sábado, 30 de julho de 2022

Outro post sobre a dívida pública no Brasil e em países emergentes

 No passado fiz vários posts comparando a dívida pública como proporção do PIB no Brasil com a mesma proporção observada em outros países emergentes. A intenção dos posts era colocar água no chopp de quem estava comemorando algum indicador como sinal de que não tínhamos um problema fiscal, sim, sou chato e nunca neguei. De uns tempos para cá vejo que está ganhando força aquela perigosa sensação de que o lado fiscal está deixando de ser um problema, não está, e para colocar água no chopp de quem está comemorando voltei com um post comparando a dívida pública do Brasil com a de outros países emergentes.

Começo com a versão atualizada de um gráfico que consta em outros posts em várias apresentações que fiz para mostrar que a dívida pública do Brasil é alta quando comparada a de países emergentes. A figura abaixo mostra o PIB per capita (corrigido por PPC) a dívida pública como proporção do PIB em países emergentes da Europa, emergentes da Ásia, da Comunidade Estados Independentes e da América Latina em Caribe. Estão listados 44 países, foram excluídos os países com menos de cinco milhões de habitantes e, por óbvio, os que não tinham dados disponíveis.

 


Dos 44 países apenas no Sri Lanka e no Laos a dívida pública é maior como proporção do PIB do que no Brasil. Em 2021 a média das dívidas como proporção do PIB nos países da amostra foi de 53,6%, a mediana foi de 50,3%, no Brasil foi de 93%. Alguém pode dizer que o grupo de comparação para o Brasil deveria ser o dos países ricos, onde a dívida pública costuma ser muito maior como proporção do PIB, não creio que seja o caso. Não somos um país, rico, nem chegamos perto, repare que nosso PIB per capita está no “meião” da turma dos emergentes.

Se nossa dívida é tão alta de onde vem a ideia de que o problema fiscal está sendo resolvido? A dívida como proporção do PIB caiu? Seria razoável observar uma queda da dívida, afinal em 2020 o PIB teve uma queda histórica e os gastos foram para o espaço por conta da pandemia. De fato, em 2020 a dívida como proporção do PIB foi maior do que em 2019 para todos os países da amostra com exceção do Haiti e do Turcomenistão, em 2021 houve queda de dívida como proporção do PIB em 20 dos 44 países da amostra. O Brasil é um dos vinte.

Essa queda talvez seja a razão da sensação que o problema fiscal está controlado, o problema é que 2020 está longe de ser um bom ano de referência. Se considerarmos a dívida como proporção do PIB em 2019, quando o atual governo reconhecia a existência de um grave problema fiscal, tão grave que motivou envio de PECs para tratar de emergência fiscal, a dívida como proporção do PIB aumentou de 87,9% para 93%. Entendo que a queda, que continua em 2022, dê uma sensação de alívio, mas é preciso lembrar que assim como a disparada em 2020, quando a dívida chegou a 98,7% do PIB, a queda atual deve ser vista no contexto da pandemia.

A figura abaixo mostra a variação da dívida como proporção do PIB e do PIB per apita (o PIB ficaria melhor, mas eu já tinha pegue o PIB per capita para a primeira figura...) entre 2019 e 2021. Apenas cinco países da amostra tiveram queda na dívida como proporção do PIB (Vietnam, Ucrânia, Haiti, Turcomenistão e Argentina), em todos os outros a dívida foi maior em relação ao PIB em 2021 do que em 2019. O Brasil fica bem no quadro, com um crescimento do PIB próximo da mediana (linha pontilhada vertical), ficamos com a sétima posição no quesito menor crescimento da dívida como proporção do PIB.

 


O problema, sempre tem um, é que a segunda melhor no ranking é a Argentina! Como pode? Um possível candidato para explicar o bom desempenho da Argentina é a inflação descontrolada por lá. Se isso for verdade a inflação de mais de 10% em 2021 pode explicar também nossa boa posição, afinal nossa inflação em 2021 foi a oitava maior na lista de 44 países.

Estabelecer causalidade em macroeconomia é tarefa de gincana, e das difíceis, não vou tentar fazer isso em um post. Apenas como curiosidade, mais para provocação, fiz uma regressão entre a variação na dívida como proporção do PIB e o logaritmo da inflação em 2021. Deu uma relação negativa e significativa, ou seja, quanto maior a inflação, menor a variação da dívida como proporção do PIB. A figura abaixo mostra a regressão.

 


Isso significa que nosso bem desempenho, no sentido de pequena variação da dívida como proporção do PIB, é por conta da inflação? Não. Como disse acima estabelecer causalidade em macroeconomia é complicado, além do mais quem chegou até aqui já deve estar cansado saber que correlação não implica causalidade. Teoricamente a inflação pode ser o motivo da pequena variação da dívida como proporção do PIB no Brasil, afinal com inflação alta é mais fácil controlar o gasto para que cresça menos do que a receita. Isso não é suficiente para estabelecer a causalidade, mas, a justificativa teórica somada a correlação da figura acima, são boas para colocar lenha na fogueira. O objetivo do post era colocar água no chopp, mas uma lenha na fogueira, ainda mais em ano eleitoral, é oportunidade que não posso deixar passar.

 

domingo, 17 de julho de 2022

Turma do "meião": queda e recuperação do PIB no Brasil em comparação com outros países.

Talvez por conta das revisões para cima nas previsões de crescimento para o Brasil em 2022, tenho reparado uma certa euforia com a recuperação da economia. Curioso com tanta animação resolvi dar uma olhada nos dados de crescimento de outros países entre o primeiro trimestre de 2019, um ano antes da pandemia, e o primeiro trimestre de 2022, o último com dados disponíveis.

Obtive as informações que precisava na base de dados da OCDE. O primeiro exercício foi pegar as taxas de crescimento para todos os países com dados disponíveis para todos os trimestres do período de interesse, fiquei com 47 países. A figura abaixo mostra o resultado, repare que o Brasil (em azul) está bem próximo da mediana (em laranja) na maioria dos períodos. Ficar próximo da mediana significa que cerca de metade dos países teve taxa de crescimento maior do que a nossa, logo na maioria dos períodos ficamos no “meião”. Não é um desastre, mas também não é motivo de festa, salvo se o Brasil quer ser personagem daquele meme do pódio.

 


Comparações com vários países são interessantes, mas não estão livres de riscos. Existem vários fatores que podem comprometer a comparação. Por exemplo, países ricos podem ter uma tendência de crescer mais do que países pobres, nesse caso um país emergente crescer a taxas semelhantes à dos países ricos pode ser um mal sinal para o país emergente. Para reduzir esses riscos, refiz o exercício comparando o Brasil com os países do BRICS e da América Latina que estavam na amostra. O resultado está na figura abaixo. Na maioria dos períodos ficamos na turma do “meião”, destaque para o segundo trimestre de 2020, o pior de todos, quando é visível que nossa queda foi bem menor do que a queda mediana, ou seja, ficamos bem na foto.

 


As taxas período a período podem não passar uma boa ideia do que aconteceu no acumulado de todo período, não é fácil perceber em um gráfico quando as taxas maiores compensaram, ou não, as taxas menores. O segundo exercício do post apresenta a taxa média de crescimento durante o período, isso resolve o problema porque essa taxa leva em conta o crescimento acumulado no período. A mediana foi um crescimento de 0,36% por trimestre, na Brasil tivemos 0,23%, ou seja, no acumulado ficamos na metade com pior desempenho. A média foi 0,47%, mas não é um bom indicador especialmente por conta do crescimento muito alto da Irlanda.

 


Para terminar o exercício acima foi refeito apenas para os países do BRICS e América Latina disponíveis na amostra. Apenas México e África do Sul tiveram um desempenho pior do que o nosso no acumulado entre o primeiro trimestre de 2019 e o primeiro trimestre de 2022. A mediana do grupo ficou em 0,58% e a média em 0,49%.

 


Os dois exercícios apontam na mesma direção: o Brasil não apresenta um crescimento maior do que o da maioria dos países, o quadro fica pior quando comparado aos países do BRICS e América Latina. O principal motivo para as revisões para cima nas previsões de crescimento, creio eu, é que a turma superestimou o efeito da elevação dos juros na atividade econômica. Se foi isso mesmo, o erro é da mesma natureza que levou a turma a não ver a inflação chegando, qual seja, usar modelos de demanda para explicar/prever uma crise associada principalmente à oferta.

domingo, 10 de julho de 2022

PIB do Brasil e da América do Sul segundo os dados do FMI e do Banco Mundial

Esta semana teimou em aparecer na minha linha do tempo um mapa da América do Sul destacando que o Brasil respondia por mais de 50% do PIB do continente. Fiquei curioso e resolvi checar quanto foi essa proporção em outros anos.

O problema começou na escolha dos países da América do Sul, segundo a Wikipédia, além dos suspeitos de sempre, constam Bouvet Island, uma ilha de 49 km2 que pertence à Noruega que me pareceu mais perto da Antártida do que da América do Sul, as Ilhas Falkland, que os Argentinos chamam de Malvinas e já deu guerra com a Inglaterra e Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul que também são da Inglaterra. Na Britânica estão os suspeitos de sempre: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. Como as pequenas ilhas que estão na Wikipédia pouco contribuem para o PIB do continente e não encontrei os dados de PIB delas no FMI nem no Banco Mundial fiquei com a lista da Britânica.

Outra razão para excluir as ilhas é que não são países, mas sim territórios de países europeus. A mesma razão leva a retirar a Guiana Francesa, que também não tem dados disponíveis nas bases que consultei. Até aqui tudo bem, tenho um critério consistente e que me ajudou na obtenção dos dados. Até que reparei que o Banco Mundial não tem dados de PIB para Venezuela nos últimos anos, aqui complicou porque a Venezuela (ainda) é um país e tem dados disponíveis nos primeiros anos. Para driblar o problema resolvi apresentar dados do FMI (com a Venezuela) e do Banco Mundial (sem a Venezuela).

Definidos os países da amostra, faltava definir o indicador. Para evitar brigas useis o PIB em dólares e o PIB com correção por paridade de poder de compra. A figura abaixo mostra a participação do Brasil no PIB da América do Sul, com correção por PPC, entre 1990 e 2021. Tanto nos dados do FMI quanto nos dados do Banco Mundial o valor mais alto ocorre em 1990, no século XXI o pico ocorre em 2002, também nos dados do FMI e do Banco Mundial. Nas duas séries é possível observar o efeito da crise iniciada em 2014 ainda no governo Dilma, na série do FMI o menor valor ocorre em 2017 e na série do Banco Mundial ocorre em 2021. Em nenhuma das séries é possível observar uma tendência de aumento da participação do PIB do Brasil no PIB da América do Sul, pelo contrário.



 

Como era de se esperar, a série em dólares tem mais sobe e desce, alguns dizem que é mais volátil, do que a série com correção por poder de compra. Depois da estabilização ocorre uma queda que vai até 2001, a partir daquele ano começa uma trajetória de alta. É curioso notar como a trajetória de alta da série em dólares contrasta com a trajetória em queda da série com correção por poder de compra, é provável que parte do fenômeno decorra da valorização do real no período. Depois de 2010 começa uma trajetória de queda que ganha força em 2014, a reversão começa em 2015, talvez por conta da valorização do real. Em 2019 ocorre nova queda que também é parcialmente explicada por movimento no câmbio.

 


As duas figuras mostram que não há razão para o maior país do continente ficar espantado em ter o maior PIB do continente, não há nada novo aqui. De fato, as duas séries mostram 2021 pior que 2020 e, bem mais preocupante, as séries com correção por paridade de compra mostram um declínio de longo prazo enquanto as séries em dólares mostram declínio em relação ao começo da estabilização e ao inicio da década passada.

Naturalmente toda essa discussão é meio maluca, não há como comparar o PIB do Brasil, com mais de 210 milhões de habitantes com o PIB do Uruguai, com menos de 3,5 milhões de habitantes, ou mesmo com a Argentina com cerca de 45 milhões de habitantes. A medida adequada de comparação seria o PIB per capita, mas aí é melhor deixar para outro post... este já bateu a cota de jogar água no chopp.

 

sexta-feira, 1 de julho de 2022

A PEC Kamikaze não é só ruim, é muito pior

Vejo muita gente, na verdade nem tanta, sugerindo que o problema fiscal está controlado ou algo do tipo. Da parte do governo, a crença no fim do problema fiscal parece ser grande o suficiente para lançar “pacotes de bondades” atropelando regras fiscais e eleitorais. A verdade é que o crescimento da inflação costuma gerar alívio fiscal, o aumento de preços chega nas receitas do governo antes de chegar nas despesas, mas esse alívio é ilusório.

Uma maneira de olhar o esforço de ajuste fiscal é pelo comportamento da despesa. Isso porque o aumento de despesas hoje será retirado da renda de famílias e empresas para pagar a conta. Essa retirada pode ser na forma de mais impostos, mais dívida ou mais inflação. Em qualquer dos casos, pagadores de impostos, presentes ou futuros, vão pagar a conta. 

A figura abaixo mostra o comportamento da despesa total do governo central desde 2017 quando começou a valer o Teto de Gastos. Repare que há uma estabilidade até o final de 2019 quando ocorre um salto. Esse aumento está relacionado a capitalização de estatais e da cessão onerosa (as explicações estão aqui), em março de 2020 as ações do governo para amenizar os impactos econômicos da pandemia mandam a despesa para o espaço. Com o fim dessas políticas a despesa começa a cair, mas não volta ao patamar anterior e, mais preocupante, parece começar uma tendência de crescimento.



A próxima figura reforça o ponto da anterior destacando a despesa em maio de cada ano. Em maio de 2020 a despesa foi de R$ 218 bilhões, em maio de 2021 ficou na casa de R$ 150 bilhões, menor do que em 2020, mas maior do que a observada entre 2017 e 2019. Em maio de 2022 a despesa ficou em R$ 161 bilhões, maior do que em 2021.



Aumentos pontuais de despesa podem ser resolvidos sem causar maiores estragos na economia, o mesmo não pode ser dito de aumentos permanente e, mais grave, de tendências de crescimento da despesa. A medida aprovada no Senado ontem, não por acaso chamada de PEC Kamikaze, é um forte indício que voltaremos a trajetória de gastos crescentes. É grave, mas não tão grave como voltarmos a uma época em que não tínhamos regras fiscais capazes de limitar a ação de governantes em busca de se perpetuar no poder. Temos sombrios...