sexta-feira, 17 de abril de 2020

Isolamento por atividades e unidades da federação até 11/04

Domingo fiz um post usando os dados do Google COVID-19 Community Mobility Reports (https://www.google.com/covid19/mobility/) para comparar o isolamento nos estados e no DF. Hoje vi que o Google liberou o arquivo com todos os dados e resolvi atualizar o post mostrando como está o isolamento dia após dia. Os indicadores são calculados tomando como referência as idas em tempos de permanência em cada tipo de área em proporção ao período de referência que é definido como a mediana para o mesmo dia da semana no período entre três de janeiro e seis de fevereiro de 2020. As áreas são as mesmas do post anterior:


  • Compras e recreação (Retail & recreation): restaurantes, cafés, shopping centers, parques temáticos, museus, bibliotecas e cinemas.
  • Mercados e farmácias (Grocery & pharmacy): mercearias, armazéns, quitandas, mercados, drogarias e farmácias.
  • Lazer (Parks): parques e jardins públicos, praias, marinas, praças e parques para cães.
  • Terminais de transportes (Transit stations): estações de metrô, trem e pontos de ônibus.
  • Locais de trabalho (Workplaces): locais de trabalho.
  • Áreas residenciais (Residential): áreas residenciais.


A figura abaixo mostra o comportamento de todos as unidades da federação e destaca na cor mais escura o isolamento no Brasil. É interessante notar que apesar dos estados não terem coordenado as medidas de isolamento o padrão é razoavelmente semelhante entre eles. Nas áreas residenciais ocorre um aumento do movimento de pessoas, quedas de movimento forte nas áreas de lazer, compras e recreação, locais de trabalho e terminais de transportes, quedas leves nas áreas de mercados e farmácias.




A próxima figura repete a anterior, porém como escalas diferentes para o eixo vertical (eixo y). A comparação entre as diferentes áreas fica comprometida, mas fica mais fácil observar as variações em cada área. Na figura é possível observar que no final de março começou um aumento da dispersão no movimento em áreas residenciais e um aumento do movimento nas áreas de compras em recreação. No Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul os desvios em relação ao período de referência nas áreas de compras e recreação ficam maiores que -30 no dia nove de abril.




A última figura reproduz a anterior considerando apenas Amazonas, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Distrito Federal. Os quatro primeiros são os candidatos a problemas mais sérios nos próximos dias, Amazonas e Ceará já anunciaram falta de vagas em UTIs, e o último é onde moro que aparentemente saiu da lista de mais propensos a problemas sérios. Os cinco seguem padrões semelhantes, o maior destaque parece ser a menor queda do movimento em terminais de transportes em São Paulo e a maior no Ceará.

No geral dois pontos me chamaram atenção. O primeiro é a semelhança entre o padrão de isolamento das unidades da federação, mesmo sem uma lei nacional ou uma coordenação entre os governadores todos os estados e o DF apresentaram quase o mesmo padrão de queda, estabilidade ou aumento em cada uma das áreas. O segundo, que pode ser preocupante, é o aumento do movimento em áreas de compras e recreação e nos terminais de transportes observado em vários estados.






quinta-feira, 16 de abril de 2020

Avaliação do impacto da Covid-19 no crescimento esperado a partir das estimativas do FMI em outubro de 2019 e abril de 2020


Com a divulgação dos dados do Outlook do FMI (ver aqui) é possível ter uma visão mais ampla das estimativas de impacto da Covid-19 no crescimento dos diversos países. Para fazer esse post considerei todos os países com mais de dez milhões de habitantes e com previsão para crescimento em 2020 na base de dados de outubro de 2019 e na base de dados de abril de 2020, foram 87 países.  A diferença entre a previsão de crescimento em outubro de 2019 e abril de 2020 é o que vou chamar de impacto da Covid-19 na estimativa de crescimento.

A figura abaixo mostra e compara o impacto da pandemia no Brasil e em outros países selecionados com o impacto em todos os países da amostra. No eixo horizontal está o impacto em cada país, o eixo vertical mostra quantos países sofrerão um impacto maior que o do país. Por exemplo, em outubro de 2019 a estimativa de crescimento para Argentina era de -1,281%, em abril de 2020 essa estimativa caiu para -5,719, o impacto da Covid-19 na estimativa de crescimento da Argentina é de -5,719 - (-1,281) = -4,438 e 75,9% dos países sofrerão um impacto maior do que a Argentina.



Como mostra a figura o impacto no Brasil será menor que no Chile, México, EUA e Alemanha, porém maior que na Bolívia, Equador e Colômbia. De forma mais precisa, o impacto no Brasil será de -7,342 e 32% dos países da amostra sofrerão um impacto maior que o Brasil, ou seja, se as estimativas do FMI estiverem corretas vamos sofrer um impacto significativo.




A previsão para o Brasil é de queda de 5,3% do PIB, é uma queda forte mesmo considerando nossa renda per capita em 2019. A figura abaixo mostra a relação entre PIB per capita e crescimento previsto para 2020 destacando os mesmos países da figura anterior e os grupos de países conforme classificação do FMI. Repare que a queda no PIB será mais acentuada nos países avançados. O grupo com melhor desempenho é a África subsaariana, 17 dos 27 países com previsão de crescimento em 2020 pertencem a esse grupo.




A próxima figura mostra o crescimento previsto em abril de 2020 em comparação ao crescimento previsto em outubro de 2019. Em todos os países o crescimento previsto em 2020 e menor que o previsto em 2019, isso deixa claro o impacto global da Covid-19. A reta de regressão está na figura apenas para ajudar na visualização, uma reta de 45º, mais adequada para esse tipo figura, só causaria distorções pois passaria muito acima de todos os pontos.

A avaliação do impacto por grupos de países confirma que os países avançados serão os mais atingidos. Tomando a média dos países de cada grupo, nos países avançados o crescimento de 2020 previsto em abril deste ano ficou 8,3% menor que o previsto em outubro do ano passado. Na África subsaariana a queda estimada foi de 4,6%, na América Latina e Caribe, a nuestra America, a queda foi de 6,5%. A figura abaixo mostra o impacto da Covid-19 em todos os grupos de países.




Considerando apenas os países que ficaram na amostra, as estimativas do FMI apontam que o impacto do coronavírus no Brasil vai ser menor do que no Peru, no México e no Chile. O menor impacto corre na Argentina, talvez por ser o único país do grupo onde havia previsão de queda do PIB já em 2019.




Em termos de previsão de crescimento para 2020 a maior queda deve ser no México, seguido de Equador e Argentina, logo após vem o Brasil. A menor queda está prevista para acontecer na República Dominicana. Dos países da América do Sul que estão na amostra a menor queda deve ser na Colômbia.




O balanço geral da comparação das estimativas de crescimento é desolador. A média de crescimento dos 87 países da amostra que era de 3,6% em outubro de 2019 virou uma queda de 2,6% em abril de 2020, a mediana foi de 3,1% para -3%. Nas previsões de 2019 apenas o Sudão (-1,5%) e a Argentina (1-,3%) teriam queda no PIB em 2020, agora a previsão é que 60 países terão queda no PIB. As maiores quedas estão previstas para Grécia, 10%, Itália, 9,1%, Portugal e Espanha, ambos com 8%.

Se serve de consolo registro que a incerteza é tão grande que mesmo previsões de instituições renomadas como o FMI devem ser olhadas com muita cautela, há uma enorme margem para erros. O problema é que não temos a menor ideia se os erros são para mais ou para menos;


terça-feira, 14 de abril de 2020

Como votaram os deputados no pacote de socorro aos estado, aka bomba fiscal, aprovado na Câmara?


Ontem a Câmara aprovou uma versão completamente distorcida do era conhecido como Plano Mansueto (ver aqui), um projeto destinado a socorrer estados com graves problemas fiscais em troca de contrapartidas que consistiam em escolher três das oitos medidas abaixo:

  • I - autorização para privatização de empresas dos setores financeiro, de energia, de saneamento ou de gás, com vistas à utilização dos recursos para quitação de passivos;
  • II - redução de, no mínimo, 10% (dez por cento) dos incentivos ou benefícios de natureza tributária dos quais decorram renúncias de receitas, instituídos por lei estadual, distrital ou municipal, no primeiro exercício subsequente à assinatura do Plano, ressalvados os benefícios ou incentivos concedidos por prazo certo e em função de condições determinadas e aqueles instituídos na forma estabelecida pela alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição, além da suspensão das concessões de novos incentivos ou benefícios de natureza tributária pelo período de duração do Plano;
  • III - revisão do regime jurídico único dos servidores da administração pública direta, autárquica e fundacional para suprimir os benefícios ou as vantagens não previstas no regime jurídico único dos servidores públicos da União;
  • IV - instituição de regras e mecanismos para limitar o crescimento anual das despesas correntes à variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, ou de outro que vier a substituí-lo, ou à variação anual da receita corrente líquida apurada na forma do inciso IV do caput do art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 2000, o que for menor;
  • V - eliminação das vinculações de receitas de impostos não previstas na Constituição e das vinculações que excedem aos limites previstos na Constituição;
  • VI - adoção do princípio de unidade de tesouraria, observado o disposto no art. 43 da Lei Complementar nº 101, de 2000, com vistas a implementar mecanismos de gestão financeira centralizada junto à Secretaria do Tesouro do ente federativo, ao qual cabe estabelecer as condições para o recebimento e a movimentação dos recursos financeiros, inclusive a destinação dos saldos não utilizados quando do encerramento do exercício;
  • VII - adoção de reformas e de medidas estruturantes na prestação do serviço de gás canalizado, de forma a refletir boas práticas regulatórias, inclusive no tocante aos consumidores livres, de acordo com diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; ou
  • VIII - contratação dos serviços de saneamento básico, pelo seu titular, de acordo com o modelo de concessões de serviço público previsto na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e, quando houver companhia de saneamento, a adoção do seu processo de desestatização.


Com a chegada do coronavírus seria razoável esperar alguma ajuda do governo federal aos estados e mesmo um adiamento das condições do Plano Mansueto original, por exemplo, o estado que escolhesse autorizar privatizações poderia aprovar ainda este ano, mas só realizar a venda em 2021. Outra possibilidade seria suspender por dois anos todo e qualquer reajuste para servidores de estados e municípios que resolvessem aderir ao plano se socorre. Ocorre que, liderados por Rodrigo Maia (DEM-RJ), os deputados resolveram jogar para escanteio a necessidade de contrapartidas e ainda criaram a figura de um seguro contra perdas de receitas a ser bancado pela União.

Como o modelo aprovado pelos deputados (ver aqui) um estado que não arrecadar nada de ICMS no período de vigência da medida terá uma receita igual à do ano passado paga pela União. Considerando que em janeiro e fevereiro deste ano a receita de ICMS para o país como um todo foi menor do que a do ano passado para os mesmos meses, é possível que a pandemia de Covid-19 deixe os governadores com mais receitas do que teriam sem a pandemia. Não por acaso já se fala de aumento para servidores no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Para a coisa não ficar tão escandalosa colocaram uma restrição para concessão de benefícios fiscais, mas, como ninguém é de ferro, abriram uma avenida para escapar da restrição. A malandragem está no nono parágrafo do segundo artigo:

§ 9º Será considerado nulo o ato que conceda ou amplie incentivo ou benefício de natureza tributária, nos termos do art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 05 de maio de 2000, bem como isenção em caráter geral, diferimento, suspensão, alteração no prazo de recolhimento, ou benefício de natureza financeira ou creditícia que reduza a arrecadação de ICMS e do
ISS, ressalvadas:
I - a postergação de prazo de recolhimento de impostos por
microempresas e pequenas empresas; e
II - as renúncias e benefícios diretamente relacionadas ao
enfrentamento da Covid-19, se requeridas pelo Ministério da Saúde ou para
preservação do emprego.

É fácil imaginar alternativas para justificar muitas coisas com a exceção prevista no inciso II. A verdade é que ontem a Câmara armou uma das maiores bombas fiscais fá vistas no país.

Dada a importância da medida, creio que é justo que o eleitor saiba como cada deputado votou, o Poder 360 fez a lista com essa informação (ver aqui). Não faz muito sentido reproduzir a lista nesse post, dessa forma vou me limitar a agrupar os dados por partido e por unidades da federação.

Analisando por partido é fácil ver que, com exceção do PSL, todos os partidos deram forte apoio à medida. Como esperado PT e PCdoB deram 100% de votos a favor do projeto, na lista de apoio total estão também Avante, PV e Rede (que só tem um deputado), o PSOL não ficou com 100% porque as deputadas Luiza Erundina (SP) e Áurea Carolina (MG) faltaram à votação. Dos partidos que costumam defender ajuste fiscal destaco o PSDB com trina e dois votos favoráveis, apenas o deputado Pedro Cunha Lima (PB) votou contra, e o NOVO que de forma surpreendente deu seis votos favoráveis e apenas dois, Gilson Marques (SC) e Marcel van Hattem (RS) contrários. No DEM foram vinte e três votos favoráveis, uma falta e três votos contrários dados pelos deputados Kim Kataguiri (SP), Pedro Lupion (PR) e Sóstenes Cavalcante RJ). A figura abaixo resume o voto de todos os partidos. 



Da “bancada” do Livres (ver aqui), um movimento liberal que não é organizado como partido, votaram “sim” os deputados Franco Cartafina (PP-MG), Marcelo Calero (Cidadania-MG) e Tiago Mitraud (NOVO-MG), os deputados Alex Manente (Cidadania-SP), Daniel Coelho (Cidadania-PE), Gilson Marques (NOVO-SC) e Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) votaram “não”. Confesso que, assim como no caso do NOVO, eu esperava uma rejeição maior ao projeto por parte da turma do Livres.
  
Agrupando por unidades da federação é possível observar que a propostas venceu fácil em todos os estados e no DF. O estado com menos adesão foi Santa Catarina, 56% dos cotos favoráveis, na outra ponta Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Piauí, Roraima, Sergipe e Tocantins deram 100% dos votos pela aprovação do projeto. Vale registrar que nenhum dos estados que deram apoio total são das regiões Sul e Sudeste o que parece contrapor a tese que o governo é contra o pacote porque esse beneficiaria excessivamente os estados mais ricos. Por outro lado, o resultado pode apenas refletir uma maior homogeneidade em estados com bancadas maiores. Em São Paulo a adesão foi de 70% e aqui no DF foi de 75%, os votos contrários foram das deputadas Bia Kicis (PSL) e Paula Belmonte (Cidadania). A figura abaixo resume os votos por unidade da federação.




Os números mostram que o pacote do Maia, eu devia ter escrito bomba fiscal do Maia, recebeu forte apoio na Câmara tanto no corte por partidos quanto no corte por estados. Isso pode ser um sinal que reverter no Senado a decisão da Câmara será uma tarefa árdua, mas que tem que ser tentada. O governo vai ter de trabalhar para deixar claro que vai ajudar estados e municípios, mas não na forma desastrosa aprovada pela Câmara. Se o esforço no Senado falhar o certo a fazer é vetar o projeto e, se necessário for, buscar alguma falha no projeto que permita recursos ao STF. Em último caso vale um veto nem que seja para ser derrubado, isso pelo menos forçaria que os defensores da bomba fiscal passassem recibo do que estão fazendo. Alô pessoal do Novo e do Livres, estou de olho!


domingo, 12 de abril de 2020

Covid-19 e o movimento por áreas de interesse no Brasil


Ontem estava olhando um post no R-bloggers ensinando como pegar dados do Google de movimentação em áreas específicas em diversos países (link aqui). Por conta disso resolvi olhar o relatório para o Brasil e avaliar como o isolamento está afetando o movimento nessas áreas por aqui e agora compartilho alguns números com os leitores do blog. Os dados são Google - COVID-19 Community Mobility Reports (link aqui).

Os indicadores são calculados tomando como referência as idas em tempos de permanência em cada tipo de área em proporção ao período de referência que é definido como a mediana para o mesmo dia da semana no período entre três de janeiro e seis de fevereiro de 2020. Para este post vou usar os dados referentes a cinco de abril que é o último período da amostra, desta forma o período de referência é a mediana dos domingos entre três de janeiro e seis de fevereiro. Quando os dados estiverem maias atualizados eu já devo ter conseguido puxar os dados para todos os dias, afinal é do que trata o post no R-bloggers, e vou tentar fazer comparações com outros dias da semana, se ficar interessante coloco os resultados em outro post.

São avaliadas as movimentações nos seguintes tipos de áreas:
  • Compras e recreação (Retail & recreation): restaurantes, cafés, shopping centers, parques temáticos, museus, bibliotecas e cinemas.
  • Mercados e farmácias (Grocery & pharmacy): mercearias, armazéns, quitandas, mercados, drogarias e farmácias.
  • Lazer (Parks): parques e jardins públicos, praias, marinas, praças e parques para cães.
  • Terminais de transportes (Transit stations): estações de metrô, trem e pontos de ônibus.
  • Locais de trabalho (Workplaces): locais de trabalho.
  • Áreas residenciais (Residential): áreas residenciais.

A figura abaixo mostra o indicador em cada uma das áreas para o Brasil.




A maior queda de movimento ocorreu nas áreas de compras e recreação (67%), seguida de perto pelas áreas de lazer (66%), a menor queda foi nas áreas dedicadas a mercados e farmácias. O movimento nos locais de trabalho pode estar comprometido pela data ser um domingo, mas, mesmo assim, ocorreu uma queda de 30%. Como esperado o movimento em áreas residenciais aumentou. A magnitude da queda e áreas associadas a recreação e lazer, atividades voluntárias, sugere que houve adesão da população às medidas de isolamento. Naturalmente em locais que estavam fechados ou com acesso proibido por conta de decisão de prefeitos ou governadores a adesão não pode ser classificada de voluntária.

Apesar do Google dos riscos de comparar regiões diferentes, precisão e classificação de locais mudam de uma região para outra, no restante do post vou mostrar o movimento nas áreas acima por unidades da federação. A figura abaixo mostra a variação de movimento em locais dedicados a compras e recreação.




As maiores quedas ocorreram no Ceará e em Santa Catarina, ambos 74%, na sequência vieram Paraíba, Pernambuco e Amapá. As menores queda ocorreram em Tocantins, Rondônia e Mato Grosso. Apesar de inicialmente terem se destacado como áreas de preocupação o Distrito Federal, o Rio de Janeiro e São Paulo não se destacaram na redução de movimento em áreas de compras e recreação. Dessas três unidades da federação a maior queda foi no Rio de Janeiro (69%), seguida de São Paulo (67%) e Distrito Federal (64%).

A próxima figura mostra a queda na movimentação em áreas de mercados e farmácias. É natural que essa queda tenha sido menor que em outras áreas, afinal são comércios essenciais. Nessas áreas a maior queda ocorreu em santa Catarina (37%), seguida pela queda na Bahia (33%) e Piauí (32%). A menor queda ocorrer em Rondônia (11%), no Pará a queda foi de 16%, Goiás e Maranhão tiveram queda de 18%. Mais uma vez Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal não tiveram entre as unidades com maiores quedas.

  
Nas áreas de lazer novamente Santa Catarina liderou a queda (80%), desta vez o Rio de Janeiro teve destaque com uma queda de 78% segundo do Espírito Santo com queda de 72%. As menores quedas ocorreram em Tocantins (29%), Rondônia (30%) e Goiás (37%), é possível que o fato de nenhum dos três ter praias tenha contribuído para esse resultado. De fato, a queda média do movimento em áreas de lazer foi de 71% nos estados cuja capital tem praia e 50% nos estados onde as capitais não têm praia.




As maiores queda em áreas de transporte foram observadas em Sergipe (79%), no Piauí (77%) e no Amapá (73%). A data de referência ser um domingo ajuda aumentar o tamanho da queda no uso de transportes, mas a análise dos gráficos com o período completo que está no documento do Google sugere que nos outros dias também ocorreram fortes quedas.




O movimento no local de trabalho também sofre efeitos da comparação ser feito entre domingos, ao contrário do uso de transportes nos locais de trabalho a queda nos domingos tende a ser menor que nos outros dias. De toda forma, vale registrar que Rio de Janeiro e Santa Catarina tiveram a menor redução de movimentos nessas áreas (35%), seguidos do Distrito Federal (33%) e São Paulo (32%). A referência no domingo pode ter uma vantagem na análise do DF porque muitos servidores públicos normalmente não trabalham aos domingos, dessa forma a variação tem menos efeito do serviço público.




O movimento nas áreas residenciais, como esperado, aumentou em todos os estados e no Distrito Federal. Os maiores aumentos ocorreram no Rio Grande do Sul e no Rio Grande do Norte (18%), seguidos por Santa Catarina, Distrito Federal e Piauí (17%). Parte desse aumento pode por conta de pessoas que trocaram idas a shoppings, parque ou praias por movimentação nas redondezas de onde moram.




Para encerrar o post calculei as médias dos indicadores, com exceção do movimento nas áreas residenciais, depois de imaginar várias possíveis formas de ponderar cada área decidi usar uma média simples. A figura abaixo mostra os resultados. Pelo critério de média simples o estado onde ocorreu o maior isolamento foi Santa Catarina, queda de 59,6% na média de movimento das áreas, seguido da Bahia (54,6%) e do Ceará (53,8%).  Os menores isolamentos ocorreram em Rondônia (36,2%), Tocantins (36,8%) e Mato Grosso (37%).




No computo geral os números mostram que houve um engajamento da população, em alguns casos por conta de intimidação, nos esforços de isolamento. As quedas de 67% e 66% no movimento em áreas de compras e recreação e de lazer me parecem significativa (se eu conseguir arrumar os dados faço uma comparação com outros países, mas como referência as quedas nos EUA no mesmo período foram de 49% e 20%, respectivamente), as quedas menores em outras áreas podem ser explicadas por necessidades de compras, como em mercados e farmácias, ou por necessidade de trabalhar. Também é possível observar que, mesmo com diferentes graus de adesão, os esforços de isolamento podem ser percebidos em todos as unidades da federação.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Crescimento do PIB em tempos de Gripe Espanhola


Em tempos de pandemia foi impossível resistir à tentação de olhar para o passado e observar o que aconteceu em outros casos do tipo. É um exercício arriscado, os tempos são outros e tanto a medicina quanto a economia são muitos diferentes do que eram naquela época para permitir comparações impunemente.

Tome como exemplo a Gripe Espanhola, uma das grandes pandemias da história que atingiu o mundo nos anos de 1918, 1919 e 1920. Naquela época o mundo saia da Grande Guerra e observava a Revolução Russa de 1917, como separar os efeitos da Guerra, da Revolução e da Gripe Espanhola? A integração do mundo também era diferente, por mais que existisse comércio entre empresas e famílias de diferentes nações não é possível comparar com o mundo atual de aviões gigantes cruzando os céus e tecnologia da informação conectando as pessoas. A medicina então nem se fala, vivemos em outro planeta em relação a nossos antepassados que enfrentaram aquela pandemia.

Mesmo com todas essas diferenças, não resisti e fui olhar o crescimento do PIB nos diversos países entre 1918 e 1920. Não pretendo com isso estimar o que vai acontecer com o PIB nos próximos anos, deixo a tarefa para colegas mais chegados às artes das previsões, faço principalmente por curiosidade. Como se trata anterior à II Guerra usei os dados do Maddison Project (MPD 2018), uma das melhores e mais usadas fontes de dados históricos em economia. Selecionei os países com mais de um milhão de habitantes e dados completos para o período 1915 e 1925, para calcular o PIB multipliquei a variável rgdpnapc (medida de PIB per capita mais adequada para comparação de taxas de crescimento) e multipliquei pela população. A amostra ficou com trinta e oito países.

A média de crescimento dos países da amostra foi de 0,3% em 1918, 4,64% em 1919 e 3,12% em 1920, em nenhum dos anos a média foi negativa. A maior queda de PIB em 1918 foi de 21,1% e aconteceu na França, em 1919 a maior queda foi de 19,5% na Alemanha. É muito provável que o desastre na França em 1918 esteja mais associado à I Guerra do que à Gripe Espanhola, a segunda maior queda de 1918 foi na Bélgica, e o da Alemanha esteja mais associado as reparações de guerra, o Tratado de Versalhes foi assinado em junho de 1919 e a segunda maior queda foi na Áustria. Reforça a tese de que a queda está associada à I Guerra o fato que em 1919 a Bélgica cresceu 18% e a França cresceu 17,8%. A maior queda de 1920 foi de 20,4% e ocorreu no Uruguai.

A figura abaixo mostra a menor variação do PIB em cada ano para cada um dos países da amostra. Em 21 dos 39 dos países a menor variação ocorreu em 1918, linhas em verde, o que pode ser um indício de um forte efeito da I Guerra nesses números. Em dez países a maior queda foi em 1919 e em sete países a maior queda foi em 1920. Dos cinco países com maiores queda no período, quatro (Áustria, Bélgica, Alemanha e França) estiveram diretamente envolvidos na I Guerra. O quinto da lista, o Uruguai, teve uma nova Constituição promulgada em 1918 que entrou em vigor em 1919 e trouxe reformas importantes para o país.



Sete países da amostra não tiveram queda de PIB em nenhum dos anos entre 1918 e 1920, na Colômbia o menor crescimento foi de 6,2% em 1918, no ano seguinte o crescimento foi de 8,9%. Nos Estados Unidos ocorreu queda do PIB apenas em 1920 (-0,95%), em 1918 o PIB cresceu 9%. O Reino Unido, que também teve grande envolvimento na i Guerra, teve queda do PIB nos três anos, a maior foi de 12% em 1919. A figura abaixo mostra o crescimento do PIB no Brasil entre 1916 e 1925, a queda de 2% em 1918 foi bem mais do que compensada pelos crescimentos de 13,2% em 1919 e 9,9% em 1920.




Como disse no começo é difícil tirar lições para nossos tempos da pandemia de 1918-1920, o exercício deve ser visto mais como uma curiosidade do que como uma busca por insights. De toda forma é interessante registrar que as maiores quedas de PIB em 1918 e 1919 parecem mais associadas à guerra e as reparações de guerra do que à Gripe Espanhola e que, pelo menos no Brasil, a queda de 1918 foi mais do que compensada nos anos seguintes.


segunda-feira, 6 de abril de 2020

Medidas econômicas para enfrentar a Covid-19 no Brasil e no mundo


Ontem comentei no Twitter e no Facebook a respeito de um trabalho elaborado por Ceyhun Elgin, Gokce Basbug e Abdullah Yalaman (link aqui) a respeito das medidas que os países estão tomando para combater e aliviar os efeitos econômicos da Covid-19. No trabalho os autores apresentam várias métricas que tentam capturar a intensidade das políticas fiscais, monetárias e de balanço de pagamentos e elaboram um índice para medir a intensidade dos estímulos à economia em resposta à pandemia de Covid-19, o índice é chamado de CESI (do inglês: Covid-19 Economic Stimulus Index). Nesse post analiso os indicadores de política monetária e fiscal para ver como o Brasil está se saindo na comparação com outros países.

Como vou comentar vários indicadores considerei apenas os países em que estão disponíveis dados para todos os indicadores de política fiscal e monetária bem como o PIB per capita e o CESI, dessa forma fiquei com cento e quarenta e três países da amostra original de cento e sessenta e seis países. O CESI do Brasil foi de 0,09, de todos os países da amostra o maior foi observado no Bahrein, 4,85, e o menor na Argélia, -4,25. Nossos estímulos para amenizar os efeitos econômicos da Covid-19 medidos pelo CESI estão abaixo da média, 0,15, mas estão acima da mediana, -0,21. A figura abaixo mostra a CESI de todos os países da amostra e destaca alguns países da América Latina, China, Estados Unidos, Itália, Japão e Suécia. A reta de regressão é apenas ilustrativa, não recomendo tirar conclusões sem maiores cuidados. No grupo em destaque da América Latina apenas o Chile teve um CESI maior que o do Brasil.




O indicador fiscal leva em conta o tamanho dos gastos realizados para enfrentar a Covid-19 como proporção do PIB, no artigo essa medida para o Brasil é de 3,5. Na amostra como um todo a média é de 2,4 e a mediana é de 1. Em vinte e dois países o esforço fiscal foi zero e em dois países foi negativo, retirando esses países da amostra a média sobe para 2,9 e a mediana vai para 1,4, ainda estamos acima da média e da mediana. No grupo da América Latina em destaque apenas o Chile teve um pacote fiscal maior do que o brasileiro como proporção do PIB. A figura abaixo mostra o indicador fiscal para os países onde esse indicador foi maior que zero.




O próximo indicador que vou comentar mede o corte nos juros em relação à taxa vigente no começo de fevereiro. No Brasil esse indicador é de 28,5, a média da amostra é 13,20 e a mediana é zero, o maior valor foi igual a 100 e ocorreu nos Estados Unidos. Em setenta e sete países o indicador é zero, ou seja, não houve corte de juros, e em quatro o indicado é negativo. Retirando esses países da amostra a média passa ser 31,7 e a mediana 22,2, desta forma nosso corte de juros foi menor que a média dos países que cortaram, que é muito afetada pelos Estados Unidos, e menor que a mediana. No grupo da América Latina mais uma vez apenas o Chile teve o indicador maior que o do Brasil. A figura abaixo mostra o PIB per capita e a indicador de corte de juros para os países onde o indicador é positivo.



O indicador de medidas macro-financeiras mede a intensidade das medidas tomadas para estabilizar o mercado financeiro e é medido como o tamanho desse pacote em relação ao PIB. No Brasil esse indicador foi de 3,2, a média da amostra é de 2,2 e a mediana é zero. Oitenta e um países não tomaram medidas macro-financeiras, retirando esses países da amostra a média passa a ser 5 e a mediana 2,9, dessa forma o Brasil está abaixo da média, mas acima da mediana, dos países que tomaram medidas macro-fianceiras. Nesse indicador o Brasil teve o maior valor dentre os países destacados da América Latina.




A tabela resume os resultados dos parágrafos anteriores, quando for o caso média e mediana 1 são as da amostra completa e média e mediana 2 são a das amostras com os países onde o indicador é positivo.

Indicador
Brasil
Média 1
Média 2
Mediana 1
Mediana 2
CESI
0,09
0.15
---
-0.21
---
Fiscal
3,5
2,4
2,9
1,0
1,4
Corte de juros
28,5
13,2
31,7
0
22,2
Macro-financeiro
3,2
2,2
5,0
0
2,9


Um último indicador quantitativo que está no artigo e vou comentar mede o rigor das medidas não econômicas tomadas pelo governo (no original é chamado de stringency), basicamente considere medidas na área de saúde (mais aqui). O indicador está disponível para setenta e três países, no Brasil o valor é de 71, a média da amostra é de 54,2 e a mediana é de 57. Como referência na Argentina o indicador de rigor é de 43, na Itália 81, no Japão 62 e nos Estados Unidos é de 19. O maior valor observado foi de 95 na Áustria e no Qatar.

Pelos números apresentados não creio ser correto afirmar que as medidas tomadas pelo governo brasileiro são modestas. Via de regra estamos acima da mediana nos indicadores e em muitos casos estamos acima da média, o resultado acima da mediana permanece quanto dão retirados da amostra os países que não tomaram a medida em questão.


domingo, 5 de abril de 2020

The Economist e o impacto da Covid-19 nas economias dos países do G20.


Enquanto não soubermos a duração das medidas de isolamento que estão sendo tomadas para reduzir a velocidade de contágio da Covid-19 não será possível obter estimativas confiáveis do estrago que esta pandemia vai causar nas economias de todos os países do mundo. A relação é direita, se, por milagre, amanhã aparecer um remédio barato e de fácil acesso capaz de curar e imunizar a todos, então as empresas retomarão as atividades e as pessoas voltarão a comprar. Neste caso os empregos que ainda não foram destruídos serão retomados e o estrago causado pelo coronavírus não será tão grande. Porém, se até setembro ou outubro não aparecer uma cura ou uma vacina e tivermos de sair do isolamento, mesmo que parcial, no desespero e sem confiança para comprar ou investir o estrago será enorme. No meio do caminho existem várias possibilidades, casa uma com impacto diferente na economia.

Mesmo com tanta incerteza a unidade de inteligência da revista The Economist resolveu elaborar previsões para o crescimento em 2020 para os países do G20 já levando em conta os efeitos da Covid-19 (link aqui). Dado que a fonte é respeitada e fazia tempo que não postava aqui, resolvi comparar as previsões pré-crise com as previsões pós-crise.

Antes da crise a média de crescimento dos países do G20 previsto pela The Economist era de 2%. O maior crescimento foi previsto para Índia, 6%, seguida de China, 5,9%, e Indonésia, 5,1%, apenas a Argentina tinha previsão de queda no PIB. Neste mundo pré-crise o crescimento do Brasil estava previsto em 2,4%, menor apenas que os dos três já citado e da Turquia, 3,8%. A figura abaixo mostra o crescimento previsto antes da crise.




Como era de se esperar a pandemia mudou todo o cenário, a média das previsões pós-crise aponta uma queda de 3%, apenas Índia, 2,1%, Indonésia, 1%, e China, 1%, vão crescer este ano de acordo com as previsões da The Economist. A maior queda é prevista para Itália, o Brasil deve ter a quarta maior queda de PIB com uma variação de -5,5%. Além da Itália, apenas Alemanha e Argentina têm previsão de queda no PIB maiores que no Brasil. A figura mostra o crescimento previsto depois da crise.




Um último exercício consiste em comparar os números das duas figuras. A maior diferença entre o crescimento previsto antes da crise e o crescimento previsto depois da crise é observada no Brasil. A valer as previsões da The Economist dentre os países do G20 o Brasil é o que terá a maior perda de crescimento por conta da Covis-19, a figura abaixo ilustra a diferença entre as previsões de crescimento antes de depois da pandemia.




O artigo da The Economist Intelligence Unit não aprofunda na discussão das razões para uma variação tão grande no Brasil, eu também não vou fazer isso. Está tudo muito incerto para arriscar análises mais profundas, resta seguir buscando alternativas para minimizar o impacto da crise na economia e manter a esperança que o pessoal da áreas de saúde, que tem a liderança nesta crise, encontre o mais rápido possível uma cura, uma vacina ou alguma outra forma de superar essa pandemia e permitir que voltemos à nossas vidas normais.