segunda-feira, 13 de julho de 2020

Uma contribuição à causa contra a prorrogação das desonerações.


Leio nos jornais que o Congresso vai derrubar o veto de Bolsonaro à prorrogação das desonerações até o final de 2021 (link aqui). Programas para desonerar a folha de pagamento voltados a empresas ou setores específicos não são novidades no Brasil, recentemente estiveram no centro das polêmicas envolvendo os erros de política econômica do governo Dilma. Em 2015 a Folhas de São Paulo anunciou que as desonerações concedias por Dilma somariam R$ 458 bilhões de reais entre 2011 e 2018 (link aqui), para o leitor ter uma ideia de proporção o gasto com o Bolsa Família entre 2011 e 2018 foi de R$ 204 bilhões em valores correntes e R$ 260 bilhões em valores de maio de 2020. Segundo a Folha o valor seria suficiente para bancar dezessete anos de Bolsa Família.

Só as compensações do Tesouro ao RGPS por conta das desonerações, que estão no teto de Gasto e, portanto, disputam orçamento com outras contas importantes, somaram R$ 10,4 bilhões em 2019. O valor é pouco menor que os R$ 11,4 bilhões da conta de subsídios, subvenções e Proagro onde estão mais de vinte e cinco programas, por exemplo, programas agrícolas como a política de preços agrícolas e o Pronaf, PROEX (aquele dos bancos), PSI (aka bolsa empresário). Também equivale a quase dois terços dos gastos da União com complementação do Fundef/Fundeb que foram de R$ 15,9 bilhões em 2019. O espaço do Teto de Gastos ocupado pelas compensações ao RGPS por conta das desonerações também pode ser apresentado como quase 20% dos R$ 57,2 bilhões gastos pela União em investimento no ano de 2019 ou quase um terço dos R$ 33,6 bilhões destinados ao Bolsa Família no ano passado.

Com um custo tão alto, quais os benefícios das desonerações? Como gosto de provocar começo com a avaliação feita pela própria Dilma Roussef (link aqui):

"Eu acreditava que, se diminuísse impostos, teria um aumento de investimentos... Eu diminuí. Eu me arrependo disso. No lugar de investir, eles aumentaram a margem de lucro".

Fica claro que nem a presidente que usou e abusou de uma política que foi chamada de brincadeira por Joaquim Levy (link aqui) e foi criticada por Lula (link aqui) aprovou o resultado desta política. Mérito dela que soube reconhecer o erro, demérito do atual Congresso que deseja prolongar a política

Não é só Dilma que avaliou mal as desonerações. Um estudo publicado pelo IPEA em 2018 com o título “Impacto da Desoneração da Folha de Pagamento sobre o Emprego :novas evidências” e assinado pelo Felipe Garcia, Adolfo Sachsida e pelo Alexandre Xavier Ywata de Carvalho (link aqui) concluiu que:

“A despeito das intenções positivas da lei de desoneração, pode-se dizer que, pelas avaliações ex post já realizadas, o que inclui o presente estudo, não há evidências robustas de efeitos reais positivos da desoneração... Assim, em função da magnitude da renúncia fiscal concedida pela desoneração, a revisão da desoneração é uma proposta para o debate.”

Como pode ser visto, a falta de resultados significativos e o alto custo da política levam os autores a recomendar uma revisão das desonerações. Essa é uma forma polida de especialistas dizerem que uma política é ruim.

Também publicado pelo IPEA, desta vez em 2019, o estudo “Desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados e seus Impactos sobre o Mercado de Trabalho” de autoria de Igor Vinícius de Souza Geracy, Carlos Henrique Leite Corseuil e Fernando Gaiger Silveira (link aqui), traz como conclusão:

“Nesse período como um todo, nossos resultados apontam efeitos nulos em todas as variáveis investigadas, referentes ao mercado de trabalho. Quando dividimos em dois subperíodos, aparece um efeito de desonerações do IPI reduzindo demissões somente entre 2010 e 2012. Todos esses resultados são robustos a uma série de escolhas metodológicas alternativas. Os resultados ensejam discussão do uso desse tipo de política de desoneração ao setor industrial como forma de estimular a atividade econômica, sobretudo em contextos de severa restrição orçamentária.”

Assim como no caso anterior, os autores não encontram resultados fortes das desonerações e pedem uma discussão desse tipo de política. Novamente alerto ao leitor que esse tipo de conclusão é uma forma educada de dizer que a política é ruim.
  
Em dissertação intitulada “A desoneração da folha e seu efeito sobre o mercado de trabalho no Brasil” defendida em 2017 na FEA/USP (link aqui), Erick Baumgarter afirma em sua conclusão que:

“Os resultados não encontram efeito sobre o nível salarial dos setores desonerados, assim como para o nível de emprego das empresas desoneradas em função do NCM de seus produtos. Para os desonerados por sua classificação na CNAE, porém, há um efeito claro da desoneração sobre as empresas no regime normal de tributação (fora do SIMPLES), indo de acordo com o apresentado em estudos anteriores sobre o tema. Uma análise das empresas do SIMPLES, porém, aponta para uma queda (ainda que em menor magnitude) do nível de emprego, o que indica que a utilização das empresas do SIMPLES como contrafactuais, como realizado por Scherer (2015), pode acarretar problemas de endogeneidade.”

Grosso modo o parágrafo acima diz que efeitos podem ou não encontrados de acordo com a forma de classificar produtos e empresas. Usando a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) não encontra efeitos, com Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) foi possível encontrar efeitos. O efeito encontrado é parcialmente compensado pelo efeito contrário encontrado nas empresas do SIMPLES, em geral pequenas empresas. A questão fina relativa a endogeneidade é assunto técnico que escapa a esse post.

Mesmo antes da crise ser revelada pesquisadores mostravam um impacto pequeno ou muito localizado das polícias de desoneração. No artigo “As Políticas Industriais Brasileiras: um ensaio sobre a desoneração da folha de pagamentos”, publicado em 2015 pela Revista Paranaense de Desenvolvimento por Leandro Meyer, Humberto F. S. Spolador e Cláudio Lucinda (link aqui), os autores concluem que:

“Dessa forma, apesar de a desoneração da folha de pagamentos atenuar um relevante problema da indústria brasileira – que é a sobrecarga tributária inserida sobre as firmas industriais – seus resultados pouco expressivos até o momento podem estar relacionados à falta de atuação do governo nos moldes daquilo que Hausmann e Rodrik (2003) classificam como “políticas industriais novas”.”

Mais uma vez os autores concluem que as desonerações apresentam resultados pouco expressivos. Os autores ainda arriscam um “até o momento”, talvez com a esperança de que o futuro trouxesse melhores resultados, como já vimos isso não aconteceu.

Em 2014, o ano em que a crise já estava instalada, mas ainda havia quem a negasse, a Carolina Caparroz Dallava defendeu dissertação de mestrado na FGV/SP com o título “Impactos da desoneração da folha de pagamentos sobre o nível de emprego no mercado de trabalho brasileiro: um estudo a partir dos dados da RAIS (link aqui). Na conclusão a autora escreve:

“Os resultados sugerem que apenas a Seção da CNAE Informação e Comunicação apresentou resultado positivo e estatisticamente significativo, tanto para emprego quanto para salário.
...
Para a Seção de Indústria de Transformação praticamente todos os modelos não apresentaram resultados significativos nem para emprego nem para salário, sugerindo que a política analisada não teve, neste setor, o efeito que se pretendia.
...
Com relação à Seção Alojamento e Alimentação (principalmente hotéis), os resultados foram negativos e significativos para o nível de emprego, contrários ao objetivo da medida, tanto para o total do setor quanto para micros/pequenos clusters.
...
Quanto à Seção que contém Call Center, nenhum dos modelos apresentou resultados estatisticamente significativos nos modelos de emprego, muito embora este setor utilize bastante mão de obra.”

Ainda não foi dessa vez que as desonerações mostram resultados. Talvez o leitor já esteja convencido, mas ainda vou abusar da paciência de quem chegou até aqui e pedir para comentar mais dois estudos.

Em 2012 uma dissertação intitulada “Avaliação empírica da desoneração da folha salarial” foi defendida no Insper pela Michelle Schuindt do Carmo (link aqui). O objetivo era medir o impacto das desonerações no grau de formalização das relações de trabalho e no índice de realocação entre setores que foi usado como proxy para estabilidade no trabalho. A conclusão da autora já apontava para os resultados do futuro:

“Constata-se que o impacto medido não é estatisticamente diferente de zero a qualquer nível razoável de significância. Assim, não há evidências de que o grupo afetado pela desoneração tenha sofrido alteração significativa na sua probabilidade de migrar para a informalidade, nem na probabilidade de mudar de setor de atividade econômica. Conclui-se, portanto, que, no período avaliado, a medida adotada pelo governo não teve impacto nas variáveis analisadas.”

A dissertação da Michelle Schuindt do Carmo já apontava a necessidade de pensar melhor as desonerações. Infelizmente os então responsáveis pela política econômica não leram ou não deram a devida atenção aos resultados.

O último estudo que vou comentar é o único a encontras resultados favoráveis à desoneração. Trata-se de de Working Paper do International Institute of Social Studies publicado em 2015 pelo Clóvis Scherer com o título “Payroll tax reduction in Brazil Effects on employment and wages” (link aqui). Apesar de publicado em 2015 o estudo usa dados de 2012, o que o próprio autor reconhecer ser um problema. A alternativa de usar empresas do SIMPLES para controle pode não ter sido das mais felizes conforme apontado no trecho citado da dissertação do Erick Baumgarter. A verdade é que em 2012 era difícil separar os efeitos gerais da economia dos efeitos específicos das desonerações, difícil, mas não impossível, como mostra a dissertação da Michelle Schuindt do Carmo.

A grande maioria dos trabalhos que li para esse post apontam para resultados fracos ou mesmo inexistentes das desonerações, o único que destoa foi feito com dados de 2012. Dilma, que apostou alto nesse tipo de política, reconheceu o erro. Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma, criticou pesadamente as desonerações, Henrique Meirelles, ministro da Fazenda de Temer, registrou que o custo da desoneração da folha foi maior que o benefício esperado (link aqui). Bolsonaro, quase certamente orientado por Paulo Guedes, vetou a prorrogação das desonerações. E difícil entender a razão de mesmo com tantos argumentos contrários o Congresso insiste na possibilidade de derrubar o veto de Bolsonaro à prorrogação, mentira, não é difícil, mas isso é assunto para outro post.



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