sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Eu ainda não falaria em "V", deve ser porque sou chato.

Alguns economistas gostam de usar letras para descrever fenômenos relacionados à dinâmica da economia, o crescimento é um dos alvos favoritos dessa turma. No governo Dilma, lá por 2012, teve a turma do “J”. A teoria era que as políticas de Dilma, a hoje infame Nova Matriz Econômica, levaria a uma queda inicial e depois a um forte aumento na taxa de crescimento da economia. Não foi o que aconteceu, se a taxa caiu e lá ficou com um “L” ou se caiu e depois caiu mais seguindo alguma letra que agora não me vem a memória é coisa que deixo para o leitor especular.

Agora temos a recuperação em “V”. A tese é que a forte queda do PIB por conta da pandemia terá uma rápida recuperação. Da minha parte prefiro esperar para ver, mas ao me deparar com um gráfico de recuperação em “V” supostamente elabora pela Secom resolvi fazer a minha versão da recuperação da economia brasileira. Para isso usei o índice do PIB na tabela de séries encadeadas de índices de volume com correção sazonal, uma série que corrige pela variação nos preços e por fatores sazonais.

A figura abaixo mostra a recuperação do PIB. Usei a escala sugerida pelo ggplot/R, que também é minha preferida por permitir o foco no movimento de interesse. Repare que mesmo com o forte crescimento no terceiro trimestre ainda não voltamos ao nível do primeiro trimestre de deste ano, lembre que a série passou por ajuste sazonal.

 


Os dados adequados para avaliar a recuperação do nível de produção não descartam que o “V” possa acontecer, tudo vai depender do quarto trimestre, mas também não dá para dizer que o “V” já aconteceu. Como disse no post anterior a hora é de ter calma e seguir com as reformas até porque, mesmo com a recuperação da crise causada pela pandemia, ainda temos que nos recuperar da grande crise que fez desta uma década perdida mesmo antes deste novo Coronavírus aparecer.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Contas Nacionais no terceiro trimestre de 2020: calma!

O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao terceiro trimestre de 2020 (link aqui). A recuperação dos efeitos da Covid-19 na economia (pelo menos da primeira onda) aparecem nos números do PIB. Em relação ao trimestre anterior o PIB cresceu 7,7%, o maior número da série que começa em 1996, o valor exagerado do crescimento faz parte do mesmo movimento que levou à queda recorde de 9,6% no trimestre anterior e, de fato, não chega a compensar aquela queda.

Assim como a queda no trimestre anterior, o crescimento do terceiro trimestre deste ano dificilmente pode ser analisado na perspectiva da dinâmica de crise e recuperação que costumo usar nos posts sobre contas nacionais. O máximo que pode ser feito é entender como será a recuperação da crise causada pela pandemia e tentar especular sobre como esta recuperação pode afetar a dinâmica da economia brasileira na ótica das contas nacionais.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado houve uma queda 3,4%, o que mostra que, apesar do crescimento de 7,7% no trimestre, a crise do Covid-19 ainda está longe de ser vista pelo retrovisor. É fácil observar nas barras como tanto a queda de 9,7% como o crescimento de 7,7% destoam do resto da série.

 


Como é tradição no blog a análise será feita pelo lado da produção, a análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é interessante para entender como foi a distribuição do PIB. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no terceiro trimestre de 2020 respondeu por 6,5% do valor agregado e 5,6% do PIB, cresceu 1,8%; o setor de  serviços, 71,8% do valor agregado e 61,7% do PIB, teve uma queda de 3,5%; finalmente, a indústria, que responde por 21,8% do valor agregado e 18,7% do PIB, teve uma queda de 3,5%. Na comparação com o trimestre anterior a agropecuária teve queda de 0,5%, a indústria teve crescimento de 14,8% e nos serviços o crescimento foi 6,3%. Vale notar que a indústria teve a maior queda no segundo trimestre, 13%, e o maior crescimento no terceiro trimestre 14,8%.

 


No acumulado de quatro trimestres a construção teve queda de 5,8%. Na indústria de transformação a queda foi de 5,4%. Ao contrário de outros períodos onde a queda na indústria de transformação podia ser vista como parte da arrumação de casa após a sequência de investimentos questionáveis, para dizer o mínimo, da primeira metade da década., esta queda reflete o impacto brutal da pandemia no setor A indústria extrativa teve crescimento de 4,3%. Na comparação com o trimestre anterior a construção cresceu 5,6%, a indústria extrativa cresceu 2,5% e a indústria de transformação cresceu 23,7%. Vale registrar que no terceiro trimestre de 2020 a indústria extrativa correspondeu a 13% da indústria total, a construção por 15,4% e a de transformação por 58%. O crescimento extraordinário da indústria de transformação só pode ser compreendido se levarmos em conta a queda de 19,1% no período anterior, grosso modo esse setor da indústria parou boa parte da produção no segundo trimestre, por conta das medidas para contenção da pandemia, e retomou a atividade no terceiro trimestre. Considerando o índice encadeado também divulgado pelo IBGE, a produção da indústria de transformação foi menor do que no terceiro trimestre de 2019.

 


Nos serviços o maior crescimento ficou por conta do setor de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados que cresceu 4% no acumulado de quatro trimestres. Também foi registrado crescimento de 0,5% no setor de informação e comunicação e de 2% nas atividades imobiliárias. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social teve queda de 3,7%., a maior queda foi de 8% no setor de transportes A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na comparação com o trimestre anterior todos os subsetores dos serviços cresceram, o maior crescimento foi no comércio, 16%, seguido por transportes, 12,5%. Mais uma vez o crescimento faz parte do mesmo movimento que causou a queda no trimestre anterior.

 


Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, teve queda de 4% no acumulado em quatro trimestres. Em tempos normais isso seria preocupante, pois sugeriria redução da capacidade de produção nos próximos períodos e pouca confiança no futuro da economia, em tempos de pandemia o resultado pode ser visto como um adiamento do investimento para o pós-pandemia. Na comparação com o trimestre anterior o investimento cresceu 11%, isso reforça a ideia que a pandemia levou a um adiamento do investimento.

O consumo das famílias caiu 4,1% e o consumo do governo caiu 3,7%, ou seja, no acumulado de quatro trimestres a fatia do bolo que vai para as famílias caiu pouco mais do que a fatia que vai para o governo. As exportações caíram 1,9% e as importações caíram 9%. Na comparação com o trimestre anterior o investimento cresceu 11%, após queda de 16,5% no segundo trimestre, o consumo das famílias cresceu 7,6%, após queda de 11,3%, o consumo do governo cresceu 3,5%, após queda de 7,7%, as exportações caíram 2,1% e as importações tiveram queda de 9,6%.

 


Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017, mas sugerem uma rápida recuperação em relação a queda causada pela própria pandemia. Para ter crescimento de longo prazo o governo precisaria investir nas reformas, algo que é cada vez mais claro que não vai acontecer. Continua valendo que se o governo partir para políticas de estímulos turbinadas por planos como o Pró-Brasil, Casa Verde e Amarela e uso de estatais podemos até ter bons números para o PIB em 2021, mas começaremos outra caminha em direção ao abismo. O descaso com o lado fiscal, ilustrado pelo não andamento do orçamento de 2021, pode cobrar um preço alto ainda no governo Bolsonaro. A disparada dos preços no atacado, levando junto o IGP-M, mostra que, além da recuperação do PIB, o governo deve se preocupar em evitar que a inflação chegue nos preços aos consumidores.