricas de experiências com impostos sobre transações. As conclusões apontam para sensibilidade da base de incidência em relação às alíquotas, aumento na taxa de juros e perdas de peso morto altas mesmo para receitas pequenas. Assim como Isaias Coelho, Liam Ebrill e Victoria Summers o autor não recomenda ouso desse tipo de impostos para aumentar receitas.

Essa breve revisão de literatura termina com um artigo escrito por William D. Lastrapes e George Selgin e publicado em 1997 no The Journal of Economic History intitulado “The Check Tax: Fiscal Folly and the Great Monetary Contraction” (link aqui). O artigo trata de uma taxa de dois cents por cheques que valeu entre junho de 1932 e dezembro de 1934 nos EUA. Os autores concluem que a taxa contribuiu para a contração monetária da época. A conclusão termina com um registro sobre a irresponsabilidade dos legisladores que aprovaram a taxa mesmo tendo recebido alertas sobre o efeito da taxa na economia. Preferiram acreditar nas promessas de Andrew Mellon, então secretário do Tesouro, que a taxa era inofensiva. Curiosamente a taxa foi rejeitada pelos deputados e ressuscitada por senadores. Espero que nossos legisladores sejam mais responsáveis que os dos EUA do começo da década de 30.

Espero que a pequena revisão de literatura que fiz nesse post tenha convencido os leitores a respeito dos efeitos nefastos de impostos sobre transações na economia, especialmente em relação ao uso do sistema financeiro. Considerando o Brasil de hoje temos um agravante. Desde 2016 começamos uma série de reformas visando fortalecer o financiamento privado no país. Nessa leva estão, por exemplo, o cadastro positivo, a redução dos recursos disponibilizados ao BNDES e a substituição da TJLP pela TLP reduzindo a atratividade do BNDES. A ideia é que o Brasil pós-crise tenha um sistema de financiamento mais saudável, mais acessível e menos dominado pelo compadrio. Tenho certeza que a atual equipe econômica concorda com esse diagnóstico.

Colocar um imposto sobre transações é um desserviço ao esforço de fortalecer o financiamento privado. Some-se a isso as alíquotas altas, falam de 0,5% ou 0,6% nas duas pontas contra 0,38% da antiga CPMF, e as taxas de juros baixas e a imagem da bomba atômica usada pelo secretário especial da Receita Federal pode muito bem ser usada para o sistema financeiro. Jogar uma bomba atômica no mercado de intermediação financeira será um dos maiores ataques à agenda de reformas desde que ela foi retomada com a chegada de Temer ao Planalto.


domingo, 4 de agosto de 2019

Uma nota a respeito da queda da indústria de transformação no PIB


A forte queda da participação da indústria de transformação no PIB quando comparada a outros países parece estar voltando a ser assunto, se é que algum dia deixou de ser. Como em tantos outros casos o problema central é escolher o grupo comparação. Quem são nossos pares? Alguns gostam de responder essa pergunta olhando para OCDE, outros para a Ásia por conta do desempenho econômico de países emergentes nessa região.

Países da Ásia de fato tiveram um crescimento impressionante da economia como um todo e da indústria nas últimas décadas. Alguns creditam esse desemprenho a políticas industriais e coisas do tipo, o problema é que por aqui também tivemos essas políticas e não tivemos os mesmos resultados da Ásia. Talvez seja mais frutífero procurar aa razões para diferenças em fatores que não tivemos por aqui, por exemplo, o salto na educação e as altíssimas taxas de poupança. Mas isso é conversa para outro post, por agora quero apenas saber com quem comparar o Brasil para avaliar o desempenho de nossa indústria como proporção do PIB.

Países ricos também não parecem uma boa opção, como já registrei em vários outros posts comparar países ricos com países emergentes é tarefa complicada e perigosa. Creio que o melhor a fazer é procurar países aqui de “nuestra America” para fazer a comparação. Afinal somos todos “rapazes latinos”, sem poupança no banco e cheios de commodities para vender.

O problema de comparar com a América Latina é encontrar países onde a indústria era relevante nos anos oitenta de forma que faça sentido falar de decadência da indústria de lá para cá. Para encontrar esses países recorri a base de dados do Banco Mundial e peguei a participação da indústria de transformação no PIB em 1980 para todos os países da América Latina e Caribe com mais de cinco milhões de habitantes naquele ano. Aí a coisa complicou. Do grupo de países selecionados apenas o Brasil tinha uma indústria de transformação correspondente a mais de 30% em 1980. Baixei o filtro para 25%, apenas Brasil e Argentina ficaram na amostra. Baixei o filtro para 20%, ficaram na amostra, além de Brasil e Argentina, o Chile, o México e a Colômbia.

Pensei em baixar mais, mas ficaria estranho perguntar onde mais a indústria de transformação perdeu cerca de 20% do PIB desde 1980, como aconteceu no Brasil considerando países onde a indústria de transformação tinha menos de 20% do PIB em 1980. No melhor estilo “só tem tu, vai tu mesmo” fiz o gráfico abaixo com a participação da indústria de transformação no PIB entre 1965 (antes disso tinha muitos valores ausentes) até 2016.




De fato, existe uma forte queda no valor adicionado pela indústria de transformação como proporção do PIB no Brasil. Isso faz do Brasil um caso atípico? Aqui e preciso cuidado. A valer o grupo de comparação talvez seja mais correto falar que o Brasil está voltando a ser um caso típico. Apenas Brasil e Argentina andaram com uma indústria de transformação acima de 30% do PIB, nos dois a indústria de transformação aparece em forte queda em relação ao PIB. Uma curiosidade da figura é que o México, aquele que tem um acordo de livre comércio com os EUA, é o único país onde não houve queda da indústria de transformação como proporção do PIB nos últimos dez anos. Talvez o excesso de proteção tão típico por nossas bandas seja incompatível com uma indústria forte, talvez tenha sido a falta de altas taxas de poupança ou o fracasso em criar bons modelos de educação. Falta de política industrial é que não foi.

Os poucos países que usei na comparação não podem estar influenciando demais o resultado? É uma pergunta legitima, creio que tive bons motivos para minha escolha, mas não me custa aumentar o número de países nem que apenas por curiosidade. A figura abaixo mostra a participação da indústria de transformação no PIB para todos os países da América Latina e Caribe com mais de cinco milhões de habitantes em 1980. Como não é possível destacar cada um deles eu destaquei apenas o Brasil.




Mais uma vez a figura deixa a impressão que o Brasil era atípico nas décadas de 1970 e 1980, não agora. A grande queda que vai de meados da década de 1980 a meados da década de 1990 trouxe o Brasil de volta ao grupo dos países da América Latina e Caribe. O contraste com a Ásia é claro, a figura abaixo repete a figura acima trocando os países da América Latina e Caribe pelos países da Ásia e Pacífico. Se comparado com esse grupo o Brasil realmente parece ser um caso atípico, mas não creio que esse seja o melhor grupo de comparação para o Brasil. Como já registrei no começo o modelo asiático é muito diferente do nosso para esperarmos resultados semelhantes.



Para quem ficou curioso os dois países onde a indústria de transformação termina abaixo de 10% do PIB são a Austrália, 6,07% do PIB em 2016, e Hong Kong, 1,08% do PIB em 2016. Hong Kong por certo não vale como parâmetro para o Brasil ou para a maioria dos países, mas a Austrália pode ser um modelo interessante de como viver bem com uma indústria de transformação abaixo de 10% do PIB. A figura abaixo compara Brasil e Austrália. Infelizmente a série para Austrália é curta, mas se compararmos os últimos vinte anos, depois da “convergência” do Brasil para América Latina, a queda na participação da indústria de transformação no PIB foi mais forte na Austrália do que no Brasil.



Uma última comparação, quem acompanha o blog sabe que ela cedo ou tarde apareceria, é com os países de renda média-alta. A figura lembra a da América Latina e Caribe onde Brasil e Argentina estavam descolados do grupo e agora estão de volta à turma. A diferença é que os países de renda média-alta apresentam um comportamento mais diverso que os países da América Latina e Caribe, quase como se existissem duas turmas, uma com maior participação da indústria de transformação no PIB e outra onde essa participação é menor.



Sei que o tema é controverso, mas posto na devida perspectiva a queda da participação da indústria no PIB brasileiro não é algo absurdo, talvez absurda tenha sido a elevação da participação da indústria no pós-guerra. Migrar para um modelo asiático me parece fora de cogitação em um país que passou vinte anos discutindo para colocar idade mínima para ter direito a aposentadoria. É muito difícil, talvez impossível, compatibilizar altas taxas de poupança com rede de proteção social e, tudo indica, não estamos muito dispostos a abrir mão de proteção social. O Brasil, assim como boa parte da América Latino, é rico em commodities e não sei se faz muito sentido ignorar esse fato. Melhor do que amaldiçoar os recursos naturais que temos e seguir o modelo asiático pode ser tentar aprender com a Austrália e deixar d elado a obsessão com a participação da indústria de transformação no PIB que, além de tudo, é uma medida bem fraquinha da força da indústria de um país.


P.S. Duas notas: (1) os dados que usei foram da WDI conforme estava em julho de 2018; (2) o valor da participação da manufatura no PIB para o Brasil em 1990 não está na base de dados, para evitar quebras no gráfico fiz uma interpolação com os dados de 1989 e 1991.


quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O principais desafios para a competitividade brasileira segundo o relatório anual sobre competitividade global


Um dos desafios para a retomada do crescimento é tornar a economia brasileira mais competitiva. O Brasil ficou na septuagésima segunda posição no ranking da última edição do “The Global Competitiveness Report” (link aqui), o ranking (link aqui) é elaborado pelo Fórum Econômico Mundial (link aqui) e que considera várias dimensões relativas à competitividade de cento e quarenta países. Não chega a ser um desastre, mas é preocupante. Para o leitor ter uma ideia o México ficou na quadragésima sexta posição e a Colômbia ficou na sexagésima posição, logo acima do Brasil está Montenegro e logo abaixo a Jordânia. Temos trabalho a fazer.

Para entender o problema da competitividade no Brasil vou fazer alguns posts analisando os indicadores usados para avaliar os diversos países. A nota de cada país é composta por doze pilares que por sua vez são divididos em vários indicadores. Neste post vou comentar o desempenho do Brasil nos doze pilares, os posts seguintes serão dedicados a cada um dos pilares separadamente. Os pilares são agrupados em grandes grupos: ambiente geral (instituições, infraestrutura, adoção de tecnologia de informação e comunicação e estabilidade macroeconômica), capital humano (saúde e habilidades/qualificação), mercados (mercado de bens e serviços, mercado de trabalho, sistema financeiro e tamanho do mercado) e ecossistema (dinâmica de negócios e capacidade de inovação).

O primeiro exercício consiste em comparar a nota do Brasil em cada um dos pilares com a nota média do grupo de países classificados como de renda média-alta pelo banco mundial excluindo o Brasil. A figura abaixo ilustra a comparação. Em oito dos doze pilares o Brasil está abaixo da média do grupo: habilidades, mercado de produtos, estabilidade macroeconômica, mercado de trabalho, instituições, infraestrutura, dinâmica de negócios e saúde. Nos pilares instituições, infraestrutura e saúde a distância entre a nota do Brasil e a média do grupo ficou bem pequena. Nosso maior problema está na estabilidade macroeconômica, na sequência aparecem o mercado de trabalho, a dinâmica de negócios, habilidades e finalmente mercado de produtos.




A estabilidade macroeconômica possui dois indicadores: inflação (posição 110º) e dívida pública posição 131º), estamos mal classificados nos dois quesitos. A boa notícia é que estamos melhorando nesses indicadores. O teto de gastos e a reforma da previdência junto com o esforço fiscal do governo devem melhorar a dinâmica da dívida. A inflação tem caído, mas o Banco Central deve ter em mente que nem só de IPCA vive o mundo. Acredito que deveríamos aproveitar a oportunidade para reduzir a meta de inflação para pelo menos 3% já no próximo ano.

O mercado de trabalho deve melhorar com a reforma trabalhista e a reforma tributária. Nosso pior desempenho está na mobilidade interna do trabalho (138º) e na facilidade de contratar e demitir 138º), em seguida aparece a tributação sobre o trabalho (137º), Paulo Guedes tem falado muito sobre esse último ponto e a reforma tributária deve ter algumas medidas para melhorar esse indicador. Nosso melhor desempenho é na participação das mulheres na força de trabalho (49º), essa definitivamente é uma boa notícia.

Na dinâmica de negócios os vilões são velhos conhecidos: tempo para abrir empresas (137º) e recuperação de falências (126º). A MP da Liberdade Econômica deve ajudar com a abertura de empresas. O problema de habilidades está relacionado em grande parte a formação de capital humano, outro velho conhecido, chama atenção que o pior desempenho está na facilidade de encontrar mão-de-obra qualificada (127º). Programas de escolas profissionalizantes podem ser uma boa maneira de atacar essa questão. No mercado de produtos os maiores problemas estão nas distorções causadas por tributos e subsídios (132º) e no protecionismo, especificamente nas barreiras não tarifárias (136º) e nas tarifas (125º).

O segundo exercício compara a nota do Brasil em cada pilar com a nota que seria esperada considerando apenas o PIB per capita. Estritamente falando estou comparando o valor previsto por uma regressão da nota em cada pilar contra o PIB per capita considerando todos os países no ranking e a nota que o Brasil tirou em cada pilar. Por certo trata-se de um modelo rudimentar que não se presta a análises mais cuidadosas, mas dá para animar o post. A figura abaixo mostra a comparação.




Em termos gerais os resultados ficam parecidos com os do exercício anterior. Nos pilares saúde e infraestrutura deixamos de ficar abaixo do esperado e passamos a ficar acima do esperado, vale lembrar que nesses dois quesitos a diferença entre a nota do Brasil e a média do grupo ficou pequena. Estabilidade macroeconômica continua sendo nosso maior problema, seguida por mercado de trabalho, mercado de produtos e dinâmica de negócios. Dos itens que destaquei quando comparei com a média dos grupos apenas habilidade parece ter perdido relevância.

A análise do ranking sugere que o desafio mais urgente é garantir a estabilidade macroeconômica. Junto com isso é preciso melhorar o ambiente de negócios que de certa forma engloba o mercado de trabalho, o mercado de produtos e a dinâmica de negócios. Outro ponto que deve ser trabalhado é a educação, particularmente a educação profissionalizante. Quem acompanha o noticiário econômico sabe que Paulo Guedes tem essas prioridades em mente, resta saber se ele vai conseguir convencer Bolsonaro e o Congresso a adotar soluções que desenhou para esses problema, se essas soluções serão implementadas de forma adequada e, não menos importante, se de fato são soluções corretas. Daqui de onde observo acredito que as soluções serão corretas, mas tenho dúvidas sobre o sucesso no convencimento e muito medo de como serão implementadas.