A chegada de Nelson Barbosa ao Ministério da Fazenda foi
acompanhada de uma série de comentários receosos com uma expansão do gasto no
que seria a volta da Nova Matriz Econômica. A lógica que justifica o receio é
que sendo Nelson Barbosa um economista keynesiano ele acredita que qualquer
expansão do gasto público em qualquer tempo e lugar leva a um crescimento do
PIB, ocorre que não é assim que pensam todos os keynesianos e isso não deixa de
ser verdade se consideramos apenas os keynesianos chamados de heteredoxos. Caso
não acredite em mim leia o que disse José Oreiro (link aqui), presidente da
Associação Keynesiana Brasileira:
“Não necessariamente. No modelo keynesiano simplificado dos livro-textos introdutórios de macroeconomia é verdade que uma contração fiscal leva a uma queda do nível de atividade econômica e emprego. Mas a realidade é mais complexa do que isso...”
É bem verdade que alguns economistas keynesianos (para não
cansar o leitor vou usar o termo keynesiano para me referir ao keynesianos
heterodoxos, grosso modo pós-keynesianos, não é um bom termo posto que o
pensamento de origem keynesiana mais difundido na academia americana, os
chamados novos-keynesianos, é visto como ortodoxo no Brasil) fazem um serviço a
economistas liberais como eu ao dar vida a um espantalho que pede expansão
fiscal mesmo no atual estado da economia brasileira, mas isso é tema para outra
conversa, o que importa aqui é que nem todos os keynesianos estão contra o
ajuste fiscal e, até onde eu tenha conhecimento, Nelson Barbosa está entre os
que querem o ajuste fiscal. É claro que a origem keynesiana do pensamento de
Nelson Barbosa fez com que no passado ele se recusasse a ver o problema fiscal
que estava se formando, de fato Barbosa chegou ao extremo mal gosto de chamar
de terrorista os economistas que, como eu, alertavam para o problema fiscal
(link aqui), mas, mesmo tendo sido classificado como terrorista, não o devolverei
o favor e digo que hoje não tenho motivos para não acreditar na sinceridade de
Barbosa quando afirma que quer continuar com o ajuste fiscal. Só não sei se as
ideias de Barbosa são compatíveis com o ajuste fiscal.
O que vale para Barbosa vale para a Nova Matriz Econômica, a
perda do controle fiscal que ocorreu na vigência da Nova Matriz foi muito mais
um efeito do que um desejo. O grande problema da Nova Matriz não está no lado
fiscal, está na filosofia intervencionista que coloca o governo como o grande
ator do processo de crescimento. Como já disseram outros economistas não fosse
a queda da receita o problema fiscal seria bem menor, ocorre que a queda da
receita não foi punição divina nem algo do tipo, também não foi consequência de
choques externos como querem os economistas governistas, se não acredita
explique porque outros países exportadores de commodities não estão com uma
crise tão grande como a brasileira. A crise atual está relacionada a uma série
de intervenções que podiam até ser bem-intencionadas, o noticiário da Operação
Lava Jato torna quase impossível acreditar nas boas intenções das intervenções,
mas tiveram consequências desastrosas. O problema da economia brasileira se deu
no nível micro e foi para o nível macro, não o contrário.
Antes de seguir para origem de nossos problemas econômicos
vou tratar com mais cuidado do lado macro e tentar desfazer alguns mitos
relativos aos últimos anos. O primeiro e talvez mais persistente mito é que o
governo Lula teve um modelo de crescimento baseado em consumo e que isso
sacrificou o investimento (tratei do assunto aqui). A figura abaixo mostra a
taxa de investimento no Brasil entre 1995 e 2013, os dados dessa figura e de
todas as outras são das contas nacionais ano de referência 2000. Repare que não
existe uma tendência de queda da taxa de investimento, pelo contrário, se
fizermos uma tendência linear, linha verde, ela será crescente, se fizermos uma
média móvel de dois períodos a queda só vai aparecer no final, quando a crise
já era (quase) inevitável.
A verdade é que os desenvolvimentistas se preocupam com
investimento, de fato elevar a taxa de investimento é uma das prioridades da
agenda econômica do desenvolvimentismo, tão prioritário que os
desenvolvimentistas em peso apoiaram as ações do BNDES para estimular o
investimento. Na lógica desenvolvimentista o investimento induzido pelo governo
de plantão é bom porque direciona os recursos para as atividades certas, via de
regra a indústria, e também é bom porque estimula a demanda agregada. Não
precisa de muito tempo de conversa com um desenvolvimentista para que ele
comece a defender os gastos em investimento, nada muito diferente do que se
encontra em nove de cada dez análises feitas por jornalistas econômicos, o que
não é uma surpresa pois nove de cada dez jornalistas econômicos conversam quase
que exclusivamente com desenvolvimentistas, alguns talvez não assumidos.
Quem me acompanha sabe que não sou simpático a tese que o
governo deve priorizar gasto em investimento no lugar de gasto corrente,
primeiro porque gasto de investimento hoje é gasto corrente amanhã, hospitais
sem médicos e escolas sem professores não me parecem algo desejável, segundo
porque a chance de o governo direcionar o investimento para o lugar errado é
altíssima, tratarei da questão mais à frente. Naturalmente a maioria dos
jornalistas econômicos com quem converso ficam espantados quando falo o que
acabei de escrever, mais uma vez a razão é simples: jornalistas econômicos não
estão acostumados a conversar com economistas liberais do tipo que não acredita
no governo como principal indutor de crescimento, lamento, mas a parte final
não foi redundante, se não acreditar no que digo busque na internet para ver quantos
“economistas liberais” cedo ou tarde acabam defendendo “o papel estratégico do
governo para estimular o investimento”.
Outra questão que tem de ser desmistificada é a explosão do
gasto público. De fato, os governos petistas inverteram a tendência de queda do
gasto como proporção do PIB, a figura abaixo ilustra bem isso. Percebam que a
tendência linear para todo o período é crescente e que a tendência com média
móvel se torna crescente a partir de 2004, caso o leitor esteja estranhando os
números lembre que estou trabalhando com os dados das Contas Nacionais, ou
seja, o gasto público é apenas o gasto em consumo, não considera as
transferências (e.g. bolsa família) nem o investimento do governo.
A figura deixa claro que houve um aumento do gasto público
no petismo, mas a magnitude do aumento pode não ser tão grande quanto sugerido
pela figura. Se consideramos o período como um todo o gasto foi de 21,04% para
21,97% do PIB, se considerarmos apenas o período dos governos petistas o gasto
foi de 20,57%, último ano de FHC, para 21,97% do PIB, último ano da amostra. A
figura abaixo repete a figura acima, porém mudei a escala do gráfico para
começar do zero, igual ao do investimento, repare que tudo fica bem menos
impressionante desta forma. Note que não estou dizendo que um aumento no gasto
de 1,5% em relação ao PIB em 10 anos não é um problema, pelo contrário, apenas
estou dizendo que tal aumento não justifica que estejamos na maior crise de
nossa história recente.
Dois últimos pontos relativos à macroeconomia devem ser
tratados antes de seguirmos adiante. O primeiro diz respeito ao câmbio e o
segundo diz respeito aos juros. Desenvolvimentistas costumam pregar que o
governo deve agir para desvalorizar o câmbio e reduzir os juros, alguns
desenvolvimentistas dizem que economistas ortodoxos e/ou liberais (não são a
mesma coisa, mas não vou tratar da diferença hoje) defendem juros altos e
câmbio valorizado. Não é verdade, economistas liberais e/ou ortodoxos via de
regra acreditam que juros e câmbio são preços e, por isso, não podem e não
devem ser definidos de acordo com as conveniências do governo ou de quem quer
que seja. A razão dos desenvolvimentistas para pedir desvalorização do câmbio
está relacionada a fixação desenvolvimentista por estimular a indústria, um
câmbio desvalorizado compensaria desvantagens competitivas da indústria local e
seria uma forma eficiente de proteção à indústria, em particular o câmbio
desvalorizado reduziria o salário real em moeda forte. Aqui existe controvérsia
entre os desenvolvimentistas, uns defendem que se o câmbio estiver no lugar
certo pode ser praticamente a única forma de proteção à indústria, outros
acreditam que o câmbio desvalorizado deve conviver com tarifas e outras
barreiras à importação. Não sei dizer onde Nelson Barbosa se enquadra hoje,
porém imagino que brutal desvalorização do real tenha acalmado o nervosismo
desenvolvimentista com o câmbio. Aqui existe uma suprema ironia que não posso
deixar de registrar, se José Serra, um desenvolvimentista, estiver certo,
acredito que ele está errado, e vier a ser Ministro da Fazenda em um eventual
governo de Michel Temer irá colher os frutos da desvalorização cambial administrada
por Dilma.
Se o câmbio já desvalorizado não deve ser motivo de
preocupação para o novo Ministro da Fazenda o mesmo não pode ser dito dos
juros. Apesar da taxa de juros real, em tese a que é relevante para o
investimento, estar em níveis baixos para os padrões da economia brasileira pós
estabilização, vários desenvolvimentistas pedem a redução da taxa de juros (tratei do assunto aqui). O
problema é que a inflação já passa de 10% e a conversa que é efeito da
desvalorização e do ajuste dos preços administrados não resiste a uma olhada no
IPCA desagregado, a inflação está generalizada. Um elemento crucial para entender
a inflação alta e persistente que nos aflige são as expectativas dos agentes, a
verdade é que o Banco Central perdeu a credibilidade e isso faz com que todos
ignorem a meta de inflação na hora de reajustar seus preços, exemplo evidente
disso é que os próprios técnicos do Banco Central não aceitam reajustar seus
salários em 4,5% que é o centro da meta, nem o BC acredita no BC! Em um cenário
onde o Banco central precisa recuperar credibilidade abaixar a taxa de juros
pode ser desastroso, de fato, creio que apenas um aumento significativo da taxa
de juros pode ter alguma chance de permitir ao BC começar um processo para
reconquistar a confiança da sociedade.
Até aqui vimos que não houve uma tendência longa de queda da
taxa de investimento, a história do crescimento via consumo é um mito. Houve um
aumento, mas não exatamente uma explosão do gasto público. O câmbio já está
devidamente desvalorizado e mesmo a taxa de juros, o último vilão dos
desenvolvimentistas e do jornalismo econômico, não está alta se comparada em
termos reais com nossa história pós-estabilização. Se não existe nenhum grande
problema na macroeconomia como estamos em uma crise tão grande? A resposta,
como eu já tinha dito, está na microeconomia.
O ativismo do governo no investimento pode gerar vários problemas
na economia (alguns colegas acreditam que pode gerar coisas boas, vários destes
colegas possuem blogs e/ou escrevem em grandes jornais, não vou usar meu espaço
e cansar meus leitores para dizer o que eles já disseram) um deles é a locação
errada do investimento. Em uma economia de mercado as decisões de investimento
são tomadas por vários agentes que conhecem bem as dificuldades e os ganhos do
setor onde investem, se não conhecem ou por qualquer outra razão decidem de
forma errada o problema está limitado a quem fez o investimento errado. Quando
o governo toma a frente do investimento a coisa muda de figura, o uso de recursos
públicos ou a pressão direta do governo leva vários investidores a embarcar na
mesma canoa, se a canoa virar afundam todos. A coisa fica pior, ao contrário do
empreendedor privado que busca maximizar lucro o governo busca vários objetivos
diferentes e algumas vezes conflitantes. A variedade e os conflitos de
objetivos se refletem nos setores escolhidos para receber investimento.
Tome o exemplo do pré-sal, até lá por 2005 o Brasil
despontava como líder de uma tecnologia alternativa de combustíveis
aparentemente menos nocivos ao meio ambiente e que não eram de origem fóssil, sim,
estou falando do álcool. O governo Lula tentou tomar encampar o projeto e teve
até rusgas com nossos vizinhos bolivarianos quando Chávez chegou a afirmar que
a expansão do álcool afetaria a produção de alimentos (link aqui). Não sei
dizer se a aposta no álcool daria certo, o que sei é que de uma hora para outra
o governo esqueceu do álcool e foi buscar a salvação de nossa economia no
petróleo do pré-sal. Um petróleo em águas profundas e que, pelo menos fora do
Brasil, é considerado caro.
Uma série de investimentos acompanhou a aventura do pré-sal.
Os estados do Nordeste que receberiam refinarias começaram a se preparar para
um novo mundo, cursos universitários e empresas foram criadas pensando na
indústria do Petróleo. Houve uma tensão entre os estados da federação por conta
da divisão dos royalties do pré-sal, alianças políticas foram desfeitas e
construídas para garantir uma fatia maior do bolo. A indústria naval, velho
fetiche desenvolvimentista, passou a ser dirigida ao pré-sal. Complexos
petroquímicos foram criados e/ou expandidos. Os ganhos da Petrobras com os
preços altos do petróleo já eram uma festa, com o pré-sal entraríamos no
paraíso. Porém o mundo é cruel, uma guinada no preço do petróleo e o sonho
virou pesadelo. Quem investiu não teve o retorno desejado e ainda perdeu ativos
(financiados pelo BNDES, é claro), quem fez cursos para trabalhar nas
refinarias que nunca ficarão prontas perdeu tempo e dinheiro, quem largou casa
e emprego para trabalhar nas novas indústrias está desempregado e sem lar, a
lista de dramas e fracassos é grande, mas não pode ser vista nas análises
macroeconômicas, pelo contrário, o macroeconomista fica perplexo ao ver que a alta
do investimento não se tornou crescimento do PIB sem perceber que o
investimento que causou a alta foi um investimento errado e mesmo ruim.
As grandes obras não terminadas são outro exemplo de como o
direcionamento do investimento contribui para a construção da crise que
vivemos. O que poderia ter sido feito com todo o dinheiro usado na transposição
do São Francisco? Com Belo Monte? Com a ferrovia norte-sul? Quantas empresas
nasceram e morreram pensando nas obras que nunca ficam prontas e, se ficarem,
não vão entregar o que prometeram. Não entendo do assunto, mas já vi muita gente
dizer que quando a transposição do São Francisco ficar pronta, se ficar, talvez
não tenha mais água para ser transposta.
Quer outro exemplo? Tome a menina dos olhos da intervenção petista
na educação superior: o REUNI (link aqui). A expansão das universidades federais
gerou um fluxo de despesas correntes que está colocando as principais
universidades federais do Brasil em situação de quase falência (link aqui e
aqui). Reitores passam o dia a barganhar por mais recursos para pagar limpeza,
segurança e outras despesas diretamente ligadas a expansão das universidades
que dirigem. Alguns dos cursos criados não encontram professores, o leitor pode
imaginar o quão difícil é contratar um médico, um engenheiro ou mesmo um
economista para ser professor de dedicação exclusiva em uma cidade pobre no interior
do país, outros cursos têm dificuldades de encontrar alunos. Em um país com
baixa taxa de investimento e escassez de capital humano o custo do REUNI pode
ser maior que o de algumas obras não acabadas.
Creio que o leitor já pegou meu argumento, porém pode estar
se perguntando o que Nelson Barbosa tem com isso. Tudo, digo eu. Nelson Barbosa
foi o mentor de várias destas intervenções e não foi por acaso, intervenções do
tipo estão no cerne do receituário desenvolvimentista para nossos problemas.
Dilma concorda com as ideias de Nelson Barbosa e se o colocou na Fazenda é
porque quer que tais ideias voltem a guiar a política econômica. É exatamente
aí que está o perigo de Nelson Barbosa. A questão fiscal pode até aparecer,
especialmente se for caso Barbosa aumentar o investimento público, mas não será
o maior problema. A inflação deve crescer se Barbosa convencer o BC a reduzir
juros, será um problema sério, mas não será nosso o maior problema. O grande
problema é que o governo vai mobilizar uma gigantesca quantidade de recursos para
que tipos como Odebrecht, Bumlai, Eike Batista, Ricardo Pessoa e André Esteves
ditem os rumos de nosso desenvolvimento. Isso não tem como dar certo.
Caro Roberto Ellery,
ResponderExcluirAchei muito interessante a sua distinção entre ortodoxos e liberais, termos que, para o senso comum, viraram praticamente sinônimos. Seria muito legal ler um texto sobre essa diferença sob uma ótica macroeconômica (algo mais pragmático do que uma mera leitura de HPE)
Ps.: Parabéns pelo esforço de evitar a criação de espantalhos ao longo do texto, isso torna o debate muito mais produtivo e honesto.
Abraço
Caro,
ExcluirAgradeço seus comentários, o texto está agendado.
Creio que é fundamental que debatamos o Brasil sem espantalhos, existem questões importantes que evem ser discutidas. Obrigado pelo reconhecimento e apoio.
Excelente artigo!!
ResponderExcluirRoberto vc disse no seu texto que há uma diferença entre ortodoxo e liberal, ql seria? E outra duvida que eu tenho é quais seriam as escolas de liberalismo economico? procurando na internet parece que a unica que existe é austriaca.
ResponderExcluirAtt,
Wanderson
Ainda pretendo explicar melhor a diferença, por enquanto, para não te deixar sem resposta, vou usar o seu exemplo dos economistas austríacos que são liberais, mas não são ortodoxos.
ExcluirSó faltou citar alguns outros projetos e feitos de cunho desenvolvimentista como o trem-bala, os dez estádios da copa, os submarinos nucleares...
ResponderExcluirExcelente. Um retrato fidedigno do que aconteceu no Brasil com a Nova Matriz Econômica. São problemas microeconomicos e os economistas keynesianos não conseguem enxergar isso. Enxergam apenas o agregado e se esquecem que problemas econômicos também nascem de expectativas e decisões de consumidores e firmas.
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