Leio nos jornais que o Congresso vai derrubar o veto de
Bolsonaro à prorrogação das desonerações até o final de 2021 (link aqui). Programas
para desonerar a folha de pagamento voltados a empresas ou setores específicos não
são novidades no Brasil, recentemente estiveram no centro das polêmicas envolvendo
os erros de política econômica do governo Dilma. Em 2015 a Folhas de São Paulo anunciou
que as desonerações concedias por Dilma somariam R$ 458 bilhões de reais entre
2011 e 2018 (link aqui), para o leitor ter uma ideia de proporção o gasto com o Bolsa
Família entre 2011 e 2018 foi de R$ 204 bilhões em valores correntes e R$ 260
bilhões em valores de maio de 2020. Segundo a Folha o valor seria suficiente para
bancar dezessete anos de Bolsa Família.
Só as compensações do Tesouro ao RGPS por conta das desonerações,
que estão no teto de Gasto e, portanto, disputam orçamento com outras contas
importantes, somaram R$ 10,4 bilhões em 2019. O valor é pouco menor que os R$ 11,4
bilhões da conta de subsídios, subvenções e Proagro onde estão mais de vinte e
cinco programas, por exemplo, programas agrícolas como a política de preços
agrícolas e o Pronaf, PROEX (aquele dos bancos), PSI (aka bolsa empresário).
Também equivale a quase dois terços dos gastos da União com complementação do
Fundef/Fundeb que foram de R$ 15,9 bilhões em 2019. O espaço do Teto de Gastos ocupado
pelas compensações ao RGPS por conta das desonerações também pode ser
apresentado como quase 20% dos R$ 57,2 bilhões gastos pela União em
investimento no ano de 2019 ou quase um terço dos R$ 33,6 bilhões destinados ao
Bolsa Família no ano passado.
Com um custo tão alto, quais os benefícios das desonerações?
Como gosto de provocar começo com a avaliação feita pela própria Dilma Roussef
(link aqui):
"Eu acreditava que, se diminuísse impostos, teria um
aumento de investimentos... Eu diminuí. Eu me arrependo disso. No lugar de
investir, eles aumentaram a margem de lucro".
Fica claro que nem a presidente que usou e abusou de uma
política que foi chamada de brincadeira por Joaquim Levy (link aqui) e foi
criticada por Lula (link aqui) aprovou o resultado desta política. Mérito dela
que soube reconhecer o erro, demérito do atual Congresso que deseja prolongar a
política
Não é só Dilma que avaliou mal as desonerações. Um estudo
publicado pelo IPEA em 2018 com o título “Impacto da Desoneração da Folha de
Pagamento sobre o Emprego :novas evidências” e assinado pelo Felipe Garcia,
Adolfo Sachsida e pelo Alexandre Xavier Ywata de Carvalho (link aqui) concluiu
que:
“A despeito das intenções positivas da lei de desoneração,
pode-se dizer que, pelas avaliações ex post já realizadas, o que inclui
o presente estudo, não há evidências robustas de efeitos reais positivos da
desoneração... Assim, em função da magnitude da renúncia fiscal concedida pela
desoneração, a revisão da desoneração é uma proposta para o debate.”
Como pode ser visto, a falta de resultados significativos e o
alto custo da política levam os autores a recomendar uma revisão das
desonerações. Essa é uma forma polida de especialistas dizerem que uma política
é ruim.
Também publicado pelo IPEA, desta vez em 2019, o estudo “Desonerações
do Imposto sobre Produtos Industrializados e seus Impactos sobre o Mercado de
Trabalho” de autoria de Igor Vinícius de Souza Geracy, Carlos Henrique Leite
Corseuil e Fernando Gaiger Silveira (link aqui), traz como conclusão:
“Nesse período como um todo, nossos resultados apontam
efeitos nulos em todas as variáveis investigadas, referentes ao mercado de
trabalho. Quando dividimos em dois subperíodos, aparece um efeito de
desonerações do IPI reduzindo demissões somente entre 2010 e 2012. Todos esses
resultados são robustos a uma série de escolhas metodológicas alternativas. Os
resultados ensejam discussão do uso desse tipo de política de desoneração ao
setor industrial como forma de estimular a atividade econômica, sobretudo em
contextos de severa restrição orçamentária.”
Assim como no caso anterior, os autores não encontram
resultados fortes das desonerações e pedem uma discussão desse tipo de
política. Novamente alerto ao leitor que esse tipo de conclusão é uma forma educada
de dizer que a política é ruim.
Em dissertação intitulada “A desoneração da folha e seu
efeito sobre o mercado de trabalho no Brasil” defendida em 2017 na FEA/USP
(link aqui), Erick Baumgarter afirma em sua conclusão que:
“Os resultados não encontram efeito sobre o nível salarial
dos setores desonerados, assim como para o nível de emprego das empresas
desoneradas em função do NCM de seus produtos. Para os desonerados por sua classificação
na CNAE, porém, há um efeito claro da desoneração sobre as empresas no regime
normal de tributação (fora do SIMPLES), indo de acordo com o apresentado em
estudos anteriores sobre o tema. Uma análise das empresas do SIMPLES, porém,
aponta para uma queda (ainda que em menor magnitude) do nível de emprego, o que
indica que a utilização das empresas do SIMPLES como contrafactuais, como
realizado por Scherer (2015), pode acarretar problemas de endogeneidade.”
Grosso modo o parágrafo acima diz que efeitos podem ou não
encontrados de acordo com a forma de classificar produtos e empresas. Usando a
Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) não encontra efeitos, com Classificação
Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) foi possível encontrar efeitos. O
efeito encontrado é parcialmente compensado pelo efeito contrário encontrado
nas empresas do SIMPLES, em geral pequenas empresas. A questão fina relativa a
endogeneidade é assunto técnico que escapa a esse post.
Mesmo antes da crise ser revelada pesquisadores mostravam
um impacto pequeno ou muito localizado das polícias de desoneração. No artigo “As
Políticas Industriais Brasileiras: um ensaio sobre a desoneração da folha de
pagamentos”, publicado em 2015 pela Revista Paranaense de Desenvolvimento por Leandro
Meyer, Humberto F. S. Spolador e Cláudio Lucinda (link aqui), os autores
concluem que:
“Dessa forma, apesar de a desoneração da folha de pagamentos
atenuar um relevante problema da indústria brasileira – que é a sobrecarga
tributária inserida sobre as firmas industriais – seus resultados pouco expressivos
até o momento podem estar relacionados à falta de atuação do governo nos moldes
daquilo que Hausmann e Rodrik (2003) classificam como “políticas industriais
novas”.”
Mais uma vez os autores concluem que as desonerações apresentam
resultados pouco expressivos. Os autores ainda arriscam um “até o momento”,
talvez com a esperança de que o futuro trouxesse melhores resultados, como já
vimos isso não aconteceu.
Em 2014, o ano em que a crise já estava instalada, mas ainda
havia quem a negasse, a Carolina Caparroz Dallava defendeu dissertação de mestrado
na FGV/SP com o título “Impactos da desoneração da folha de pagamentos sobre o
nível de emprego no mercado de trabalho brasileiro: um estudo a partir dos
dados da RAIS (link aqui). Na conclusão a autora escreve:
“Os resultados sugerem que apenas a Seção da CNAE Informação
e Comunicação apresentou resultado positivo e estatisticamente significativo,
tanto para emprego quanto para salário.
...
Para a Seção de Indústria de Transformação praticamente
todos os modelos não apresentaram resultados significativos nem para emprego
nem para salário, sugerindo que a política analisada não teve, neste setor, o
efeito que se pretendia.
...
Com relação à Seção Alojamento e Alimentação (principalmente
hotéis), os resultados foram negativos e significativos para o nível de
emprego, contrários ao objetivo da medida, tanto para o total do setor quanto
para micros/pequenos clusters.
...
Quanto à Seção que contém Call Center, nenhum dos modelos
apresentou resultados estatisticamente significativos nos modelos de emprego,
muito embora este setor utilize bastante mão de obra.”
Ainda não foi dessa vez que as desonerações mostram
resultados. Talvez o leitor já esteja convencido, mas ainda vou abusar da
paciência de quem chegou até aqui e pedir para comentar mais dois estudos.
Em 2012 uma dissertação intitulada “Avaliação empírica da
desoneração da folha salarial” foi defendida no Insper pela Michelle Schuindt
do Carmo (link aqui). O objetivo era medir o impacto das desonerações no grau de
formalização das relações de trabalho e no índice de realocação entre setores que
foi usado como proxy para estabilidade no trabalho. A conclusão da
autora já apontava para os resultados do futuro:
“Constata-se que o impacto medido não é estatisticamente
diferente de zero a qualquer nível razoável de significância. Assim, não há
evidências de que o grupo afetado pela desoneração tenha sofrido alteração
significativa na sua probabilidade de migrar para a informalidade, nem na
probabilidade de mudar de setor de atividade econômica. Conclui-se, portanto,
que, no período avaliado, a medida adotada pelo governo não teve impacto nas
variáveis analisadas.”
A dissertação da Michelle Schuindt do Carmo já apontava a
necessidade de pensar melhor as desonerações. Infelizmente os então
responsáveis pela política econômica não leram ou não deram a devida atenção
aos resultados.
O último estudo que vou comentar é o único a encontras
resultados favoráveis à desoneração. Trata-se de de Working Paper do International Institute of Social
Studies publicado em 2015 pelo Clóvis Scherer com o título “Payroll tax
reduction in Brazil Effects on employment and wages” (link aqui). Apesar de
publicado em 2015 o estudo usa dados de 2012, o que o próprio autor reconhecer
ser um problema. A alternativa de usar empresas do SIMPLES para controle pode
não ter sido das mais felizes conforme apontado no trecho citado da dissertação
do Erick Baumgarter. A verdade é que em 2012 era difícil separar os efeitos gerais
da economia dos efeitos específicos das desonerações, difícil, mas não
impossível, como mostra a dissertação da Michelle Schuindt do Carmo.
A grande maioria dos trabalhos que li para esse post apontam
para resultados fracos ou mesmo inexistentes das desonerações, o único que destoa
foi feito com dados de 2012. Dilma, que apostou alto nesse tipo de política,
reconheceu o erro. Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma, criticou pesadamente
as desonerações, Henrique Meirelles, ministro da Fazenda de Temer, registrou
que o custo da desoneração da folha foi maior que o benefício esperado (link aqui).
Bolsonaro, quase certamente orientado por Paulo Guedes, vetou a prorrogação das
desonerações. E difícil entender a razão de mesmo com tantos argumentos
contrários o Congresso insiste na possibilidade de derrubar o veto de Bolsonaro
à prorrogação, mentira, não é difícil, mas isso é assunto para outro post.
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