O fracasso dos planos que buscaram combater a inflação via controle
de preços de certa forma ensinaram a sociedade brasileira a respeito dos riscos
do governo tentar determinar os preços dos diversos bens e serviços existentes
na economia. Hoje dificilmente um presidente conseguiria a popularidade obtida
por Sarney com um plano econômico no estilo do Plano Cruzado, pode ser excesso
de otimismo meu, mas não consigo imaginar a classe média tentando fechar
supermercados com botons de fiscal da Dilma. É verdade que algumas tentativas
de controlar preços continuam até hoje, um caso famoso foi o controle de preços
dos combustíveis, mas é feito de forma meio envergonhada e sem muito alarde.
Hoje o brasileiro bem informado médio sabe (?) que se um
preço está alto não será por meio de um decreto presidencial que o preço será
reduzido. Dificilmente um político será eleito prometendo abaixar o preço do
pão ou da carne, talvez seja eleito prometendo ônibus de graça, mas ainda assim
será bastante questionado. O famoso esquete dos trapalhões onde Mussum (link
aqui) se revolta com o governo ao descobrir que o preço da pinga vai subir é tão uma piada dos anos 80 como são tantas outras piadas
da trupe inaceitáveis para os padrões politicamente corretos de hoje. Sei que
posso está pecando por excesso de otimismo, um pecado que detesto cometer, mas
de certa forma acredito no que estou dizendo.
Curiosamente dois preços foram excluídos da compreensão que
preços não são determinados pela vontade do governo: o câmbio e os juros. Assim
como Mussum acreditava que o preço da pinga era uma decisão do governo vários brasileiros
bem informados parecem acreditar que a taxa de juros é uma decisão do governo. Que
se o governo quiser a taxa de juros brasileira pode cair para próximo de zero,
alguns ainda acreditam que tal queda só terá efeitos positivos e só não
acontece porque o governo teme os poderosos e malvados rentistas. Nada mais
longe da verdade. A taxa de juros como qualquer outro preço é determinada por
uma série de relações complexas (vão pegar no meu pé, mas vou deixar o termo) que
torna praticamente impossível calcular qual é a taxa certa, da mesma forma as
mudanças na taxa de juros, como em qualquer outro preço, causam efeitos
complexos (olha o termo aí de novo) que dificilmente podem ser capturados por
um modelo econômico. Ninguém tratou do assunto melhor que Hayek, para os
interessados recomendo a leitura do clássico The use of knowledge in society, link aqui.
Sendo assim o que fazer? Uma resposta seria não fazer nada,
o governo deixa o mercado operar livremente para determinar a taxa de juros, a resposta
ficaria completa se o governo também abrisse mão do monopólio da moeda deixando
de ser o guardião da estabilidade de preços. Tenho vários amigos que se dariam
satisfeitos com esta reposta e diriam que qualquer outra resposta seria um
flerte com o socialismo. Respeito os que pensam assim, talvez até os inveje um
pouco, mas meu excesso de pragmatismo me impede de aceitar tal resposta. Não
sou bom de pensar em mundos ideais, penso no mundo que temos e neste mundo o
governo tem o monopólio da emissão de moeda e é um player gigantesco no mercado
de fundos emprestáveis. Sendo assim o governo pode influenciar, não determinar,
a taxa de juros e via de regra quando o governo pode fazer algo o governo fará.
Sendo assim é preciso algum critério para decidir se o governo vai tentar influenciar
a taxa de juros para cima ou para baixo.
Estou entre os que acreditam que o critério é a inflação. Se
a inflação está na alta o governo, via Banco Central, age para elevar a taxa de
juros, se a inflação está baixa o governo, também via banco Central, age para reduzir
a taxa de juros. Repare que disse “age para”, não foi por acaso, não raro o
governo age para conseguir uma coisa e consegue outra. Um exemplo recente ocorreu
quando o governo Dilma decidiu que ia tomar várias medidas coordenadas para
reduzir a taxa de juros, até conseguiu por um tempo, mas depois a taxa de juros
voltou a subir e acabou maior do que estava antes do esforço do governo, tratei
do assunto aqui no blog (link aqui)
É claro que o aumento da taxa de juros trará efeitos ruins
para alguns agentes econômicos, em particular os que demandam fundos
emprestáveis, ou sejam, os que pegam dinheiro emprestado. Talvez por conta
disso e de uma certa rejeição moral a quem recebe juros, Shylock sempre será o
bandido, seja tão difícil aceitar juros como um preço determinado pelo mercado
e tão fácil pensar nos juros como resultado da vontade política de um governo
pervertido, perceba que não estou afirmando que o governo não é pervertido.
Dois dos tais efeitos nocivos são citados toda vez que falo que os juros devem
subir: o custo da dívida e o efeito sobre o crescimento.
O argumento para o primeiro efeito é simples e direto: a
dívida paga a Selic, logo se a Selic aumenta o governo paga mais juros. Alguns
vão além e calculam o quanto custa um aumento de um ponto percentual na Selic. Lembra
quando falei que os efeitos de uma variação de preços são complicados de
prever? A figura abaixo ilustra meu ponto. Em azul e no eixo da esquerda está o
quanto governo paga de juros, em laranja e no eixo da direita está a taxa
Selic. Reparam que a o aumento explosivo do pagamento de juros não é
acompanhado por um aumento semelhante da Selic? Como pode ser? Magia? Trapaça
dos rentistas? Nada disso, apenas os outros fatores que não são tão óbvios, mas
que aparecem vez por outra para complicar nossas vidas e nossas análises. Agora
vou partir para provocação e dizer que parte do aumento nos juros nominais
pagos decorrem da resistência em aumentar a Selic! Como assim? Na verdade,
parte deste aumento decorre das operações de swap cambiais que o BC fez para
impedir a desvalorização do real e impedir que tal desvalorização levasse a uma
disparada da inflação. Um aumento dos juros tanto ajudaria a valorizar o real
quanto ajudaria a impedir o crescimento da inflação, ao não aumentar os juros o
BC partiu para os swaps e deu no que deu, outra parte vem do fato que alguns
títulos são indexados à inflação, sendo assim mesmo com a Selic constante o pagamento
de juros pode subir simplesmente por conta do efeito da inflação. Complicado
né? É sim, preços são uma desgraça! Por isso reforço o dito da sabedoria
popular: se não quer pagar juros, não pegue dinheiro emprestado. Se alguém
quiser acabar com a “farra do rentistas que vivem de emprestar dinheiro para o
Tesouro” o caminho é propor um plano de ajuste fiscal para em vinte anos acabar
com a dívida pública, caso alguém resolva fazer a proposta terá meu elogio,
minha simpatia e, se for de interesse, minha ajuda.
O segundo efeito é mais complicado, até que ponto a política
monetária afeta o investimento e a taxa de crescimento a curto, médio e longo
prazo é assunto de debate entre os economistas. Em sua versão mais comum o
argumento é que o aumento da Selic leva a um aumento da taxa de juros real de
forma que há uma redução na taxa de investimento e de crescimento. Curiosamente
o argumento ignora o efeito dos juros sobre a taxa de poupança, vindo de um
keynesiano ignorar tal efeito pode ser aceitável, muito mais difícil é entender
como a relação entre poupança e juros pode ser ignorada por economistas que
renegam a tradição keynesiana. Para um economista neoclássico como o autor do
blog uma redução forçada da taxa de juros vai reduzir a oferta de fundos
emprestáveis (poupança) e aumentar a demanda por fundos emprestáveis
(investimento), como oferta e demanda não estrão em equilíbrio a quantidade de
recursos emprestados, ou seja, o investimento de fato, será determinado pelo
que for menor, no caso a poupança. A lógica acima é modificada no caso de uma
economia aberta, não vou entrar na questão, creio que os possíveis efeitos de
um desequilíbrio já são visíveis para o leitor. Se a redução dos juros vier
acompanhada de um aumento na taxa de expansão da oferta de moeda, normalmente é
o caso, então além do desequilíbrio no mercado de fundos emprestáveis haverá aumento
da inflação.
A figura abaixo mostra a taxa de juros real acumulada em
doze meses para o Brasil desde meados da década de 1970. Para taxa de juros
usei a Over/Selic e para deflacionar usei o IGP, não fiz taxa esperada, ou
seja, deflacionei a taxa de cada mês pela inflação do mês, não é a melhor
forma, mas foi a mais fácil e creio que não compromete a análise. Peço que o
leitor atente para o longo período de taxas de juros reais negativas lá pelo começo
da década de 1980. Teria tal período levado a um ciclo de crescimento? Não vou
responder, apenas lembro ao paciente leitor que a década de 1980 é chamada de
década perdida. A verdade é que na sequência do período de juros reais
negativos tivemos uma grande depressão e um aumento descontrolado da inflação.
Estou dizendo que o desastre da década de 1980 pode ser explicado pela política
monetária? Não, longe disso, estou dizendo que a política monetária não evitou
o desastre a ainda contribui para o aumento da inflação.
Entre meados da década de 1980 e o começo da década de 1990
tivemos outros períodos de juros reais negativos, aqui a análise é dificultada
pela inflação gigantesca e pela sequência de choques heterodoxos que atingiram
a economia, de congelamento de preços a restruturação da dívida tudo foi
tentado no período e nada teve sucesso. Repare agora no longo período de taxas
reais positivas que tomou a década de 1990. O que aconteceu nesta década? A
estabilização da economia, a retomada do crescimento com taxas modestas, porém
maiores que as da década anterior, a redução da miséria e a melhora no IDH de
praticamente todos os municípios brasileiros. Estou dizendo que foi a política
monetária que fez isso? Novamente não, mas não impediu que isso acontecesse e
ainda ajudou a manter a estabilidade de preços. Em 2002 durante a crise do
final do governo FHC a taxa de juros reais voltou a ser negativa, por coincidência
ou não foi o período que a inflação saiu de controle, porém houve uma mudança
de governo e o novo governo, presidido por Lula, elevou as taxas de juros e
retomou o controle da inflação. Segue um novo longo período de taxas reais
positivas, a única interrupção ocorre em 2008, o ano da Crise Financeira. Mais
uma vez as taxas positivas vigentes nos governos Lula não impediram o crescimento
da economia nem a melhora nas condições de vida da população.
O governo Dilma toma posse prometendo reduzir juros,
estimular o investimento e recuperar a indústria, a promessa é que Dilma faria
o governo do PIBão. Depois de uma apertada na política monetária no começo do
mandato, qualquer semelhança entre a queda dos juros em 2002 e 2010 não é mera coincidência,
Dilma começou a cumprir a promessa de reduzir os juros, como esperado a
inflação subiu e o governo foi forçado a aumentar novamente os juros, porém em
uma magnitude menor que nos governos de FHC e Lula. Como o gráfico deixa claro
Dilma cumpriu a promessa de reduzir os juros, é visível que os juros reais no
governo Dilma foram menores que nos governos anteriores. Infelizmente o
cumprimento da promessa de reduzir os juros não levou aos outros resultados prometidos,
pelo contrário, a taxa de investimento caiu e estamos em uma crise que ameaça a
se tornar nossa maior crise do pós-guerra. A crise atual é culpa da política
monetária? Não, mais uma vez não, mas é fato que a redução dos juros não
impediu a crise e ainda ajudou no descontrole da inflação.
A história e os números estão aí para quem quiser fazer sua
própria leitura, aqui no post eu fiz minha leitura. Tomando por base minha
leitura a conclusão é que o Banco Central deve elevar os juros e só baixar
quando a inflação voltar para patamares razoáveis, se dependesse de mim, o
patamar razoável seria abaixo de 3% ao ano, mas me conformo com os 4,5%
definidos como centro da meta.
0 comentários:
Postar um comentário